Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3265/10.6TBCSC.1.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: ALIMENTOS
ÓNUS DA PROVA
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: – A nova redação do art.º 1905.º n.º2 do Código Civil, introduzida pela Lei 122/2015 de 1 de Setembro veio esclarecer que a pensão de alimentos, fixada durante a menoridade do filho, não cessa quando este atinge a maioridade, mantendo-se até que este atinja 25 anos de idade, salvo nos casos de o processo de educação ou formação profissional do filho já ter terminado antes daquela idade, ou ter sido livremente interrompido por ele, ou em qualquer caso, o progenitor obrigado à prestação, fizer prova de não ser razoável a sua exigência.
– A nova lei introduziu uma alteração do ónus da prova que incumbe agora ao progenitor.
– Constitui, por isso, título executivo, depois da maioridade do filho, a sentença que tenha fixado a prestação de alimentos a prestar enquanto ainda era menor.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


J... veio instaurar execução especial para pagamento de alimentos contra seu pai:  L..., ambos melhor identificados nos autos.

A execução foi liminarmente indeferida.

Para melhor esclarecimento transcreve-se o teor da decisão de indeferimento liminar do requerimento executivo:
“Salvo o devido respeito, a presente acção executiva não pode prosseguir por falta de título executivo.
 
Vejamos.

A pensão de alimentos em discussão foi fixada na menoridade da jovem. 

Com a maioridade da mesma cessaram as responsabilidades parentais – cfr. artº 1877º do Código Civil (CC). 

Sendo que, nos termos do disposto no artº 1879º do CCos pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargo.” 
Contudo, nos termos do artº 1880º do CC, “se, no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.” 

Ou seja, a obrigação de alimentos fixada na menoridade não assenta nos mesmos pressupostos que assenta a fixação de uma pensão na maioridade do jovem.

Estamos perante dois direitos diferentes, embora o conteúdo, na prática, possa ser igual. 

E assim é porquanto, a fixação de alimentos a filho maior depende da verificação de vários requisitos em simultâneo que não são exigíveis na menoridade. 

Na menoridade a obrigação dos pais pagarem alimentos resulta do simples facto da incapacidade do menor, que é naturalmente incapaz de cuidar da sua pessoa ou prover ao seu sustento. 

De acordo com o disposto no artº 1874º do CC, os pais estão vinculados ao dever de assistência dos seus filhos, compreendendo tal dever a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum e de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar. 

Decorrendo do disposto no nº 1 do artº 1878º do CC, a obrigação dos pais de velar pela segurança e saúde dos filhos, bem como de prover ao seu sustento. 

Tal obrigação assume-se mesmo como um dever fundamental, porquanto resulta do disposto no nº 5 do artº 36º da Constituição da República Portuguesa, que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. 

Mas isto tudo assenta no facto dos filhos serem incapazes conforme expressamente o diz o artº 123º do CC quando dispõe que “salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos.” 

Daí que a obrigação de prover ao sustento do filho menor seja uma obrigação legal que não depende sequer das possibilidades económicas dos progenitores, que a título exemplificativo se vê no artº 2005º do CC quando este permite àquele que for obrigado a alimentos “se mostrar que os não pode prestar como pensão, mas tão-somente em sua casa e companhia, assim poderão ser decretados”. 

Com a maioridade de uma pessoa, tudo isso muda, deixando essa pessoa de estar inibida de exercer direitos, de precisar dos pais ou outra pessoa para o representar e para gerir a sua pessoa e bens.
 
Podendo, como tantos jovens fazem, trabalhar para angariar o seu sustento ou, pelo menos, ajudar nesse sustento. 

Assim, para que se possa continuar a exigir dos pais a participação no sustento do filho maior há que verificar se existem outros requisitos – que não aqueles que se verificavam na menoridade – para justificar essa participação. 

São estes requisitos que obrigam à instauração de nova acção pois que o direito do filho maior a alimentos é um direito novo, que nasce com a sua maioridade e com a verificação dos requisitos legais.
 
Esses requisitos, cumulativos, são:
- continuação dos estudos com vista a obter formação académica ou profissional com vista a alcançar a autonomia;
- aproveitamento nesses estudos;
- o cumprimento dos deveres de filho que permita concluir-se pela razoabilidade de se exigir do progenitor não guardião o pagamento de uma pensão; ou,
- a existência de uma cláusula de desculpação caso se constate que o filho não cumpre com os seus deveres (de respeito, de manter o progenitor não guardião informado acerca da sua pessoa e estudos, cordialidade, e visitas), como por exemplo, ter sido o progenitor não guardião a ter dado aso ao afastamento do filho.

Todos estes requisitos nascem apenas e tão só na maioridade do jovem pois, até essa maioridade, o menor pode até nem ter aproveitamento escolar, pode até nem visitar o progenitor não guardião, pode até ter atitudes menos correctas, que nenhuma dessas circunstâncias permite isentar o progenitor não guardião de participar no sustento do filho, apenas e tão só porque o mesmo é menor, e por isso, incapaz. 

Dito por outras palavras, a obrigação de um pai pagar alimentos a filho menor assenta exclusivamente no facto do mesmo ser incapaz, enquanto que a obrigação de um pai pagar alimentos a um filho maior assenta na verificação de outros requisitos. 

Dúvidas não podem, assim, restar de que a pensão de alimentos fixada na menoridade não transita automaticamente para a maioridade, sendo que se tratam de dois direitos distintos e autónomos

Pelo que o título judicial que servia de base aos incumprimentos suscitados na menoridade da jovem não é o mesmo necessário para accionar o direito a alimentos na maioridade. 

Ora, a exequente, enquanto filha maior do executado, parte do pressuposto que a obrigação de pagar alimentos a filho maior nasceu na menoridade e que se mantém automaticamente na maioridade, esquecendo-se que se trata de dois direitos diferentes. 

Daí ter concluído que o não pagamento da pensão de alimentos na maioridade traduz um mero incidente de incumprimento que deve ser tramitado no Tribunal, através desta acção executiva. 

Como já vimos, tal não está correcto porquanto, com a maioridade, há que verificar a existência dos requisitos legais que permitam a fixação de uma pensão de alimentos ao progenitor não guardião.

E isso implica uma acção própria para o efeito, com alegação, e posterior prova, por parte da requerente da existência ou verificação dos requisitos legais necessários para justificar o seu pedido de alimentos. 

Ora, a Lei nº 122/2015 de 01-09 não veio alterar o regime vigente quanto à fixação de alimentos a filho maior, pois que se continua a exigir a verificação dos requisitos plasmados no artº 1880º do CC, conforme expressamente o refere o nº 2 do artº 1905º do CC, aditado pela Lei nº 122/2015, como se continua a exigir a razoabilidade em se fixar uma pensão a cargo do progenitor não guardião, o que traduz um conceito que deve ser concretizado em cada caso concreto e não num âmbito de uma execução ou de um simples incidente de incumprimento.  

O que a Lei nº 122/2015 de 01-09 veio, na realidade, trazer de novo, foi definir o tempo máximo até ao qual os alimentos podem ser pagos – até aos 25 anos de idade – como tecto máximo, pondo, assim, termo a uma velha polémica que resultava da redacção do artº 1880º do CC que apenas fazia referência ao “tempo normalmente requerido para a formação”, o que deixava dúvidas se a formação, por exemplo, deveria incluir o mestrado ou mesmo o doutoramento. 

E veio acrescentar ao artº 989º do CPC a possibilidade de ser o progenitor guardião a pedir os alimentos. 

Bem como veio estabelecer, ou definir, o conteúdo da obrigação alimentar eventualmente devida após a maioridade, equiparando-a ao valor dos alimentos fixados na menoridade. 

Nada mais.

Sendo que a Lei n.º 122/2015 de 01-09 não veio revogar o D.L. n.º 272/2001 de 13-10 que se mantém incólume.

E que aliás, já previa a possibilidade das acções de alimentos a filhos maiores poder correr no Tribunal caso já existisse acção judicial pendente – cfr. art.º 5.º n.º2 do D.L. n.º 272/2001 de 2010.
Ora, no caso em apreço não existe acção judicial pendente.

Sendo certo que o artº 989º do CPC já existia quando o DL nº 272/2001 de 13-10 foi publicado, e continuou a existir mesmo quando acções eram propostas nas Conservatórias nos termos do artº 5º de tal DL.

O mesmo se diga em relação ao conteúdo do artº 282º do CPC,
cujo conteúdo corresponde ao artº 292º do CPC entretanto revogado pela Lei nº 41/2013 de 26-06, também já existia quando o DL nº 272/2001 de 13-10 foi publicado, e continuou a existir mesmo quando acções eram propostas nas Conservatórias nos termos do artº 5º de tal DL.

Aliás, o artº 282º do CPC não diz respeito a alimentos fixados a
filhos menores, porquanto estes alimentos não são duradouros (ver, por favor, o nº 2 do citado artº 282º CPC), devendo apenas
persistir enquanto o filho for menor e, quando atinge a maioridade, quando muito, verificados os necessários requisitos, até o filho completar a sua formação profissional, agora delimitado até aos 25 anos.

Por outro lado, o disposto no artº 282º CPC também não diz respeito à manutenção de alimentos já fixados mas à alteração ou cessação dos mesmos o que claramente não é o caso dos autos, uma vez que é a própria jovem que pretende a manutenção de alimentos, não tendo sido o pai a pedir a sua alteração ou cessação.

O artº 989º do CPC também não afecta as competências das Conservatórias do Registo Civil atribuídas pelo DL nº 272/2001 de 13-10 e a Lei nº 122/2015 de 01-09 em nada veio alterar este panorama, tendo apenas e tão só, no âmbito do artº 989º do CPC, permitido que os progenitores guardiões pudessem pedir os alimentos em vez dos filhos maiores, como veio permitir que se decida se a pensão a pagar após a maioridade, no caso da mesma ter sido pedida pelo progenitor guardião, possa ser em parte, ou na totalidade, entregue ao filho maior.

Aliás, o artº 989º do CPC é prova cabal de que não estamos nunca perante um simples incidente de incumprimento de alimentos quando está em causa o sustento de um maior mas perante uma verdadeira acção, nova e constitutiva do respectivo direito.

Ora, o artº 989º nº 1 do CPC, que não foi tocado pela Lei nº 122/2015 de 01-09, sempre coexistiu com o artº 5º do DL nº 272/2001 de 13-10, nunca tendo as Conservatórias colocado em crise a sua competência material para decidir acções de jurisdição voluntária que o legislador tão sabiamente quis retirar das barras do tribunal.

Por outro lado, o nº 2 do artº 989º do CPC não diz respeito à fixação de alimentos a filhos maiores quando se refere à existência de acção judicial prévia ou pendente mas aos incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos.

E isto tem uma razão de ser.

É que, estando pendente uma acção de fixação de alimentos na menoridade do jovem, se este, entretanto e na pendência da acção, atingir a maioridade, embora se extingam as responsabilidades parentais, isto é, parte do objecto da acção cai por inutilidade superveniente da lide, mantém-se em aberto a discussão sobre o valor dos alimentos a arbitrar até à maioridade uma vez que os alimentos são devidos desde a data da propositura da acção- cfr. artº 2006º do CC.

Por outro lado, se tiver sido instaurada uma acção de alteração dos alimentos ou cessação dos mesmos na menoridade do jovem, e este, entretanto atinge a maioridade, o objecto das respectivas acções não cessa com essa maioridade porquanto o pedido é válido desde a data da sua formulação.

Assim, se um pai instaurar uma acção de alteração dos alimentos, pedindo a sua redução de € 200,00 para € 100,00 na menoridade do filho, como não podia deixar de o fazer nessa altura, não é pelo facto do filho atingir a maioridade na pendência da acção que esta automaticamente cai pois que há interesse em se discutir aquela redução que terá, seguramente, efeitos retroactivos.

É isto que o nº 2 do artº 989º do CPC visa acautelar, e nada mais.

Assim, em face de todo o acima exposto verifica-se, no nosso muito modesto entendimento, que os alimentos devidos a filho maior traduz uma obrigação que nasce ex novo na esfera jurídica do alimentando, que deve ser reconhecido em acção própria para o efeito e onde seja permitido o cabal exercício do contraditório a fim de apurar se é razoável exigir-se ao progenitor não guardião o pagamento de uma pensão na maioridade, o que obriga também o alimentando a fazer prova do seu aproveitamento escolar.

Essa acção tem de ser prévia a qualquer execução, pois que é a acção que irá produzir o título executivo bastante e que se verifica não existir de momento, devendo tal acção prévia ser instaurada na Conservatória do Registo Civil que mantém toda a competência material, ao abrigo do artº 5º do DL nº 272/2001 de 13-10, que não foi revogado, nem alterado pela Lei nº 122/2015 de 01-09, para tramitar as acções de alimentos a filhos maiores, não tendo a Lei nº 122/2015 de 01-09 introduzido quaisquer alterações ao sistema vigente no que tange à competência das Conservatórias do Registo Civil.

Sendo ainda certo que o artº 989º nº 2 CPC não diz respeito a incidentes de incumprimento, nem a fixação de alimentos a filho maior se pode traduzir num imples incidente de incumprimento,
uma vez que estamos perante um direito novo que tem de ser devidamente declarado após verificação dos requisitos legais plasmados no artº 1880º CC bem como no artº 1905º nº 2 CC.

Pelo que, em face de tudo quanto temos vindo a tecer, indefiro liminarmente a presente execução por falta de título executivo.
Custas a cargo da exequente”.

Inconformada com esta decisão, veio a Exequente interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
1)– A Lei nº 122/2015, de 1 de Setembro, que aditou o número 2 ao artigo 1905º do Código Civil é uma lei interpretativa que por se integrar na lei interpretada é de aplicação retroactiva (artº 13º do CC);
2)– A interpretação legal do artigo 1880º fixada no aditamento do nº 2 do artigo 1905º do Código Civil é a de que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado á prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência;
3)– Tendo sido fixada na menoridade da Recorrente pensão de alimentos, por decisão judicial em sede de processo de divórcio dos progenitores, a mesma constitui título executivo para reclamação das pensões devidas no âmbito do artigo 1880º do Código Civil, até que o filho complete os 25 anos de idade excepto se o obrigado á prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.
4)– Nestes termos, a Recorrente instaurou e bem o procedimento executivo contra o seu pai L... dispondo de título executivo para o efeito;
5)– A Recorrente atingiu a maioridade em Fevereiro de 2014 ou seja antes de 1 de Outubro de 2015, data de entrada em vigor da Lei nº 122/2015, de 1 de Setembro; Todavia e ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal a quo (tendo a Recorrente atingido a maioridade antes da entrada em vigor da Lei 122/2015, de 9 de Setembro não dispõe de título executivo) é precisamente o inverso: a Recorrente passou a dispor de título de executivo com a entrada em vigor desta lei tendo executado as prestações vencidas e não pagas a partir de Outubro de 2015 apenas!
6)– A sentença recorrida fez uma errada interpretação da Lei 122/2015, de 1 de Setembro ignorando os princípios que presidiram à sua adopção pelo nosso sistema jurídico violando o disposto nos artigos 1880º e 1905º, número 2 de Código Civil;
7)– Com esta lei o legislador pôs termo à controvérsia jurisprudencial existente, esclarecendo definitivamente que a pensão de alimentos, fixada durante a menoridade do filho, não cessa quando este atinja os 25 anos de idade, salvo no caso excepcional do processo de educação ou formação profissional do filho ter terminado antes daquela idade, de ter sido livremente interrompido por ele, ou em qualquer caso, se o progenitor obrigado á prestação fizer prova da falta de razoabilidade da sua exigência.
8)– Não há pois como negar a exequibilidade, depois da maioridade do filho, da sentença que fixou a pensão de alimentos enquanto este era menor.
9)– Esta regra engloba todos os jovens beneficiários de pensão de alimentos fixada na sua menoridade que, tendo atingido já a maioridade, ou vindo a atingi-la depois não tenham completado os 25 anos de idade, nem concluído a sua formação académica.
10)– Porque o Tribunal a quo errou ao julgar que a norma em causa se aplica apenas no caso da maioridade ser atingida após a sua entrada em vigor,
11)– Decidindo pela inexistência de título executivo,
12)– deve a sentença recorrida ser julgada como não procedente, revogada e substituída por outra que admita a presente execução, ordene a penhora dos bens, a citação do executado e o prosseguimentos dos autos, nos seus ulteriores termos.
Por tudo o acima exposto, deve conceder-se provimento ao presente recurso revogando-se a sentença de indeferimento liminar de requerimento executivo, mandando prosseguir a execução nos seus ulteriores termos em direito admissíveis assim se fazendo JUSTIÇA!

O Apelado apresentou contra alegações onde pugnou pela confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II–OS FACTOS.       
Os factos com relevo para a decisão são os que constam do relatório, resultando ainda dos autos, o seguinte:
1–J... nasceu no dia 24 de Fevereiro de 1996 e é filha do Requerido, conforme assento de nascimento de fls.4.
2–Por acordo sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais, relativa à Exequente, então menor, homologado por decisão proferida no processo de divórcio por mútuo consentimento de seus pais, o Executado ficou obrigado a pagar a título de alimentos a favor da filha menor, ora Exequente, a quantia de € 350,00.
3–Houve sucessivos incidentes de incumprimento com vista a obter o pagamento da referida pensão de alimentos.

III–O DIREITO.
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, a questão fundamental a apreciar consiste em saber se, a sentença que tenha homologado o acordo dos progenitores relativamente à pensão de alimentos a prestar ao filho menor, constitui título executivo, após a maioridade do filho.
Na decisão recorrida, como se verifica do texto que integralmente ficou transcrito, entendeu-se que não existe título executivo pelo facto de a Exequente ter atingido a maioridade, antes de 1-10-2015, data da entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, de 1-09 e não depois do início da sua vigência.
Cumpre adiantar, no seguimento do que tem vindo a ser entendido quer por nós[1], quer por outros acórdãos deste Tribunal da Relação de Lisboa[2], que não acompanhamos o raciocínio constante do despacho recorrido.

Vejamos:

Dispõe o art.º 1880.º do Código Civil[3], o seguinte:
Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”

“Temos, assim, que a obrigação, a cargo dos pais, de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, pode estender-se para além da maioridade daqueles, no caso excecional – de hoje em dia tornado comum – de estes, não obstante terem atingido já a plena capacidade de exercício de direitos, não haverem completado ainda a sua formação profissional.
Trata-se, como doutrinariamente se vem considerando, de um prolongamento, para além do termo da menoridade, de algumas das obrigações que integram as responsabilidades parentais tal como as define o nº 1 do art.º 1878º, por forma a assegurar a completude da formação escolar e profissional dos filhos, de hoje em dia sujeita a padrões de exigência acrescida, em altura da vida em que eles, por via de regra, não possuem ainda capacidade económica para prosseguir e ultimar essa mesma formação iniciada enquanto menores de idade.
Estando muitas vezes judicialmente reconhecida a obrigação de prestar alimentos a filho menor, quando este, não obstante ter atingido a maioridade, permanecia em situação que reclamava, nos termos da sobredita norma, o prolongamento da obrigação de alimentos a cargo dos progenitores, era, entre nós, controvertida a questão de saber se a decisão judicial que fixava prestação de alimentos na menoridade estendia os seus efeitos para além dela, constituindo ainda título executivo bastante para o beneficiário, já maior, cobrar do progenitor inadimplente as prestações alimentícias em dívida”[4]

E na verdade a jurisprudência divergia, entendendo uns que a decisão em causa só constituía título executivo quanto às prestações vencidas durante a menoridade do beneficiário[5], e considerando outros que a mesma decisão era também título executivo relativamente à obrigação de alimentos que se prolongasse, após a maioridade do filho, nos termos referidos no art.º 1880.º[6].
Tal como bem faz notar o acórdão deste Tribunal da Relação que estamos a seguir de perto, dada a clarividência da sua exposição, “subjacente a cada um destes entendimentos estava a diversidade de posição adotada quanto a saber quando cessava a obrigação de prestar alimentos a filhos menores.
Para a primeira, essa obrigação extinguia-se automaticamente, uma vez atingida a maioridade, sem necessidade de requerimento nesse sentido dos progenitores [7].”
Para a segunda tese, os alimentos fixados a menores não cessavam, sem mais, só por estes terem atingido a maioridade, mantendo-se depois dela[8].
Ora, a Lei n.º122/2015, de 1 de Setembro que entrou em vigor em 1 de Outubro de 2015, destinou-se a por fim a tal controvérsia jurisprudencial, embora, a avaliar pelo caso que nos ocupa, parece que tal fim ainda não foi conseguido.

Esta Lei deu nova redacção ao art.º 1905.º n.º2 que tem agora o seguinte teor:
 “2.Para efeitos do disposto no art. 1880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada a seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido, ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.

Fica assim esclarecido que “a pensão de alimentos, fixada durante a menoridade do filho, não cessa quando este atinge a maioridade, mantendo-se até que atinja os 25 anos de idade, salvo no caso excecional de o processo de educação ou formação profissional daquele ter terminado antes daquela idade, de ter sido livremente interrompido por ele, ou, em qualquer caso, se o progenitor obrigado à prestação fizer prova da falta de razoabilidade da sua exigência.”[9]

Segue-se, pois, a necessária consequência da plena exequibilidade, depois da maioridade do filho, da sentença onde tenha sido fixada a prestação de alimentos devida pelo progenitor, ao filho ainda menor.

Tal como a Apelante refere e bem nas suas alegações, de acordo com a alteração legal, “ cabe agora ao progenitor obrigado à prestação de alimentos provar que o filho maior não tem direito à pensão e não o oposto – o tribunal a quo considerou que o direito do filho maior a alimentos, para além de ser um direito novo, que nasce com a sua maioridade, esse direito só existirá desde que se verifiquem cumulativamente determinados requisitos cujo ónus de prova recai sob o alimentando. Interpretação arredada definitivamente pela Lei nº 122/2015 de 1 de Outubro de 2015: o filho, atingida a maioridade e havendo pensão de alimentos fixada, na menoridade, por decisão judicial ou acordo homologado pelo conservador em processo de divórcio, a mesma constitui título executivo para reclamação das pensões devidas no âmbito do artigo 1880º do C. C, até que o filho complete os 25 anos de idade com excepção do obrigado fazer prova de que o processo de educação ou formação profissional foi concluído antes daquela data. Inverteu-se o ónus do impulso processual, a cargo do progenitor obrigado e não do filho maior”.

E sem dúvida que, de acordo com as regras do disposto no art.º 12.º, a regra instituída pela Lei 122/2015 de 1-09, abrange todos os que se encontram nas condições que a mesma prevê, ou seja, “os jovens beneficiários de pensão de alimentos fixada na sua menoridade que, tendo atingido já a maioridade, ou vindo a atingi-la depois, não tenham ainda completado os 25 anos de idade, nem concluído o seu processo de educação ou de formação profissional”.[10]

Como já decidimos no Acórdão já citado de 30-06-2016[11]:
A aplicabilidade aos presentes autos da alteração introduzida pela Lei 122/2015 de 1 de Setembro “não significa uma aplicação retroactiva da lei. Na verdade, entendemos que esta Lei se aplica a todos os casos pendentes à data da sua entrada em vigor, encontrando-se os jovens ainda a completar a sua educação e/ou formação profissional, existindo alimentos fixados na menoridade. Outra interpretação poria em causa o princípio da igualdade, princípio basilar do nosso sistema jurídico”. 
         
Por outro lado e indo ao encontro das questões suscitadas pelo Apelado, cabe referir o que já anteriormente escrevemos: a redacção introduzida pela Lei 122/2015 de 1 de setembro que dispõe que a obrigação de alimentos fixada para filhos menores se mantém até aos 25 anos, é clara no sentido de inverter o ónus da prova. Ou seja, deixou de ser o filho maior a ter o ónus de requerer a atribuição de prestação de alimentos, continuando esta a ser devida, desde que fixada durante a menoridade, mediante mera comprovação da situação de processo de educação/formação profissional. Ao contrário do que acontecia anteriormente, é ao progenitor que cabe intentar acção para cessação da prestação de alimentos, caso haja fundamento para tanto. No caso em apreço, instaurada a execução, caso se verifique algum dos motivos que justificam a cessação da prestação de alimentos – circunstâncias/excepções previstas no art.º 1905.º n.º2- incumbe ao progenitor alegar tais factos em sede de embargos.
          
Procedem, pois, as conclusões da Apelante.

A decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que determine que os autos prossigam os seus termos legais.

IV–DECISÃO.
Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso e, consequentemente revogar a decisão recorrida e determinar que a mesma seja substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos de execução.
Custas pelo Apelado.



Lisboa, 21 de Dezembro de 2017



Maria de Deus Correia
Nuno Sampaio
Maria Teresa Pardal



[1]Vide Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, relatado pela ora relatora, datado de 14-06-2016, disponível em www.dgsi.pt.
[2]Vide a título exemplificativo, Acórdão do TRL de 14-06-2016, Processo 6954/16.8T8LSB.L1.7, disponível em www.dgsi.pt
[3]Serão deste diploma todos os artigos que vierem a ser citados sem indicação de proveniência.
[4]Vide acórdão do TRL de 14-06-2006, supra citado.
[5]Vide a título exemplificativo deste entendimento, o Acórdão do STJ de 31-05-2007, disponível em www.dgsi.pt.
[6]Vide neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2012 e do Tribunal da Relação do porto de 09-03-2006, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[7]Vide a título exemplificativo, Acórdão do STJ de 22-04-2008, www.dgsi.pt
[8]Vide os Acórdãos  do TRP de 9-03-2006 e de 26-05-2009, disponíveis em www.dgsi.pt
[9]Acórdão do TRL de 14-06-2016.
[10]Idem.
[11]Acessível em www.dgsi.pt.



Decisão Texto Integral: