Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1267/20.3T8FNC.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: JUÍZOS DO TRABALHO
COMPETÊNCIA MATERIAL
ASSOCIAÇÕES PATRONAIS
EXPULSÃO DE ASSOCIADOS
FALSIDADE DA ACTA
ART.º 164.º
N.º 1 DO CPT
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/24/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: Os Juízos do Trabalho são os materialmente competentes para conhecer de uma acção na qual os Autores pedem o reconhecimento e declaração da falsidade da letra e assinaturas constantes de uma acta de reunião da Direcção de uma Associação Patronal de direito privado sem fins lucrativos que deliberou a sua expulsão, pois que tal implica ou pode implicar o controlo da legalidade do seu funcionamento (art.os 164.º, n.º 1 do CPT e 126.º, n.º 1, alínea r) da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto).
 (Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
AAA e outros intentaram a presente acção declarativa, com processo especial de contencioso previsto no art.º 162.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, contra a BBB e outros, pedindo que fosse reconhecida e declarada a falsidade da letra e assinaturas constantes da acta mensal n.º 5/2020 da Direcção da BBB de 30-01-2020, reconhecida e declarada a nulidade de todas as deliberações por ela tomadas na respectiva reunião e constantes da mesma porque contrárias à Lei e aos Estatutos da requerida Associação e dada publicidade da decisão no site da requerida, alegando, em síntese, que:
• a BBB, é uma Associação Patronal de direito privado sem fins lucrativos e dotada de personalidade jurídica, tendo como objectivos a defesa e representação dos interesses legítimos dos associados enquanto agentes económicos do sector; contribuir para o desenvolvimento da economia nacional e regional particularmente do sector que representa; promover um espírito de solidariedade e pacificação sócio-laboral, estabelecendo uma cooperação com as demais associações patronais e sindicais no domínio do trabalho, emprego, segurança, higiene e formação profissional, conforme decorre dos seus Estatutos, artigo 1.º, publicado no Jornal oficial da Região Autónoma da Madeira (JORAM), III série, número 3, de 3 de Fevereiro de 2014,junto em anexo sob o n.º 1, que com os demais documentos, consideram-se devidamente reproduzidos para os devidos e efeitos legais.
• A sociedade (…), aqui 1.ª Autora, detém a qualidade de Associada da BBB nela contando com a respectiva quotização em dia;
• o 2.º Autor detém a qualidade de associado da BBB n.º 1169, contando com a respectiva quotização em dia.
• os 2.º a 7.º réus, nas respectivas qualidades de titulares da Direcção da BBB, promoveram uma alegada Reunião deste órgão social da requerida Associação, a 30-01-2020, com um único ponto de trabalho - Expulsão de dois Associados.
• os requerentes só tomaram conhecimento da realização de tal reunião da Direcção da BBB e do teor e conteúdo das deliberações constantes na acta 5/2020, através do Requerimento do 2.º réu e documentos que a acompanharam enviados que foram com a Ref.ª 34928447, em 21-02-2020 à ordem do processo n.º 4129/19.3T8FNC que se encontra pendente no Juízo Local Cível do Funchal - J1;
• foi com elevada apreensão e perplexidade que tomaram conhecimento da existência da alegada acta mensal, n.º 5/2020, decorrente da reunião de 30-01-2020 da Direcção da BBB.
• foi com total indignação que se viram confrontados com o teor da mesma, no sentido de expulsão, com efeitos imediatos, da Associação BBB de Associados (...) por terem quotas por pagar referente ao ano de 2019 e estarem a prejudicar os órgãos da BBB têm denegrido e muito a imagem da Associação, da Classe de Táxi, especialmente da Direcção da Associação, utilizando os órgãos de Comunicação social. (...).
• até à notificação verificada em 21-02-2020 desconheciam, nem podiam saber, porque nunca lhes foi dito ou notificado até tal data, que existia tal deliberação da Direcção no sentido de expulsão da BBB com efeitos imediatos, dos mesmos, com base nos alegados termos e fundamentos constantes na acta em apreço;
• e porque nenhum deles foi alvo de processo disciplinar, apenas tomaram conhecimento na sequência da carta de 20-02-2020 da ré BBB, recepcionada a 29-02-2020 pelo autor (…) e à sociedade, (…), Associada da BBB com o n.º 116, junto da qual foi enviada a acta mensal n.º 5/2020 referente à reunião de 31-02-2020 da Direcção da BBB;
• à qual foi deduzida oposição e interposto recurso para Assembleia Geral da BBB para efeitos de apreciação e revogação da mesma, ao abrigo do artigo 29.º n.º 4 dos respectivos Estatutos, pelo aqui autor (…), através de carta datada de 3 de Março de 2020, com os seguintes fundamentos e razões (…)
• em relação ao autor (…), Associado da BBB com o n.º 1669, este apenas tomou conhecimento que tinha sido alvo da deliberação de expulsão tomada pela Direcção da BBB, através de carta de 20.02.2020 da Ré, BBB, recepcionada a 29.02.2020, junto da qual foi enviada a acta mensal n.º 5/2020 referente à reunião de 31-02-2020 da Direcção da BBB;
• à qual foi deduzida oposição e interposto recurso para Assembleia Geral da BBB para efeitos de apreciação e revogação da mesma, ao abrigo do artigo 29.º n.º 4 dos respectivos Estatutos, pelo aqui autor (…), através de carta datada de 5 de Março de 2020, com os seguintes fundamentos e razões (…)
• os réus não lograram proceder à abertura dos competentes procedimentos disciplinares para assegurar, aos Associados arguidos, o princípio constitucional de audiência e defesa (artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa);
• ao proceder de tal forma, a Direcção da BBB liderada pelo 2.º réu António Loreto e ao atribuir efeitos imediatos à Deliberação deste órgão social da Associação Requerida, violou o disposto no artigo 29.º, n.º 2 dos Estatutos da Requerida Associação, segundo o qual: "Nenhuma pena será aplicada sem que previamente o associado conheça a acusação que lhe é formulada e se lhe conceda um prazo, não inferior a dez dias para apresentar a sua defesa".
• a verificação da falta de pronuncia e do exercício do contraditório por parte dos Associados visados pela aplicação da pena de expulsão com efeitos imediatos afecta irremediavelmente a validade e eficácia do ato deliberativo, tornando-o nulo (art.º 342.º, n.º 2 do CC).
• além do mais, resulta da acta mensal n.º 5/2020 da Direcção, que foi deliberada a expulsão com efeitos imediatos de (…), quando na realidade o mesmo não é, a título pessoal, associado da BBB, apenas representa, na qualidade de sócio gerente, a empresa Associada n.º 116, (…);
• deste modo, essa deliberação não teve a virtualidade de afectar o vínculo à BBB da sociedade, aqui 1.ª autora, pois que não logrou abrangê-la, nos termos estabelecidos na acta em apreço.
• nem podiam, ou nem deviam, os Réus, através das deliberações consignadas na Ata Mensal em apreço atribuir efeitos imediatos à aplicação das penas de expulsão que pretendiam aplicar, sob pena de se verificar, como se verificou, a violação estatutária do disposto no artigo 29.º, n.º 4 dos Estatutos da BBB, segundo o qual "da aplicação das penas previstas nos n.os 3, 4 e 5 do artigo anterior cabe Recurso para a Assembleia Geral e desta para os Tribunais".
• é falso que para aquela reunião mensal da Direcção da BBB tivessem sido convocados e estado presentes, na mesma, todos os titulares dos órgãos sociais desta Associação indicados naquela acta n.º 5/2020 e que todos eles a tivessem assinado, como foi o caso do Presidente do Conselho Fiscal, (…);
• sendo tais deliberações da Direcção da BBB constantes na ata mensal n.º 5/2020 nulas, por violação da Lei e do direito ao contraditório dos Requerentes (cfr. art.os 177.º e 178.º do CC).
Citados, aos réus contestaram, invocando, além do mais que ora não importa referir, a competência do Tribunal a quo para conhecer da acção, uma vez que no âmbito das competências fixadas no art.º 126.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário não se encontra os termos da perda de qualidade de associado.
Os autores responderam à contestação, no que releva pugnando pela competência do Tribunal, uma vez que compete aos juízos do trabalho conhecer, nomeadamente, de questões relativas ao funcionamento das associações de empregadores e a acção visa a declaração de nulidade das decisões da Direcção da BBB da sua expulsão desta associação.
A Mm.ª Juiz a quo proferiu então sentença na qual declarou o Tribunal materialmente incompetente para conhecer da acção.
Inconformados, os autores interpuseram recurso, pedindo que a decisão proferida seja revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento do processo no Tribunal a quo, enquanto Juízo de Trabalho, por ser o materialmente competente para conhecer da acção , culminando a alegação com as seguintes conclusões:
"1. A questão, a resolver através do presente recurso, resume-se a saber se é ao Tribunal a quo, enquanto Juízo do Trabalho, que compete a apreciação da matéria a que os presentes autos respeitam, ou se, ao invés, essa competência deve ter-se como atribuída, como se entendeu na 1.ª Instância, ao Juízo CíveI;
2. De acordo com os seus estatutos (art.º 1.º), a BBB reveste a natureza de associação patronal representativa das empresas que exerçam a actividade de transporte em táxi ou afim, na Região Autónoma da Madeira,
3. A presente acção visa a declaração de nulidade das decisões da Direcção da BBB de expulsão dos Autores/Recorrentes desta Associação;
4. As deliberações de expulsão da BBB, que os Autores/Recorrentes impugnam através dos presentes autos, integram questões relativas ao controlo da legalidade do funcionamento desta Associação de Empregadores e por consequência é competente para conhecer a presente acção o Juízo de Trabalho do Funchal, ao abrigo da alínea r) do artigo 126.º, n.º 1, da LOSJ (Lei 62/2013, de 26/8);
5. No mesmo sentido de entendimento, decidiu o Sr. Juiz Desembargador, Dr. Ferreira de Almeida, no âmbito do Procedimento Cautelar, movido pelos aqui Autores contra os Réus e ainda pendente no Juízo do Trabalho do Funchal que corre os seus termos através do proc. n.º 4605/19.BTBFNC.L1 - Tribunal da Relação de Lisboa - 4.ª Secção, em sede de resolução de conflito de jurisdição, julgar competente para conhecer dos ulteriores termos do processo o Juízo do Trabalho do Funchal;
6. Não se consegue percepcionar, nem conceber, mais nenhuma outra forma de funcionamento de uma Associação de Empregadores, como é o caso da Ré BBB, cujo controlo de legalidade foi atribuído ao Juízo do Trabalho, que não seja através das respectivas deliberações tomadas pelos seus órgãos sociais, através das quais expressam a vontade colectiva de funcionamento da mesma;
7. Constituindo, assim, objecto da presente acção tais questões referentes ao controlo de legalidade do funcionamento da BBB, haverá de concluir-se estar, a mesma, incluída na competência da jurisdição do Juízo de Trabalho;
B. Salvo melhor opinião , ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou o disposto no referido art.º 164.º, n.º 1 do CPT e o estabelecido no artigo 126.º, n.º 1, da al. r) , da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais".
Para tal notificados, os réus não contra-alegaram.
O processo foi com vista ao Ministério Público, que nele apôs visto.
Colhidos os vistos,[1] cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, sem prejuízo embora de se dever atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[2] Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas nele se coloca, importa saber se:
• o juízo do trabalho do Funchal é materialmente competente para conhecer da acção.
***
II - Fundamentos.
1. Factos relevantes:
Os constantes do antecedente relatório.
2. O direito.
Vejamos então se o juízo do trabalho do Funchal é o materialmente competente para conhecer da acção.
A este propósito, estabelece o n.º 1 do art.º 164.º do Código de Processo do Trabalho que "as deliberações e outros actos de órgãos de instituições de previdência, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores viciados por violação da lei, quer de fundo quer de forma, ou violação dos estatutos podem ser declarados inválidos em acção intentada por quem tenha interesse legítimo, salvo se dos mesmos couber recurso".
Por seu turno, a alínea r) o artigo do n.º 1 do art.º 126.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) estatui que "Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: (…) De todas questões relativas ao controlo da legalidade da constituição, dos estatutos e respectivas alterações, do funcionamento e da extinção das associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores".
Tal como perspectivam a acção, os apelantes pretendem questionar a legalidade de deliberação tomada pela Direcção da BBB, a qual é uma Associação Patronal de direito privado sem fins lucrativos e dotada de personalidade jurídica, tendo como objectivos a defesa e representação dos interesses legítimos dos associados enquanto agentes económicos do sector.
Assim sendo, salvo o respeito por diversa opinião, competirá aos juízos do trabalho conhecer desse tipo de acção e, concretamente, ao do Juízo do Trabalho do Funchal conhecer da presente acção, uma vez que, nos termos atrás mencionados, "compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: (…) De todas questões relativas ao controlo da legalidade (…) do funcionamento (…) das associações (…) de empregadores (…)".
Neste sentido, aliás, já decidiu o Supremo Tribunal de Justiça um caso similar, em acórdão de 28-01-2021, no processo n.º 4129/19.3T8FNC.L1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt. Assim:
II. Na interpretação e aplicação do art.º 126.º, n.º 1, al. r) da LOSJ, não oferece dúvida a qualificação da entidade ré como 'associação de empregadores' em face das respectivas competências elencadas no artigo quatro dos estatutos e, especificamente, da competência para negociar e outorgar convenções colectivas de trabalho.
III. Quanto ao elemento objectivo de tal norma, considerando-se que o conhecimento das pretensões do autor pressupõe necessariamente o controle da legalidade das deliberações associativas e que o pedido de que seja ordenada a execução de tais deliberações implica ou pode implicar o controlo da legalidade do funcionamento da associação ré, entende-se que a competência material para apreciar a presente acção cabe ao tribunal de trabalho.
Assim sendo, considerando que o Juízo do Trabalho do Funchal é o materialmente competente para conhecer da acção, deve conceder-se a apelação, revogar a decisão recorrida e determinar que o processo siga seus termos até final, caso nada de diverso do aqui apreciado o impeça.
***
III - Decisão.
Termos em que se acorda conceder provimento à apelação e, em consequência, declarar que o Juízo do Trabalho do Funchal é o materialmente competente para conhecer da acção, revogar a decisão recorrida e determinar que o processo siga seus termos até final caso nada de diverso do aqui apreciado o impeça.
Custas pelos apelados (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
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Lisboa, 24-03-2021.
António José Alves Duarte
Maria José Costa Pinto
Manuela Bento Fialho
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[1] Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[2] Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte.