Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2669/19.3YRLSB-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: VALOR DA CAUSA
PROCESSO ARBITRAL
PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE
CUSTAS
ARBITRAGEM NECESSÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:  I. A ausência de fixação do valor na decisão arbitral sujeita a um Regulamento que a impõe implica omissão de decisão quanto a questão de que o juiz arbitral devia ter conhecido, questão é de conhecimento oficioso.
II.A irrelevância da fixação do valor para apreciação da recorribilidade, determina que, ao invés da remessa ao juiz arbitral, a Relação use dos poderes-deveres de decisão em substituição a que alude o artigo 665.º, n.º 1, do CPC.
III.A causalidade é o critério fundamental da responsabilidade pelas custas, sendo a sucumbência um índice entre outros da causalidade, devendo ser afastado quando inapto para a revelar; por isso, o vencimento nem sempre determina a responsabilidade por custas.
IV.A solicitação de autorização de medicamento genérico no mercado não constitui acto ilícito susceptível de colocar em causa os direitos da titular da comercialização do medicamento de referência, uma vez que o procedimento de concessão da AIM visa bens jurídicos inteiramente diversos dos prosseguidos pelo regime de protecção de direitos de propriedade industrial
V.O princípio da causalidade não se confunde com o de culpa subjectiva, o que autoriza a consideração de uma actuação lícita como fundamento de condenação em custas (o que aliás acontece no regime dos artigos 527.º n.º 1, quanto ao índice proveito e no artigo 535.º, n.º 3, quanto ao índice protecção).
VI.A condenação da Demandada nas custas apenas se justificaria no caso de a acção arbitral ser obrigatória para protecção dos direitos relativos ao medicamento de referência face ao pedido de AIM, por determinar a caducidade deles, a que apenas a propositura da acção arbitral obsta.
VII. No entanto, tal não ocorre, já que a interpretação dos atigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, conforma com a Constituição, nos termos que o Tribunal Constitucional tem delineado consistentemente e sem dissidência,  não autoriza que se considere que a acção arbitral tem de ser instaurada na sequência da AIM por ser o único meio de evitar a caducidade dos direitos de propriedade industrial decorrido o prazo de trinta dias após a publicitação do pedido de AIM, antes pelo contrário, impõe se considere não determinar a preclusão.
VIII.Falha por isso o elemento essencial que permitia configurar o pedido de AIM como acto determinante do exercício da acção arbitral e para, assim, imputar à Demandada responsabilidade por custas, recaindo a  situação recai na previsão do artigo 535.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO
A…, LIMITED, com os sinais dos autos, requereu a constituição de tribunal arbitral para apreciação e decisão contra  B..IPCo S.a.r.l, com os sinais dos autos, da situação referente à substância activa designada “Palonossetron”, relativa ao medicamento Aloxi.
Foi constituído o Tribunal Arbitral que estabeleceu que o litígio seria julgado segundo o direito português constituído, integrado pelo direito da União Europeia e pelo disposto na Convenção sobre a Patente Europeia.
A Demandante apresentou petição inicial alegando que é titular de patente que protege o medicamento Aloxi, que inclui o princípio activo Palonossetron, e que a Demandada apresentou pedido de AIM de medicamento genérico contendo o Palonossetron como princípio activo, cuja comercialização constituirá uma violação dos direitos da Demandante resultantes da patente identificada.
Mais alega que a Demandada solicitou a AIM referida cerca de dezasseis meses antes de caducar a protecção da patente o que indica que pretende comercializar o medicamento antes da caducidade ocorrer, sendo que, visto o disposto nos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro, se impõe à Autora a necessidade de a demandar para protecção dos seus direitos.
A Demandada fez saber que não pretende contestar a demanda aceitando expressamente a cominação do n.º 2, do artigo 3.º, da Lei 62/2011, e, notificada para provisionar, veio reiterar que não irá lançar no mercado o medicamento genérico em causa antes da caducidade dos direitos da Demandante, alegando que houve negociações preliminares entre as partes que fracassaram por mera discordância quanto ao montante da cláusula penal exigida pela Demandante, negociações que pretendeu reiniciar já na pendência da demanda, sem êxito, por recusa da Demandante, mais reiterando que se reserva o direito de recorrer de qualquer decisão que a condene a algo mais do que ao previsto no n.º 2, do artigo 3.º, da Lei 62/2011, pelo que não irá proceder ao pagamento do adiantamento de encargos.
A Demandante respondeu pronunciando-se pela ausência de fundamento da posição da Demandada, uma vez que acordou quanto à instituição do Tribunal Arbitral e aos seus termos de funcionamento, nomeadamente quanto a encargos, sendo certo que foi o seu pedido de AIM que deu causa à demanda, como o vem entendendo a jurisprudência, por ter dado causa à acção arbitral necessária.
Foi proferido despacho que considerou devido o reforço de provisão pela Demandada, pela razão de ter aceitado submeter-se à arbitragem e às regras para ela fixadas, convidando a Demandante a, querendo, suprir a falta de pagamento, o que esta fez.
Foi proferido acórdão arbitral, em 8 de Maio de 2017, cuja decisão tem o seguinte teor:
1) Condena-se a Demandada a abster-se de fazer preparativos ou a iniciar a importação, fabricação, armazenagem ou comercialização, em Portugal, de medicamento genérico contendo a substância activa Palonossentron, com base na AIM concedida ou em outra AIM contendo produto com o mesmo princípio activo, enquanto estiver em vigor o certificado complementar invocado nesta acção, concretamente até 28 de Outubro de 2017;
2) Absolve-se a Demandada do pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória.
Custas a suportar pela Demandante e pela Demandada em partes iguais, condenando-se a Demandada a pagar à Demandante o valor que esta adiantou por conta da provisão daquela, no montante de € 16.000,00.
Desta decisão interpôs a Demandada o presente recurso e, alegando, conclui como segue:
1. O presente recurso vem interposto do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral a quo, nomeadamente do segmento do decisório relativo à condenação no pagamento de 50% das custas da ação arbitral sob forma de reembolso à Recorrida do que aquela pagou pela Recorrente, no montante de € 16.000,00 (dezasseis mil euros), conformando-se a Recorrente com o demais decidido no acórdão recorrido.
2. A decisão do Tribunal a quo quanto à responsabilidade pelas custas baseou-se no entendimento - na opinião da Recorrente, incorreto - de que o mero pedido de Autorização de Introdução no Mercado (“AIM”) de um medicamento genérico cujo medicamento de referência se encontre ainda abrangido pela proteção de algum direito de propriedade industrial é um facto apto a dar causa às ações arbitrais necessárias previstas na Lei 62/2011, de 12 de dezembro.
3. A Recorrente não praticou qualquer ato ilícito nem violou os direitos de propriedade industrial invocados pela ora Recorrida, entendendo que não deu causa à ação nem dela retirou qualquer vantagem. A Recorrente não deduziu sequer contestação, tendo mesmo declarado ab initio que não iria lançar o seu medicamento genérico no mercado português antes da caducidade dos direitos da Recorrida invocados nos autos.
4. Apesar de reconhecer que a Recorrente não praticou nenhum facto ilícito e que não existem indícios de que viesse, no futuro, a praticar qualquer ato infrator dos direitos industriais da Recorrida, o Tribunal recorrido rejeitou a aplicação da regra decorrente do artigo 535.° do CPC, por considerar que a Recorrida estava obrigada a instaurar a presente ação para poder exercer os seus direitos à luz do regime previsto na Lei n.° 62/2011.
5.   No acórdão recorrido o Tribunal Arbitral interpretou - incorretamente, na opinião da Recorrente- o prazo de 30 dias previsto no artigo 3.°, n.° 1 da Lei n.° 62/2011 como um prazo de caducidade para o exercício do direito da Recorrida, o que levou à conclusão de que a titular da patente ou certificado complementar, perante o pedido de AIM, vê-se obrigada a instaurar a ação arbitral. Foi nesse racional que o Tribunal recorrido ancorou a sua decisão de onerar a Recorrente com parte das custas e encargos da ação, pese embora a ausência de contestação desta.
6. A interpretação acolhida pelo Tribunal Arbitral no sentido de que o prazo de 30 dias previsto no artigo 3.°, n.° 1 da Lei n.° 62/2011 é um prazo de caducidade do exercício dos direitos de propriedade industrial face aos medicamentos genéricos abrangidos pela AIM requerida, é contrária à jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente ao decidido no Acórdão n.° 123/2015, em que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a dimensão normativa resultante do artigo 3.°, n.° 1, conjugado com o artigo 2.°da Lei n.° 62/2011, de 12 de dezembro, segundo a qual o titular de direito de propriedade industrial não pode demandar o titular de Autorização de Introdução no Mercado ou o requerente de pedido de AIM para além do prazo de trinta dias, a contar da publicação pelo Infarmed referida no artigo 9.°, n.°3, da mesma Lei, por violação do artigo 20.°, n.°s 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
7. O erro de raciocínio laborado no acórdão recorrido, no sentido de que, perante a publicação do pedido de AIM da Recorrente, a Recorrida estava obrigada a instaurar a presente ação arbitral, sob pena de caducidade do direito de invocar ou exercer os seus direitos de propriedade industrial em caso de infração pelos medicamentos abrangidos pela AIM da Recorrente, é evidente face à jurisprudência citada do Tribunal Constitucional.
8. A ação arbitral intentada pela Recorrida é necessária, mas não é obrigatória para o cabal exercício dos direitos invocados nos autos, porquanto a limitação dos meios de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos à arbitragem necessária prevista e regulada na Lei  62/2011 é inconstitucional, por violar o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva das entidades titulares daqueles direitos de propriedade industrial. Este entendimento foi acolhido por este Venerando Tribunal da Relação, no acórdão de 03/10/2013, proferido no processo n.° 747/13.1 YRLSB.L 1-8.
9. Com a Lei 62/2011 o legislador quis clarificar que o procedimento administrativo levado a cabo pelo INFARMED na apreciação e concessão de AIMs de medicamentos genéricos não depende de forma alguma da verificação, por aquele organismo do Estado, da eventual existência de direitos de propriedade industrial de terceiros, sendo hoje entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência que a AIM, ou o seu pedido junto do INFARMED, não constitui qualquer ato violador de direitos de propriedade industrial. O mesmo é expressamente reconhecido no acórdão recorrido relativamente à AIM da Recorrente.
10. O Tribunal Arbitral não retirou a devida consequência da licitude da conduta da Recorrente e da desnecessidade de instauração da ação arbitrai por banda da Recorrida para efetivação de direitos que eventualmente fossem violados in futurum na imputação da responsabilidade pelo pagamento das custas e encargos da ação arbitral, isto mesmo apesar de ter reconhecido e declarado que no acórdão recorrido que a Recorrente não praticou nenhum facto ilícito nem infringiu o direito de propriedade industrial da Recorrida pelo simples facto de ter requerido a AIM para o seu medicamento genérico.
11. Conforme foi entendido por este Venerando Tribunal Superior no acórdão de 03/10/2013 (processo n.° 747/13.1 YRLSB.S1) e, mais recentemente, no acórdão de 16/03/2017 (processo n.° 407/17.04YRLSB-8), a licitude do pedido de AIM da Recorrente e a natureza potestativa do direito da Recorrida, conjugadas com a ausência de contestação da Recorrente, deveriam ter determinado a imputação à Recorrida da responsabilidade pelo pagamento da totalidade dos encargos do litígio, nos termos do artigo 535.°, n.° 1 e n.° 2 alínea a) do CPC, disposição que se mostra assim violada pela douta decisão recorrida.
12. Por violar o artigo 535.°, n.° 1 e n.° 2, alínea a) do CPC, deve o acórdão recorrido ser revogado na parte do decisório referente à responsabilidade por custas, e substituído por outro que absolva a Recorrente do pagamento de qualquer montante a título de custas e encargos, incluindo custas de parte da Recorrida.
Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, requer-se a V. Exas.:
Seja revogado o acórdão recorrido no segmento do decisório relativo à responsabilidade por custas e, em consequência, seja a Recorrente absolvida do pagamento de qualquer montante a título de custas e encargos, incluindo custas de Parte da Recorrida;
Com as legais consequências,
Assim se fazendo JUSTIÇA.
A Demandante contra-alegou, concluindo como segue:
A. A presente acção arbitral foi instaurada ao abrigo da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro, sendo que, nos termos do artigo 2.º dessa Lei, estas acções encontram- se sujeitas a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada.
B. Ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1, da mesma Lei, a Recorrida instaurou a presente acção por meio de pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada.
C. A Demandante, aqui Recorrida, formulou os dois pedidos a seguir indicados, sendo que o segundo pedido é complementar do primeiro:
1. Ser a Demandada condenada a abster-se de, em território português, ou com o objetivo de comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio ativo o Palonossetrom, enquanto o CCP 196 (correspondente à PAT96001) estiver em vigor;
2. Ser a Demandada condenada a, nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil, pagar uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior à média diária de vendas do medicamento Aloxi® no mercado português, por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida nos termos acima requeridos, atendendo que o valor anual de vendas do medicamento Aloxi® no mercado português ascende a 676.051,00 (seiscentos e setenta e seis mil e cinquenta e um euros).
D. Em 8 de Maio de 2017, foi proferido Acordão pelo Tribunal Arbitral, nos termos do qual foi a Demandada, ora Recorrente, condenada no pedido principal deduzido pela Demandante, ora Recorrida, ficando impedida de iniciar a exploração industrial ou comercial de medicamentos genéricos contendo a substância activa Palonossetrom durante a vigência do CCP 196.
E. O mesmo Acordão decidiu, para além da condenação da Demandada atrás referida, nos seguintes termos:
- Absolveu a Demandada, aqui Recorrente, do pedido de condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia em que viole o determinado pela sentença arbitral; e
- Condenou a Demandante e a Demandada a suportarem, em partes iguais, as custas do processo, tendo, em consequência, condenado a Demandada a pagar à Demandante a quantia de €16.000,00 (dezasseis mil euros), valor que esta última adiantou por conta da provisão devida por aquela.
F. A Demandada, aqui Recorrente, veio recorrer deste Acórdão, em virtude de não se conformar com a repartição dos encargos arbitrais entre Demandante e Demandada, defendendo que não deve ser condenada no pagamento de quaisquer encargos da arbitragem, sendo a responsabilidade pelos mesmos exclusivamente da Recorrida, porquanto a Demandada não deu causa à acção.
G.  Não assiste qualquer razão à Demandada, aqui Recorrente.
H. Foi a Demandada, e não a Demandante, quem deu causa à acção arbitral ao apresentar o pedido de AIM, conforme o entendimento da nossa jurisprudência, constante dos Acordãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Novembro de 2013, de 13 de Fevereiro de 2014 e de 21 de Dezembro de 2016, assim como do Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
I. Encontrando-se provado nos autos que a Demandada requereu AIM para medicamento genérico cuja substância activa é o Palonossetrom, o qual se encontra devidamente protegido pelos direitos de propriedade industrial da Demandante, dúvidas não podem subsistir quanto ao facto de ter sido a Demandada, ao requerer a referida AIM, quem deu causa à acção arbitral necessária aqui em análise.
J. O Acordão recorrido, ao contrário do pretendido pela Recorrente, não viola o disposto no artigo 535.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do CPC,
K. Com efeito, a aplicação do artigo 535.º, do C.P.C. é afastada pelo facto de a Demandante ter sido obrigada, nos termos da Lei n9 62/2011, a intentar a presente acção, no prazo aí determinado e perante um Tribunal Arbitral, sob pena de caducidade ou ineficácia.
L.   E tal entendimento não contradiz, como pretende igualmente a Recorrente, o disposto no Acordão n.º 123/2015 do Tribunal Constitucional, o qual não coloca em causa o carácter necessário e obrigatório da arbitragem consagrada na Lei 62/2011, de 12 de Dezembro, mas apenas e tão-só, que o titular do direito de propriedade industrial não possa actuar contra o requerente do pedido de AIM, em caso de infracção ou ameaça de infracção do seu direito, para além do prazo de 30 dias previsto no artigo 39.º, n.º 1, do referido diploma.
M. Ou seja, a acção arbitral prevista na Lei 62/2011 nunca deixou de ter carácter necessário e obrigatório para os titulares de patentes, como é o caso da Demandante, que pretendam defender os seus direitos quando confrontados com a publicação de um pedido de AIM no site do INFARMED.
N. Sendo este o entendimento perfilhado pelo STJ, conforme poderá ler-se no Acordão de 7 de Dezembro de 2016, disponível em www.dgsi.pt.
O. Decai, pois, totalmente o argumento da Demandada no sentido de o Acordão Arbitral de 8 de Maio de 2017 ter incorrido em qualquer erro de raciocínio ou interpretação, quer dos artigo 535.º do CPC, quer do Acordão 123/2015 do Tribunal Constitucional.
P. A Demandada, ao apresentar junto do INFARMED o pedido de AIM para o seu medicamento genérico, deu causa à acção.
Q.  E tendo dado causa à acção, é a Demandada responsável pelo pagamento das custas arbitrais, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC…
R. ...tanto mais que foi condenada no pedido principal formulado pela Demandante nos presentes autos.
S. A condenação da Demandada, ora Recorrente, nesse mesmo pedido preenche o objectivo primordial da acção arbitral - impedir a Demandada de entrar no mercado enquanto estiverem em vigor os direitos de propriedade industrial da Demandante.
T. A Demandante, ora Recorrida, obteve, assim, no essencial, vencimento de causa, atendendo à importância decisiva do primeiro pedido e à correspondente condenação.
U.  Uma vez que o pedido principal é claramente o mais relevante e o outro meramente acessório, o critério de repartição de custas adoptado pelo Tribunal Arbitral é mais correcto, equitativo, justo e equilibrado do que aquele que é defendido e pretendido pela Demandada, aqui Recorrente.
V.   Neste mesmo sentido, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa nos Acordãos de 6 de Fevereiro de 2014 e de 21 de Dezembro de 2015 (www.dgsi.pt).
W. Acresce ainda que a actuação da Demandada, ao longo do processo arbitral, revelou uma total falta de colaboração com o Tribunal.
X.   A Demandada, não obstante ter nomeado o respectivo árbitro e ter aceite as Regras Processuais, nomeadamente o artigo 6.7. das mesmas, respeitante à obrigatoriedade das partes procederem ao pagamento de provisões, recusou efectuar o pagamento da provisão conforme lhe foi ordenado pelo Tribunal Arbitral em 23 de Março de 2017.
Y.   A Demandada, ao recusar proceder ao pagamento do referido reforço de provisão, actuou com manifesta má-fé, tendo por único objectivo o arrastamento temporal do processo.
Z.   Assim, e dado tudo o atrás exposto, a decisão do Tribunal Arbitral, contida no respectivo Acordão de 8 de Maio de 2017, no que concerne à repartição dos encargos arbitrais, não merece qualquer reparo, sendo que a proporção de 1/2 pela Demandante e 1/2 pela Demandada é totalmente adequada à situação dos autos.
AA. Deve, pois, manter-se inalterada a decisão proferida pelo Tribunal o quo, uma vez que a mesma respeita escrupulosamente as normas legais aplicáveis
Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se, nos seus exactos termos, a decisão recorrida, como é de JUSTIÇA!
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, já que a tal nada obsta.
II) OBJECTO
Tendo em atenção as conclusões da Recorrente - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, cumpre decidir da responsabilidade pela Demandada das custas da arbitragem e da litigância de má –fé que a Recorrida lhe imputa, devendo ainda apreciar-se da questão do valor da causa.
III) QUESTÃO PRÉVIA DO VALOR
1. Foi indicado o valor de € 30.000,01 pela Demandante, nada tendo sido oposto pela Demandada. Não houve decisão de fixação do valor.
Nos termos do artigo 296.º, do CPC, a toda a acção deve ser atribuído um valor certo, ao qual se atende para determinar (i) a competência do tribunal, (ii) a forma do processo de execução comum e (iii) a utilidade económica imediata do pedido.
Por seu turno, o artigo 306.º, n.º 1, do CPC, estabelece que compete ao juiz fixar o valor da causa, estatuindo o n.º 2, que o valor é fixado no despacho saneador ou, quando a ele não haja lugar, na sentença.
2. Não é apodítica a aplicação destas normas em sede de processo arbitral. De tal dá nota Paula Costa Silva[1] indicando justamente que o texto que citamos visa reflectir sobre a pertinência da aplicação do elemento valor da causa ao processo arbitral.
Ponderando o teor das normas que acima indicámos, conclui a Autora que é manifesto que a competência de um tribunal arbitral é insensível ao valor da causa e, não lhe sendo aplicável o inciso relativo à forma da execução, as consequências relativas à indicação do valor apenas podem ser encontradas num outro ponto do sistema processual central, a saber, em sede de recurso[2]. Pese embora o admita dubitativa e incidentalmente, deixando a questão para estudo posterior, conclui que. uma vez que o valor somente interessa para a aferição da admissibilidade do recurso a interpor da decisão ou do acórdão arbitral, só nesta fase deve ser dado, pelo Tribunal estadual ad quem, um valor à causa.
3. No caso que nos ocupa, e apenas dele se trata, a admissibilidade do recurso não depende do valor da causa, uma vez que a lei estabelece sem restrições a recorribilidade das decisões arbitrais, no caso da acção arbitral prevista no artigo 3.º da Lei 62/2011 – cf. artigo 3.º, n.º 7. Aliás, inexistindo alçada dos tribunais arbitrais, dificilmente se configura a possibilidade de o valor determinar a inadmissibilidade de recurso. De todo o modo, a questão do valor da causa é, no caso, alheia à admissibilidade do recurso.
Também no caso, a questão do valor é alheia à determinação dos encargos no tribunal arbitral, porque foram fixados com outros critérios como consta da acta de constituição.
No entanto, o valor tem relevância em termos de determinação de eventuais recursos a interpor de decisões de tribunais com alçada – como o é a Relação -, quando outras razões o não impeçam, e é determinante quanto às custas devidas pela apelação.
Em suma, o valor da acção é relevante pelo menos na instância de recurso.
Mesmo quando se entenda que a decisão arbitral não está sujeita ao regime dos artigos 296.º a 310.º do CPC, aplicáveis subsidiariamente, por inexistir lacuna a preencher, há que ter em atenção o regime especificamente estabelecido no acto instituidor. Nele foi determinada a aplicação do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, de 2014[3], indicado como norma subsidiária.
Ora, este Regulamento determina que o valor deve ser fixado na audiência preliminar ou na decisão arbitral (artigos 30.º, n.º 2, alínea g) e 39.º, n.º 1, alínea f)).
Este regime afasta a consideração de que a decisão arbitral poderia estar isenta da fixação de valor que aos tribunais estaduais é imposto, na mesma medida em que impõe à decisão arbitral concreta a mesma obrigação de pronúncia.
3. No regime paralelo do CPC (artigo 306.º), a omissão de fixação do valor impõe a remessa dos autos ao tribunal a quo, por isso que a ausência de fixação do valor impede se possa apreciar da recorribilidade da decisão.
Entendemos, porém, que não militam as mesmas razões no caso vertente pelo motivo de que a determinação do valor em nada influi na matéria da admissibilidade do recurso, como cremos ter demonstrado.
Assim sendo, entendemos que a ausência de fixação do valor implica a omissão de decisão quanto a questão de que o juiz arbitral devia ter conhecido (nos termos do citado Regulamento), determinante de nulidade da decisão nessa parte – artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Pese embora não tenha sido interposto recurso com esse fundamento, a questão é de conhecimento oficioso por sempre incumbir ao juiz a fixação do valor, o que não se encontra na disponibilidade das partes dada a incidência em matéria de custas.
Na específica situação dos autos, a irrelevância da questão para a apreciação da recorribilidade, determina que, ao invés da remessa ao juiz arbitral, a Relação use dos poderes-deveres de decisão em substituição a que alude o artigo 665.º, n.º 1, do CPC.
Tendo em atenção o acordo das partes, a natureza imaterial dos direitos em causa e a ausência de elementos que levem a considerar desajustado o montante em que acordaram, deve fixar-se em € 30.000,01 o valor da causa.
III) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Estão assentes os factos seguintes que constam do acórdão recorrido, não impugnado quanto a tal:
1) Foi emitida Certidão do INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), onde se lê: «Para os devidos efeitos se certifica que os elementos a seguir discriminados estão conforme os registos efectuados no processo de Patente de Invenção Nacional n.° 96001, referente a processo para a preparação de derivados de Isoquinolina condensada com um anel carbociclico», de que foi requerente ou atual titular R… LLC, com sede em ….. Califórnia 94304, EUA.
2)  Foi emitida Certidão de Certificado Complementar de Proteção, emitido pelo INPI, correspondente ao Certificado Complementar de Proteção n.° 196, em que é requerente ou atual titular R… LLC, com sede em …..Califórnia 94304, EUA, referente ao processo para a preparação de derivados de Isoquinolina condensada com um anel carbociclico, sendo o produto abrangido Aloxi-Palonossetrom, que se encontra protegido na Patente base n.° 96001, com Autorização de Introdução no Mercado em Portugal n.° C(2005)1018 de 2005.03.22, CCP vigente até 28 de Outubro de 2017.
3)  Foram indicados os valores de vendas do medicamento ALOXI, em Portugal, no ano de 2015 no documento 3 junto aos autos.
Dos autos resulta ainda com pertinência, o que se adita nos termos do artigo 663.º, n.º 2, com referência ao artigo 607.º, n.º 4, ambos do CPC, por não ser controverso:
4) Em 5 de Dezembro de 2016 foi instalado o Tribunal Arbitral ad hoc conforme acta da mesma data que se encontra a fls 2 a 5 dos presentes autos, de cujos termos, que se dão por reproduzidos, consta:
1. Objecto do litígio
O objecto do litígio consiste no exercício do direito que a Demandante possui, decorrente da Patente Portuguesa n.° 96001 e do Certificado Complementar de Protecção n.° 196, referentes à substância activa designada “PALONOSSETROM”, relativa ao medicamento dc referência denominado Aloxi, nomeadamente como resulta do artigo 101.° do Código da Propriedade Industrial, tendo em conta os pedidos de AIM efectuados pela Demandada em 16 de Junho de 2016, indicados na lista publicada pelo 1NFARMED no seu mbsik.
2. Sede e secretariado do Tribunal Arbitral
O Tribunal Arbitral agora constituído fica sedeado em Lisboa, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade, 1649-014 Lisboa, sendo secretariado na mesma Faculdade pela Dra. Chandra Martins (chandramartins@fd.ulisboa.pt).
3. Direito aplicável
O Tribunal Arbitral julga o litígio segundo o direito português constituído, integrado pelo direito da União Europeia aplicável e pelo disposto na Convenção sobre a Patente Europeia.
4. Regras do processo
Sem prejuízo das normas obrigatórias constantes do modelo de arbitragem necessária descrito na Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro, nomeadamente, da faculdade de recurso da decisão final para o Tribunal da Relação, e de outras normas imperativas decorrentes da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV) de 2011, aplicam-se as regras abaixo indicadas.
4.1. Específicas
4.1.1. Em ordem a simplificar o andamento do processo, adoptam-se as seguintes regras específicas:
a) Os articulados serão: a petição inicial, a contestação e a resposta a excepções;
b) Como regra, a língua a utilizar no processo será o português; não carecem de tradução, a facultar pela Parte que os apresenta, os documentos em inglês, francês e espanhol, nas parcelas essenciais à prova; o Tribunal Arbitral estipula, ouvindo as Partes, sobre a necessidade de intérprete, serviço a facultar pela Parte que lhe dê origem;
c) Todos os articulados, requerimentos e documentos devem ser enviados por via electrónica (em format “PDF” pesquisável e, no caso dos articulados, em formato “Word”) ou por forma digitalizada para os Árbitros e para o Secretariado, não sendo possível, são apresentados em tantos exemplares quantos os Árbitros e as Partes, acrescidos de um exemplar para o processo;
d) O prazo para a apresentação da petição inicial e da contestação é de 30 (trinta) dias e para a eventual resposta a excepções o prazo é de 15 (quinze) dias;
e) O prazo para apresentação da petição inicial conta-se a partir da notificação da Demandante para o efeito, acompanhada da acta de instalação deste Tribunal; recebida a petição inicial, o Tribunal notifica a Demandada para contestar, o mesmo ocorrendo para efeito de resposta;
f) Sendo apresentado qualquer requerimento ou documento por uma das Partes, o Tribunal notifica a contraparte para se pronunciar.
g) Os documentos, a identificação das testemunhas a inquirir e os demais meios probatórios, são apresentados com os articulados, sem prejuízo de o tribunal arbitral admitir posteriores alterações;
h) Na audiência de julgamento, as testemunhas são todas a apresentar pelas Partes, podendo o respectivo rol ser alterado 10 (dez) dias antes do início da audiência;
i) Os prazos não se suspendem nos sábados, domingos e feriados, mas não correm durante as férias judiciais, em que se suspendem, e terminando num sábado, domingo ou feriado transitam para o dia útil seguinte;
j) Findos os articulados, as partes são notificadas para a audiência preliminar, que terá lugar nos 20 dias seguintes;
l) Se o processo prosseguir, e na medida em que seja necessário, o tribunal elabora um guião de prova, seleccionando os factos assentes e a matéria de facto controvertida, podendo as partes fazer sugestões de alteração no prazo de 10 (dez) dias, e requerer diligências de prova complementares que reputem necessárias ou alterar as requeridas;
m) Depois de fixado o guião de prova, as partes são notificadas para a audiência de produção de prova oral, que terá lugar nos 60 dias subsequentes caso não seja requerida perícia;
n) Se for requerida prova pericial, a peticionária indicará o seu perito e a matéria de facto controvertida que será objecto da perícia, cabendo à parte contrária fazer iguais indicações; se os peritos indicados pelas Partes, no prazo de 10 dias contado da sua designação, não estiverem de acordo sobre a indicação do terceiro perito, o Tribunal nomeá-lo-á;
o) O prazo da arbitragem suspende-se enquanto decorrer a perícia, não podendo a suspensão exceder dois meses;
p) O Tribunal, se reputar conveniente, pode fixar um número limitado de sessões de audiência, em número igual, para cada parte;
q) As Partes podem requerer a gravação da prova produzida em audiência, devendo providenciar e facultar ao Tribunal o equipamento necessário;
r) Tanto as Partes como o Tribunal podem fazer-se acompanhar, na audiência de produção de prova, de assessores técnicos;
s) Efectuada a audiência de discussão, as Partes apresentam, em simultâneo, no prazo de 30 (trinta) dias, alegações de facto e de direito, podendo, por acordo das partes, as alegações de facto ser feitas oralmente;
t) Com as alegações as partes podem juntar pareceres.
u) A decisão final indica os factos assentes, os factos controvertidos que tiverem sido considerados provados e sua fundamentação, e pronuncia-se sobre a repartição dos encargos, consoante o vencimento, devendo ser proferida no prazo de 60 dias a contar da apresentação das alegações;
v) As notificações são feitas presencialmente, por correio electrónico, por telecópia ou carta registada, considerando-se a parte notificada no primeiro dia útil após a recepção da notificação;
x) Quando nada se disser diferentemente, o prazo regra será de 10 (dez) dias.
4.1.2. As questões respeitantes à ordenação, tramitação ou ao impulso processual, poderão ser decididas apenas pelo árbitro presidente.
4.2. Subsidiárias
4.2.1. O Regulamento subsidiariamente aplicável é o do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, de 2014.
4.2.2. A LAV de 2011 aplica-se, quanto às normas não imperativas, a título subsidiário.
4.2.3. Cabe ao Presidente do Tribunal Arbitral decidir sobre as matérias remetidas naquele Regulamento para o Presidente do Centro de Arbitragem, ouvindo os Co-Árbitros.
4.2.4. Os Árbitros poderão convocar as partes (representadas pelos respectivos advogados, se constituídos), para audições destinadas a discutir quaisquer questões relativas ao processo, designadamente à sua tramitação.
4.2.5. O Tribunal Arbitral pode, a solicitação de qualquer das Partes ou sempre que o julgue necessário ao bom e célere andamento do processo, integrar as regras aplicáveis, nomeadamente com base no Código de Processo Civil e nos princípios gerais da arbitragem.
5. Prazo da arbitragem
O prazo para a decisão arbitral é de 12 (doze) meses, a partir da data de início da arbitragem.
6. Encargos da arbitragem
Em matéria de honorários dos Árbitros, que são repartidos em partes iguais, são fixados os seguintes valores:
6.1. Os honorários dos três árbitros serão fixados em € 60.000,00, valor que poderá vir a ser corrigido pelo Tribunal Arbitral, até ao final da audiência de julgamento, tendo em consideração a complexidade da causa, nomeadamente a propositura de medidas cautelares ou incidentes, ou na medida dos interesses que se venha a revelar estarem em jogo.
6.2. Caso o processo arbitral termine por acordo, desistência das Requerentes ou inutilidade superveniente da lide, até ao termo do prazo para apresentação da petição inicial, o montante dos honorários dos três árbitros será fixado em € 6.000,00.
6.3. Caso o processo arbitral termine por acordo, desistência das Requerentes ou inutilidade superveniente da lide, depois de apresentada a petição inicial e até ao termo do prazo para apresentação da contestação, o montante dos honorários dos três árbitros será fixado em € 9.000,00.
6.4. Caso o processo arbitral termine por acordo, desistência das Requerentes ou inutilidade superveniente da lide, depois de apresentada a contestação mas antes da produção de prova, o montante dos honorários dos três árbitros será fixado em € 24.000,00.
6.5. 0 secretário do Tribunal Arbitral auferirá 20% dos honorários de um árbitro.
6.6. As despesas administrativas serão suportadas pelas Partes em igual proporção mediante a apresentação da correspondente factura, devendo ser efectuado por cada Parte um depósito de € 500 após notificação, o qual entrará em regra de custas.
6.7. Sem prejuízo de serem ordenados eventuais reforços de provisão, com a petição inicial a Demandante procede ao pagamento, a título de provisão, de uma importância de €5.000,00. Da mesma forma, com a apresentação da contestação, a Demandada procede ao pagamento, a título de provisão, de igual quantia. Os valores em causa serão acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, quando aplicável.
6.8. As peças processuais, petição inicial e contestação, apenas serão consideradas entregues uma vez efectuado o pagamento da provisão prevista no número anterior.
5) A Demandada não procedeu ao adiantamento dos encargos previsto no ponto 6.7. da acta de instalação do Tribunal Arbitral.
6) O pedido de patente referido em 1) é de 27 de Novembro de 1990, com início de vigência em 28 de Outubro de 1997 e termo final em 28 de Outubro de 2012, vigorando o CCP referido em 2) até 28 de Outubro de 2017.
7) O acórdão arbitral foi proferido a 8 de Maio de 2017.
IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO[4]
1. Da questão
Pretende a Recorrente, Demandada nos autos de arbitragem, a revogação do acórdão arbitral na parte em que a condenou nas custas na proporção de 50%, entendendo que inexiste motivo para tal condenação, uma vez que não deu causa à acção arbitral.
Alega, em resumida síntese, que nunca pretendeu comercializar o medicamento genérico na vigência dos direitos decorrentes da patente e do certificado complementar de protecção (CCP), que apenas não chegou a acordo prévio com a Demandante em virtude do montante exigido por esta a título de cláusula penal, que não contestou a acção arbitral, antes deu nota daquela sua intenção de respeito pelos direitos de propriedade protegidos pela patente e pelo CCP.
A Recorrida, Demandante na acção arbitral, defendeu o julgado invocando a natureza obrigatória da acção arbitral necessária na sequência do pedido de autorização de introdução no mercado (AIM), sem cujo exercício veria precludidos os seus direitos e invocando litigar a Demandada com má-fé patente no desrespeito da obrigação de adiantar os encargos previstos na cláusula 6.7., assim protelando a acção.
A posição assumida pelo acórdão arbitral é similar à que a Recorrida defende.
Na verdade, esse aresto fundou especificamente a decisão de condenação da Demandada em custas em quatro ordens de razões:
1) A Demandada acordou com os termos de constituição do Tribunal Arbitral dos quais constam as regras relativas aos encargos com a arbitragem;
2) A Demandada deu azo ao processo arbitral, pois o pedido de AIM, estando em vigor o direito industrial da Demandante, obriga à interposição do procedimento arbitral. No fundo, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, a titular da patente ou certificado complementar, perante o pedido de AIM, vê-se obrigada a instaurar a acção arbitral. E continua, mais adiante: a conduta da Demandada esteve na génese da presente acção arbitral ao efectuar um pedido de AIM. Conquanto corresponda ao exercício de um direito, não poderia ignorar que esta actuação levaria a Demandante, após tomar conhecimento da publicitação do pedido de AIM na página electrónica do INFARMED, a instaurar acção arbitral no prazo máximo de 30 dias a contar da referida publicitação, sob a cominação de, atenta a indeterminação da Lei n.º 62/2011, correr o risco de não poder invocar o seu direito de patente contra a Demandada, tornando-o situacionalmente inoponível (nosso sublinhado);
3) A Demandada foi condenada a respeitar o direito da Demandante até ao termo do prazo do CCP, pelo que foi vencida no processo;
4) Embora a Demandante exerça um direito potestativo que a Demandada não contesta, o exercício desse direito em determinado prazo e através desta acção arbitral é determinado por lei sob pena da sua caducidade ou ineficácia. De facto, nos termos da Lei n.º 62/2011, sobre a Demandante recai um ónus de propositura da acção arbitral, estando, assim, afastada a regra do artigo 535.º CPC.
2. Do regime acordado quanto aos encargos
No acórdão recorrido, embora a título incidental, refere-se que a ora Recorrente acordou nos termos da constituição do tribunal arbitral, das quais constam as regras a ter em conta em sede de responsabilidade pelos encargos relativos ao funcionamento do Tribunal Arbitral, as quais não excepcionou.
2.1. Na verdade, consta no ponto 6 das regras de funcionamento do Tribunal Arbitral a matéria relativa aos encargos da arbitragem – ver ponto 4) da matéria de facto assente.
Percorrendo tais regras, temos de concluir que as mesmas têm em atenção o modo de quantificação dos encargos com honorários dos árbitros e secretário e, bem assim, o provisionamento das despesas administrativas.
No entanto, das mencionadas regras nada consta quanto à responsabilidade pelo pagamento dos mesmos encargos e despesas.
Em suma, nessa matéria há que recorrer ao direito aplicável o qual é o direito interno Português, integrado pelo direito da União Europeia e pelo disposto na Convenção sobre a Patente Europeia, conforme resulta da regra 3. quanto ao direito aplicável na arbitragem.
Assim, tem de entender-se que o acordo de vontades se estabeleceu quanto à quantificação dos encargos e ao provisionamento das despesas, mas não excepcionou o regime geral da lei Portuguesa quanto à determinação da responsabilidade pelo pagamento. No que a tal se refere, há que aplicar as regras de direito interno.
Do que se conclui que o acordo prestado não estabelece regras diferentes das do direito interno e que nestas cumpre encontrar o regime aplicável, tendo em atenção o que se indicou no parágrafo anterior.
2.2. Certo é que estão estabelecidas regras de provisionamento com as quais as partes acordaram.
São elas a regra 6.6 quanto às despesas administrativas e a regra 6.7 quanto à provisão dos demais encargos.
Quanto à regra 6.6, é indicado que cada parte deve provisionar o montante de € 500,00 quando para tal notificada. Não consta que a Demandada tenha sido para tal notificada, sendo certo que consta do acórdão arbitral que não houve despesas administrativas a considerar.
Quanto à regra 6.7 referida nas contra-alegações, a Demandada foi notificada para provisionar, mas não apresentou contestação, sendo certo que a mencionada regra estabelece que a provisão é paga com a apresentação de contestação.
Não se verifica qualquer violação das regras arbitrais, face ao que importa apreciar do regime de direito interno quanto a custas.
3. Do regime de repartição da responsabilidade por custas
3.1. Pese embora a modificação do regime do anterior Código das Custas Judiciais pelo do Regulamento das Custas Processuais quanto a alguns aspectos maxime os relacionados com o pagamento da taxa de justiça, mantém-se intacto, nas suas linhas mestras, o regime de responsabilidade por custas agora plasmado no Código de Processo Civil, artigos 527.º a 541.º.
Mantém-se por isso actual o ensinamento de José Alberto dos Reis[5]: a doutrina moderna abstrai completamente do conceito da culpa e dá à responsabilidade pelas custas uma base puramente objectiva. O princípio fundamental que orienta actualmente os escritores e legisladores é este: paga as custas a parte vencida. O facto objectivo da sucumbência é o fundamento da responsabilidade pelas custas.
E dá o Ilustre Professor notícia dos diversos fundamentos encontrados para o regime quase universal:
Admitido o princípio da sucumbência como base da responsabilidade pelas custas, surge um novo problema: qual a justificação do princípio?
Aqui é que as opiniões se chocam e se dividem. Assim, os escritores franceses recorrem ou à teoria do quase contrato judicial (Dalloz, Glasson e Tissier) ou ao conceito do risco (Japiot); dos alemães e austríacos, uns encontram a justificação na relação jurídica processual, outros no valor objectivo das declarações das partes, independentemente da boa ou má fé, do dolo ou culpa; os italianos socorrem-se ou da consideração de que o erro de direito cometido pelo vencido não é desculpável (Mortara), ou da necessidade de obstar a que a parte vencedora sofra diminuição do seu património (Chiovenda), ou da teoria da causalidade (Carnelutti), ou da conjugação do conceito de Chiovenda com o de Carnelutti (Betti)[6].
E prosseguindo com a análise do direito português (consubstanciado então nos artigos 456.º e 458.º do CPC de 1939) o Autor citado conclui que o sistema português envereda pelo princípio da causalidade como fundamento da condenação em custas:
Paga as custas o vencido porquê? Porque se comportou de maneira a dar causa à acção e consequentemente às despesas judiciais que ela ocasiona, ou então porque ofereceu resistência infundada à pretensão do autor.
Noutros termos, paga as custas o vencido, porque a lide lhe é imputável, na frase de Betti.
Quando as custas, em vez de recaírem sobre o vencido, recaem sobre o vencedor, é ainda o princípio da causalidade que justifica a solução. Se o réu não deu causa à acção e a não contestou, não há razão para o condenar em custas, ainda que seja vencido; não há então nexo algum de causalidade entre as despesas judiciais da lide e a conduta do réu. Posto que vencido, o réu não deu causa às custas, nem pelo seu procedimento anterior ao processo, nem pelo seu procedimento dentro do processo.
Portanto as custas só podem ser postas a cargo do autor, visto a lide ser imputável a ele, e não ao réu. Pouco importa, em tal hipótese, que o autor seja a parte vencedora[7].
Em suma, o rígido critério da sucumbência, atribuído na sua defesa pura a Chiovenda[8], com fundamento na ideia de que quem tem razão deve sair indemne da demanda em que defende vitoriosamente a sua razão, comportava margens de injustiça quando o vencido era “estranho” à demanda alheia à sua actuação de perturbação do direito do vencedor antes da instauração da acção e à sua actuação de não contestação da acção. O princípio romano victus victori inspirador da doutrina da sucumbência na sua visão estrita não é de molde a justificar em tais casos a condenação do réu nas custas.
Temperado pelo critério da causalidade como seu enquadramento, a sucumbência surge como apenas um índice entre outros da causalidade, sendo esta o critério definitivo de imputação da responsabilidade pelas custas.
O que se sublinha. O critério é a causalidade, a sucumbência é um mero índice, geralmente satisfatório, para denunciar a causalidade. Mas quando o não seja, como índice que é, deixa de ter aptidão para operar o critério que deve recorrer a outros índices, quiçá em desaproveitamento do da sucumbência.
É o que se verifica no direito Português. Os actuais artigos 527.º e 535.º, próximos da redacção dos antigos 456.º e 458.º referidos por Alberto dos Reis, consagram este princípio da causalidade como critério a ter em atenção, expresso por diversos índices da sua revelação.
O primeiro deles, é o índice da sucumbência previsto no artigo 527.º do CPC. No seu n.º 1, a norma estabelece que a condenação em custas recai sobre a parte que a elas houver dado causa. E continua: ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
O critério é o da causalidade: é condenada a pagar as custas a parte que a elas tenha dado causa. O índice é o do vencimento da causa, o da sucumbência. Expresso claramente no n.º 2 da norma – entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for – a sucumbência é índice de determinação da responsabilidade e da sua medida.
Mas do n.º 1 podemos retirar um outro índice de sucumbência: o do proveito. É responsável pelas custas a parte que tirou proveito do processo, caso nenhuma tenha sido vencedora ou vencida.
Estabelecido o critério e os índices da sua revelação, o Código de Processo Civil aborda no artigo 535.º regras específicas de actuação do princípio da causalidade a que aqueles dois índices não dão por si resposta.
Assim é que estatui no seu n.º 1 que quando o réu não tenha dado causa à acção e a não conteste, são as custas pagas pelo autor.
Atente-se em que esta norma se refere ao princípio da causalidade relacionado com a acção e não apenas com as custas. Quando não, seria contraditória com o artigo 527.º a previsão quando o réu não tenha dado causa à acção. Na verdade, considerando sinónimas as expressões – dado causa às custas e dado causa à acção – o artigo 535.º não teria razão de existir porque o artigo 527.º cobriria todo o universo lógico possível de situações concretas: ou havia vencimento e pagava o vencido na proporção em que o fosse, ou não havia e pagava quem tirasse proveito. Em suma, o critério norteador seria a sucumbência. Mas lembremos o que acima dissemos quanto a tal: a sucumbência não é critério, é índice da causalidade.
O artigo 535.º cobre justamente situações em que o vencimento (a sucumbência) falha como índice de causalidade. Como acontece com outras normas como as dos artigos 610.º, n.º 3, e 611.º, n.º 3, ambos do CPC.
Ou seja, a previsão do artigo 535.º é a de o réu ter ficado vencido e, não obstante, não ter dado causa à acção, na citada frase de Betti não lhe ser imputável a lide. A previsão do artigo 535.º (como as dos artigos 610.º e 611.º mencionados) visa estabelecer índices de causalidade diversos da sucumbência, consagrando a distinção que a doutrina de Carnelutti impôs em nome de uma maior justiça da repartição dos encargos da lide.
Estas normas (referimo-nos às que citámos: artigos 535.º, 610.º e 611.º) são afloramentos do princípio da causalidade, como tal de carácter meramente exemplificativo e sem exclusão de outros que sejam mais adequados a revelá-lo.
Em suma, suporta as custas quem der causa à lide, que é normalmente quem nela fica vencido e nessa medida, sem prejuízo das situações em que ao vencido não possa ser imputada a lide e suas despesas.
 Este o regime a ter em consideração.
4. Das consequências da condenação da Demandada em sede da sua responsabilidade pelas custas
Do regime indicado resulta desde logo que a condenação em parte ou na totalidade do pedido pode não justificar a condenação em custas. É o que defende no caso a Recorrida.  
4.1. Nos termos que já se indicaram, o artigo 527.º, n.º 2, do CPC, estabelece a primeira regra decorrente do princípio da causalidade: dá causa à acção a parte vencida na proporção em que o for.
Nessa medida, entendeu a decisão recorrida que a Ré sempre seria responsável pelas custas da acção arbitral na medida em que foi condenada quanto ao primeiro pedido, o de se abster de comercializar o medicamento genérico a que a AIM se refere na vigência da protecção do CCP, ou seja até 28 de Outubro de 2017.
Todavia, como referimos no parágrafo anterior, o vencimento nem sempre determina a responsabilidade por custas, referindo-se o artigo 535.º justamente aos casos em que o vencido não paga as custas.
O que o acórdão recorrido teve em consideração mediante o enquadramento do caso no exercício de direito potestativo não contestado previsto na alínea a), do n.º 2, do artigo 535.º do CPC, não retirando, todavia, a mesma conclusão.
É o seguinte o teor do artigo 535.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPC:
1 - Quando o réu não tenha dado causa à ação e a não conteste, são as custas pagas pelo autor.
2 - Entende-se que o réu não deu causa à ação:
a) Quando o autor se proponha exercer um mero direito potestativo, que não tenha origem em qualquer facto ilícito praticado pelo réu;
b) Quando a obrigação do réu só se vencer com a citação ou depois de proposta a ação;
c) Quando o autor, munido de um título com manifesta força executiva, recorra ao processo de declaração;
d) Quando o autor, podendo logo interpor recurso de revisão, faça uso sem necessidade do processo de declaração.
3 - Ainda que o autor se proponha exercer um mero direito potestativo, as custas são pagas pelo réu vencido, quando a finalidade da ação seja de proteção a este.
No caso vertente, não oferece dúvida que a Demandada não praticou qualquer acto ilícito ao pedir a AIM, antes cumprindo obrigação legal a que estava vinculada, em razão do sistema legal de introdução de medicamentos genéricos no mercado.
Ora, a AIM, como o próprio nome indica, tem como única e principal finalidade permitir a introdução do medicamento no mercado e, até pelo esforço que exige da Administração, pressupõe uma intenção séria e atual do requerente de comercialização imediata ou a curto prazo — mesmo que o requerente não tenha uma verdadeira obrigação, tem seguramente o ónus de iniciar a comercialização, até porque, se o não fizer no prazo de três anos, haverá lugar à caducidade da autorização.
Por sua vez a patente de invenção visa assegurar o exclusivo da comercialização do produto protegido, sendo essa a sua principal razão de ser — de modo que o direito a impedir a comercialização do produto por terceiros sem o seu consentimento está incluído no conteúdo essencial do direito subjetivo fundado na patente, como direito absoluto que exige respeito universal[9].
No mesmo sentido, Dário Moura Vicente[10]:
A lei n.º 62/2011 estabeleceu ainda, através da nova redação dada ao art. 25.º, n.º 2, do referido estatuto do Medicamento, e do aditamento do art. 2.º-A ao regime geral das comparticipações do estado no preço dos medicamentos, constante do anexo i ao Decreto-lei n.º 48-A/2010, de 13 de maio, que os pedidos de autorizações de introdução no mercado e de comparticipações no preço de medicamentos genéricos não podem ser indeferidos  com  fundamento  na  alegada  existência  de  direitos  de propriedade industrial(11). Dissociou-se assim, conforme o permitia o regime europeu dos medicamentos para uso humano(12), a apreciação destes aspectos do regime dos genéricos dos direitos de propriedade industrial sobre os correspondentes medicamentos de referência.
Ao assim introduzir o pedido de AIM a Demandada em nada posterga os direitos da Demandante enquanto detentora de patente e do CCP mencionado. Na verdade, o procedimento de concessão da AIM visa bens jurídicos inteiramente diversos daqueles prosseguido pelo regime de protecção de direitos de propriedade industrial, a saber, os relacionados com a segurança e eficácia dos medicamentos.
Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em 20 de Maio de 2015, no processo 747/13.1YRLSB.S1 (Orlando Afonso):
A efectiva entrada no mercado dos medicamentos genéricos pressupõe que as patentes respeitantes aos medicamentos de referência tenham caducado.
Mas a questão coloca-se em saber se não obstante a patente do medicamento de referência não ter caducado, pode ou não ser requerida a AIM de um medicamento genérico.
Posto isto, e quanto à autorização de introdução do medicamento no mercado, já em tempos foi defendido que o exclusivo de comercialização concedido pela patente conferia ao seu titular o direito de impedir terceiros de praticar actos administrativos preparatórios de uma futura comercialização do produto objecto da patente, designadamente de dar início ao processo administrativo de AIM e, numa fase posterior, de obter a fixação do preço.
E tanto assim foi que a apresentação do pedido de AIM de medicamentos genéricos respeitantes a medicamentos de referência com patentes ainda em vigor, por veze4s ainda com anos de vigência pela frente, desencadeou a reacção dos laboratórios dos medicamentos de referência, que invocaram quer junto das autoridades administrativas responsáveis pela concessão de AIM e fixação de preço, quer junto dos tribunais, uma violação ou ameaça de violação dos seus direitos de propriedade industrial. Esse fenómeno ganhou dimensão relevante, nomeadamente em Portugal, merecendo até menção por parte da Comissão Europeia no Relatório Final do Inquérito do Sector Farmacêutico.
E nesse mesmo Relatório da Comissão Europeia, na parte respeitante ao Mercado Farmacêutico, considera-se que o denominado patente “linkage”, ou seja a pretensão de conexão entre a concessão de AIM ou de qualquer aprovação administrativa de um medicamento genérico e o estado da patente do medicamento de referência, é contrária à legislação comunitária, nomeadamente face ao disposto no art.126º da Directiva 2001/83/CE.
Com efeito, a defender-se tal concepção, o que ocorreria, na prática, seria o extremo de se permitir defender que só poderia ser pedida uma AIM após a patente caducar! Assim se conferindo ao titular da patente, entretanto caducada, um novo monopólio (do decurso do prazo dos procedimentos administrativos), sem qualquer suporte jurídico – cf. art. 23.º do Estatuto do Medicamento, do qual consta que o INFARMED tem até 210 dias para decidir sobre o pedido de concessão de AIM.
Por isso, somos do entendimento que podem terceiros dar inicio à pratica de actos administrativos preparatórios de uma futura comercialização de produto objecto da patente, antes mesmo desta caducar – Neste sentido Maria José Costeira e Maria Teresa Garcia, “A tutela cautelar das patentes”, in Julgar n.º 8, pág. 130 e ss. e Remédio Marques, “Medicamentos Versus Patentes”, in «Estudos de Propriedade Industrial», Coimbra Editora, pág. 84.
Nem o tribunal arbitral considera de outro modo, por isso que claramente se pronuncia no sentido de a Demandada não ter praticado qualquer acto ilícito ao solicitar a AIM de medicamento genérico.
O que exclui que se possa considerar que a demanda se funda em actuação ilícita da Demandada.
Assim, configurada a situação integra a previsão do n.º 2, alínea a), do artigo 535.º, que estabelece que não dá causa à acção visando o exercício de um direito potestativo o réu que não a tenha contestado nem tenha praticado facto ilícito que imponha a instauração da acção.
Não se verifica, ademais, a previsão do n.º 3 da norma que assaca ao réu, nestas circunstâncias, o pagamento das custas quando a acção vise essencialmente a sua protecção.
Do que se concluiria que a Recorrente não teria responsabilidade no pagamento das custas da acção arbitral em causa.
O acórdão recorrido, que a Recorrente secunda, entendeu diferentemente por razões que seguidamente se apreciarão.
4.2. Assim, enunciando embora o regime que vimos descrevendo, o Tribunal Arbitral decidiu que o princípio da causalidade impunha ainda a responsabilidade por custas da Demandada, por a acção em causa ser imposta à Autora em razão de actuação lícita da Ré.
Em suma, entendeu o Tribunal Arbitral que a acção da Demandada de solicitar a AIM impõe por si mesma a instauração da acção arbitral necessária, sem o que ficariam precludidos os direitos da demandante. Na expressão do Tribunal deveria ser assimilada à situação da prática de acto ilícito pela demandada a de esta ter praticado acto lícito – o pedido de AIM – que origina acção obrigatória para a Demandante que não queira correr o risco de não poder invocar o seu direito de patente contra a Demandada, tornando-o situacionalmente inoponível.
Digamos que, o tribunal arbitral considerou que, sendo formalmente lícito o acto de pedir a AIM, deve assimilar-se a um acto ilícito quando, da sua prática conjugada com a não instauração da acção, decorra a caducidade do direito da Autora.
Em tal caso, considera o tribunal arbitral que a Ré dá causa à acção, uma vez que, dizemos nós, a sua actuação impõe a instauração da acção como única alternativa à caducidade do direito. Ou seja, situa-se no campo dos direitos potestativos de exercício necessariamente judicial ou administrativo[11].
Em suma, parece estar subjacente a ideia de que o pedido de AIM anterior à extinção do direito decorrente da patente e do CCP determina que tais direitos sejam inoponíveis ao titular da AIM se a acção arbitral necessária não for proposta. De algum modo, o pedido de AIM, antes da extinção da protecção, é assimilado a uma contestação objectiva antecipada dos mesmos direitos, por determinar a caducidade deles, a que apenas a propositura da acção arbitral obsta.
O tribunal arbitral entende que em tal caso deve ainda considerar-se que a Demandada deu causa à acção e é responsável pelas custas.
Em abstracto não se exclui que assim se possa concluir. O afastamento da previsão do n.º 2, do artigo 535.º, do CPC, não exclui que, pelo n.º 1, se possa ainda entender que a Demandada deu causa à acção, mesmo na ausência da prática de acto ilícito.
Anote-se que não sendo central por ora na argumentação, se admite que o distanciamento do princípio da causalidade do da culpa subjectiva, autorizam a consideração de uma actuação lícita como fundamento de causalidade determinante de condenação em custas (o que aliás acontece no regime dos artigos 527.º n.º 1, quanto ao índice proveito e no artigo 535.º, n.º 3, quanto ao índice protecção).
Foi o que explicitámos ao abordar o regime legal e ao indicar o princípio da causalidade como enquadramento e os índices como afloramento exemplificativo da sua verificação que não excluem outros como demonstrativos da (in)existência de causalidade.
4.3. Para o que importa analisar a conclusão do acórdão recorrido quanto à necessidade da acção decorrente da actuação objectiva e lícita da Demandada.
No acórdão recorrido e nas contra-alegações é invocada jurisprudência nesse sentido, a dos acórdãos deste Tribunal de 7 de Novembro de 2013, de 13 de Fevereiro de 2014, de 21 de Dezembro de 2016 e do Supremo tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016, indicando ainda as contra-alegações o acórdão do Supremo de 7 de Dezembro de 2016.
O primeiro aresto foi proferido no processo 854/13.0YRLSB-6 (António Martins) e toma posição idêntica à censurada pela Recorrente. Nele se lê:
2.3. A repartição dos encargos da arbitragem
Na decisão recorrida fixou-se a repartição das custas do processo em 50% a cargo da demandante e 50% a cargo das demandadas, contra o que a apelante se insurge.
Ponderada a argumentação da recorrente, afigura-se-nos que não lhe assiste razão e que bem andou o tribunal arbitral a quo nesta matéria.
A tese da recorrente de que não existia qualquer litígio a compor, que toda a actividade processual se desenvolveu por iniciativa da A recorrida, a qual procedeu ao exercício de um mero direito potestativo, que a recorrente não praticou qualquer acto ilícito e até não contestou, ainda que parcialmente não deixe de ter fundamento fáctico, não tem fundamento legal.
Na verdade, face ao estatuído no art.º 3º nº 1 da Lei 62/2011, o interessado que pretenda fazer valer o seu direito de propriedade industrial tem um prazo de 30 dias, a contar da publicitação pelo Infarmed, na sua página electrónica, do pedido de autorização de introdução no mercado do medicamento genérico, para “efectuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada” ou “junto do tribunal arbitral institucionalizado”. Se assim não proceder caduca a possibilidade de exercer os seus direitos em litígios emergentes da invocação da propriedade industrial.
Nesta medida, tem de se concluir que é necessário e obrigatório que o titular dos direitos de propriedade industrial recorra à via arbitral. Não tem opção, pois se o não fizer, vê caducada a possibilidade de exercer os seus direitos. Por outro lado, não se diga que a recorrente não deu causa à presente acção, pelo facto de não ter praticado nenhum acto ilícito e não ter contestado. A sua acção de requer a AIM do medicamento genérico, estando ainda em vigor os direitos da propriedade industrial da A., é precisamente a causa da necessidade de propositura da acção no tribunal arbitral por banda da A., o que a recorrente não podia desconhecer.
Nesta medida, não havendo violação do invocado art.º 449º do Código de Processo Civil em vigor à data da prolação da sentença recorrida – corresponde ao art.º 535º do CPC actual – conclui-se pela negativa no que toca à terceira questão supra equacionada, julgando-se nesta parte improcedente o recurso.
O segundo, no processo 1053/13.7YRLSB-2 (Jorge Leal), assim sumariado:
A empresa de medicamentos genéricos, ao requerer autorização de introdução no mercado de medicamento respeitante a direitos de propriedade industrial em vigor, dá causa à ação arbitral que a empresa do respetivo medicamento de referência se viu obrigada a instaurar para não perder os seus direitos perante a demandada, atento o disposto no art.º 3.º n.º 1 da Lei n.º 62/2011, pelo que o facto de não contestar a ação não a exime de comparticipação nos encargos do processo.
O terceiro proferido no processo 1060-16.8YRLSB-6 (Maria Teresa Pardal), segue idêntica posição assim sumariada:
Na arbitragem necessária prevista nos artigos 2º e 3º da Lei 62/2011 de 12/12 não se pode imputar os encargos do processo exclusivamente à demandante, pois, embora não tendo contestado a acção, a demandada não deixa de ter dado causa à mesma ao requerer as AIM cuja publicação obriga a demandada a intentar acção, sob pena de caducidade do exercício dos seus direitos.
Ou seja, os mencionados arestos da Relação sufragam a posição da Recorrida. Assim, a condenação no pagamento de custas nos arestos citados resulta de ser entendido que o decurso do prazo de trinta dias previsto no artigo 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro, conjugado com o disposto no artigo 2.º da mesma lei, determinava a preclusão plena do direito de acção para defesa de tais direitos.
Quanto aos arestos do Supremo Tribunal de Justiça, o de 14 de Dezembro de 2016 foi proferido no processo 5440/15.8 T8PRT-B.P1.S1 (Lopes do Rego) e não se vê que se relacione com a matéria para além da referência incidental, a propósito de outra questão (a da viabilidade de excepcionar a nulidade da patente na acção arbitral a que alude o artigo 2.º da Lei 62/2011, agora resolvida pela redacção dada à lei pelo DL 110/2018) que se transcreve:
Na verdade, deve acentuar-se que na génese do processo arbitral – em que a empresa interessada na comercialização de determinado medicamento genérico, agora na veste de demandada, pretende questionar a validade da patente reconhecida, em termos constitutivos, ao A., que a pretende ver afirmada – esteve afinal uma iniciativa originária da própria demandada, que pediu a AIM.
No entanto, o acórdão analisa a proporcionalidade da compressão ou restrição à plenitude do contraditório e ao exercício do direito de defesa, ponderando que a parte que assim vê comprimido tal direito é a que teve a iniciativa de que resultou ser demandada no processo em que vê operar essa restrição. Situação inteiramente diversa da que nos ocupa.
Por outro lado, no acórdão de 7 de Dezembro de 2016, proferido no processo 554/15.7YRLSB.L1.S1 (Olindo Geraldes), também não é a questão das custas que ocupa o Supremo Tribunal de Justiça, pese embora não ser sem consequências para a questão que nos ocupa o que aí se decidiu. Assim é que é objecto do recurso, nas palavras do Supremo, está em discussão, essencialmente, a caducidade do direito da ação arbitral, nomeadamente no âmbito de litígio emergente de direitos de propriedade industrial referente a medicamentos de referência e medicamentos genéricos.  
No acórdão não foi discutida a questão da responsabilidade pelo pagamento dos encargos da acção arbitral, repita-se. No entanto, a invocação do acórdão é útil na perspectiva de saber se nele foi aceite o pressuposto em que se fundamentam as decisões desta Relação sobre a condenação em custas da Demandada: ser a acção arbitral obrigatória pois sem o seu exercício, no prazo assinado de trinta dias, caducarem os direitos de propriedade industrial da Demandante.
Ora, é justamente este pressuposto que o STJ não considerou assente, qual seja o da preclusão de outros meios de acção para defesa dos direitos de propriedade industrial, mas tão somente concluiu pela preclusão da própria acção arbitral, findo aquele prazo.
Esse é também a posição de Dário Moura Vicente[12]:
Importa, outrossim, ter presente que o alcance da referida imposição de arbitragem necessária pela lei n.º 62/2011 é consideravelmente mitigado por duas ordens de factores. (…). Em segundo lugar, o facto de que, como se demonstrará adiante, a arbitragem necessária prevista na lei n.º 62/2011 não preclude a possibilidade de os interessados se dirigirem aos tribunais judiciais, decorrido que esteja o prazo fixado no art. 3.º, n.º 1, a fim de reagirem contra as violações dos seus direitos de propriedade industrial.
5. Da natureza da demanda: necessária e obrigatória, porque preclusiva?
Em outro passo o Autor citado[13], enunciando a história da Lei 62/2011, ensina:
(…) a lei n.º 62/2011 propôs-se fundamentalmente, como o revelam os respetivos trabalhos preparatórios, «estabelecer um mecanismo alternativo de composição de litígios que, num curto espaço de tempo, profira uma decisão de mérito quanto à existência, ou não, de violação dos direitos de propriedade industrial», evitando assim as referidas delongas na comercialização desses medicamentos.
(…)
Agora pergunta-se: terão os titulares de direitos de propriedade industrial sobre medicamentos de referência de instaurar ações arbitrais, nos termos da lei n.º 62/2011, sempre que uma empresa produtora de genéricos requeira uma autorização de introdução no mercado, mesmo que essa empresa não se proponha comercializá-los antes de ter caducado a patente sobre o medicamento de referência, sob pena de ficar precludida qualquer reação ulterior contra a violação desses direitos pelo fabricante de genéricos?
Supomos que a resposta a este quesito deve ser negativa, porquanto uma interpretação da lei n.º 62/2011 naquele sentido levaria a um resultado oposto ao que é por ela visado. Caso vingasse esse ponto de vista, tais ações teriam, com efeito, de ser forçosamente instauradas — posto que a título cautelar — mesmo que nenhum litígio houvesse entre as partes, multiplicando-se deste modo processos inúteis, que a lei justamente quis evitar.  Julgamos por isso que, à luz da ratio legis da lei n.º 62/2011, aquele preceito deve ser interpretado no sentido de que não impede a propositura de uma ação judicial contra um fabricante de genéricos fundado numa violação iminente ou atual de um direito de propriedade industrial depois de decorrido o prazo nele fixado, contanto que a patente esteja em vigor.  De outro modo, ter-se-ia criado na ordem jurídica portuguesa um novo prazo de caducidade das patentes, que nem o Código da Propriedade industrial nem as convenções internacionais a que Portugal está vinculado nesta matéria preveem ou consentem; e que seria, além disso, de compatibilidade fortemente questionável com o disposto nos arts. 42.º e 62.º da Constituição, que tutelam, respectivamente, os direitos intelectuais e a propriedade privada.
O regime em aplicação é o da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro, na sua versão inicial e não na que decorre da entrada em vigor do Decreto-Lei 110/2018, de 10 de Dezembro (cf. pontos de facto 6) e 7) supra).
São as seguintes as normas a considerar:
Artigo 2.º
Arbitragem necessária
Os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, na aceção da alínea ii) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto – Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de proteção, ficam sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada.
Artigo 3.º
Instauração do processo
1 — No prazo de 30 dias a contar da publicitação a que se refere o artigo 15.º -A do Decreto -Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, na redação conferida pela presente lei, o interessado que invocar o seu direito de propriedade industrial nos termos do artigo anterior deve fazê-lo junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada.
2 — A não dedução de contestação, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito pelo tribunal arbitral, implica que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não poderá iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados nos termos do n.º 1.
3 — As provas devem ser oferecidas pelas partes com os respetivos articulados.
4 — Apresentada a contestação, é designada data e hora para a audiência de produção da prova que haja de ser produzida oralmente.
5 — A audiência a que se refere o número anterior tem lugar no prazo máximo de 60 dias posteriores à apresentação da oposição.
6 — Sem prejuízo do disposto no regime geral da arbitragem voluntária no que respeita ao depósito da decisão arbitral, a falta de dedução de contestação ou a decisão arbitral, conforme o caso, é notificada, por meios eletrónicos, às partes, ao INFARMED, I. P., e ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P., o qual procede à sua publicitação no Boletim da Propriedade Industrial.
7 — Da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo.
8 — Em tudo o que não se encontrar expressamente contrariado pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regulamento do centro de arbitragem, institucionalizado ou não institucionalizado, escolhido pelas partes e, subsidiariamente, o regime geral da arbitragem voluntária.
A interpretação destas normas é o cerne do acórdão do Supremo de 7 de Dezembro (tanto no seu texto como no do voto de vencida) e tem sido objecto de diversas tomadas de posição no Tribunal Constitucional.
Uma primeira de que dá nota o Supremo, no acórdão 123/2015, cujo juízo o Supremo aceita, ponderando embora as diferenças entre a questão suscitada no acórdão 123/2015 e a que lhe está sujeita. O voto de vencida é claro quanto a este aspecto.
Seguindo a lição do acórdão do Tribunal Constitucional 123/2015, quanto ao procedimento administrativo de concessão de autorização de introdução de medicamento (da Lei 62/2011 na sua redacção inicial), são suas características principais:
a) os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, quanto a medicamentos de referência ou medicamentos genéricos, ficam sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada;
b) os direitos de propriedade industrial invocados podem ser fundados em patentes de processo, de produto ou de utilização, ou em certificados complementares de proteção;
c) o recurso à arbitragem pelo interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial é feito no prazo de 30 dias a contar da publicitação pelo INFARMED, IP, na sua página eletrónica, dos pedidos de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamentos genéricos, devendo fazê-lo junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada (prevendo-se, a título de disposição transitória – artigo 9.º, n.º 3 – igual prazo a contar da publicação dos elementos relativos aos medicamentos para os quais ainda não tenha sido proferida pelo menos uma das decisões de AIM, do preço de venda ao público ou de inclusão na comparticipação do Estado no preço dos medicamentos);
d) a não dedução de contestação, no prazo de 30 dias após notificação pelo tribunal arbitral, implica que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamento genérico, não poderá iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados em sede de arbitragem necessária;
e) a apresentação das provas é feita pelas partes nos articulados, havendo também lugar a audiência de produção da prova que haja de ser produzida oralmente;
f) a audiência é realizada nos sessenta dias seguintes à apresentação da oposição;
g) há recurso da decisão arbitral, com efeito meramente devolutivo, para o Tribunal da Relação competente;
h) são aplicados subsidiariamente o regulamento do centro de arbitragem escolhido e o regime geral da arbitragem voluntária (contido na Lei n.º 63/2011, de 12 de dezembro).
A questão sujeita é a de saber se a previsão da acção arbitral como meio específico de protecção de direitos de propriedade industrial por via jurisdicional (incluindo na via jurisdicional a arbitral, nos termos do acórdão permitidos pelo acórdão do Tribunal Constitucional sobre a matéria 2/2013), em caso de procedimento administrativo decorrente de solicitação de AIM, pretende excluir outros meios jurisdicionais de protecção ou, pelo contrário, adita um meio de protecção aos pré-existentes.
No Tribunal Constitucional o percurso estabelece-se com os marcos que constituem os acórdãos 123/2015, 187/2018, 496/2018 e 180/2019 a que seguidamente se dará atenção.
Como pressuposto fundamental da análise destes acórdãos, o papel do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, que se cinge à apreciação de normas ou de normação de caso concreto decorrente da interpretação delas e não de decisões judiciais em si mesmas. Nesse sentido, refere Jorge Reis Novais[14]:
A principal e singular nota que, a nosso ver, identifica o nosso sistema de fiscalização é que ele consiste exclusivamente em controlo de normas.
(…)
Então, e uma vez que a jurisdição constitucional suprema só podia, de acordo com o sistema de fiscalização instituído, intervir no controlo da constitucionalidade das normas, o esforço dirigiu-se para a exploração/ampliação de um conceito de “norma” adequado à fiscalização de constitucionalidade e foi em grande medida através desse esforço que o tribunal Constitucional assumiu “a tarefa a fronteira da sua própria competência de fiscalização”.
Assim, o Tribunal Constitucional viria a adoptar a chamada concepção funcional de norma, ou conceito funcionalmente adequado ao concreto sistema de fiscalização instituído entre nós, que combina dimensões formais e materiais e que, sobretudo, não se limita ao conteúdo objectivo do comando normativo contido nos enunciados sujeitos a ficalização, mas abrangem igualmente, os conteúdos normativos que, supostamente, se podem imputar à concreta interpretação e aplicação que o juiz do caso fez daquele enunciado normativo.   
Esta questão é central na delimitação das pronúncias dos acórdãos mencionados, na sua invocada contradição e na análise do último deles que a nega, recusando a submissão da questão ao Plenário.
Voltando aos acórdãos, sumariamente.
No acórdão 123/2015, o Tribunal Constitucional foi confrontado com uma interpretação do TPI de que o decurso do prazo de trinta dias previsto no artigo 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, precludia a instauração de procedimento cautelar nos tribunais judiciais quando conjugado com o teor do artigo 2.º da mesma Lei.
Perante a invocação da inconstitucionalidade desta interpretação que foi a ratio decidendi do TPI em primeira instância e da Relação de Lisboa em sede de recurso, o Tribunal Constitucional formulou um juízo de inconstitucionalidade da referida interpretação decidindo:
Julgar inconstitucional a dimensão normativa resultante do artigo 3.º, n.º 1, conjugado com o artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, segundo a qual o titular de direito de propriedade industrial não pode demandar o titular de Autorização de Introdução no Mercado ou o requerente de pedido de AIM para além do prazo de trinta dias, a contar da publicação pelo Infarmed referida no artigo 9.º, n.º 3, da mesma Lei, por violação do artigo 20.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
No acórdão 187/2018, situação diversa se colocava ao Tribunal Constitucional, a da invocação da inconstitucionalidade da interpretação dada no acórdão do STJ de 7 de Dezembro de 2016, já mencionado, às normas dos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, no sentido de o decurso do prazo de trinta dias previsto naquela última norma precludia o exercício da acção arbitral a que aludia o artigo 2.º.
Neste caso, o Tribunal considerou constitucional a referida interpretação por se limitar a considerar precludido o prazo para a instauração da acção arbitral, mantendo a possibilidade de outros meios jurisdicionais de defesa dos direitos.
Ou seja, discutiu-se [no acórdão 123/2015] o critério normativo que constituíra ratio decidendi do juízo de preterição de tribunal arbitrário necessário, impedindo com cunho de definitividade o conhecimento pelos Tribunais Judiciais de providência cautelar instaurada com referência a um conjunto de atos relativos a medicamentos genéricos.
Em função desse dado, o Tribunal assentou o julgamento de inconstitucionalidade na valoração do «resultado do regime assim instituído», por consubstanciar «a preclusão da tutela jurisdicional do direito em causa – quanto a eventuais violações decorrentes da comercialização de medicamentos genéricos que possam contender com o direito protegido pela patente relativa a medicamentos de referência». E, encerrando a fundamentação, concluiu nestes termos:
 «O caráter definitivo da impossibilidade de tutela dos invocados direitos de patente (tutelados por período de vinte anos), decorrido o prazo de trinta dias contado da publicitação eletrónica dos elementos relativos a um pedido de concessão de AIM, não se compadece com a fundamentalidade dos direitos envolvidos, assim se concluindo pela violação do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva».
13.2. Ora, a aqui decisão recorrida, proferida pelo STJ, ainda que se situe no mesmo campo problemático, pois em ambos os processos está em questão interpretação normativa extraída da conjugação dos artigos 2.º e 3.º, nº 1, da Lei nº 62/2011, comporta dados normativos distintos dos que foram pressupostos no julgamento constante do Acórdão nº 123/2015.
Com efeito, no caso em apreço discute-se, não o acesso aos tribunais estaduais em função da ultrapassagem do prazo de 30 dias para a instauração da ação arbitral, mas o próprio acesso ao processo arbitral necessário no quadro do procedimento autorizativo de introdução no mercado de medicamentos genéricos.
Assim se chegou à Decisão Sumária 284/2018 que, sob reclamação para a conferência, originou o acórdão 496/2018.
Estava em apreciação a constitucionalidade da interpretação feita pelo tribunal a quo dos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, no sentido de que o titular de direito de propriedade industrial não pode demandar o titular de Autorização de Introdução no Mercado ou o requerente de pedido de AIM para além do prazo de trinta dias, a contar da publicação pelo Infarmed a que se refere o artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, na redação conferida pela Lei n.º 62/2011.
Neste caso, a Decisão Sumária confirmada pelo Acórdão 496/2018 que julgou improcedente a reclamação, determinou a interpretação conforme, nos termos do artigo 80.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) que estabelece que, no caso de o juízo de constitucionalidade ou de legalidade sobre a norma que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em determinada interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação no processo em causa.
Assim, o Tribunal Constitucional entendeu que as normas aplicandas, as dos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, eram susceptíveis de interpretação conforme com a Constituição, quando interpretadas no sentido que fundou o juízo de constitucionalidade do acórdão 187/2018, a saber, quando interpretadas no sentido de o prazo de trinta dias apenas precludir o exercício do direito de acção arbitral e não outras formas de acionar os direitos de propriedade industrial, de forma quer cautelar quer definitiva.
(…) entendeu-se, naquela Decisão Sumária, ser possível uma interpretação de tais normas diversa da adotada pelo tribunal a quo. Daí a convocação do mencionado Acórdão n.º 187/2018, em que este Tribunal concluiu que «os direitos precludidos em virtude da inobservância do prazo, são apenas aqueles que são objeto da própria Lei n.º 62/2011, e não todos e quaisquer direitos relacionados com a patente concretamente considerada» e, por isso, decidiu «não julgar inconstitucional a interpretação normativa dos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011 segundo a qual o titular do direito de propriedade industrial não pode demandar o titular de Autorização de Introdução no Mercado ou o requerente de pedido de AIM, nos termos e para os efeitos previstos na mesma Lei, para além do prazo de trinta dias, a contar da publicação, através da página eletrónica do Infarmed, a que se refere o artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, na redação conferida pela Lei n.º 62/2011»[15].
Isso mesmo vai ser considerado no acórdão 180/2019 em que se aprecia reclamação da decisão que indeferiu a apreciação plenária para uniformização de jurisprudência com base na contradição de julgados entre o referido acórdão 496/2018 e o acórdão 123/2015, este último apreciando a rejeição de recurso para o Plenário para uniformização de jurisprudência com fundamento em contradição dos juízos de (in)constitucionalidade formulados nos acórdãos 123/2015 e 496/2018.
A decisão pela inexistência de contradição faz o ponto de situação no Tribunal Constitucional (sem que exista quanto a tal jurisprudência obrigatória):
1) é inconstitucional a interpretação normativa das normas dos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, no sentido de que o decurso do prazo de trinta dias preclude o direito de acção, qualquer que ela seja e mesmo nos tribunais judiciais, para defesa dos direitos de propriedade industrial eventualmente afectados pela AIM (acórdão 123/2015);
2) é constitucional a interpretação normativa das normas dos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, no sentido de que o decurso do prazo de trinta dias preclude o direito de acção arbitral no contexto do procedimento administrativo de AIM, não podendo o titular demandar nessa acção o solicitante da AIM (acórdão 187/2018);
3) é constitucional a interpretação normativa das normas dos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, no sentido de que o decurso do prazo de trinta dias apenas preclude o direito de acção arbitral contra o solicitante da AIM, e não outras formas de acionar os direitos de propriedade industrial, de forma quer cautelar quer definitiva (acórdão 496/2018).
Em suma, pode retirar-se da jurisprudência do Tribunal Constitucional que a interpretação dos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011 (sempre na redacção aplicável, a original, uma vez que a matéria foi profundamente alterada pelo DL de 2018), conforme com a Constituição, é a de que o prazo de trinta dias previsto nesta última norma apenas preclude o exercício do direito de acção arbitral contra o solicitante da AIM.
Ou seja, tem de concluir-se que a interpretação das referidas normas conforme com a Constituição, nos termos que o Tribunal Constitucional tem delineado consistentemente e sem dissidência,  não autoriza que se considere que a acção arbitral tem de ser instaurada na sequência da AIM por ser o único meio de evitar a caducidade dos direitos de propriedade industrial decorrido o prazo de trinta dias após a publicitação do pedido de AIM, antes pelo contrário, impõe se considere não determinar a preclusão.
 Não se acompanha assim o acórdão recorrido, com o devido respeito pela opinião expendida, quando considera ser imperativo o uso da acção arbitral para evitar a caducidade dos direitos que, sem ela, deixariam de poder ser exercidos contra o titular da AIM.
Falha por isso o elemento essencial que permitia configurar o pedido de AIM como acto determinante do exercício da acção arbitral e, assim, considerar que esta acção se devia à conduta da Ré que, mesmo não a tendo contestado, a ela havia dado causa para efeito de responsabilidade por custas.
Entendemos, em consequência, com o acórdão desta Relação de 3 de Outubro de 2013, proferido no processo 747/13.1YRLSB.L1-8 (Teresa Prazeres Pais):
(…) a conclusão é a de que as Demandantes exerceram um direito potestativo—declaração e reconhecimento do direito de propriedade industrial –pressuposto essencial para a condenação das Demandadas nos termos da decisão impugnada -, sem que houvesse um litígio, tal como a decisão impugnada reconheceu.
Em suma, não pode concluir-se que a Demandada deu causa à acção, antes se devendo concluir que, pese embora vencida, o foi sem que tenha contestado o direito que a Demandante pretendia proteger ou praticado qualquer acto ilícito de que decorresse a necessidade da acção.
A situação recai na previsão do artigo 535.º, n.º 2, alínea a), inexistindo a situação de excepção da necessidade de acção face a actuação da Demandada que a exclua dessa previsão. Não lhe pode ser assacada responsabilidade pelas custas.
6. Da litigância de má-fé
A Recorrida invoca litigância de má-fé por parte da demandada resultante de não ter feito o adiantamento de encargos a que se obrigara no ponto 6.7 das regras de funcionamento do tribunal arbitral.
A questão não foi suscitada quanto à actuação em recurso e nunca foi levada ao tribunal arbitral. No entanto, a sua manifesta improcedência face ao que supra se indicou quanto ao sentido da regra dispensa-nos de outras considerações sobre a viabilidade do pedido neste sede de recurso.
IV) DECISÃO
Pelo exposto, ACORDAM em:
1) Julgar procedente a apelação revogando a decisão recorrida no segmento em que determinou a responsabilidade pelo pagamento de custas, decidindo quanto a tal que as custas da instância arbitral serão suportadas pela Demandante/Recorrida, abrangendo os encargos da instância arbitral.
 2) Julgar improcedente a imputação de litigância de má fé da Demandada/Recorrente.
3) Fixar o valor da causa em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
4) Condenar a Recorrida nas custas devidas pela apelação – artigo 535.º, n.º 2, alínea a), e 527.º, n.º 2, respectivamente, do CPC.
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Lisboa, 21 de Novembro de 2019
 Ana de Azeredo Coelho
 Eduardo Petersen Silva
Cristina Neves
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[1] In Valor da causa e causas do valor nos processo arbitrais, Estudos de Direito da Arbitragem em Homenagem a Mário Raposo, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, p. 199 e ss.
[2] P. 201 e 202.
[3] http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2017/10/Regulamento_de_Arbitragem_2014-2.pdf
[4] Todos os acórdãos do Tribunal Constitucional que forem citados foram consultado no respectivo site e toda a restante jurisprudência em http://www.dgsi.pt/home.nsf?OpenDatabase.
[5] Cf. Código de Processo Civil Anotado, volume II, 3.ª edição – reimpressão, Coimbra 1981, p. 200.
[6] Op. et loc. cit.
[7] Idem p. 203.
[8] In La condanna nelle spese giudiziali.
[9] Cf. Vieira de Andrade, A proteção do direito fundado em patente no âmbito do procedimento de autorização da comercialização de medicamentos, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 138º, Novembro-Dezembro de 2008, nº 3953, pp. 70 e ss., p. 81, apud acórdão 123/2015 do Tribunal Constitucional.
[10] In O regime especial de resolução de conflitos em matéria de patentes (lei n.º 62/2011), p. 977-978, consultado em file:///C:/Users/mj01366/Documents/doutrina/Arbitragem/O%20regime%20especial%20de%20resolução%20de%20conflitos_Dário%20Moura%20Vicente.pdf
[11] Cf. Professor Luís Carvalho Fernandes in Teoria Geral do Direito Civil, II, UCP, 5.ª edição, p. 585.
[12] Idem, p. 976.
[13] Ibidem p. 974 e 979.
[14] In Sistema Português de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade, AAFDL, 2007, p.  47 e 130.
[15] Citado acórdão 496/2018.