Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6041/17.1T9LSB-B.L1-9
Relator: MARIA LEONOR BOTELHO
Descritores: EFEITO DO RECURSO
MOMENTO DA SUBIDA DO RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/07/2020
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I-A circunstância de o recurso ter subida diferida não leva a concluir que o recorrente não poderá aproveitar-se da decisão favorável que sobre ele eventualmente venha a recair, não podendo afirmar-se que a retenção do recurso produzirá um resultado irreversivelmente oposto ao que ele visa alcançar.Com efeito, a absoluta inutilidade apenas se verificaria se, não subindo imediatamente, a decisão que sobre ele viesse a ser proferida não tivesse qualquer efeito útil no processo, dela não podendo já o recorrente retirar qualquer proveito, e já não quando a consequência da procedência do recurso é tão só a anulação dos actos processuais subsequentes, designadamente do julgamento.
II-Concluindo-se que  a inutilidade absoluta do recurso, não se confunde com a eventual necessidade de repetição de actos, incluindo o julgamento, por força da anulação decorrente da procedência do recurso intercalar interposto.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão Sumária:

1 - No processo n.° 6041/17.1 T9LSB, que corre termos no Juízo Local Criminal de Lisboa - J6 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foram os arguidos “INOFRUTA - Produtos Alimentares, Lda,” e AA acusados da prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.°s 6.°, 7.°, 107.° e 105.° do R.G.I.T. e 30.°, n.° 2, do C. Penal.
O arguido AA requereu, nos termos dos art.°s 286.°, n.° 1, alínea a), e 287.°, n.°s 1 e 2, do C.P.P., a abertura da instrução, tendo, por decisão instrutória de 29.11.2018, os referidos arguidos sido pronunciados pelo crime de que estavam acusados.
Designado dia para realização da audiência de julgamento, vieram os arguidos apresentar contestação na qual suscitavam, como questões prévias, a existência de irregularidade decorrente da omissão da regular notificação do administrador de insolvência da sociedade arguida, nos termos do art.° 105.°, n.° 4, al. b), do R.G.I.T., a nulidade do debate instrutório por ter sido realizado com preterição de formalidade essencial - assistência da sociedade arguida por defensor, conforme preceitua o art.° 64.°, n.° 1, al. c), do C.P.P., e extinção da responsabilidade criminal por força do integral ressarcimento da Segurança Social.
Por despacho proferido em 18.12.2019, foram indeferidas todas as referidas
questões.
*
2 - Inconformado com essa decisão, dela recorreu o arguido AA, solicitando que a tal recurso fosse fixada subida imediata, nos termos previstos no art.° 407.°, n.° 1, do C.P.P., por em seu entender a retenção do recurso o tornar absolutamente inútil.
*
3 - Por despacho proferido em 20.02.2020, o recurso foi admitido com
subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
*
4 - Na resposta, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso.
*
5 - Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o art.° 416.° do C. P. P., aderiu à resposta apresentada pelo Ministério Público na 1a Instância.
*
6 - Efectuado o exame preliminar, entende-se ocorrer circunstância que obsta ao conhecimento do recurso, conforme, de forma sumária, passará a explicitar-se.
*
7 - Constitui entendimento pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2a ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6a ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Proc° 3178/07, 3a Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt)
Porém, determina-se no art.° 417.°, n.° 6, alínea a), do C.P.P., que, após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que alguma circunstância obstar ao conhecimento do recurso.
No caso, impõe-se verificar se o regime de subida do recurso foi devidamente fixado, questão prévia e de conhecimento oficioso, já que, nos termos previstos no art.° 414.°, n.° 3, do C.P.P., «a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior.»
Como vimos, a decisão recorrida respeita ao indeferimento de questões suscitadas pelos arguidos relativamente ao debate instrutório e ainda quanto à alegada extinção do procedimento criminal por força do pagamento dos montantes que eram devidos à Segurança Social.
Tais pedidos foram apresentados na contestação que deduziram após notificação para julgamento.
Quanto ao momento da subida dos recursos determina-se no art.° 407.° do
C.P.P.:
«1- Sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
2 - Também sobem imediatamente os recursos interpostos:
a) De decisões que ponham termo à causa;
b) De decisões posteriores às referidas na alínea anterior;
c) De decisões que apliquem ou mantenham medidas de coacção ou de garantia patrimonial, nos termos deste Código;
d) De decisões que condenem no pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código;
e) De despacho em que o juiz não reconhecer impedimento contra si deduzido;
f) De despacho que recusar ao Ministério Público legitimidade para a prossecução do processo;
g) De despacho que não admitir a constituição de assistente ou a intervenção de parte civil;
h) De despacho que indeferir o requerimento para a abertura de instrução;
i) Da decisão instrutória, sem prejuízo do disposto no artigo 310.°;
j) De despacho que indeferir requerimento de submissão de arguido suspeito de anomalia mental à perícia respectiva.
k) De despacho proferido ao abrigo do disposto nos n.°s 2, 3 e 5 do artigo 328.°-A.
3 - Quando não deverem subir imediatamente, os recursos sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver pposto termo à causa.
(sublinhados nossos)
Resulta de forma clara do normativo legal transcrito que os recursos podem subir imediatamente ou de forma diferida, sendo que, no que respeita à subida imediata, a mesma se verificará nos casos expressamente enunciados no seu n.° 2 e ainda quando, nos termos previstos na cláusula geral vertida no seu n.° 1, se concluir que a sua retenção os tornaria absolutamente inúteis.
Assim, a regra é a da subida diferida dos recursos, já que os casos de subida imediata são apenas os taxativamente indicados na lei ou aqueles em que a retenção os torne absolutamente inúteis.
Nas situações de subida diferida, os recursos subirão e serão instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa (n.° 3 do mesmo art.° 407.° do C.P.P.).
O despacho recorrido não integra nenhuma das situações previstas no n.° 2 do art.° 407.° do C.P.P., impondo-se, por isso, verificar se o recurso contra ele interposto integra a previsão do n.° 1 do mesmo art.° 407.° do C.P.P., isto é, se a sua subida diferida o tornaria absolutamente inútil.
Tem sido uniformemente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que o recurso só se torna absolutamente inútil, por força da sua subida diferida, nas situações em que, sendo procedente, não possa já ter qualquer efeito útil na marcha do processo, resultando tal inutilidade precisamente da sua retenção.
Nesse sentido, veja-se, entre muitos outros, o Ac. do TRL de 08.10.2009, CJ, T4, pág.138, em cujo sumário se lê:
«I.. Para que se justifique a subida imediata dos recursos, ao abrigo do disposto no n°1 do art° 407° do CPP, é necessário que haja uma situação de absoluta inutilidade do recurso retido, isto é, que o recurso, mesmo que venha a ser provido, já não possa ter qualquer efeito útil na marcha do processo e que esta inutilidade seja causada pela sua retenção.
II. Não está nesta situação o recurso interposto de despacho que desatendeu nulidade/irregularidade invocada pela arguida e relativa à ausência de especificação no mandado de busca do modo como a informação acerca do local buscado foi obtida pelos órgãos de polícia criminal e, ainda, a nulidade/irregularidade alegadamente resultante da apreensão de documentação de sociedades não residentes cujas designações não constam do despacho que ordenou a realização das buscas em arquivo bancário.»
Ou o Ac. do TRC de 21.01.2008, Proc° 33/05.0JBLSB-B, disponível in www.dgsi.pt, no qual podemos ler:
«A doutrina e jurisprudência entendem unanimemente que a referida absoluta inutilidade corresponde a situações em que a retenção do recurso retira, de todo em todo, qualquer eficácia ao provimento do mesmo, ou seja, nada aproveita o recorrente da decisão favorável do recurso, por a demora na sua apreciação tornar irreversíveis os efeitos da decisão impugnada, sendo certo que, para este efeito, não constitui inutilidade absoluta a eventual perturbação do desenrolar do processo ou a inutilização de actos já praticados em resultado do provimento do recurso
É que o n.° 1 do citado art.° 407.° do C.P.P. prevê unicamente as situações em que a apreciação diferida do recurso lhe retirará qualquer efeito útil, não abrangendo os casos em que o provimento do recurso possa conduzir à inutilização ou reformulação de actos processuais entretanto praticados.
Na verdade, a eventual anulação de actos processuais entretanto praticados é uma realidade que o legislador não desconhecia ao consagrar o regime dos recursos, sendo nesse quadro que determinou quais os recursos que teriam subida imediata e os que subiriam apenas com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa.
Impõe-se, pois, analisar em cada caso concreto se a retenção do recurso lhe retirará efeito útil.
Ora, no caso em apreço, a circunstância de o recurso ter subida diferida não leva a concluir que o recorrente não poderá aproveitar-se da decisão favorável que sobre ele eventualmente venha a recair, não podendo afirmar-se que a retenção do recurso produzirá um resultado irreversivelmente oposto ao que ele visa alcançar.
Com efeito, a absoluta inutilidade apenas se verificaria se, não subindo imediatamente, a decisão que sobre ele viesse a ser proferida não tivesse qualquer efeito útil no processo, dela não podendo já o recorrente retirar qualquer proveito, e já não quando a consequência da procedência do recurso é tão só a anulação dos actos processuais subsequentes, designadamente do julgamento.
É que, reafirma-se, a inutilidade absoluta do recurso não se confunde com a eventual necessidade de repetição de actos, incluindo o julgamento, por força da anulação decorrente da procedência do recurso.
No caso, a apreciação diferida do presente recurso nunca o tornará absolutamente inútil, já que a sua eventual procedência sempre permitirá alcançar o efeito com ele pretendido, muito embora possa igualmente determinar a anulação dos actos processuais subsequentes, entre os quais o julgamento.
Apesar das consequências indesejáveis no andamento do processo decorrente de uma eventual anulação de actos processuais já praticados, certo é que o presente recurso, subindo com o interposto da decisão final, manterá sempre a sua utilidade, não se verificando assim a inutilidade absoluta exigida pelo citado n.° 1 do art.° 407.° do C.P.P..
Como se diz no Ac. do TRE de 09.10.2012, Proc.° 410/11.8 GHSTC.E1 «se
a apreciação diferida do recurso e a sua eventual procedência ditar que o efeito pretendido ou o direito que o recorrente pretende ver acautelado irá determinar a anulação de actos processuais, a retenção do recurso torna-o inconveniente em termos de celeridade e economia processual mas não lhe retira, em absoluto, a utilidade, já que a anulação de actos processuais é, tão-só, uma das consequências normais do recurso.»
Também o Tribunal Constitucional, em inúmeros Arestos, dos quais se cita, a título de exemplo, o Ac. n.° 242/2005, in DR, Série II de 10.10.2005, tem entendido
que o regime de subida diferida em nada diminui as garantias de defesa do arguido que, face ao provimento do recurso, sempre verá a sua posição ser reconhecida jurisdicionalmente, concluindo que a subida diferida de um recurso de despacho que indefira a realização de diligências na fase de instrução não afronta o princípio das garantias de defesa do arguido nem o princípio da dignidade do cidadão pela sua submissão ao julgamento penal.
O mesmo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.° 476/2007, in DR, II Série, de 03.01.2008, decidiu igualmente «não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 407. °, n.° 2, do Código de Processo Penal no sentido de que não deve subir imediatamente o recurso interposto da decisão, proferida em audiência de julgamento, que recusa declarar prescrito o procedimento criminal.»
No caso em apreço, mesmo que julgado com o recurso interposto da decisão que venha a pôr termo à causa, o recurso sub judice, em caso de procedência, terá sempre efeito útil na marcha do processo, podendo determinar a inutilização de posteriores actos do processo, consequência normal do conhecimento, no momento processual adequado, dos recursos com subida diferida.
Impõe-se, pois, concluir que o recurso em causa nestes autos não cabe na previsão do n.° 1 do citado art.° 407.° do C.P.P., tendo, consequentemente, subida deferida, subindo com o que vier a ser eventualmente interposto da decisão que puser termo à causa.
Por tal razão, não pode por ora ser conhecido por este Tribunal da Relação.
Consequentemente, ao abrigo do que se dispõe no art.° 414.°, n.° 3, do
C.P.P., impõe-se alterar o regime de subida do presente recurso, nos termos referidos.
*
8 - Nos termos e pelos fundamentos expostos, altera-se o regime de subida do recurso interposto pelo arguido AA, determinando-se que o mesmo subirá e será instruído e julgado conjuntamente com o recurso que vier a ser interposto da decisão que ponha termo à causa.
Sem tributação.
Notifique.
*
Elaborado em computador e integralmente revisto pela subscritora (art.° 94.°, n.° 2, do C.P.P.)
*
Lisboa, 07.10.2020
Maria Leonor Botelho