Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
32017/16.8T8LSB.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL DE IMPUGNAÇÃO DA REGULARIDADE
LICITUDE DO DESPEDIMENTO
DECLARAÇÃO DO EMPREGADOR
DOCUMENTO ESCRITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: Na acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento exige-se que a declaração de vontade da empregadora no sentido de fazer cessar o contrato de trabalho seja inequívoca e esteja incorporada num documento escrito, quer se trate de despedimento por facto imputável ao trabalhador, de despedimento por extinção do posto de trabalho ou de despedimento por inadaptação.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


AAA, residente na Rua …, com o patrocínio do Ministério Público, intentou a presente acção para impugnação da regularidade e licitude do despedimento, apresentando o formulário a que aludem os artigos 98º- C e 98º-D do CPT, opondo-se ao despedimento que lhe foi promovido por BBB, Lda, com sede na …, Lisboa, pedindo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do mesmo com as legais consequências.

Em 28.12.2016 foi proferido o seguinte despacho.
“ Conclua os autos após férias judiciais à Exma Colega titular do processo, a fim de marcar a diligência de audiência de partes em conformidade com a disponibilidade da respectiva agenda”.

Não foi designada data para a realização da audiência de partes tendo, em 29.12.2016, sido proferido o seguinte despacho:
“ Analisados os autos, verifica-se estarmos perante acção que deu entrada em juízo por via do formulário a que alude o art. 98.º- C do Código de Processo do Trabalho.
O citado art. 98.º-C do CPT, dispõe, no seu n.º1 que (n)os termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual conste declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.»
O preceito restringe a aplicação deste processo especial aos casos de despedimento individual comunicados por escrito ao trabalhador, por facto a este imputável, por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação, desde que tais situações sejam enquadráveis na previsão do art.387.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º7/2009, de 12 de Fevereiro.
Assim, o dito processo especial só poderá ter lugar se se verificarem cumulativamente dois pressupostos essenciais, a saber: que a relação contratual que vincula autor e réu configure um contrato de trabalho e que esse contrato de trabalho tenha cessado através de despedimento promovido pela respectiva entidade empregadora ou, pelo menos, que essa cessação configure a verosimilhança de um despedimento no âmbito dos casos em que tal é admissível (nomeadamente por invocação de justa causa/por facto imputável ao trabalhador), não podendo ser controvertida a natureza jurídica do contrato e/ou qualificação da causa da sua cessação.
Juntamente com a declaração de oposição ao despedimento, deve ser junta a decisão de despedimento, acarretando a falta de junção da mesma a recusa do formulário pela secretaria (art.98.º-E do Código de Processo do Trabalho).
Ora, in casu, o trabalhador não juntou aos autos qualquer decisão proferida, e nem sabemos se a mesma existe.
Falta pois um dos requisitos para ser intentada a presente acção. Se foi comunicado ao trabalhador a cessação do contrato por meio de comunicação escrita da empregadora ao trabalhador, contendo uma decisão de despedimento individual tem a mesma de ser junta aos autos o que não sucedendo conduz a que a presente acção seja liminarmente indeferida, cfr.art.98.ºE, alínea c) do CPT.
Deste modo, nos termos e pelos fundamentos expostos, indefere-se liminarmente a presente acção.
Deverá, querendo, o trabalhador intentar acção com processo comum, tendo em atenção o prazo de prescrição de 1 ano dos créditos emergentes do contrato de trabalho, contado da data em que cessou o contrato de trabalho (art.º337 do Código Trabalho) ou obter a decisão e, estando em tempo, da dita decisão impugnar.
Valor da causa: €2.000,00 (art.98.º-P, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).
Custas a cargo do trabalhador sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Notifique.”

Inconformado, o Autor recorreu e formulou as seguintes conclusões:
I O Autor, patrocinado pelo Ministério Público instaurou a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, patrocinado pelo Ministério Público, nos termos do art.º 98.º-C e seguintes do Código de Processo de Trabalho. 
II O Autor juntou para o efeito os seguintes elementos:
a)-Requerimento formulário junto aos autos a fls.2.
b)-Declaração para efeitos de declaração de custas da qual consta que aufere € 17,4/dia de subsídio de desemprego.
c)-Declaração de situação de desemprego datada de 31 de Outubro de 2016 (a preenchida pelo empregador – art.43.º do Decreto Lei n.º 2207206 de 3/119) na qual se referencia que a cessação do contrato foi a 31 de Outubro de 2016 e o motivo da cessação do contrato de trabalho foi o despedimento por extinção do posto de trabalho.
d)-Um documento escrito denominado DECLARAÇÃO da qual consta que a Ré BBB, Lda, na qualidade de empregadora, representada neste acto pelo sócio gerente …,”vem pelo presente meio declarar de forma livre e consciente e voluntária, por tal corresponder à verdade, ter promovido por sua iniciativa e sem invocação de justa causa a cessação do contrato de trabalho celebrado em 01.02.2005 com o trabalhador AAA… o que fez por motivos de dificuldade económica que impossibilitaram a manutenção deste posto de trabalho e levaram à sua extinção” e ainda que “ A verdade é que a firma ora declarante praticamente trabalhava em regime de exclusividade com a firma  … SA a qual pôs termo ao contrato de distribuição de mercadorias que tinha tido o seu início em 1 de Setembro de 1998, sendo que a cessação desse contrato torna inviável a manutenção dos postos de trabalho que garantia até esta data” e mais consta que “ Mais se declara que o trabalhador ainda não recebeu os direitos relativos à cessação do seu contrato de trabalho.”
III Ora neste documento escrito, denominado DECLARAÇÃO, que foi entregue ao trabalhador, a Ré manifesta claramente a sua intenção de pôr termo ao vínculo contratual, por extinção do posto de trabalho e os fundamentos por que o fez, e mais referencia que o trabalhador “ainda não recebeu os direitos relativos à cessação do contrato de trabalho”.
IV Tal declaração permite concluir que o despedimento de que o Autor foi vítima é inequívoco, assumido pela entidade empregadora como tal e que a entidade empregadora se reconhece devedora relativamente ao trabalhador de quantias que ainda não lhe foram pagas.
V A não se entender que o documento referido consubstancia uma decisão do empregador, nos termos do art.º 98.º - E do Código de Processo de Trabalho ficariam fora do âmbito desta acção especial, inúmeras situações, configuradoras de despedimento, designadamente por extinção do posto de trabalho, o que não se compatibiliza com os normativos legais previstos para esta acção especial, diferenciadoras do processo comum, norteados para um impulso processual por banda do trabalhador facilitador dando-lhe a possibilidade de, por sua iniciativa, subscrever o formulário por si mesmo, já para não falar que nesta acção especial se faz recair o ónus da prova sobre a entidade empregadora.
VI Mas mesmo que se suscitassem dúvidas no que concerne à comunicação escrita da entidade empregadora - o que entendemos não ser o caso - sempre se poderia aprofundar e melhor esclarecer numa audiência de partes o motivo da referida “declaração”.
VII Permitindo quiçá a resolução consensual do pleito num curto prazo, fazendo assim jus ao princípio estruturante do Código de Processo de Trabalho que é a celeridade, sobretudo no caso em apreço em que estamos perante uma entidade empregadora que claramente assume que despediu o trabalhador.
VIII Por outro lado, mesmo a entender-se não ser esta, a forma de processo adequada para resolução deste litígio, sempre no caso em apreço se teria de concluir que tal erro não seria notório, justificando assim a marcação da audiência de partes, solução que estaria mais em consonância com as características desta acção especial acima referidas.
IX Decorre do disposto no art.º 98 F do C.P.T que processo é concluso ao Juiz para que este designe data para a audiência de partes a realizar no prazo de 15 dias, destinando-se tal audiência para além do mais, para que o juiz verifique “se à pretensão do trabalhador é aplicável outra forma de processo, caso em que se abstém de conhecer do pedido, absolve da instância o empregador e informa o trabalhador do prazo de que dispõe para intentar a acção de processo comum”.
Ora esta redacção da lei só permite concluir que foi intenção do legislador criar um processo rápido que auxilie o trabalhador a por si só se fazer ouvir.
X Ou seja o legislador reserva para momento ulterior a apreciação desta questão, fazendo recair sobre o juiz tais esclarecimentos, o que não é despiciendo se nos lembrarmos que nesta acção especial é dada a possibilidade ao trabalhador de por si mesmo subscrever o formulário.
XI Tal permite concluir que não está prevista na tramitação deste processo especial a possibilidade do despacho liminar pelo juiz, antes se consagra expressamente o momento em que tal deve ser feito – na audiência de partes, facultando-se deste modo às partes a possibilidade da conciliação, da resolução atempada do litígio, princípio esse subjacente ao processo de trabalho.
XII Por outro lado, como decorre do art.º 590.º n.º 1 do C. P. Civil que não está expressamente previsto na lei o indeferimento liminar de um tal formulário, como o que faz iniciar esta acção especial, com tão escassos elementos .
XIII Antes da redacção da lei de processo de trabalho tudo leva a crer, como acima se referiu que o trabalhador deve ser esclarecido se o processo por que enveredou, não é o adequado para impugnar o despedimento.
XIV Como se refere no acórdão de 23 de Junho de 2010 P. 206/10.4 do Tribunal da Relação de Lisboa relatado por Hermínia Marques. “ o processo especial do art.º 98 B e seguintes do C.P.Trabalho estabelece o momento processual próprio para conhecer da adequação da forma de processo à pretensão do trabalhador – a audiência de partes (n.º 3 do art.º 98.º I)
Assim, não existindo qualquer omissão na legislação específica laboral em tal matéria, não há que aplicar o regime comum do C.P.Civil como se aplicou no despacho recorrido. Assim tem razão o recorrente ao dizer que a decisão recorrida tem de ser substituída por outra em que se ordene o cumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 98.º F do C.P.Trabalho”.
XV A douta sentença, assim não tendo decidido e ao invés tendo enveredado pela inexistência de uma decisão de despedimento da entidade empregadora e optado pelo indeferimento liminar, violou o disposto nos art.sº 98.º C n.º 1, 98.º -E c), 98.º - F n.º 1, 98.º -I n.º 3 do Código de Processo de Trabalho e art.º 590.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
XVI Afigurando-se adequada ao caso a argumentação expendida no Acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Junho de 2010, relatado pela Sr.ª Desembargadora Hermínia Marques “ o processo especial do art.º 98 B e seguintes do C.P.Trabalho, estabelece o momento processual próprio para conhecer da adequação da forma de processo à pretensão do trabalhador – a audiência de partes (n.º 3 do art.º 98.º I) Assim, não existindo qualquer omissão na legislação específica laboral em tal matéria, não há que aplicar o regime comum do C.P.Civil como se aplicou no despacho recorrido.
Assim tem razão o recorrente ao dizer que a decisão recorrida tem de ser substituída por outra em que se ordene o cumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 98.º F do C.P. Trabalho”.

Termina pedindo que seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, seja revogada a decisão recorrida acolhendo-se o por si propugnado, ou seja:
Que o documento escrito entregue ao trabalhador pela entidade empregadora denominado DECLARAÇÃO, nos termos supra expostos, configura uma decisão da Ré de despedimento individual por extinção do posto de trabalho, cujos termos estão abrangidos pelo disposto no art.º 98.º E alínea c) do Código de Processo do Trabalho.
Mesmo que tal não venha a ser decidido, seja a douta decisão substituída por outra que no cumprimento do disposto no art.º 98.º F, designando data para a audiência de partes e aí, aprofundar-se qualquer questão relacionada com os termos do documento “declaração” sendo prestados pelo juiz os esclarecimentos devidos às partes, facultando-se a resolução por acordo do litígio, com vista ao alcance do principio estruturante do processo de trabalho que é o da celeridade.

O recurso foi admitido na forma, com o modo de subida e efeito adequados.

Tendo os autos baixado à 1ª instância para cumprimento do disposto no artigo 641º nº 7 do CPC, não foram apresentadas contra alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do Recurso.

Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), no presente recurso há que apreciar se o tribunal a quo errou ao não considerar que a declaração junta pelo trabalhador com o formulário configura uma decisão da Ré de despedimento individual por extinção do posto de trabalho e, consequentemente, ao não designar data para a audiência de partes.

Fundamentação de facto.
Os factos com interesse para a decisão são os que constam do relatório que antecede para o qual se remete.

Fundamentação de direito.
Vejamos, então, se o tribunal a quo errou ao não considerar que a declaração junta pelo trabalhador com o formulário configura uma decisão da Ré de despedimento individual por extinção do posto de trabalho e, consequentemente, ao não designar data para a audiência de partes.
A este propósito defende o recorrente, em síntese, que o documento escrito entregue ao trabalhador pela entidade empregadora denominado DECLARAÇÃO e que juntou com o formulário configura uma decisão da Ré de despedimento individual por extinção do posto de trabalho, cujos termos estão abrangidos pelo disposto no art.º 98.º E alínea c) do Código de Processo do Trabalho e que, em caso de dúvida, o tribunal a quo sempre deveria ter designado data para a audiência de partes para aí ser aprofundada qualquer questão relacionada com os termos do documento “declaração” e serem prestados pelo juiz os esclarecimentos devidos às partes, facultando-se a resolução por acordo do litígio, com vista ao alcance do principio estruturante do processo de trabalho que é o da celeridade.

Vejamos:

Dispõe o nº 1 do artigo 98º-C do CPT:
“ Nos termos do artigo 387º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento, individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”

Assim, de acordo com o citado normativo, no âmbito de aplicação da acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento cabem os casos em que, nos termos do artigo 387º do CT, seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento:
seja despedimento por facto imputável ao trabalhador;
seja despedimento por extinção do posto de trabalho;
seja despedimento por inadaptação.

E então, o que fica de fora do âmbito desta acção?
A tal questão responde Albino Mendes Baptista em “ A Nova Acção de Impugnação do Despedimento e a revisão do Código de Processo do Trabalho” pags. 73 e 74: “ Pelo exposto, a nova acção de impugnação do despedimento é apenas aplicável aos casos em que haja despedimento assumido formalmente enquanto tal. O CT “prometia” manifestamente mais.
Fica de fora, desde logo, o despedimento verbal e até o procedimento disciplinar (mesmo com realização de instrução) que termine em despedimento verbal.
Fica ainda de fora um cenário de invocação de abandono do trabalho (art.403.º do CT) quando não estão verificados os respectivos pressupostos.
Ficam igualmente de fora os casos em que o trabalhador entenda, porventura num cenário de alta probabilidade (nem se está a pensar tão - pouco na demasiado fácil” presunção de laboralidade”- art.12º do CT), que tem um contrato de trabalho que o empregador pretende tratar como contrato de prestação de serviços.
Finalmente, ficam de fora as situações em que o trabalhador entenda que não há motivo justificativo para o contrato a termo, relativamente ao qual o empregador acabou de invocar a respectiva caducidade.”

E no mesmo sentido escreve-se no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.05.2012, Proc. n.º 403/12.8TTFUN.L1:
“INo que respeita aos casos de despedimento individual, a acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, prevista nos artigos 98º B a 98.º P, do CPT, apenas é aplicável aos casos em que há comunicação escrita do despedimento na qual o empregador assume formalmente o despedimento.
IIFora do âmbito de aplicação desta acção ficam os demais casos de despedimento individual, nomeadamente aqueles em que embora haja um documento escrito do empregador ao trabalhador, comunicando-lhe a cessação do contrato de trabalho, nessa comunicação não  é assumida a existência de despedimento, mas antes outro qualquer fundamento, bem assim aqueles  outros casos em que há um despedimento de facto ou por mera declaração verbal.
E ainda de acordo com o mesmo aresto:”Importa precisar, como é entendimento pacífico, que esta solução não assenta no pressuposto da existência de um determinado procedimento prévio à comunicação do despedimento. Apenas exige “(..) que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual(..)”. Nestes casos, a acção própria para a impugnação de despedimento é sempre a prevista no art.º 98.º B e seguintes, ficando de todo arredada a possibilidade de impugnação através do processo comum.
A razão de ser desta opção, criando um processo especial destinado a ser aplicável apenas aos casos em que há comunicação escrita do despedimento, assenta no pressuposto de que nestes casos o despedimento individual é indiscutível e, logo, que a acção possa correr com maior celeridade. O que se discutirá é a sua regularidade e licitude, sem que o trabalhador necessite já de fazer prova do despedimento, sendo bastante a junção da comunicação da decisão de despedimento por escrito. 
Fora do âmbito de aplicação desta acção ficam os demais despedimentos, nomeadamente os de facto ou por mera declaração verbal, cuja impugnação será feita através do processo declarativo comum”.

E como se afirma no Acórdão do mesmo Tribunal, de 7.06.2016, in www.dgsi.pt (…) a nosso ver, com respeito por entendimento distinto e melhor, a acção especial em causa se deve destinar (daí, aliás, o seu cariz urgente) àquele tipo de situações em que a verificação do despedimento – no termo de processo disciplinar, por facto imputável ao trabalhador, por extinção do posto de trabalho ou até por inadaptação - é totalmente inquestionável, tanto mais que foi comunicada por escrito ao trabalhador.

Por outro lado, sobre o conceito de despedimento, escreve Pedro Furtado Martins em “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3ª Ed. pag.149 “ O despedimento é uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro. (…) O despedimento é uma declaração vinculada, constitutiva, recipienda; vinculada, porque a validade do ato extintivo está condicionada à verificação de determinados motivos ou razões que a lei considera justificativos da cessação da relação laboral; constitutiva, porque o ato de vontade do empregador tem efeitos por si mesmo, o que significa que o despedimento é uma forma de cessação de exercício extrajudicial.”

Também sobre a noção de despedimento, lemos em “Direito do Trabalho” de Pedro Romano Martinez, 5ª Ed.pag.1043 e 1044:” O despedimento é uma forma de cessação unilateral do contrato de trabalho em que a iniciativa cabe ao empregador. Exige-se uma declaração de vontade da entidade empregadora nos termos da qual se comunica ao trabalhador que o contrato cessa para futuro, sem eficácia retroactiva. Esta declaração de vontade é receptícia (art.224º do CC), pelo que o efeito extintivo do contrato só se verifica depois de a mesma ser recebida pelo trabalhador e, a partir desse momento, como qualquer declaração negocial é irrevogável (art.230º do CC).
(…)”

Em suma, o despedimento é uma declaração de vontade unilateral da empregadora no sentido de fazer cessar o contrato de trabalho, declaração que poderá ser expressa ou tácita e que se torna eficaz quando é conhecida pela outra parte.

E na acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento exige-se que essa declaração de vontade da empregadora no sentido de fazer cessar o contrato de trabalho seja inequívoca quer se trate de despedimento por facto imputável ao trabalhador, de despedimento por extinção do posto de trabalho ou de despedimento por inadaptação. 
       
Posto isso, regressando ao caso, constata-se que a recorrente, com o formulário, juntou um documento datado de 1 de Novembro de 2016, intitulado “DECLARAÇÃO”, com o seguinte teor:
“ A firma “…, Lda”, com sede na … em Lisboa pessoa colectiva nº …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o nº …, na qualidade de Entidade Empregadora, representada neste ato pelo sócio gerente …, portador do Bilhete de Identidade com o nº (…) e pelo sócio gerente …, portador do cartão de cidadão (…) vem pelo presente meio declarar de forma livre, consciente e voluntária, por tal corresponder à verdade, ter promovido por sua iniciativa e sem invocação de justa causa a cessação do contrato de trabalho celebrado em 01.02.2005 com o trabalhador (…), contribuinte fiscal (…), o que fez por motivos de dificuldade económica que impossibilitaram a manutenção deste posto de trabalho e levaram à sua extinção.
A verdade é que a firma ora declarante trabalhava praticamente em regime de exclusividade com a firma (…) S.A., a qual pôs termo por denúncia que produzirá os seus efeitos a partir do dia 1 de Novembro de 2016 a um contrato de distribuição de mercadorias que tinha tido o seu início em 1 de Setembro de 1998, sendo que a cessação desse contrato torna inviável a manutenção da sociedade ora declarante no mercado e por consequência torna inevitável a manutenção dos postos de trabalho que garantia até essa data.
Mais se declara que o trabalhador ainda não recebeu os direitos relativos à cessação do seu contrato de trabalho.
Por ser verdade vai a presente declaração ser assinada e carimbada pela gerência.”

Ora, da mencionada declaração extrai-se, por um lado, que a empregadora do Autor assume que entre ambos existiu um contrato de trabalho e, por outro lado, que promoveu, por sua iniciativa, a cessação desse contrato de trabalho e que tal cessação ocorreu por virtude da extinção do posto de trabalho.
Contudo, nada refere a empregadora quanto à data em que promoveu a cessação do contrato de trabalho do Autor, sendo certo que a declaração em causa tem a data de 1 de Novembro de 2016 e que na declaração de desemprego assinada pelos gerentes da Ré e junta, também, com o formulário se refere que o contrato de trabalho cessou em 31.10.2016, que a cessação ocorreu por iniciativa do empregador e por despedimento por extinção do posto de trabalho.

Ora, considerando a data do despedimento e a data aposta na “declaração” junta aos autos, impõe-se afirmar que com esta visou a empregadora formalizar a sua vontade unilateral de fazer cessar o contrato de trabalho que mantinha com o Autor, invocando como motivo a extinção do posto de trabalho.

Ou seja, a mencionada declaração foi a forma que a empregadora encontrou para transpor para um documento escrito o despedimento que promoveu ao Autor e para lhe dar conhecimento do mesmo, caso contrário tal documento não teria sido junto aos autos pelo Autor.

Ora, na acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento o que se exige é que a declaração de vontade da empregadora, no sentido de fazer cessar o contrato de trabalho, seja inequívoca e esteja incorporada num documento escrito, quer se trate de despedimento por facto imputável ao trabalhador, de despedimento por extinção do posto de trabalho ou de despedimento por inadaptação.

Assim e contrariamente ao defendido pelo tribunal a quo, entendemos que, no caso, é inequívoco que a Ré procedeu ao despedimento do Autor, por extinção do posto de trabalho, o que lhe comunicou por escrito através da dita declaração, assumindo, assim, formalmente, com tal declaração o dito despedimento.

É certo que a empregadora, em tal escrito, não utiliza a palavra “despedimento”, mas o certo é que o documento em causa incorpora uma declaração de cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho, que é o mesmo que dizer um despedimento por extinção do posto de trabalho. Ou seja, no caso, o despedimento individual é indiscutível, faltando apenas apurar da sua regularidade e licitude, pelo que não se verifica o alegado erro na forma de processo que determinou o indeferimento liminar do formulário.

Assim sendo, impõe-se a revogação do despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que, ao abrigo do disposto no artigo 98º-F do CPT, designe data para a audiência de partes. 

Decisão:

Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso procedente e revoga-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que designe data para a audiência de partes.
Sem custas.


Lisboa, 19 de Abril de 2017


Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Claudino Seara Paixão