Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1579/12.0TBSCR.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: CESSÃO DE BENS AOS CREDORES
ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -Como flui do disposto no n.º 2 do artigo 239º do CIRE, abrir-se-á “um período de cessão de bens aos credores, com duração de cinco anos após o encerramento do processo de insolvência”.
-Daí que haja que ter em conta as variadas situações em que a lei prevê o encerramento do processo de insolvência (v. artº 230º, 231º e 232º), sendo que, em qualquer uma delas, haverá, em concreto, uma data diferente de início do período de cessão.

-A data do início do período de cessão poderá começar a contar-se da data do despacho inicial, mas apenas, “quando se determine a insuficiência da massa, nos termos do artº 232º e de acordo com o artº 230º n.º 1 al. e)”, ambos do CIRE.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


V…, solteira, residente em … foi declarada insolvente, por sentença, datada de 12/10/2012, transitada em julgado.

Por despacho datado de 9/01/2013, transitado em julgado, foi deferido o pedido de exoneração do passivo restante da insolvente V... que não for integralmente pago no processo de insolvência , ou nos 5 anos posteriores ao seu encerramento.

O encerramento dos presentes autos foi declarado a 25/02/2016, nos termos do artº 230 nº1 al a) do CIRE, por decisão transitada em julgado.

Até à presente data, a requerente não procedeu à cessão de qualquer rendimento.

Posteriormente, veio a insolvente requerer que seja proferido despacho que declare que o início do período de cessão de rendimento disponível, para efeito de concessão de exoneração de passivo restante, teve início em data imediatamente posterior à prolação do despacho inicial de exoneração de passivo restante - a 9 de Janeiro de 2013 - e não em data imediatamente posterior à prolação do despacho que declarou o encerramento dos presentes autos.

Notificado para se pronunciar, veio o Sr. Administrador da Insolvência dizer nada ter a opor ao requerido.

Foi, então, proferido este despacho:
“… Em face do exposto, indefere-se o requerido pela Insolvente, consignando-se que o período de cessão teve o seu início no dia imediatamente a seguir à data em que foi proferido e publicado o despacho de encerramento do processo.”

A insolvente V…veio impugnar esta decisão, formulando estas conclusões:
I.Ao indeferir a pretensão da Recorrente no sentido de, para efeito de início de contagem do período de cessão de rendimento disponível, se ter em consideração a data de publicação do Despacho Inicial de Exoneração de Passivo Restante, e não já a do encerramento dos autos propriamente dito, o Tribunal a quo não efetuou uma correta interpretação e aplicação do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 230.°,  alínea b) do artigo 237 e no nº 2 do artigo 239.°, todos do CIRE, sendo essa a questão que importa apreciar em sede recursiva;
II.Outra interpretação traduzirá, na prática, uma extensão (que se reputa ilegítima) da duração real do período de cessão para além dos cinco anos fixados na lei, atinente ao período de cessão do rendimento disponível;
III.A não ser assim entendido, a Insolvente, ora Recorrente, vê-se na contingência de, desde a data de prolação do Despacho Inicial de Exoneração de Passivo Restante - a 9 de Janeiro de 2013 - e, tendo em consideração a data de prolação do douto Despacho de encerramento dos autos - a 26 de Fevereiro de 2016 - ficar, durante quase oito anos, sujeita às decorrências do processo de insolvência;
IV.O princípio do "fresh start" que esteve, entre outros, na origem da criação do instituto de exoneração de passivo restante não se poderá coadunar com uma delonga tão extensa no que respeita à declaração de encerramento do processo, ainda que subordinada às delongas da própria liquidação do ativo, tendo por referência a data de apresentação à insolvência, bem como a data de prolação daquele Despacho Inicial;
V.Na senda dos mais recentes entendimentos jurisprudenciais, a conjugação de interesses derivados do enunciado princípio e da recuperação de créditos por parte dos Credores deverá impor, in casu, que os efeitos do encerramento do processo, no que respeita à exoneração do passivo restante, sejam reportados não à data de declaração daquele encerramento mas à data de prolação daquele Despacho Inicial;
VI.É a própria natureza do processo de insolvência que, em face da previsão da alínea e) do nº 1 do artigo 230.0 e do nº 2 do artigo 239.°, ambos do CIRE, impõe que aquele período se inicie com a maior brevidade, de modo a permitir o "fresh start" do Insolvente, conforme resulta do ponto 45 do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º53/2004, de 18 de Março;
VII.A efetiva obtenção do beneficio de exoneração do passivo restante supõe que após a sujeição ao processo de insolvência, o insolvente permaneça por um período de cinco anos ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos, abrindo-se caminho para que aquele seja poupado a toda a tramitação do processo de insolvência, designadamente a liquidação do ativo, cuja concretização padece sempre de manifesta morosidade (cfr. ponto 45 do Preâmbulo do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março);
VIII.Escreve Catarina Serra in "O Novo Regime Jurídico da Insolvência", página 103, que "o objetivo final é a libertação do devedor para que não  fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua atividade económica";
IX.Nesse sentido apontam, de forma inequívoca, quer o teor do nº 4 do artigo 20.° da CRP, quer o facto de o Legislador ter previsto a nomeação de um Fiduciário a quem o Insolvente deverá entregar os rendimentos mensais incluídos na cessão de rendimento, cabendo ao Administrador de Insolvência as demais funções processuais, incluindo as de zelar pela liquidação do ativo, ou seja, previu-se a criação de duas figuras jurídicas - que, as mais das vezes, serão coincidentes - que envolvem a prática de atos em diferentes dimensões do processo de insolvências, quais sejam a cessão do rendimento disponível e a liquidação do ativo;
X.Mal andou, pois, o Tribunal a quo ao considerar, em sede de Despacho, que "aquando da prolação da decisão liminar que defere a exoneração do passivo restante, o Juiz não está obrigado a declarar o encerramento do processo de insolvência" e, por isso, mal andou ao indeferir a pretensão manifesta pela Insolvente no requerimento com a referência 1364956, de 17 de Abril de 2016;
XI.Considerando o teor de memorando de enquadramento das propostas de alteração ao CIRE no estudo de avaliação sucessiva do regime das insolvências realizado pela D.G.P.J., em 2010, um dos problemas identificados por alguns Magistrados prendeu-se com o facto de não haver norma expressa que possibilitasse ao Juiz encerrar o processo de insolvência sempre que, havendo ou não bens na massa insolvente, fosse requerida a exoneração do passivo restante;
XII.A introdução da alínea e) no nº 1 do artigo 230 do CIRE, por meio do artigo 2.° da Lei nº16/2012, de 20 de Abril, visou, precisamente, colmatar tal lacuna que, efetivamente, após análise do quadro legal vigente, se afigurou inquestionável, tendo sido suprida, a bem da clareza da ordem jurídica e do bom funcionamento do processo (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 2 de Maio de 2013, Processo nº 2256/10.1 TBFLG-E.G1);
XIII."A introdução da alínea e) do artigo 230.  do CIRE permite encerrar o processo de insolvência quando requerida a exoneração do passivo e exista património por liquidar  (...) nada obsta, bem pelo contrário, que após a prolação de despacho inicial de exoneração do passivo restante e de nomeação de fiduciário, seja proferido em momento posterior despacho de encerramento do processo de insolvência" (cfr. o Tribunal da Relação de Guimarães op. cit.).
XIV.Se é certo que o instituto da exoneração do passivo restante visa conjugar o princípio fundamental do ressarcimento dos Credores com a possibilidade de o Insolvente, pessoa singular, se libertar de parte ou da totalidade das suas dívidas, não é menos certo que se deverá, casuisticamente, atentar à natureza e à espécie daqueles;
XV.ln casu, conforme resulta da lista definitiva de créditos reconhecidos e do auto de apreensão de bens, o encerramento do processo nos termos propostos pela Recorrente, em nada as beliscará, pois que, relativamente ao único crédito garantido (por hipoteca), o imóvel (metade) a ele associado já foi vendido ao próprio Credor hipotecário, encontrando-se, na presente data, concluída a liquidação do ativo;
XVI.A decisão do Tribunal a quo deverá, pois, ser revogada e substituída por outra no sentido de determinar o encerramento do processo de insolvência, nos termos do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 230.°, alínea b) do artigo 237.0 e no nº 2 do artigo 239.°, todos do CIRE, sob pena de violação do princípio constitucional - e consequente inconstitucionalidade - inserto no nº 4 do artigo 20 da CRP, para efeito, único e exclusivo, do início de contagem do período de cessão de rendimento disponível ao fiduciário, com efeitos reportados à data de publicação do douto Despacho Inicial de Exoneração do Passivo Restante - a 9 de Janeiro de 2013 - ou, caso assim não se entenda, à data de conclusão de liquidação do ativo - a 29 de Julho de 2013 - por referência à data de venda do único bem que se incluía naquele.

Não foram juntas contra-alegações.

Os factos apurados.

Os que constam do relatório.

Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artº 663 nº2, 608 nº2, 635 nº4 e 639 nº1 e 2 do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho, aplicável por força do seu artº 5 nº1, em vigor desde 1 de Setembro de 2013), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, o que aqui se discute é saber a partir de quando se contabiliza o inicio do período de cessão do rendimento disponível.

Seguimos de perto o Ac. RE, referido na decisão impugnada, atenta a nossa adesão ao aí explanado.

Na verdade, a contagem do prazo fixo, de cinco anos, previsto para a duração da cessão de rendimento disponível, não tem como referência a data em que é proferido o despacho inicial, no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante, mas sim, a data de encerramento do processo de insolvência, que pode não coincidir, e geralmente não coincide, com a data em que é proferido o aludido despacho inicial, mesmo cumprindo os prazos previstos no n.º1 do artº 239º do CIRE.

Como flui do disposto no n.º 2 do referido artigo 239º, abrir-se-á “um período de cessão de bens aos credores, com duração de cinco anos após o encerramento do processo de insolvência”

Daí que, haja que ter em conta as variadas situações em que a lei prevê o encerramento do processo de insolvência (v. artº 230º, 231º e 232º do CIRE), sendo que, em qualquer uma delas, haverá, em concreto, uma data diferente de início do período de cessão.

Efetivamente, a data do início do período de cessão poderá começar a contar-se da data do despacho inicial, mas apenas, “quando se determine a insuficiência da massa, nos termos do artº 232º e de acordo com o artº 230º n.º 1 al. e)”, ambos do CIRE.

O que não se verifica no caso em apreço, uma vez que como resulta do decidido o processo foi encerrado, após realização do rateio.

Assim, o período de cessão só começa a contar da data do rateio final (cfr. artº 230º n.º 1 al. a) do CIRE), momento em que a Lei prevê o encerramento do processo, o que como é evidente poderá “transformar a exoneração num mecanismo extremamente longo e desgastante para o insolvente”.

Desta forma, como é bom de ver, o início da contagem do prazo, a partir da data do encerramento do processo de insolvência, apresenta-se como um requisito que, “atenta a tramitação do processo, assume complexidade que pode arrastar a sua duração para prazos muito superiores aos cinco anos previstos ”uma vez que “o encerramento do processo pode demorar meses ou anos (dependente da existência de bens e correspondente venda dos mesmos, da negligência do administrador e das próprias vicissitudes do processo)”.

Pelo que se expressou, a data em que se proferiu o despacho inicial de exoneração do passivo restante não tem qualquer relevância, no caso em apreço, no âmbito da contagem do prazo de cinco anos que a lei prevê para a cessão do rendimento disponível dos devedores.

Termos em que improcedem todas as conclusões.

Síntese:
Como flui do disposto no n.º 2 do referido artigo 239º, abrir-se-á “um período de cessão de bens aos credores, com duração de cinco anos após o encerramento do processo de insolvência”

Daí que, haja que ter em conta as variadas situações em que a lei prevê o encerramento do processo de insolvência (v. artº 230º, 231º e 232º do CIRE), sendo que, em qualquer uma delas, haverá, em concreto, uma data diferente de início do período de cessão.

Efetivamente, a data do início do período de cessão poderá começar a contar-se da data do despacho inicial, mas apenas, “quando se determine a insuficiência da massa, nos termos do artº 232º e de acordo com o artº 230º n.º 1 al. e)”, ambos do CIRE . O que não é o caso.

Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmam a decisão impugnada.
Custas pela apelante.



Lisboa, 16/11/2016


Teresa Prazeres Pais
Octávia Viegas       
Rui da Ponte Gomes
Decisão Texto Integral: