Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
337/14.1YXLSB.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: CONTA BANCÁRIA
INTERNET
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANOS MORAIS
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃQO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – Para ilidir a presunção de culpa que a onera, em caso de transferência fraudulenta, nos quadros de serviços de internet banking, não basta à instituição de crédito a alegação e prova dos procedimentos de segurança adotados, relativos à emissão do cartão respetivo e códigos de acesso, e às advertências e recomendações publicitadas e transmitidas ao utilizador, quando, não se demonstrando a culpa de banda daquele, tão pouco se tenha sequer comprovado qual o tipo de intromissão fraudulenta concretamente verificado.
II – Para além disso, em relação a uma operação de pagamento não autorizada, presume-se a culpa do prestador de serviços de pagamento do ordenante, que não proceda ao imediato reembolso deste do montante da dita operação.
III – A indemnização por danos não patrimoniais, em sede de responsabilidade civil contratual, apenas vence juros de mora desde a data da sua liquidação.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
ACORDAM DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I. RELATÓRIO:


I - AG (IPSS) intentou ação Declarativa, com processo comum, contra a C, S. A., alegando:
A A. é titular de conta bancária sediada na Agência de Guimarães, da Caixa Geral de Depósitos.
Por escrito particular, datado de 27 de Novembro de 2005, a R. celebrou com a A. um contrato de adesão epigrafado de “Caixa E-Banking ”, por via do qual aquela permite a esta, beneficiar de um acesso a serviços disponibilizados pela R., através da internet, com atribuição à A. de um cartão matriz de coordenadas com um elemento de identificação secreto e um código, também ele, secreto.
Em 29 de Dezembro 2010, através do serviço de “Caixa E - Banking”, a referida conta de depósitos (a prazo) foi movimentada a débito sob a designação de “Transferência”, na quantia de € 10.000,00, e igualmente, através do serviço “Caixa e-Banking”, foi novamente movimentada a débito, também sob a designação de “Transferência”, na quantia de € 9.500,00 (nove mil e quinhentos euros).
Logo que tomou conhecimento das “transferências” anómalas, a A., telefonicamente, contactou a Ré para bloquear o acesso informático à conta e apresentou queixa à polícia, acerca de transferências não autorizadas que tinham ocorrido, via net, na sua conta bancária da CGD.
Apenas se vendo restituída, por crédito em conta, do valor de € 282,00, devolvido pela titular da conta n.º 0817.695773.600, onde havia sido creditado o montante da transferência de € 10.000,00; e do valor de € 9.500,00, que havia sido transferido para a conta n.º 0739.025146.100, devolvido pela titular respetiva.
Tais transferências bancárias foram efectuadas por alguém, cuja identidade a A. desconhece, sem a sua autorização e contra a sua vontade, obtendo os necessários elementos de acesso através de esquema de phishing.
Nesta situação, continuando desembolsada de € 9.718,00, a A. viu-se impossibilitada de fazer face a despesas de pagamento de funcionários e colaboradores, bem como de gestão logística do funcionamento da Instituição.
Sendo que a falta dos pagamentos atempada passou a ser comentada junto dos colaboradores e publico em geral, colocando reservas sobre a seriedade da Autora, que assim viu o seu nome e prestígio afetado publicamente.

Conclui pedindo a condenação da Ré – responsável seja pela inaptidão do serviço prestado, seja a título de risco – a:
- restituir à A. de € 9.718,00 e respetivos juros, contados desde o levantamento do valor em causa:
- indemnizar a A. pelos danos não patrimoniais em valor não inferior a €5.000,00.

Contestou a Ré, alegando, em suma:
Revelar-se de todo impossível ou a qualquer representante da Autora ou a um terceiro movimentar a débito, via Caixaebanking (ou, sequer, por telefone) qualquer conta da A, sem que os mesmos tivessem em seu poder o cartão matriz ou sem que tivessem facultado ao respectivo "utilizador, (pirata informático ou não) as combinações possíveis das coordenadas do seu cartão matriz!”.
Sendo o sistema Caixaebanking seguro… desde que os utilizadores respeitem as regras de segurança de que têm cabal conhecimento”
E em síntese, pelo menos parte dos números ou dígitos do cartão matriz a Autora forneceu-os a terceiro, seguramente um pirata informático que se introduziu furtivamente no seu PC.
O que demonstra também a existência de vírus infetando o computador da autora, permitindo o chamado "phishing" em que a autora foi redireccionada para uma página (em tudo idêntica à da CGD, pois que, de outro modo, a fraude revelar-se-ia impossível) em que lhe foi solicitada informação sobre o seu cartão matriz.”.

Tendo a Ré recusado a reembolsar a A do valor correspondente àquela transferência porquanto:
• A mesma foi efetuada com os elementos pessoais que só a A deveria conhecer e que serviam para identificar a proveniência legítima da ordem .
• Só a colaboração involuntária mas censurável da A permitiu a terceiros apropriarem-se desses elementos pessoais essenciais àquela operação, o que ocorreu também por inoperância do seu sistema anti-virus .
• Para além de o sistema informático da CGD não ter sido afetado nem invadido, para a consumação daquela operação, a CGD fez a necessária e possível publicidade junto dos seus clientes, mormente da A, prevenindo-os e avisando-os contra esse tipo de fraudes, nos termos acima descritos”.

Remata com a improcedência por não provada da ação, absolvendo-se a Ré do pedido.

O processo seguiu seus termos, com saneamento, sendo dispensada a prolação de despacho identificando o objeto do litígio e enunciando os temas de prova.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 9.718,00, a título de danos patrimoniais e, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 2.500,00, no montante total de € 12.218,00 (doze mil, duzentos e dezoito euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal para créditos civis, vencidos desde a citação até integral pagamento.”.

Inconformada, recorreu a Ré, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
“1) Deve ser anulado o julgamento, para ampliação da matéria de facto relativa ao modo de funcionamento do sistema informático caixadireta on line; concretamente para se abrir a discussão à prova dos seguintes factos:

7) Posteriormente foi-lhe enviado o cartão matriz, sem o qual seria impossível qualquer movimentação a débito das suas contas para contas de terceiros.
8) De facto, na perspectiva do utente/cliente da Ré, o acesso a esse serviço processa-se do seguinte modo: depois de o cliente aceder ao site Caixaebanking via on line, a Ré solicita-lhe que insira:
 o número de contrato
 a password
10)…se o utente pretende transferir para qualquer outra conta de que não seja ele o titular (ou sendo-o, seja de outro banco) a CGD solicita-lhe que indique três dígitos que constam de determinadas coordenadas do seu cartão matriz.
11)...no pressuposto de que, como qualquer cliente e utilizador do Caixaebanking bem sabe, o cartão matriz se mantém fora do alcance de terceiros e por conseguinte só o seu legítimo portador (o cliente) poderá saber o resultado daquelas combinações que lhe são solicitadas.
12)... o cartão matriz contém 192 dígitos, divididos em grupos constituídos, cada um, por 3 dígitos, sendo cada um dos grupos para cada coordenada.
13) Existem tantas coordenadas quanto as que resultam da combinação de oito letras – A a H e oito números: 1 a 8.
17)… em relação a cada uma das pretendidas transferências, a CGD nunca repete as coordenadas que o cliente deverá indicar para validar a transferência.
18) Qualquer representante da Autora ou um terceiro só poderiam movimentar a débito, via Caixaebanking (ou, sequer, por telefone) qualquer conta da A, se tivessem em seu poder o cartão matriz ou lhe tivessem sido facultadas as combinações possíveis das coordenadas do seu cartão matriz!
23)…na pendência de cada contrato “Caixaebanking”, se o cliente errar um dos números das coordenadas, que lhe são solicitados, no terceiro erro, quer este ocorra na mesma utilização daqueles serviços, quer em utilização diferente, seguida ou não, fica definitivamente bloqueado o acesso às contas, através daquele contrato e daquela password.
24) Para evitar qualquer tipo de fraudes nesse sistema de consultas, pagamentos e/ou transferências, o cliente da CGD ao aderir ao Caixaebanking é repetidamente informado e avisado de que se obriga a manter em segurança, designadamente não os revelando nem por qualquer forma os tornando acessíveis a terceiros, os elementos de identificação estritamente pessoais e intransmissíveis, ou seja, número do contrato, password e coordenadas do cartão matriz.
26) Na carta que acompanhou a entrega do cartão matriz a Autora foi advertida para:
 Nunca divulgar os seus códigos pessoais
 Não abrir mensagens de correio electrónico de origem duvidosa
 Manter um software de anti-virus actualizado
 Não utilizar computadores públicos para aceder ao internet banking
 Verificar regularmente as contas pessoais bem como a data e hora do último acesso
 Terminar sempre a última sessão da internet banking através da opção “sair”
27) Essa advertência encontrava-se também, já desde 2008, assinalada e de forma bem visível no site da Ré, a que cada utente do CaixaeBanking tem, necessariamente, de aceder, para efectuar, por essa via, qualquer movimentação da sua conta ou sequer para aceder a informações relativas a essas contas
28) De salientar que a A teve necessariamente conhecimento dessa informação, inserida na página inicial da Caixa e Banking, uma vez que desde essa data acedeu, algumas vezes, às contas através desse site.
29) Também no site da Caixa Geral de Depósitos - e desde (4/4/2008) – na área denominada e destinada à segurança, constavam avisos – que entretanto foram sendo atualizados e melhorados, prevenindo os utilizadores do CaixaeBanking para aquele (e outros) tipo de fraude.
42)…não foi no site da CGD que lhe foram solicitados os números do cartão matriz, mas sim num site fraudulento, com uma imagem semelhante do site da CGD…..mas com um tipo de linguagem escrita suspeita (frases incorrectamente escritas, expressões “abrasileiradas” etc),
43) A movimentação fraudulenta da conta da Autora foi interpretada pelo sistema informático da Ré como emanada da Autora, porquanto, para o efeito, foram introduzidos correctamente o número de contrato e password e os dígitos correspondentes às coordenadas do cartão matriz aleatoriamente solicitadas pela CGD em cada uma dessas operações e, na perspetiva da Ré, só a A (leia-se - os seus legais representantes) tinham conhecimento desses elementos.

2) Tais factos servirão para demonstrar a inexistência de culpa por parte da Ré CGD na verificação da fraude de que foi vítima a Autora; ou dito de outro modo, ilidir a presunção de culpa que sobre ela incide.

3) O que terá como consequência, pelo menos, a inexistência da obrigação de indemnizar os danos não patrimoniais sem prescindir.

4) Com base no depoimento da testemunha JM, deve considerar-se provado o facto alegado no artº 37 da contestação:
 “A Autora, através da sua representante BB, referiu à Ré, em contacto telefónico ocorrido em 30/12/2009, pelas 17,45 h, que , aquando de anteriores transferências que levara a cabo, lhe tinham sido solicitadas mais posições do cartão matriz que o habitual e que fornecera diversos dígitos do cartão matriz, para além dos três dígitos relativos a cada transferência e que ela sabia constituir o número fixo de dígitos exigidos em cada transferência pela CGD.”

5) A entender-se ajustada a decisão de considerar tal facto não provado, deve ser ordenada, também por esse fundamento, a anulação do julgamento nos termos do art.º 666 nº 2 b) C P Civil para que a 1ª instância mande notificar a Ré para juntar aos autos o registo referido pela testemunha José..., onde consta a informação pela representante da Autora de que anteriormente fornecera, numa página eletrónica que surgiu no seu PC mais do que 3 elementos do cartão matriz.

Sem prescindir:
6) Se improcedessem as conclusões acima suscitadas, o Tribunal sempre teria de concluir – face a uma hipotética ausência de relevo dos factos que se pretendia ver aditados à discussão – que dos factos provados, mormente dos artºs 13 e 9, resultava que a recorrente nenhuma culpa tivera na verificação do evento danoso para a Autora.
7) O que implicava a inexistência da obrigação de indemnização por danos não patrimoniais.

Ainda sem prescindir.
8) a indemnização por danos não patrimoniais se fosse devida não justificava a atribuição de tão elevado valor – 2.500 euros, antes e apenas um valor não superior a 500,00 euros.
9) À indemnização fixada por danos não patrimoniais nunca poderia acrescer juros de mora desde a citação, mas sim desde a prolação da sentença.”.

Finaliza, na procedência do recurso, com a anulação do julgamento e da decisão recorrida; ou “subsidiariamente, reduzindo-se o valor da condenação da Ré à quantia de que a Autora se viu privada – 9.718,00 euros”.

Não se mostram apresentadas contra-alegações.

II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se é de anular o julgamento para ampliação da matéria de facto;
- na negativa,  se é de considerar provado o facto alegado no artº 37 da contestação;
- em qualquer caso, se é de concluir pela inexistência de culpa de banda da Ré na ocorrência das “transferências” em causa;
- se a indemnização por danos não patrimoniais, a ser devida, não deverá exceder o valor de € 500,00;
- se a tal indemnização apenas podem acrescer juros de mora desde a prolação da sentença, que não da citação da Ré.
Considerou-se provada, na 1ª instância, a seguinte factualidade:
“1. A Autora é titular de uma conta bancária com o n.º 0363.75050.430, sediada na agência de Guimarães da Ré.
2. Por escrito particular, datado de 27.11.2005, a Ré celebrou com a Autora um contrato de adesão epigrafado de “Caixa E-Banking”, por via do qual aquela permite a esta beneficiar do acesso a serviços bancários disponibilizados pela Ré através da internet.
3. Para tal, a Ré atribuiu à Autora, em envelope fechado, um cartão matriz de coordenadas com um elemento de identificação secreto e um código, também ele, secreto.
4. Em 29.12.2009, através do serviço “Caixa E-Banking”, a conta de depósitos a prazo com o n.º 0363.0750050.430 foi movimentada a débito sob a designação de “Transferência”, na quantia de € 10.000,00.
5. Na mesma data, igualmente através do serviço “Caixa E-Banking”, a conta de depósitos foi novamente movimentada a débito, também sob a designação de “Transferência”, na quantia de € 9.500,00.
6. Logo que tomou conhecimento das “transferências” anómalas, a Autora, telefonicamente, contactou a Ré para bloquear o acesso informático à conta.
7. Em 19.02.2010, a Autora enviou à Ré uma exposição informando a que se destinavam tais quantias e requerendo a reposição das referidas verbas.
8. Em 05.03.2010, a Autora foi informada pela Ré que os valores transferidos via “Caixa E-Banking” haviam sido creditados em duas contas distintas: o valor de € 10.000,00, na conta n.º 0817.695773.600, titulada por DP, que procedeu à devolução de € 282,00, e já creditada na conta da Autora; o valor de € 9.500, na conta n.º 0739.025146.100, titulada por DOD, cliente que autorizou a Ré a proceder, a favor da Autora, à restituição da totalidade da referida verba.
9. A Ré veio ainda a informar a Autora que as transferências haviam sido feitas com a inserção do código pessoal da Autora e dos 3 dígitos constantes do cartão matriz das coordenadas.
10. Os movimentos supra mencionados foram efectuados por alguém, desconhecido da Autora, sem a sua autorização e contra a sua vontade.
11. A Autora viu-se impossibilitada de efectuar despesas de pagamento a funcionários e colaboradores, bem como de gestão logística do funcionamento da instituição.
12. A falta de pagamentos atempados passou a ser comentada junto dos seus colaboradores e do público em geral, colocando reservas sobre a seriedade da Autora.
13. Aquando da adesão pela Autora ao “Caixa E-Banking”, foi-lhe explicado pela Ré, além do mais, que, tal como os códigos de cartões de crédito ou de débito para acesso ao multibanco, esses códigos eram pessoais e intransmissíveis, que os deveria guardar cuidadosamente e nunca em circunstância alguma os deveria revelar a terceiros.
14. A Autora encontra-se, actualmente, em liquidação.”.

Mais se tendo considerado não existirem “outros factos provados, designadamente:
a) Que a Autora não tenha instalado no seu computador um antivírus actualizado (artigo 35º da contestação);
b) Que a Autora, através da sua representante BB, tenha referido à Ré, em contacto telefónico ocorrido em 30.12.2009, que emprestava o cartão matriz a terceiros (artigo 36º da contestação);
c) Que a mesma representante da Autora tenha transmitido à Ré que, aquando de anteriores transferências efectuadas, lhe tinham sido solicitadas mais posições do cartão matriz do que o habitual e que fornecera diversos dígitos do cartão matriz, para além dos três dígitos relativos a cada transferência (artigo 37º da contestação).”.

E consignado que “A demais matéria dos articulados constitui factualidade instrumental ou alegação conclusiva e/ou de direito.”.

***

II – 1 – Da anulação do julgamento e alteração da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.

1. Sustenta a Recorrente, e como visto, que os “factos” por ela referenciados e alegados nos correspondentes artigos da apresentada contestação, “servirão para demonstrar a inexistência de culpa por parte da Ré CGD na verificação da fraude de que foi vítima a Autora; ou dito de outro modo, ilidir a presunção de culpa que sobre ela incide. O que terá como consequência, pelo menos, a inexistência da obrigação de indemnizar os danos não patrimoniais.”.

Nessa perspetiva propugnando a anulação do julgamento “para ampliação da matéria de facto relativa ao modo de funcionamento do sistema informático caixadireta on line”.

Porém, ponto é que – e para lá do conclusivo do teor do art.º 7º, 2ª parte, do art.º 11º, 2ª parte e do art.º 28º, da contestação – a ampliação da matéria de facto pressupõe que sobre o objeto daquela não tenha incidido discussão e julgamento.

O que não é o caso.

Com efeito, e desde logo, sobre o modo de funcionamento do sistema informático caixadireta on line, depuseram os funcionários da Ré, PA e JM.

Depois, embora em técnica menos conforme ao disposto no art.º 607º, n.º 4, do Código de Processo Civil, ponto é ter-se consignado, na decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto – integrante da sentença recorrida – e depois da elencação dos factos considerados provados, que “Não existem outros factos provados, designadamente:

(…)”.

Resultando da motivação daquela decisão, que entre o conjunto de tais factos não provados – e assim para além do especificado – se contam os que, transcendendo o que abarcado se mostra no teor dos n.ºs 2, 3, 9 e 13 da matéria de facto provada, e que é muito pouco – alegados foram nos sobreditos art.ºs da contestação.

 Assim sendo que na referida fundamentação se consignou:
“Valeu, assim, a prova testemunhal produzida em audiência, em particular, os depoimentos de IS e JM– o primeiro, membro da Autora e seu ex dirigente, o segundo, funcionário da Ré na área da auditoria interna.
A primeira testemunha foi rigorosa e abundante na descrição dos acontecimentos que circunstanciaram a ocorrência das duas transferências bancárias não autorizadas pela Autora, bem como dos procedimentos da associação na gestão das suas contas bancárias, bem como no uso dos serviços de internet banking. A testemunha foi clara, especialmente, ao referir que a única pessoa que procedia a estas operações era a Sra. MBF, exclusivamente.

(…)

Com especial valia, até pelas especiais características deste depoimento, há que assinalar a prova por declarações de parte prestadas por BF. Na verdade, do que se apurou em audiência, esta pessoa não prestou depoimento como testemunha apenas devido à casualidade de, no presente, ser a legal representante da Autora que, aliás, se encontra em liquidação; porém, as suas declarações foram marcadas pelo rigor, pela objectividade e pela idoneidade, pelo que o seu depoimento é de valorar de forma idêntica à de uma testemunha. Esta foi muito clara ao referir que era a única pessoa a deter e a utilizar o cartão matriz fornecido pela Ré e que o fazia sempre em casa e com total noção dos requisitos de segurança inerentes – quer por para tal ter sido alertada pela Ré, quer porque, devido à profissão do marido (bancário) tinha total consciência dos perigos associados a esta forma de ligação. A declarante foi assertiva e segura, ao referir que só usava o cartão matriz para efectuar dois tipos de pagamentos por mês – os vencimentos aos colaboradores e os relativos a impostos e segurança social – sendo que, na data dos factos, tinha feito tais pagamentos no dia anterior ao das transferências. O seu depoimento foi rigoroso e credível.
Finalmente, quanto aos factos dados como não provados, tal é, apenas, a consequência da ponderação atrás efectuada, no sentido em que não logrou a Ré demonstrar a factualidade por si alegada e sobre quem, aliás, recaía o respectivo ónus da prova.” (sublinhados e entre parenteses, nossos).

 O que tudo rejeita o facto essencial das circunstâncias em que terá ocorrido a fraude – e a que se dirige o anterior percurso descritivo/conclusivo do procedimento de acesso ao serviço Caixaebanking, nos art.ºs 7º a 29º, da contestação – a saber, que à A. teriam sido “solicitados os números do cartão matriz (…) num site fraudulento, com uma imagem semelhante do site da CGD…..mas com um tipo de linguagem escrita suspeita (frases incorrectamente escritas, expressões “abrasileiradas” etc)”.
Aliás, reproduzida a gravação dos depoimentos das duas sobreditas testemunhas, PM e JM, constata-se que desconhecem aquelas os termos em que, “neste caso” se terá processado a fraude.

Diga-se ainda, e conquanto assim apenas marginalmente, que surpreende o assertivo da Ré quanto às circunstâncias em que, na sua malograda tese, se teria verificado o acesso de terceiro aos números do cartão matriz.

Porventura, extrapolando os casos anteriormente já verificados na instituição?...

…Todos via site fraudulento, e com as tais frases incorretamente escritas e expressões abrasileiradas?...

Quando certo é que, como se ponderou em Acórdão desta Relação de 24-05-2012,[1] de que foi o mesmo o relator, «o acesso on line  fraudulento aos depósitos bancários conhece uma sofisticação e actualização permanentes», sendo «igualmente reconhecido, em artigo de Francisco Luís, publicado na inforBANCA 88 • Abr > Jun 2011, da Associação Portuguesa de Bancos,[2] que “Os ataques de phishing e o malware usados são cada vez mais sofisticados e difíceis de detectar, mesmo para utilizadores alertados para a temática da segurança.”.

Importando porém assinalar que tais artigos, e compreensivelmente, atenta a sua origem, fonte e/o, enquadramento, colocam a questão apenas na perspetiva de o acesso on-line fraudulento, se efetivar através da plataforma informática do utilizador/aderente…».

Não vindo alegado que dentro da instituição Ré seja impossível conhecer os códigos de autenticação dos clientes aderentes a este serviço, nomeadamente os da Autora.

Também não havendo sido alegado, nem desse modo tendo resultado provado, ser impossível que a partir do exterior alguém possa aceder ao sistema informático da Ré, e nele recolher os sobreditos códigos.   

Mais se assinalando que a hipótese afinal formulada pela Ré, se reconduz ao chamado phishing que, na expressão de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-12-2013,[3] “pressupõe uma fraude electrónica caracterizada por tentativas de adquirir dados pessoais, através do envio de e-mails com uma pretensa proveniência da entidade bancária do receptor, por exemplo, a pedir determinados elementos confidenciais (número de conta, número de contrato, número de cartão de contribuinte ou qualquer outra informação pessoal), por forma a que este ao abri-los e ao fornecer as informações solicitadas e/ou ao clicar em links para outras páginas ou imagens, ou ao descarregar eventuais arquivos ali contidos, poderá estar a proporcionar o furto de informações bancárias e a sua utilização subsequente”.
Mas podendo conceber-se outra modalidade de fraude on line nesta área, qual seja o pharming “que consiste em suplantar o sistema de resolução dos nomes de domínio para conduzir o usuário a uma pagina Web falsa, clonada da página real, baseando-se o processo, sumariamente, em alterar o IP numérico de uma direcção no próprio navegador, através de programas que captam os códigos de pulsação do teclado (os ditos keyloggers), o que pode ser feito através da difusão de vírus via spam, o que leva o usuário a pensar que está a aceder a um determinado site – por exemplo o do seu banco – e está a entrar no IP de uma página Web falsa, sendo que ao indicar as suas chaves de acesso, estas serão depois utilizadas pelos crackers, para acederem à verdadeira página da instituição bancária e aí poderem efectuar as operações que entenderem (…)”.[4]

Hipótese esta última que, sem enunciado de razões bastantes, a Recorrente igualmente ignora.

*

Com improcedência, nesta parte, das conclusões da Recorrente.

2. Mais pretende a Recorrente que o depoimento da testemunha José ... impõe a alteração da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, no tocante ao facto alegado no art.º 37º da contestação.

E que, quando assim se não entenda, considerando não ter sido dado crédito ao depoimento da testemunha JM “apenas porque a testemunha não apresentara qualquer elemento que confirmasse esse registo informático e, segundo a testemunha Isidro... fora a Associação que tomara conhecimento das transferências por contacto directo com a CGD e não o contrário.”, deveria o julgador “ter instado a Ré a juntar aos autos o registo informático com a gravação da conversa da referida B onde constavam essas afirmações.”.

Posto o que, não o tendo feito, se justifica que “o Tribunal “ad quem” anule o julgamento e ordene a realização daquela diligência.”.

2.1. Logo se dirá que a assim deduzida impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, posto que invocando como fundamento do acusado erro na apreciação da prova, meio probatório gravado, qual seja o depoimento da referida testemunha JM, implicava que a Recorrente – “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte”, indicasse “com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considera relevantes;”, cfr. art.º 640º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

Como se constata, omitiu a Recorrente por completo a indicação das passagens da gravação do depoimento em que fundaria o seu recurso.

À qual se não reconduz a mera indicação da localização de todo o depoimento da testemunha respetiva, como fez a recorrente ao referir o momento do início e o do fim da gravação daquele.

Pois indicar com exatidão as passagens da gravação relevantes, é referenciar, delimitando temporalmente, os segmentos da gravação do depoimento respetivo que evidenciariam o erro na apreciação da prova testemunhal.

Destacando pois, na localizada gravação do depoimento – com início às (…) e termo às (…) – os momentos relevantes, através da indicação do início e termo de tais momentos - v.g., “ao minuto 15 e 31 segundos e termo ao minuto 15 e 47 segundos” – que já não a indicação do início e termo da integralidade do depoimento, e de “a referência a esse facto consta(r) logo dos primeiros minutos da gravação”, absolutamente inconsequente, na perspetiva da localização exata das tais passagens dos depoimentos.

Só dessa forma se efetivando a colaboração com o Tribunal, em ordem à localização, na gravação respetiva, dos excertos relevantes do depoimento.

Como mais assinala Abrantes Geraldes,[5] “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça.”.

Com improcedência, dest’arte, e também aqui, das conclusões da Recorrente.

2.2. Quanto à acusada violação pela senhora Juiz a quo do princípio do inquisitório, consagrado no art.º 411º do Código de Processo Civil, caberá observar não colher a interpretação feita pela Recorrente do segmento respetivo da motivação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.

Na verdade o que a propósito se consignou no correspondente segmento da motivação foi que: “A testemunha referiu, também, que dispunha de registos contendo a informação de que a dirigente da Autora BF contactou os serviços da Ré repudiando as duas operações bancárias e referindo que lhe havia sido solicitada a inserção de mais do que três coordenadas do cartão matriz. Mas a testemunha, para além de não ter intervindo em tal suposto contacto, admitiu que esta informação consta, apenas, de um registo informático, não tendo apresentado qualquer elemento que permitisse confirmar tal informação; ora, a testemunha IS havia sido muito clara ao referir que a associação tomou conhecimento das transferências por contacto directo da própria Ré e não o contrário, tendo o próprio recebido uma chamada telefónica da Caixa, ao final da manhã do dia 29.12.2010, pedindo a confirmação das duas ordens de pagamento e respetivos valores. Por esta razão, a factualidade atinente a estes pontos acabou por ser dada como não provada, como consta supra.”.

Ou seja, desvalorizou-se expressamente o alcance probatório de registo informático porventura existente na Ré, relativamente à “informada” circunstância de a dirigente da Autora, BF, ter contactado os serviços daquela repudiando as duas operações bancárias e referindo que lhe havia sido solicitada a inserção de mais do que três coordenadas do cartão matriz.

E, desse modo, considerando tratar-se apenas, de um registo informático”, não tendo sido apresentado qualquer elemento que permitisse confirmar a informação…de tal contacto por parte de BF – que não do invocado registo informático – e no confronto, designadamente, do depoimento de sinal contrário da testemunha IS.

Tendo a testemunha JM – inspetor da Ré – referido efetivamente que no dia 30-12-2009 a representante da A. entrou em contacto com os serviços da Ré dando conta da concretização das transferências em causa.

E que, em função dessa reclamação “foi aberto um processo de reclamação…e foram colocadas diferentes questões à cliente …tentando perceber como é que a transferência tinha sido concretizada”, sendo pela mesma BF referido que quando de anteriores transferências, lhe foram solicitadas mais do que as três coordenadas.

Ora não se reportando tais supostas solicitações de mais posições do que as habituais, às transferências “fraudulentas” assim em causa, nem se vislumbra o interesse justificativo da intervenção oficiosa do tribunal na investigação desses “factos instrumentais”.
Não se mostrando, por isso, violado o princípio do inquisitório que, de qualquer modo, não deverá ser entendido no sentido de impor ao juiz a realização de diligências dirigidas ao apuramento de factos irrelevantes, ou, como quer que seja, em substituição da iniciativa da própria parte, quanto ao que a normal diligência processual sempre cometeria àquela.

Se havia gravação de declaração de BF, em contacto telefónico ocorrido no dia 30-12-2009, de emprestar o cartão matriz, e de que aquando de anteriores transferências que levara a cabo, lhe tinham sido solicitadas mais posições do cartão matriz que o habitual e que fornecera diversos dígitos do cartão matriz, para além dos três dígitos relativos a cada transferência – e tendo tais referências sido alegadas na contestação – nunca a Ré, até ao encerramento da audiência final cuidou de apresentar reprodução dessa gravação.

Preferindo respaldar-se em depoimento de testemunha que nem tinha ouvido as supostas gravações, sendo o seu conhecimento por tal lhe haver sido referido.

Pretendendo agora – perante o não provado das ditas declarações – cometer ao Tribunal a responsabilidade pelo suprimento do que a parte, podendo – e devendo, na perspetiva da tal elementar diligência processual – desde sempre fazer, entendeu omitir.

*

Também nesta parte improcedendo assim as conclusões da Recorrente.

II – 2 - Da culpa da Ré/recorrente.

Como se escreveu no já citado Acórdão desta Relação de 24-05-2012, é “meridiano que este “novo” contrato (de homebanking) se insere numa relação negocial complexa iniciada através de um contrato de abertura de conta, e da constituição de depósitos de quantias em conta por parte da A.
Encontrando a sua razão de ser nesses contratos de abertura de conta e de depósito, relativamente aos quais prossegue uma função de simplificação de processos e operações disponibilizados, em jornada contínua, ao cliente, que assim desfruta de um acesso mais continuado e mais rápido, potenciando a realização de outras operações, bem como a obtenção de uma gama mais vasta de serviços, de forma em princípio mais cómoda.

(…)

Deparando-nos pois com uma situação de vários contratos ligados entre si, segundo a intenção dos contraentes, por um nexo funcional, que influi na respetiva disciplina.

Podendo ver-se aqui uma verdadeira coligação de contratos, em que há já certa dependência entre os contratos coligados – substancialmente correlacionados entre si – criada pela relação de motivação que os afecta, sem que porém esse nexo destrua a sua individualidade.[6]

Ou nas palavras de Inocêncio Galvão Telles,[7] configura-se, numa união de contratos com dependência, em que aqueles são “distintos mas já não autónomos. As partes querem-nos como um conjunto económico, que envolve um nexo funcional (…) O vínculo de dependência significa que a validade e vigência de um contrato, ou de cada um dos contratos, depende da validade do outro. Um contrato só será válido se o restante o for;”.

Mas sendo certo, por outro lado, que para além da diferenciação da sede formal dos contratos, o de serviços de Caixa Online interfere diretamente na área normativa própria do contrato de abertura de conta e de depósito.

Certo a propósito que como assinala José Engrácia Antunes,[8] o “contrato de conta bancária - enquanto contrato nuclear instituinte do tronco comum sobre o qual repousarão todas as relações jurídicas entre banco e cliente, inclusive contratuais” possui “um conteúdo negocial complexo do qual fazem parte, necessária ou usualmente, outras convenções acessórias embora autónomas: tal o caso do contrato de conta-corrente bancária (convenção que tem por objecto o registo contabilístico das operações reciprocamente realizadas entre os contraentes e respectivo saldo) e do contrato depósito (convenção que tem por objecto o depósito de dinheiro na conta do titular).”.

A todas essas operações se referindo o serviço de caixadirecta.”.

Servindo esta introdução para dizer que, sob qualquer perspetiva, nos movimentaremos no domínio da responsabilidade contratual, como, de resto, não é posto em crise pela Recorrente.
Nessa sede vigorando a presunção de culpa (juris tantum) estabelecida no art.º 799º, n.º 1, do Código Civil.
Suscetível de ser ilidida pelo devedor, como sustenta a Recorrente ocorrer, “mormente” em vista do teor dos n.ºs 13 e 9 da matéria de facto provada.

Ou seja pelo facto de a Ré ter informado a Autora que as transferências haviam sido feitas com a inserção do código pessoal daquela e dos 3 dígitos constantes do cartão matriz das coordenadas, bem como de aquando da adesão pela Autora ao “Caixa E-Banking”, lhe ter sido explicado pela Ré, além do mais, que, tal como os códigos de cartões de crédito ou de débito para acesso ao multibanco, esses códigos eram pessoais e intransmissíveis, que os deveria guardar cuidadosamente e nunca em circunstância alguma os deveria revelar a terceiros.
Sendo, poderemos nós acrescentar, que igualmente provado está ter a Ré atribuído à A., em envelope fechado, um cartão matriz de coordenadas com um elemento de identificação secreto e um código também ele secreto.

Se com isto ficasse arredada a presunção de culpa pelo incumprimento contratual nunca tal presunção subsistiria, na área das operações bancárias via Internet.

Note-se que aquele abrange tanto os deveres principais como “os deveres acessórios da prestação principal (destinados a preparar o cumprimento ou a assegurar a perfeita execução da prestação)”.[9]

E que, para além dos deveres secundários de prestação – de que os acessórios da prestação principal são espécie – temos os deveres acessórios de conduta – “essenciais ao correcto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra” – de que os consagrados nas alíneas a) e b) do art.º 1187, quanto ao depositário, são exemplos.[10]

Sendo, no particular contratual em análise, que importará ter em conta o Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de Outubro, cujo art.º 2º, n.º 1, aprova o regime jurídico relativo ao acesso à atividade das instituições de pagamento e à prestação de serviços de pagamento, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro, vd. art.ºs 1º e 2º, n.º 1, do dito Decreto-Lei. 

Dispondo-se no art.º 68º, do Anexo I do aludido Regime (na versão original, vigente à data dos factos):
“1 - O prestador de serviços de pagamento que emite um instrumento de pagamento tem as seguintes obrigações:
a) Assegurar que os dispositivos de segurança personalizados do instrumento de pagamento só sejam acessíveis ao utilizador de serviços de pagamento que tenha direito a utilizar o referido instrumento, sem prejuízo das obrigações do utilizador do serviço de pagamento estabelecidas no artigo anterior.

(…)”.

Mais se estabelecendo no art.º 70º que:
“1 - Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, ou alegue que a operação não foi correctamente efectuada, incumbe ao respectivo prestador do serviço de pagamento fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afectada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência.
2 - Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, a utilização do instrumento de pagamento registada pelo prestador de serviços de pagamento, por si só, não é necessariamente suficiente para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente ou por negligência grave, uma ou mais das suas obrigações decorrentes do artigo 67.º”.

Para além disso, e como bem se frisou na sentença recorrida, dispõe o art.º 73º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que instituiu o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – na redação considerável, atenta a data dos factos, introduzida pelo Decreto-Lei n.º1/2008, de 03/01 – que: “As instituições de crédito devem assegurar, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência.”.

Pois bem:
Não só não ficou provado que os “dispositivos de segurança personalizados do instrumento de pagamento” da A., não fossem acessíveis a terceiros, desde que por aquela fossem observadas as cautelas e prudência inventariadas pela Ré, como, pelo contrário, se verificou que os dispositivos e procedimentos de segurança implementados não eram idôneos para garantir que, na ausência de violação pela A. das suas obrigações enquanto utilizadora de serviços de pagamento associadas aos instrumentos de pagamento – e designadamente da obrigação de “tomar todas as medidas razoáveis, em especial ao receber um instrumento de pagamento, para preservar a eficácia dos seus dispositivos de segurança personalizados.”, vd. cit. art.º 67º, n.º 2 – terceiros não pudessem lograr o acesso aos ditos dispositivos.

Como sempre seria a legítima expetativa do utilizador de serviços que tais, tão insistentemente publicitados e propostos aos clientes da Banca, naturalmente interessada na “venda” de um produto que lhe permitirá significativas economias de funcionamento.

E, logo assim, conclui-se não ter a Ré logrado ilidir a presunção de culpa que sobre ela recai.

Mas ainda quando tal não bastasse, sempre o mesmo resultado se alcançaria na consideração de que, nos termos do art.º 71º do sobredito Anexo I do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de Outubro:
“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 69.º, em relação a uma operação de pagamento não autorizada, o prestador de serviços de pagamento do ordenante deve reembolsá-lo imediatamente do montante da operação de pagamento não autorizada e, se for caso disso, repor a conta de pagamento debitada na situação em que estaria se a operação de pagamento não autorizada não tivesse sido executada.
2 - Sempre que o ordenante não seja imediatamente reembolsado pelo respectivo prestador de serviços de pagamento nos termos do número anterior, são devidos juros moratórios, contados dia a dia desde a data em que o utilizador de serviços de pagamento haja negado ter autorizado a operação de pagamento executada, até à data do reembolso efectivo, calculados à taxa legal, fixada nos termos do Código Civil, acrescida de 10 pontos percentuais, sem prejuízo do direito à indemnização suplementar a que haja lugar.” (sublinhados nossos).
Tratando o ressalvado art.º 69º dos prazos de comunicação pelo utilizador ao prestador do serviço, “após ter tomado conhecimento de uma operação de pagamento não autorizada ou incorrectamente executada susceptível de originar uma reclamação.”.

Ora, como dos autos se colhe, datando as transferências fraudulentas, de 29-12-2009, a A., “Logo que tomou conhecimento” daquelas contactou telefonicamente a Ré, para bloquear o acesso informático à conta.
E, em 19-02-2010, “enviou à Ré uma exposição informando a que se destinavam tais quantias e requerendo a reposição das referidas verbas”.
Sem que até à data a Ré haja reembolsado a A. do montante de € 9.718,00, nem dos juros respetivos…
Ocasionando, por via desse retardamento no cumprimento de obrigação contratual, os danos não patrimoniais apurados – cfr. n.ºs 11 e 12 da matéria de facto provada – e valorados na sentença recorrida.
Nenhuma circunstância se tendo apurado suscetível de afastar a presunção de culpa da Ré no tocante àquele incumprimento contratual.

*

Com improcedência, também nesta parte, das conclusões da Recorrente.

II – 3 – Do montante da indemnização por danos não patrimoniais.
Provado que, na pessoa dos seus dirigentes, “A Autora viu-se impossibilitada de efectuar despesas de pagamento a funcionários e colaboradores, bem como de gestão logística do funcionamento da instituição.”, e que “A falta de pagamentos atempados passou a ser comentada junto dos seus colaboradores e do público em geral, colocando reservas sobre a seriedade da Autora. – que é uma instituição de solidariedade social, conquanto já em fase de liquidação –  teve-se como adequada, na sentença recorrida, uma indemnização no montante de € 2.500,00.
Contrapondo a Recorrente que por estar a associação em liquidação “o prejuízo para o seu bom nome é nulo”, e que “o simples atraso em pagamentos a credores (…) em valores totais não superiores a 9.700 euros não justificava a atribuição de um valor superior a 500,00 euros”.

No contexto factual apurado, a afetação do bom nome da A. teve como causa a comentada falta de pagamentos atempada, decorrente do não reembolso pela Ré, de parte do montante fraudulentamente transferido para uma conta de terceiro.
Tratando-se pois de lesão do bom nome da A., que, como refere Rabindranath V. A. Capelo de Sousa,[11] é objeto de direito juscivilístico, também por parte das pessoas coletivas.
Lesão que assim se verificou logo na sequência da ocasionada indisponibilidade de fundos, no final de 2009, nada permitindo concluir que a situação de liquidação em curso da A. se verificava já à data da propositura da ação, em 21 de Fevereiro de 2014, apenas se sabendo que “atualmente” – reportado à data da prolação da sentença – a A. se encontra nessa situação.
Posto o que não é de aceitar que por se encontrar a A., “atualmente”, em liquidação, seja “nulo” “o prejuízo para o seu bom nome”, assim ocasionado.
Sem prejuízo de se levar em linha de conta tal situação, no apuramento da gravidade da lesão, como se fez na sentença recorrida “mitigando (…) com a actual circunstância de a associação Autora já se encontrar em fase de liquidação”.
Para além de que a indemnização por danos não patrimoniais tem “uma natureza acentuadamente mista”, visando, para além de reparar, de algum modo, os danos sofridos pela pessoa lesada, igualmente “reprovar ou castigar; no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.”.[12]

Por outro lado, não se nos afigura despiciendo o ocasionado “atraso em pagamentos a credores (…) em valores totais não superiores a 9.700 euros”, (e sendo certo, em qualquer caso, que se trata de valores totais superiores, a saber, € 9.718,00).
Recorde-se tratar-se de um associação de integração de crianças inadaptadas de Guimarães (IPSS), tendo óbvio impacto, na perceção que dela tem o público, em meio relativamente pequeno, o “atraso” no pagamento de credores, em valores totais superiores a € 9.700,00, sem anunciado termo à mora.
E tanto é assim que, recorde-se, está provado, “A falta de pagamentos atempados passou a ser comentada junto dos seus colaboradores e do público em geral, colocando reservas sobre a seriedade da Autora.”.

O montante da indemnização deverá ser fixado equitativamente, tendo em atenção o grau de culpabilidade da CGD, o facto de se tratar de instituição de crédito economicamente pujante, e a situação económica da A., refletida no próprio facto das consequências do não reembolso parcial do montante das transferências fraudulentas, cfr. art.ºs 496º, n.º 4 e 494º, ambos do Código Civil,

Parte-se assim de um padrão objetivo, conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso, segundo regras “de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”.[13]
Sempre na consideração de que, “II- Na quantificação da indemnização por danos não patrimoniais, com recurso à equidade, devem ponderar-se, nomeadamente, os valores fixados noutras decisões jurisprudenciais.”.[14]

E rejeitando critérios miserabilistas, sem qualquer impacto na conduta de agentes económicos como a Ré.

Tudo visto, entende-se não pecar por excesso o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais, arbitrada na 1ª instância, e que assim é de manter.

Com improcedência, por igual nesta parte, das conclusões da Recorrente.

II – 4 – Do termo a quo da contagem de juros.
Neste ponto assiste razão à Recorrente, como deflui do disposto no art.º 805º, n.ºs 1 e 3, 1ª parte, do Código Civil., e certo tratar-se de responsabilidade civil contratual.
Na verdade, conquanto citada a Ré, só com a ulterior prolação da sentença recorrida se tornou líquido o crédito da A. sobre aquela, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Procedendo dest’arte, e neste particular, as conclusões da Recorrente.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente,--------------------------------------------------------------------------------------
e revogam a sentença recorrida na parte relativa à contagem dos juros de mora,----------------------------------------------------------------------------------------------
que assim passará a ser desde a data da citação da Ré e até 04-01-2015, sobre a quantia de nove mil setecentos e dezoito euros (€ 9.718,00), e desde 05-01-2015, sobre  doze mil duzentos e dezoito euros (€ 12.218,00), até efetivo e integral pagamento.

Nada tendo sido reclamado no tocante à definição de custas na 1ª instância, também nada importa alterar, ex officio, nessa sede tributária…

Já no tocante às custas nesta instância, as mesmas serão a suportar por Recorrente e Recorrida, na proporção de 94% para a primeira e 6% para a segunda.

***

Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:
I – Para ilidir a presunção de culpa que a onera, em caso de transferência fraudulenta, nos quadros de serviços de internet banking, não basta à instituição de crédito a alegação e prova dos procedimentos de segurança adotados, relativos à emissão do cartão respetivo e códigos de acesso, e às advertências e recomendações publicitadas e transmitidas ao utilizador, quando, não se demonstrando a culpa de banda daquele, tão pouco se tenha sequer comprovado qual o tipo de intromissão fraudulenta concretamente verificado.
II – Para além disso, em relação a uma operação de pagamento não autorizada, presume-se a culpa do prestador de serviços de pagamento do ordenante, que não proceda ao imediato reembolso deste do montante da dita operação.
III – A indemnização por danos não patrimoniais, em sede de responsabilidade civil contratual, apenas vence juros de mora desde a data da sua liquidação.

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Lisboa, 2015-05-21

(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)


[1] Proc. 192119/11.8YIPRT.L1-2, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf.
[2]In http://apb.pt/content/files/Inforbanca_88_Proteger_o_Dinheiro.pdf.
[3] Proc. 6479/09.8TBBRG.G1.S1, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[4]Ibidem.
[5] In “Recursos no novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, pág. 129.
[6] Vd. A. Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed.,(reimpressão) Almedina, 2003, págs. 282-284.
[7] In “Direito das Obrigações”, 6ª ed., Coimbra Editora, 1989, pág. 71.
[8] In “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, 2011 (Reimpressão da Edição de Setembro/2009), págs. 485, 486.
[9] Assim, Antunes Varela, in “Das Obrigações em geral”, Vol. I, 10ª Ed., Almedina, 2003, pág. 122.
[10] Cfr., quanto ao contrato de comodato, Antunes Varela, in op. cit., pág. 125.
[11] In “O direito geral de personalidade”, Coimbra Editora1995, págs. 597, 598.
[12] Assim, Antunes Varela, in “Das Obrigações em geral”, Vol. I, 10ª Ed., Almedina, 2003, pág. 608.
[13] Vd. P. Lima e A. Varela, in “Código Civil, Anotado”, Vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, 1982, pág. 474.
[14] Vd. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-2007, proc. 06B3988, Relator: PEREIRA da SILVA, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.