Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23167/16.1T8LSB.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
BEM DEFEITUOSO
RESOLUÇÃO DE CONTRATO
RESPONSABILIDADE DO DISTRIBUIDOR
RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1.–Tendo ocorrido mais de 1 ano sobre a celebração do contrato de compra e venda de veículo automóvel usado, que a Autora adquiriu a concessionário, pelo preço de €14.600,00, e tendo a compradora circulado normalmente com esse veículo durante todo esse tempo, fazendo mais de 20.000 Km, afigura-se desproporcionado, porque contrário ao princípio da boa-fé, o exercício do direito à resolução do contrato de venda de bem de consumo, nos termos do Art. 4.º n.º 1 “in fine” do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4, fundado na circunstância de que a vendedora não cumpriu a obrigação de entrega em conformidade com o contratado, por alegadamente não se encontrar colocado no seu devido lugar um parafuso que fixava o volante à coluna de direção do veículo, o qual teria certamente um valor insignificante relativamente ao da venda, o que torna ilegítimo o exercício dessa faculdade legal, por haver manifesto abuso de direito (Art. 334.º do C.C. e Art. 4.º n.º 5 “in fine” do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4).

2.–Nos termos do Art. 12.º n.º 1 da Lei do Defesa do Consumidor (aprovada Lei n.º 24/96 de 31/7) o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.

3.–Perante a ausência de prova sobre as condições em que o veículo foi entregue à A., nomeadamente no que se refere à falta do parafuso que assegurava a fixação do volante à colona de direção, deve recorrer-se às presunções legais estabelecidas no Art. 3.º n.º 2 do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8 de abril, nos termos do qual as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos a contar da data de entrega da coisa móvel corpórea presumem-se já existentes a essa data.

4.–Estando em causa o incumprimento da obrigação de entrega da coisa pelo vendedor em conformidade com o contratado, de acordo com as legítimas expectativas do consumidor, tal como o Art. 2.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 87/2003 de 8/4 estabelece, o comprador beneficia ainda da presunção legal de culpa estabelecida no Art. 799.º do C.C., por estar em causa uma situação configurável como de responsabilidade contratual.

5.–No caso a Autora teve um acidente com o veículo que adquiriu 1 ano antes no concessionário, mas esse acidente ficou a dever-se à perda de controlo por parte da sua condutora, que invadiu a faixa de rodagem contrária e foi embater contra uma árvore, sem que se tenha provado que a falta do parafuso no volante tenha contribuído efetivamente para o sinistro.

6.–No entanto, a falta do parafuso veio a concorrer para o agravamento de algumas lesões físicas sofridas pela Autora, que bem poderiam ter sido minoradas se o parafuso tivesse no seu devido lugar, não permitindo que o volante se tivesse soltado após o embate e airbag tivesse disparado de forma descentrada relativamente à posição de condução da Autora, o que facilitou o embate da cabeça da condutora no vidro dianteiro do veículo e as lesões corporais na parte superior à cintura.

7.–Havendo processos causais concorrentes para a verificação de determinado dano, eles não se excluem mutuamente, simplesmente implicam que se deva determinar qual o contributo objetivo de cada um deles para a consumação do dano.

8.–O nexo de causalidade, para além de um pressuposto da responsabilidade civil, serve também, funcionalmente, de medida da obrigação de indemnização, devendo aqui serem encontrados critérios para a fixação do “quantum” indemnizatório. O mesmo se devendo dizer relativamente à culpa, nomeadamente quando há concorrência da responsabilidade do lesado para a consumação dos danos, tendo em atenção o disposto no Art. 570.º n.º 1 do C.C..

9.–No caso dos autos, a Autora foi a responsável principal pela ocorrência do acidente, representando o defeito, relativo à ausência do parafuso do volante, apenas um contributo, relativamente menos significativo, para o agravamento de alguns dos danos verificados, mas que obriga a vendedora do veículo a responder por eles na medida em que também sejam consequência do facto de não se encontrar no seu lugar de alojamento o parafuso de fixação do volante à coluna de direção.

10.–Por força do Art. 12.º n.º 2 da Lei de Defesa do Consumidor, o produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos que coloque no mercado, nos termos da lei, remetendo-se assim para o que igualmente é disposto nesse sentido pelo Dec.Lei n.º 383/89 de 6/11, que transpôs para o direito interno a Diretiva n.º 85/374/CEE, do Conselho de 25 de julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados membros em matéria da responsabilidade decorrente de produtos defeituosos.

11.–A responsabilidade objetiva do produtor é extensiva ao “produtor aparente”, que inclui aquele que na União Europeia e no exercício da sua atividade comercial, importe produtos para venda, aluguer, locação financeira ou outra qualquer forma de distribuição (Art. 2.º n.º 2 al. a) do Dec.Lei n.º 383/89 de 6/11).

12.–O risco tutelado na responsabilidade objetiva do produtor é o relativo à colocação em circulação de produto com defeito, não lhe sendo aplicáveis as presunções de desconformidade previstas para o vendedor no Art. 3.º n.º 2 do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4.

13.–No entanto, quanto ao mesmo, prevalece o princípio geral da responsabilidade do produtor pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação (Art. 1.º), que só será excluída quando o produtor fizer prova dos factos que, nos termos da lei (v.g. Art. 5.º do Dec.Lei n.º 383/89 de 11/6) determinem a exclusão dessa sua responsabilidade.

14.–Provando-se que o veículo foi posto em circulação e não tinha colocado no seu lugar o parafuso que assegurava a fixação do volante à coluna da direção no momento do acidente, sem que o produtor lograsse demonstrar que, tendo em conta as circunstâncias, se poderia razoavelmente admitir a inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação (v.g. Art. 5.º al. b) do Dec.Lei n.º 383/89 de 11/4), o importador e distribuidor desse veículo responde solidariamente pelos prejuízos decorrentes do defeito verificado (Art. 6.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 383/89 de 6/11).


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:



I–RELATÓRIO


A veio intentar a presente ação constitutiva e de condenação, em processo declarativo comum, sob a forma ordinária, contra B e  C, pedindo: a declaração de resolução do contrato de compra e venda do veículo automóvel com a matrícula XX-XX-XX, celebrado entre a A. e a 1.ª R., com a consequente condenação desta a restituir-lhe a quantia de €14.600,00, correspondente ao preço pago pela indicada viatura, sendo em contrapartida a mesma viatura entregue à 1.ª R. pela A.; e a condenação solidária das R.R. ao pagamento à A. da quantia de €50.081,04, sendo €15.081,04 de danos patrimoniais, sem prejuízo das despesas que se venham a vencer, e rendimentos que não sejam auferidos, até integral pagamento, e €35.000,00 a título de danos morais; e ainda nos juros legais, contados desde a data da citação até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em suma, que no dia 28 de agosto de 2015, na estrada de Monsanto, no sentido sul/norte, a A. perdeu o controlo do veículo com a matrícula XX-XX-XX e, em consequência, invadiu a faixa de rodagem contrária e veio a embater numa árvore.
Ora, essa viatura fora adquirida pela A. à 1.ª R., com recurso ao crédito e pelo montante de €14.600,00, tendo esse veículo cerca de 18.850 km percorridos, tendo nas negociações prévias à venda sido informado à A. pela 1.ª R. que o viatura havia sido utilizado como veículo de serviço por um seu funcionário, encontrando-se em excelentes condições e sem quaisquer problemas do foro mecânico.
Sucedeu que, antes do embate na árvore, a A. tentou travar o veículo, mas o travão não funcionou, tendo a perda de controlo ficado a dever-se à existência de racha/rutura na soldadura da estrutura do veículo do lado esquerdo, junto à caixa da direção. Acresce que o cinto de segurança não trancou e, em consequência, a A. bateu com a cabeça no seu vidro dianteiro, quebrando-o. Na sequência de tentar controlar o veículo, o volante foi arrancado do tablier, sendo que o carro só susteve a sua marcha quando colidiu na árvore. Os dois airbags, por seu turno, somente dispararam quando o veículo já havia embatido.
Do acidente resultaram, e resultam, danos para a A. de índole patrimonial e não patrimonial, cujo ressarcimento peticiona das R.R..
Citadas, as R.R. contestaram a ação separadamente, pugnando pela sua improcedência e consequente absolvição dos pedidos contra si formulados.
Alegou a 1.ª R., em suma, que a A. assumiu perante si que o despiste e o embate se tinham ficado a dever a culpa da condutora, nunca tendo referido que o sinistro havia resultado de um qualquer defeito na viatura em apreço. Por outro lado, na data da sua venda e entrega, o veículo não apresentava problemas que pudessem prever ou determinar as anomalias ora apontadas pela A., tendo sido entregue em perfeitas condições de funcionamento e totalmente apto à realização dos fins a que se destinava, designadamente no respeitante ao estado dos airbags, dos travões e cintos de segurança.
Também alegou que, aquando do embate, a A. circulava sem o cinto de segurança colocado em volta do corpo e com velocidade excessiva. Por outro lado, depois de verificado o acidente, a A. nunca aceitou, nem sequer pediu, que a 1.ª R. procedesse à desmontagem de qualquer peça do veículo.
Por sua vez, a 2.ª R. alegou, em suma, que a presente ação foi instaurada contra a mesma com fundamento no regime constante do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, em concreto, no que aí se estabelece sobre a responsabilidade do produtor, mas só em 8 de março de 2016, por carta da A. datada do dia anterior, a 2.ª R. tomou conhecimento da pretensão daquela, invocando os alegados defeitos do veículo. Assim, tal “denúncia” de defeitos não foi efetuada no prazo de dois meses após o seu conhecimento, pelo que quaisquer direitos da A. já caducaram, o que se traduz em exceção perentória que deveria conduzir à absolvição da 2.ª R. do pedido.
Por cautela de patrocínio, a 2.ª R. ainda impugnou os factos constitutivos do direito alegado pela A., caso não se entendesse que a exceção perentória da caducidade deveria prevalecer.
A A. respondeu a ambas as contestações sustentando a improcedência das exceções aí invocadas.
Na sequência, a 2.ª R. veio peticionar a condenação da A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização, por considerar que a mesma alterou a verdade dos factos sobre o momento em que a 2.ª R. soube dos defeitos denunciados.

A A. respondeu, pugnando pela sua absolvição desse pedido.

Findos os articulados, foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual se procedeu à prolação do despacho saneador, fixando-se os temas de prova e o objeto do litígio, relegando-se para final a apreciação da exceção de caducidade suscitada. Foram ainda apreciados os requerimentos probatórios, que passaram pela admissão e realização de primeira e segunda perícia à viatura automóvel acidentada.

Realizada a audiência final, com produção de prova gravada, depois de discutida a causa, veio a ser proferida sentença que julgou a ação improcedente por não provada, absolvendo as R.R. dos pedidos contra si formulados, não obstante ter julgado improcedente a exceção da caducidade deduzida pela 2.ª R., tendo ainda igualmente absolvido a A. do pedido de condenação por litigância de má-fé.

É dessa sentença que a A. vem interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
1.–Por sentença proferida pelo Tribunal a quo, Juízo de Instância Central Cível de Lisboa – Juiz 7 do Tribunal de Comarca de Lisboa (Tribunal singular), foram as RR. B e C  absolvidas dos pedidos deduzidos pela Autora A, por aquele ter julgado que a não ter sido provado pela A. que, e reportando-se ao sinistro automóvel ocorrido no dia 28 de Agosto de 2015 em que interveio: o sistema de travagem referente ao veículo Smart se encontrasse a funcionar com problemas no momento do acidente; que existisse outra deformação na zona da caixa de direção que não fosse o vinco que terá ocorrido (apenas) no momento do embate pelo impacto da barra de direção; que os airbags do veículo não houvessem funcionado normalmente após o veículo haver embatido na árvore, numa janela de tempo 0,03 segundos, que o tablier haja sido danificado que não fosse pelo disparo dos airbags, que o volante haja sido arrancado do tablier na sequência de a Autora tentar controlar o veículo em apreço; que não foi possível concluir-se da razão que esteve na origem da “eventual” manipulação do parafuso de fixação do volante, ou se esta efetivamente aconteceu, e na afirmativa, em que contexto temporal ou outro, uma vez que os relatórios periciais realizados ao veículo Smart distam um do outro ano e meio sendo que na 1ª perícia não é identificada qualquer evidência de manipulação do aludido parafuso, e observada a zona de fixação (parafuso e veio da coluna de direção), não tendo sido encontrado indício de deformação que demonstrasse ou justificasse arrasto/arranque do volante, não conseguindo determinar qual o momento em que o volante se soltou;

2.–Considerou ainda o Tribunal a quo, na sua douta decisão, e com relevância para a decisão da causa, terem resultado provados os seguintes factos (vide factos provados sob os pontos 3, 4. e 34. i.e., que na sequência do embate, e após ter invadido a faixa de rodagem contrária e embatido numa árvore, a Autora bateu com a cabeça no vidro dianteiro do veículo, quebrando-o; que no instante em que o airbag do volante do veículo Smart foi acionado/insuflado e disparou, na sequência do embate, o volante soltou-se da coluna de direção em virtude de o parafuso de fixação já não se encontrar no seu alojamento; que na entrega do veículo à Autora, ora Recorrente, pela 1.ª Ré B, o funcionamento dos respetivos airbags, dos travões e dos cintos de segurança encontrava-se em bom estado, não apresentando a viatura quaisquer problemas passíveis de prever ou determinar as anomalias apontadas pela Autora após o embate;

3.–Julgando como não provados os seguintes factos (vide Factos Não Provados sob o ponto IV, ou seja que: o volante foi arrancado do tablier na sequência de a Autora tentar controlar o veículo em apreço.

4.–E que face à factualidade julgada como assente, e procedendo ao seu enquadramento jurídico, considerou o Tribunal a quo que não ter-se por provada a existência de um defeito registado no veículo Smart, prévio ao acidente em que foi interveniente a Autora em 28.08.2015, que fosse conhecido à data da venda pela 1ª R., pelo que não poderia ser assacada qualquer responsabilidade à 1.ª Ré C. Santos, e que não teria a demandante logrado produzir prova sobre os factos constitutivos do direito alegado: o da resolução do contrato de compra e venda celebrado com a referida Ré, e em consequência, foi a ação julgada improcedente por não provada em relação à 1.ª Ré, e à 2ªRé, com igual fundamentação (inexistência de qualquer defeito suscetível de haver causado o acidente dos autos).

5.–Em consequência, foi determinado pelo Tribunal a quo que teriam de improceder totalmente os pedidos formulados pela A., condenando-a em custas processuais em exclusivo quanto à ação, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.

6.–Da douta decisão que absolve as RR. nos pedidos, ditada pelo Tribunal a quo, interpõe a A. recurso de apelação, com efeito meramente devolutivo, e com subida nos próprios autos, requerendo seja declarada nula e de nenhum efeito a sentença proferida pelo Tribunal de Comarca de Lisboa – Juízo de Instância Central Cível de Lisboa – Juiz 7,

7.–Entendendo a Apelante que os pontos de facto que se consideram incorretamente julgados, e por isso se impugnam, são os constantes dos pontos 3º, 4º e 34º dos pontos de facto em que deu por provado designadamente que: a A. que na sequência do embate referido no ponto E da matéria assente, bateu com a cabeça no vidro dianteiro do veículo, quebrando-o; no instante em que o airbag do volante foi acionado/insuflado e disparou, na sequência do embate, o volante se soltou da coluna de direção em virtude de o parafuso de fixação já não se encontrar no seu alojamento; da entrega do veículo à Autora pela 1.ª Ré, o funcionamento dos respetivos airbags, dos travões e dos cintos de segurança encontrava-se em bom estado, não apresentando a viatura quaisquer problemas passíveis de prever ou determinar as anomalias apontadas pela Autora após o embate (cfr. documentos de fls. 107 a 119); e o ponto IV quando deu como não provado que o volante foi arrancado do tablier na sequência de a Autora tentar controlar o veículo em apreço.

8.–As provas que impõem decisão diversa daquela que foi tomada, entende a Recorrente serem: o relatório pericial ao veículo automóvel (respeitante à primeira perícia colegial); esclarecimentos escritos solicitados relativamente à primeira perícia, relatório pericial ao veículo automóvel (respeitante à segunda perícia colegial); esclarecimentos orais dados pelo Colégio de Peritos em audiência de discussão e julgamento, o depoimento da testemunha arrolada pela A., Isabel.....; o depoimento da testemunha arrolada pela 1ª R., Abraão.....; e o depoimento da testemunha arrolada pela 2ª R., João......  .

9.–No que tange ao ponto 3. da matéria de facto dada como provada, diz a Apelante que tendo o Tribunal dado como assente, e provado que a A. “perdeu o controle do veículo por si conduzido” (vide ponto D da matéria assente), “invadiu a faixa de rodagem contrária e embateu numa árvore” (vide ponto E da matéria assente), “na sequência desse embate na árvore, a Autora bateu com a cabeça no vidro dianteiro do veículo, quebrando-o” (ponto 3 da matéria de facto provada ex vi do ponto E da matéria assente), “o veículo só susteve a marcha ao embater na árvore” (ponto 5 da matéria de facto provada), sendo que “os dois airbags dispararam quando o veículo já se encontrava com a marcha suspensa, após ter embatido na árvore, numa janela de tempo na ordem de 0,03 segundos” (ponto 5 da matéria de facto provada) e que “no instante em que o airbag do volante foi acionado/insuflado e disparou, na sequência do embate, o volante soltou-se da coluna de direção em virtude de o parafuso de fixação já não se encontrar no seu alojamento”, (ponto 4 da matéria de facto provada),
QUE
10.–Não logrou o Tribunal a quo explicar que à luz da matéria que julgou provada e não provada, referida supra, e que tendo funcionado o cinto de segurança, que trancou, possa a cabeça da ora Apelante ter batido no vidro dianteiro, quebrando-o, nem havendo julgado como provado do correto funcionamento dos airbags, e do cinto de segurança, que abriram após o embate e ainda assim não tenha o da condutora, protegido a cabeça da Autora;
11.–Que o Tribunal fez tábua rasa das conclusões periciais e dos juízos técnico-científicos contidos no relatório pericial elaborado na 2ª perícia, e aceite por unanimidade pelo Colégio de Peritos, e no que tange especialmente à resposta dada ao quesito 5º (a págs. 7 a 9, numeração do referido relatório junto aos autos a fls. 410 a 421v) no qual é concluído, o seguinte: “ Desta forma podemos concluir que o airbag do condutor foi acionado corretamente pela unidade SRS e que o volante se encontra arrancado da coluna de direção sendo que esse facto terá ocorrido no momento do disparo do airbag”….-“É de considerar uma elevada redução da eficiência do airbag do condutor devido ao facto de no momento da ativação/insuflação, o volante se ter soltado da coluna de direção para uma posição indeterminada”
12.–Sendo referido na sentença a quo que o Colégio de Peritos não teria concluído que o airbag insuflou numa posição que era a incorreta, e que “não é possível determinar em que posição é que os mesmos insuflaram, podendo até ter insuflado na posição certa”.
13.–Não poderá a Apelante anuir com tal conclusão encerrada na decisão recorrida pois à luz das regras de experiência comum e da lógica, caso os airbags tivessem insuflado na posição correta, o Colégio de Peritos teria referido expressamente tal factualidade, e colocando-a como hipótese,
14.–No entanto, o mesmo Colégio, concluiu por unanimidade, no aludido relatório, que o airbag da condutora, embora acionado corretamente pela unidade SRS, insuflou para uma posição indeterminada em virtude de o volante se haver solto da coluna de direção no momento da ativação/insuflação dos airbags, reduzindo de forma elevada o funcionamento destes,
15.–Tal conclusão pericial constitui um juízo técnico inerente à prova pericial. E como tal, subtraído à livre apreciação da prova, sendo que a divergência manifestada na sentença proferida a quo, careceria de fundamentação, e fundamentação técnica.
16.–Não corresponde ao teor da prova produzida em ADJ, e gravada, designadamente, dos esclarecimentos orais dados pelos Senhores Peritos, a afirmação feita na sentença a quo que nenhum dos Peritos haja afirmado categoricamente qual seria a causa de a Autora ter batido com a cabeça no vidro dianteiro da viatura sinistrada

Porquanto pelos mesmos foi dito:
17.–“Até poderia ter corrido bem se o airbag estivesse no sítio e tivesse feito o seu efeito. O problema é que quando rebenta o airbag rebenta numa direção qualquer porque saltou o volante e, portanto, foi bater com a cabeça no vidro.” … “Se nessa altura houver o embate frontal rodou, fez de pivô e bateu com a cabeça no vidro. Muito mais não estando lá o airbag.” (Perito Paulo.....),
18.–O Presidente do Colégio de Peritos, Luís....., confirmou em ADJ a reduzida eficiência do airbag que, insuflando para parte indeterminada e arrancando o volante, não protegeu a cabeça da condutora, embatendo no vidro do para-brisas dianteiro, quando deveria ser essa a sua função, evitar esse embate, constituindo a causa deste evento;
19.–A colisão do veículo não foi direita, nem frontal, havendo uma saída de estrada, como consta do relatório da polícia, existindo uma zona onde escorre a água e uma vala no local do sinistro, de acordo com as coordenadas geográficas do local do acidente no que constam da participação do acidente pela polícia, v. Doc. 9 da PI).
20.–Pelo que concatenada a prova pericial resultante da segunda perícia e os esclarecimentos dados pelos Senhores Peritos do Colégio em ADJ, não deverão sobejar dúvidas que a Apelante usava o cinto de segurança no momento do sinistro, a Apelante colidiu com o veículo, embatendo numa árvore, o airbag disparou para parte indeterminada após o embate, arrancando o volante da coluna de direção, o que reduziu elevadamente a eficiência do airbag e que não impediu que a Apelante batesse com a cabeça no para-brisas dianteiro, o que não aconteceria caso o airbag funcionasse corretamente, protegendo-a.
21.–O uso do cinto de segurança pela Autora no momento em que se dá o sinistro foi confirmado ainda pelo depoimento da testemunha da ora Apelante, Isabel....., que, e não conhecendo a A. em momento anterior, presenciou o sinistro automóvel, na imediatamente atrás do veículo da A. na zona do Monsanto, e quando tentou ajudá-la, verificando a mesma se encontrava com o cinto de segurança colocado, mais dizendo que o airbag do veículo terá aberto, que o volante saltou fora e o vidro do para-brisas se partiu, tendo sido no local, prestados os primeiros socorros por um outro condutor que ali circulava, tendo quem tirou o cinto de segurança à D. Alina....., tendo-a encontrado ensanguentada na cara,
22.–Discordando a Apelante com o juízo opinativo efetuado pelo Tribunal a quo de que aquela testemunha teria denotado não ter muito presentes na sua memória, os contornos do sinistro, oferecendo um depoimento pouco esclarecedor, uma vez que o mesmo foi corroborado pelos juízos técnicos periciais in casu, quanto à rapidez com que se deu o acidente, que o carro “se virou para o outro lado”, o que é consentâneo com a matéria que é julgada como matéria assente no ponto E da fundamentação dos factos provados, ou seja, que o veículo conduzido pela A., ora Apelante, se desviou para a esquerda e invadiu a faixa de rodagem contrária; acrescentando até de forma assertiva e por mais que uma vez, que viu o airbag abrir, o volante a saltar e o vidro a partir-se.
23.–Pelo exposto, impunha-se face aos meios probatórios supra (prova testemunhal e pericial, incluindo os esclarecimentos dos peritos), fosse proferida a quo decisão diversa no sentido de ter-se julgado como provado sob o ponto 3. dos factos provados o seguinte, que: na sequência do embate referido no ponto E, e pese embora circulasse com o cinto de segurança colocado de forma correta, a Autora bateu com a cabeça no vidro dianteiro do veículo, quebrando-o.
24.–Assim como no ponto 4 dos factos provados teria o Tribunal a quo que, dada a aceitação por unanimidade pelo Colégio de Peritos da segunda perícia, constando do relatório pericial junto aos autos a fls 410 a 421v, haver obrigatoriamente considerado como provado e com absoluto relevo para a decisão da causa, acrescentando-se que o enchimento do airbag da condutora foi efetuado numa posição indeterminada, disparando para parte indeterminada, comprometendo o seu eficaz funcionamento (vejam-se as respostas ao quesitos sob os artigos 5º e 7º do relatório pericial, 2ª perícia, aceite por unanimidade).
25.–Entende a Apelante que a sentença proferida desvalorizou ou pelo menos, omitiu a mais-valia que trouxeram os esclarecimentos orais dados pelo Colégio de Peritos em ADJ, quanto à resposta dada ao quesito 5º do relatório pericial, e em cuja resposta se baseou para dar como provado o ponto 4, e não provado o ponto IV, afirmando que os dois relatórios periciais foram complementares(?) um do outro, o que não se entende face às divergências obtidas nas conclusões aos quesitos 3º, 5º e 7º.
Pelo que e analisando-se,
26.–O relatório pericial referente à primeira perícia realizada a 06.02.2018, dá a seguinte resposta ao quesito 5º - “de facto, o volante não se encontra colocado na sua posição normal (ver fotografia 8). Procedemos à observação da zona de fixação (parafuso e veio da coluna de direção) e não encontramos indício de deformação que demonstre/justifique arrasto/arranque do volante (ver fotografias 19 e 20)”,
27.–Tendo a Apelante pedido sobre essa mesma resposta, esclarecimentos ao Colégio de Peritos ao que aqueles responderam que “pela observação técnica que efetuamos, não detetamos qualquer indício que nos permita afirmar qual o momento em que o volante se soltou” pelo que não tiveram dúvidas que o volante se soltou no acidente, pese embora não haverem logrado concluir do momento em que o mesmo ocorreu.
28.–Por não se encontrar devidamente esclarecida, e porque entendeu que seria possível, fazer-se novo exame ao veículo sinistrado, e com a metodologia certa a usar pelo novo Colégio de Peritos, com vista a apurar-se o momento em que o volante se soltou da coluna de direção, e se tal ocorreu antes ou depois do embate na árvore, e se ocorrido anteriormente ao embate, o facto de o volante se ter soltado, foi ou não causa do acidente e quais as razões que poderão justificar o arrasto/arranque do volante, pois da observação do conjunto volante + coluna de direção, poderia e deveria aquele Colégio de Peritos haver fornecido uma explicação para o volante não ter sido encontrado no sítio, justificando a razão de se haver soltado, não sendo a resposta dada/esclarecimentos prestados, por aquele Colégio, satisfatória à luz dos conhecimentos técnicos, deveriam haver sido realizados os devidos exames técnicos para encontrar os motivos do arrancamento do volante da coluna de direção e com esses motivos, se enquadrar no tempo (antes ou depois do embate na árvore), e se apurar se tal terá constituído causa do acidente, requereu a Apelante a realização de nova Perícia ao abrigo do n.º1 do Artigo 487º do C.P.C., o que veio a ser deferido pelo Tribunal a quo,
29.–Realizando-se a segunda perícia colegial, em 07.11.2019, foram aceites no correspetivo relatório todas as respostas a todos os quesitos dadas na primeira perícia, com exceção dos quesitos 3º, 5º e 7º, tendo sido “utilizado o equipamento de diagnóstico específico da marca para elaborar a conclusão colegial a estes mesmos quesitos”, fazendo-se uma segunda leitura dos defeitos das UCE e a análise física das unidades de airbags e cintos de segurança.
30.–O relatório pericial elaborado na segunda perícia é muito mais fundamentado, pormenorizado e esclarecedor, que o relatório da pretérita perícia,
31.–No que tange à resposta dada ao quesito 5º: ambas as perícias concluem que o volante não está colocado na coluna de direção e que esta não apresenta deformação, i.e. e decorrendo do sinistro automóvel, o volante terá saído da coluna de direção, sendo que no âmbito da primeira perícia, foi analisado o parafuso que fixa o volante à coluna de direção mas resumidamente, não lhe foi encontrado indício de deformação que justificasse arrasto/arranque do volante; ao passo que na segunda perícia, é acrescentada uma observação mais cuidada do referido parafuso de fixação do volante à coluna de direção, concluindo que o mesmo foi manipulado, não lhe sendo detetada qualquer deformação na rosca, e que a cabeça do parafuso apresentava algumas marcas impressa, desconhecendo-se por que motivo haja sido manipulado,
32.–Mas dada a ausência de marcas de escorregamento na coluna de direção, confirmaram que no momento em que o airbag do volante disparou, o parafuso já não se encontrava no seu alojamento, arrancando o volante da coluna de direção;
33.–A sentença proferida a quo limitou-se à defesa da não existência de um defeito no aludido veículo, argumentando que teria havido lugar a manuseamento do parafuso, não dizendo quando, onde e por quem, o haja sido feito, confiando cegamente no depoimento da testemunha Abraão....., trabalhador da 1ª R. C. Santos VP, e bastando-se com a alegação que aquele terá referido em audiência de discussão e julgamento que nunca houve necessidade de se manipular a referida peça automóvel, para a realização da vistoria prévia à venda ou para a concretização de uma das reparações a pedido da Apelante nas oficinas da 1ª R..
34.–Não poderá a Apelante anuir com tamanho erro cometido na apreciação da prova a quo uma vez que não se provou que a Apelante houvesse em algum momento, manuseado o referido parafuso ou que o seu veículo houvesse sido furtado ou alguém que não a 1ª R, pudesse ter mexido naquela peça,
35.–O veículo está impossibilitado de circular desde a data do sinistro ocorrido em 28 de agosto de 2015, por o volante se encontrar arrancado da coluna de direção desde essa data, é um facto dogmático, insuscetível de prova em contrário, e confirmado pela primeira perícia (e constando do respetivo relatório), sendo apenas deslocado, por meio de reboque, nas datas apontadas para as perícias realizadas no âmbito deste processo judicial;
36.Toda a explicação dada pela sentença a quo, é descabida e desprovida de qualquer fundamento atendível à luz da lógica e da experiência comum, devendo antes sim, ter ponderado os esclarecimentos dados pelos Senhores Peritos em audiência de discussão e julgamento, e respondido em conformidade com os juízos técnicos, e justificado da razão para o arrancamento do volante da coluna de direção;
37.–Resultando da prova pericial que todos os Peritos afirmaram sem margem para dúvidas, que o volante do veículo sinistrado foi encontrado fora do seu local próprio, e se soltou da coluna de direção, confirmando o Colégio de Peritos (segunda perícia) as conclusões da primeira perícia no momento do sinistro, tendo conseguido identificar o momento em que a comunicação com o volante foi interrompida concluindo que o volante terá saltado fora precisamente no momento em que o airbag terá disparado, não sendo normal e expectável, esta atuação do veículo, em caso de colisão, conforme afirmou o perito nomeado pelas RR., ou seja que o volante se solte;
38.–Com efeito, os Senhores Peritos (2ª perícia) demonstraram haver usado a máquina de diagnóstico específica da marca, como aliás o referem no seu relatório, e reiterando a resposta que deram ao quesito 7º no relatório pericial da seguinte forma: “De todos os factos observados no decorrer desta perícia, e das respostas apresentadas nos pontos anteriores, a ausência de códigos de defeito dadas pela máquina de diagnóstico podemos concluir que os pré-tensores e airbags do veículo funcionaram de forma correta e existiu uma falha mecânica na fixação do volante de direção à coluna porque o parafuso já não se encontrava no seu alojamento.”
39.–A referida máquina de diagnóstico da marca analisou todas as unidades, e a ocorrência de falhas, e detetou a ocorrência de falha de comunicação com o sensor de ângulo de viragem, sensor que é solidário com o volante, falha esta que ocorreu no momento em que o volante foi arrancado da coluna de direção e interrompeu a comunicação, o que constituiu entendimento unânime daquele Colégio de Peritos,
40.–Aliás, que outra justificação atendível, à luz da leges artis, poderia existir para o arranque do volante no momento do sinistro e à falha, registada pela máquina de diagnóstico da marca, de comunicação do sensor do ângulo de viragem com o volante (que aliás, funcionam solidariamente), caso o parafuso de fixação estivesse bem apertado e dentro do seu alojamento? Se nenhuma outra razão, a não ser a do desaperto ou incorreto aperto do parafuso, foi encontrada pelo Colégio de Peritos?
41.–De salientar que a Apelante procedeu a todas as revisões e reparações do veículo, conforme consta da prova documental junta pela A. e 1ªR., não logrando provar a 1ª R. o tivesse feito noutro local, e que a Apelante o fez desde a data da sua aquisição até ao sinistro ocorrido em Agosto de 2015, junto da oficina da B para que pudesse ativar em caso de necessidade, a garantia Star Selection; acrescendo que o veículo foi adquirido na qualidade de usado, um ano após a data da sua primeira matrícula, e que até então, se tratava de uma viatura de serviço da C. Santos VP.
42.–Pelo que todas as manipulações do parafuso foram necessariamente feitas junto das oficinas da marca, ou seja, pela 1ª R., sendo tal conclusão óbvia face à situação sub judice.
43.–Os Senhores Peritos (segunda perícia) não tiveram dúvidas em relação à manipulação do parafuso, pese embora não tenham junto nenhuma fotografia do mesmo com o seu relatório pericial,
44.–Quando os Senhores Peritos expressaram que o parafuso estava manipulado, pretendiam dizer que não estava suficientemente apertado ou não estava apertado corretamente porque não era suposto que se soltasse; e que no momento do disparo em que o airbag disparou o parafuso tinha que estar no seu alojamento muito bem apertado. E portanto, se ele lá estivesse o airbag tinha disparado e o volante não tinha saído do seu lugar; sendo que o parafuso quando apertado de fábrica por qualquer motivo ou numa oficina, tem que estar apertado com o valor binário recomendado pelo fabricante; que a única razão técnica para o desaperto/aperto incorreto, só poderia ser feito por oficina ou pela marca, entendendo o Perito Presidente do Colégio que não existiria mais “nenhuma razão porque isso não é manutenção que se faça, que se faça em casa” e que apenas poderia ser realizada “numa oficina, credenciada para poder trabalhar com determinados sistemas”.
45.–Sendo unânimes os Senhores Peritos nas conclusões seguintes: que o parafuso de fixação do volante à coluna de direção, foi manipulado porquanto não foi suficientemente apertado ou não estar apertado corretamente porque a função do mesmo é não ter que se soltar; se o parafuso estivesse corretamente apertado, o airbag tinha disparado e o volante não tinha saído do seu lugar; o parafuso quando é apertado de fábrica, por qualquer motivo ou numa oficina tem que estar apertado com o valor binário recomendado pelo fabricante; verificaram que esse parafuso não estava corretamente apertado para fixar o volante, e que a única razão técnica encontrada pelos peritos para o desaperto ou aperto incorreto, é de que o mesmo só poderia ser feito por oficina credenciada para poder trabalhar com determinados sistemas ou pela marca, não sendo manutenção que se faça noutro local.
46.–Pelo que, resulta claro, devendo-o ter sido para o Tribunal a quo, que a manipulação do parafuso tecnicamente apenas poderia ter sido realizada pela marca ou por oficina credenciada que opere com os sistemas da marca, e que caso o parafuso estivesse bem apertado no momento do sinistro, no momento do disparo do airbag, o volante nunca teria sido arrancado da coluna de direção, constituindo um facto dogmático, e aceite nas duas perícias, o arrancamento do volante ocorrido e por causa do sinistro sub judice.
47.–Foi ainda esclarecido oralmente pelos Senhores Peritos que o aludido parafuso foi manipulado pelo menos uma vez na fábrica, tendo as devidas marcas de montagem, indicando-se que a foto G do seu relatório pericial (2ª perícia) é da coluna de direção (e não do parafuso, como incorretamente é referido na sentença recorrida)
48.– In casu, resulta das conclusões periciais de ambas as perícias (vide resposta ao quesito 5º) não existir deformação da coluna de direção pelo que, e não existem marcas de escorregamento no topo da coluna de direção, é manifesto que o parafuso não estava bem apertado no momento em que ocorreu o sinistro, por ter sido manipulado ou com ferramenta desadequada ou mal manipulado pelo técnico que está a fazer o serviço; significando que o parafuso para sair daquele alojamento e para sair da coluna de direção teria que estar completamente desapertado. Caso contrário, teria que deixar no mínimo, marcas de escorregamento, não tendo dúvidas, o Colégio de Peritos, que o volante se soltou porque este parafuso estava manipulado, e que a manipulação só poderia ter ocorrido em momento anterior ao acidente.
49.–Ainda disse o Sr. Perito das RR. em ADJ ter analisado o parafuso de fixação do volante e que o mesmo não estava em condições de ser aplicado num carro, revelando sinais de desgaste na sua cabeça, e que não poderia garantir-se o aperto correto; aditando Senhor Perito Presidente do Colégio, que o parafuso terá sido necessariamente, objeto de uma intervenção incorretamente executada, e que esta intervenção de acordo com o Perito da A., poderá ter tido lugar na oficina da 1ªR., e certamente o foi na fábrica, na montagem inicial;
50.–E que a condutora poderia ter perdido o controle do veículo porquanto não estando o parafuso de fixação completamente apertado, o estriado haver desencaixado da coluna de direção, ficando a condutora com o volante na mão sem conseguir controlar a direção do veículo.
51.–Havendo unanimidade no seio do Colégio de Peritos, na razão que apontaram estar na origem do arrancamento do volante no acidente: O volante apenas foi arrancado porque o parafuso não estava na sua posição correta e porque disparou o explosivo (que abre o airbag) que o projetou, sendo que o volante apenas poderia sair/saltar quando não tinha o meio de retenção que o fixasse, sendo esse meio de retenção, o parafuso.
52.–Tal circunstância verificada (rebentamento do airbag mais arrancamento do volante) causou estranheza à testemunha arrolada pela C, a exercer funções técnicas no Departamento Técnico do representante do produtor, Engenheiro João...., que disse não ser normal tal ocorrência,
53.–Devendo concluir-se, pelo exposto, com toda a probabilidade, ser um defeito do veículo sub judice.
54.–Por sua vez, não foi apurado pelos Senhores Peritos que o volante se tenha soltado da coluna de direção na sequência do embate, nem qual o momento em que este se soltou, não se encontrando provado o momento exato em que o parafuso que o fixava à coluna de direção, saiu do seu alojamento. Pelo que não poderia o Tribunal a quo ter concluído, sem mais, e sem os conhecimentos técnicos especiais próprios dos Peritos, que é na sequência do embate que o volante se solta da coluna de direção uma vez que o que sabemos através dos Senhores Peritos é apenas que o airbag do volante foi acionado e insuflado na altura do embate;
55.–Nem resulta não provado que o volante não se tenha soltado da coluna de direção quando a Autora tentou controlar o veículo e não conseguiu por o parafuso não se encontrar no seu alojamento uma vez que ainda que não estivesse no seu alojamento, ainda poderia ser possível ao volante cumprir a sua função, como esclareceu o Perito Paulo....., permanecendo por saber porque a Autora, ora Apelante, não conseguiu controlar o veículo pois tudo aconteceu muito rápido, como disse a Autora ouvida em depoimento de parte, e a testemunha do acidente, Isabel.....;
56.–Contudo, havendo in casu um despiste em que a viatura invadiu a faixa de rodagem contrária, sem nada que o previsse, porque razão não poderia dar-se a saída do parafuso do seu alojamento no momento em que a Autora transitava na sua faixa? Tal hipótese não poderá afastar-se uma vez que não existiam obstáculos na estrada nem se provou que a Autora fosse uma má condutora.
57.–Igualmente do relatório pericial (2ª perícia) e da legenda à foto H, consta que o volante foi arrancado da coluna de direção e que tal “terá ocorrido” no momento do disparo do airbag, indicando a referida expressão, uma mera hipótese quanto ao momento do arrancamento do volante da coluna de direção, não sendo afastado que a saída do parafuso do seu alojamento, não pudesse ter ocorrido em momento anterior.
58.–Por outro lado, certezas existem que o aludido parafuso foi manipulado, que o foi desde logo, na fábrica no momento da sua montagem inicial sendo o referido veículo, sempre assistido no concessionário da marca, in casu, na oficina da 1ª R., num primeiro momento, por ser uma viatura de serviço e num segundo momento, porque a Apelante recorreu exclusivamente à 1ªR. para a realização de todas as reparações e revisões, após a aquisição do Smart,
59.–Não tendo sido realizada prova diversa pelas RR. pelo que a manipulação foi necessariamente levada a cabo pela marca (representada pela 2ªR) na montagem inicial e posteriormente, pela 1ªR., ora vendedora.
60.–Pelo que toda a fundamentação de facto levada a cabo na sentença a quo, e alicerçada em factos que não encontram acolhimento na prova pericial e esclarecimentos dos Senhores Peritos em audiência (in casu, o concreto momento em que o volante se solta da coluna de direção que não se provou; a eventual manipulação do parafuso posterior ao acidente), terá necessariamente de soçobrar.
61.–Pelo exposto, o que deveria ter sido julgado como provado sob o ponto 4., e que se requer seja fixado ad quem, deveria apenas ser que: “Na sequência do embate, o airbag do volante foi acionado/insuflado e disparou. O volante soltou-se da coluna de direção em virtude de o parafuso de fixação já não se encontrar no seu alojamento”,
62.–Assim como, e não tendo sido provado o momento concreto em que o volante se solta da coluna de direção, sabendo e resultando assente que a Autora, ora Apelante perdeu o controle do veículo e invadiu a faixa de rodagem contrária, não faz sentido afirmar o Tribunal a quo e de forma categórica, e sem qualquer sustentação probatória, não resultar provado sob o ponto IV que “O volante foi arrancado do tablier na sequência de a Autora tentar controlar o veículo em apreço” uma vez que tal hipótese não se encontra afastada pelas conclusões periciais, devendo a decisão proferida a quo ser revogada nessa matéria, o que se requer ad quem, sendo tal ponto ser excluído do elenco dos factos não provados.
63.–No que concerne ao ponto 34. da matéria de facto dada como provada, entende a Apelante que terá o mesmo sido incorretamente julgado como provado, tendo-se bastado a sentença proferida a quo na confiança que depositou na testemunha Abraão....., trabalhador da 1ªR., e que aliás não acompanhou in loco, com os mecânicos da B, todas as intervenções a que o veículo Smart foi sujeito, afastando o julgador todas as explicações dadas pelos Senhores Peritos como se nenhuma mais valia trouxessem à decisão da causa, e confiando o Mmo. Juiz a quo que, da verificação que foi feita da lista dos 100 pontos, como o disse aquela testemunha, e antes da venda do veículo Smart à ora Apelante, não tenha sido registada qualquer desconformidade;
64.–Ora, tal apreciação da prova a quo, de que o veículo foi totalmente verificado, revela erros uma vez que o único item da referida lista, que verifica a direção do veículo, é o teste em estrada que pede para verificar, em dinâmico, o “comportamento da direção/determinar folga/ver da necessidade de proceder ao alinhamento”. Como o parafuso que fixa o volante de direção é um elemento puramente mecânico, só poderá ser verificada a sua existência por via visual e o seu binário de aperto através de chave dínamométrica, nada sendo detetado ao nível do diagnóstico eletrónico efetuado pela 1ª R.
65.–Pelo que não sendo nenhuma das duas hipóteses de verificação, contemplada na aludida lista, o facto de a testemunha Abraão..... dizer que o veículo estava em perfeitas condições após a verificação dos 100 pontos, não tem aplicação na desconformidade em causa porquanto não foi verificado o parafuso pela 2ª R. (nem diz haver sido necessário fazê-lo), sendo de considerar, o defeito verificado, de desaperto ou não aperto adequado do parafuso de fixação do volante à coluna de direção, um “vicio oculto”, isto é, que no ato de compra e durante a utilização do veículo, nunca poderia ter sido detetado pelo proprietário e/ou utilizador do mesmo,
66.–Pelo exposto, e uma vez que a 1ª R. não logrou ilidir a presunção de culpa pois se alega a testemunha Abraão..... que não intervieram no volante nas reparações/revisões solicitadas pela Apelante, e não prova que em momento imediatamente anterior, efetuaram um exame atento ao parafuso de fixação do volante quando verificaram a lista dos 100 pontos, sendo o defeito essencial uma vez que sem manusear o volante, o veículo não poderia de todo circular, exame este que se impunha a um vendedor de viaturas usadas,
67.–Pelo que face à prova produzida, impor-se-ia fosse julgado como provado a quo sob o ponto 34., e que se requer seja fixado ad quem, o seguinte: “Aquando da entrega do veículo à Autora pela 1.ª Ré, o funcionamento dos respetivos airbags, dos travões e dos cintos de segurança encontrava-se em bom estado, não apresentando a viatura quaisquer problemas passíveis de prever ou determinar as anomalias ocorridas após o embate, não tendo sido, no entanto, verificado em algum momento, pela 1ªR. e percorrendo a lista de verificação dos 100 pontos, o estado do parafuso de fixação do volante à coluna de direção”, devendo a decisão proferida a quo ser revogada nessa matéria, adicionando-se o exposto na redação do ponto 34 dos factos provados, o que se requer ad quem.
68.–Entende a Apelante que alterando-se a decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos por si impugnados (3. 4 e 34 dos factos provados, e ponto IV dos factos não provados) nos termos que invoca supra, consequentemente, terá que proceder-se ad quem à consequente alteração da decisão de direito.
69.–De salientar que é entendimento da Apelante que a livre apreciação da prova pelo Tribunal não levou em linha de conta os juízos técnico-científicos trazidos pelos Senhores Peritos, quer em ambas as perícias quer nos esclarecimentos dados por escrito (primeira perícia) e oralmente em ADJ,
70.–Fundamentando a decisão sem analisar aprofundadamente a prova pericial e afastando-se dela, desprovida de qualquer rigor técnico, dando mais valor à prova testemunhal apresentada pelas RR., em que não existe um único perito ou elemento que tenha intervindo na mecânica do veículo,
71.–Sendo que o julgador não dispunha de conhecimentos bastantes para poder inverter, subverter ou recusar as conclusões do parecer quando estas se baseiam e fazem aplicação de conhecimentos técnicos ou científicos. Repare-se que o que justifica a intervenção técnica nos presentes autos, é a existência de matéria de facto que envolve questões ou dificuldades de natureza técnica cuja solução depende de conhecimentos especiais que não estão ao alcance do tribunal;
72.–Encontrando-se subtraído à livre apreciação da prova, pois ao divergir-se a quo, a sentença careceria de fundamentação, e de fundamentação de cariz técnico;
73.–Mais se diga que o Tribunal a quo aceitou o teor do relatório do exame pericial, uma vez que o julgador não divergiu do juízo inerente à prova pericial, pelo que ao julgador estava subtraída a possibilidade de efetuar qualquer exame crítico a menos que a sua convicção divergisse do juízo contido no parecer dos peritos, o que in casu se verifica.
74.–Entende a Apelante que da prova produzida, se encontra provada a existência do vício/defeito no veículo: O incorreto aperto ou desaperto do parafuso de fixação do volante à coluna de direção, vício este que era oculto, e que consequentemente, poderá e deverá ser assacada responsabilidade à 1ª R., na qualidade de vendedora.
75.–Sendo vício oculto aquele que torna o bem (veículo automóvel) impróprio para o uso normal a que se destina ou que reduz tanto a sua utilidade que o consumidor ou não o teria comprado ou não teria pago um preço tão elevado, é um defeito sério e grave, escondido porquanto não pode ser descoberto por um comprador prudente e diligente, e obviamente não deve ser conhecido do comprador no momento da compra.
76.–Para efeitos do disposto no art. 913.º, n.º 1, do CC são somente atendíveis os vícios que desvalorizem a coisa e os que impeçam a realização do fim a que a coisa se destina (atendendo-se à função normal das coisas da mesma categoria quando aquele não resulte do contrato), bem como a falta de qualidades asseguradas pelo vendedor ou aquelas que sejam necessárias para o fim constante do contrato (ou, se dele não constar, a função das coisas da mesma categoria), não se distinguindo entre vícios ocultos ou vícios aparentes;
77.–In casu, a 1ª R. vendeu à ora Apelante um veículo automóvel usado no ano de 2014 pelo preço de 14.600€, confiando esta que a B, concessionário credenciado da marca Mercedes, lhe estava a vender um bem sem defeitos, sendo nessa condição que o adquiriu,
78.Tratando-se de uma viatura de serviço da 1ª R. e que foi usada por esta desde que obteve a primeira matrícula até à venda à ora Apelante,
79.–Em momento imediatamente anterior à venda, a 1ª R. realizou a verificação da lista dos 100 pontos, mas em momento algum, da verificação dos 100 pontos através de diagnóstico eletrónico que fizeram, demonstrou a C. Santos perante o Tribunal a quo que, e correndo exaustivamente toda essa lista, haja sido examinado o parafuso de fixação do volante à coluna de direção;
80.–Sendo o referido parafuso um elemento puramente mecânico, teria obrigatoriamente que realizar-se exame visual e realizado o binário de aperto através de chave dinamométrica, o que se exigiria face à condição de comerciante de automóveis usados com garantia, e um especial cuidado para viaturas de serviço, para que pudesse a 1ª R. afirmar que o veículo Smart estava em perfeitas condições.
81.–O que não ocorreu, verificando-se ainda a desconformidade, um ano após a venda da viatura à Apelante.
82.–Pelo que se presume que o vendedor não desconhecia sem culpa, o defeito do veículo que estava a vender à ora Apelante, o que a 1ª R. não conseguiu ilidir. Sendo de presumir a culpa do devedor, nos termos do art. 799º nº 1 do CC, "incumbindo assim ao vendedor a prova de que desconhecia o defeito sem negligência da sua parte".
83.–Sendo que ao vendedor de veículo em 2ª mão, que assegura o respetivo bom funcionamento mecânico, cabe, para comprovar a sua situação de desconhecimento não culposo dos defeitos mecânicos, demonstrar que tinha efetuado completa revisão ao veículo, na marca ou em estabelecimento credenciado, incluindo a verificação daquele parafuso, o que a 1ª R. não logrou provar,
84.–De acordo com o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, presumindo-se existentes já nessa data as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou as características da falta de conformidade. O que ocorreu in casu, manifestando-se a desconformidade um ano após a venda do veículo à ora Apelante, não sendo a presunção afastada pela 1ªR.
85.–Estatui o Artigo 913º, nº1 do CC que “Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que se destina, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as necessárias adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”.
86.–Para efeito deste artigo apenas são atendíveis, para efeitos de anulação e indemnização, os seguintes vícios: os defeitos que desvalorizem a coisa; os que impeçam a realização do fim a que a coisa é destinada, atendendo-se quando esse fim não resulte do contrato, à função normal das coisas da mesma categoria; a falta de qualidades asseguradas pelo vendedor; a falta de qualidades necessárias para a realização do fim constante do contrato ou, se deste não constar o fim a que se destina, do que corresponde à função das coisas da mesma categoria, não distinguindo o nosso Código civil entre vícios ocultos de vícios aparentes ou reconhecíveis, relevando uns e outros desde que se integrem numa das categorias de vícios previstos no citado Artigo 913º nº 1.
87.–A celebração do contrato de compra e venda, em regra, gera a obrigação da entrega da coisa correspondente às características acordadas ou legitimamente esperadas pelo comprador, ou seja, sem vícios ou defeitos (artigo 913º do Código Civil). Numa noção ampla, defeito corresponde a um desvio à qualidade devida, desde que a divergência seja relevante; no fundo é um desvio à qualidade normal das coisas do tipo da vendida. Qualificação que não diverge substancialmente do regime protetivo do consumidor, que impõe ao vendedor o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda, presumindo que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos que o consumidor não tiver conhecimento ou não puder razoavelmente ignorar:
“a)- Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo; b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado; c) Não serem adequados às utilizações dadas aos bens do mesmo tipo; d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem (artigo 2º do citado decreto-lei n.º 67/2003; regime jurídico definido pela Lei nº 24/96 de 31 de Julho, com as alterações operadas pelo Decreto-Lei nº 67/2003 de 8 de Abril e posteriormente com as alterações do Decreto-Lei nº 84/2008 de 21 de Maio, transposto para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento e Conselho Europeu de 25 de Maio de 1999)”,
88.–O comprador pode fazer uso de uma de três soluções que o direito lhe confere: se a coisa tiver algum dos vícios referidos no Artigo 913º nº1, que excedam os limites normais, o contrato é anulável por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos da anulabilidade, só ao comprador sendo lícito pedir a anulação; desaparecidos os vícios da coisa fica sanada a anulabilidade do contrato, que persistirá se a existência dos vícios já houver causado prejuízo ao comprador (o que ocorreu in casu), ou se este tiver já pedido a anulação da compra e venda; em caso de dolo o vendedor, anulado o contrato, deve indemnizar o comprador do prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada;
89.–Ainda o Artigo 12º nº1 do Decreto-lei n.º 67/2003 dispõe que o consumidor a quem seja fornecida coisa com defeito, salvo se dele tivesse sido previamente informado e esclarecido antes da resolução do contrato pode exigir, independentemente de culpa do fornecedor do bem, a reparação da coisa, a sua substituição, a redução do preço ou a resolução do contrato;
90.–Dispõe o art. 6° do mesmo diploma legal, que "sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o devedor, o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição", sendo certo que, para efeitos deste diploma, "entende-se por «produtor», (...) o importador do bem de consumo no território da Comunidade Europeia" cfr. Art. 1º-B, alínea d) do citado diploma, visando-se proteger o comprador/consumidor, defendendo-o da irresponsabilidade que se pode gerar numa cadeia de intermediários ou defendendo da dificuldade de poder vir a responsabilizar o produtor do bem.
91.–Tendo o contrato sido celebrado com a 1ª R., B, é esta responsável pelos defeitos da coisa vendida, in casu, o veículo automóvel usado Smart, independentemente do direito de regresso que lhe possa assistir,
92.–Todo o processo negocial da compra e venda decorreu entre a Apelante e a R. B, sendo que a viatura em questão foi entregue à ora Apelante em 6 de Agosto de 2014 e logo em 28 de Agosto do ano seguinte, ocorreu o sinistro automóvel que obstaculizou a circulação da viatura,
93.–Não conseguiu a 1ª R., como pretende, ilidir a presunção a que se refere o Artigo 799º nº 1 do CC já que não logrou provar que era desconhecedora do defeito da viatura, se fez um exame atento de todo o veículo antes da venda, como diz ter realizado e como se exigiria, como comerciante credenciado de veículos usados com garantia, não devendo olvidar-se ad quem tratar-se de uma viatura de serviço da 1ªR., utilizada por esta antes da venda à ora Apelante.
94.–Desde logo, pela concessão de uma garantia, o vendedor assegura, pelo período da sua duração, o bom funcionamento da coisa, assumindo a responsabilidade pela sanação das avarias, anomalias ou quaisquer deficiências de funcionamento verificadas em circunstâncias de normal utilização do bem. Nessa situação, bastará ao comprador provar o mau funcionamento durante o período de duração da garantia, sem necessidade de identificar a respetiva causa ou demonstrar a respetiva existência no momento da entrega, para ter direito à reparação ou substituição.
95.–Para se subtrair a tal responsabilidade impende sobre o vendedor a prova de que a concreta causa de mau funcionamento é posterior à entrega da coisa, assim afastando a presunção de existência do defeito ao tempo da entrega que justifica e caracteriza a garantia de bom estado e funcionamento, ou que é imputável a ato do comprador, de terceiro ou devida a caso fortuito,
96.–Ora, a 1ª R., in casu, o vendedor do veículo usado, não demonstrou em momento algum, como se exigiria, ter feito a verificação da lista dos 100 pontos com incidência sobre o funcionamento do volante, e sobre a fixação do mesmo através de parafuso corretamente apertado à coluna de direção.
97.–O vício da coisa vendida, constitui um defeito essencial, impedindo a realização do fim a que a coisa se destina e privando-a das qualidades asseguradas pelo vendedor.
98.–No caso dos presentes autos, o veículo automóvel destina-se a circular sendo para tal, dotado de um volante fixo a uma coluna de direção por um parafuso corretamente apertado, constituindo este uma peça imprescindível para o efeito (de circulação) e que como ressalta das conclusões periciais, e esclarecimentos dos peritos em ADJ, revelou defeito (desaperto ou incorreto aperto do parafuso) originando o sinistro automóvel sub judice.
99.–Ainda que possa dizer a 1ª R. que o veículo no momento da venda aparentasse encontrar-se em boas condições de mecânica não se retira que, como condição prévia à garantia do bom funcionamento do veículo, o vendedor (1ª R.) tivesse efetuado uma completa revisão ao veículo, na marca, incidindo sobre os aspetos mais decisivos para o bom funcionamento mecânico, onde incluísse ver o parafuso fixação do volante, como se lhe impunha, para que se pudesse afirmar que desconhecia, sem culpa, o vício ou a falta de qualidade da coisa.
100.–Destarte, entende-se que a 1ª R. não logrou assim ilidir a presunção que sobre si impendia – à luz do art.º 344º nº1 C.C., pelo que há que dar por assente a culpa respetiva no evento defeito/vício prévio da coisa vendida.
101.–Como assim, nenhum obstáculo existe a que se afirme a responsabilidade da 1ª Ré face às consequências da compra e venda de coisa defeituosa, causadora do acidente e dos danos subsequentes, devendo ser revogada a decisão recorrida, com as demais consequências legais, e consequentemente à 2ª R. declarando-se ad quem procedentes por provados, todos os pedidos formulados pela Autora, ora Apelante.
102.–Pelo que, havendo decidido de forma diversa, mal andou o Tribunal a quo, impondo-se, atento as normas jurídicas violadas, previstas nos Artigos 344º nº 1 e 350º nº 2, 406º, 799 n.º 1, 913 n.º 1 e 914º do Código Civil, Artigo 2.º, n.º 1 e 12º n.º da Lei 24/96 de 31 de Julho com a redação dada pelo DL n.º 67/2003, de 08/04, Artigo 4º e 6º do D.L nº 67/03 de 8/4 com a redação dada pelo DL n.º 84/2008, de 21/05, a revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, de que ora se recorre, devendo, em consequência, ser as Recorridas condenadas ad quem, integralmente nos pedidos deduzidos pela Autora, ora Apelante.
Pede assim que seja concedido provimento ao recurso e, consequentemente, seja alterada a matéria de facto dada como provada nos pontos 3º, 4º e 34º, decidindo-se a mesma, no sentido apontado pela ora Apelante; seja revogada a matéria de facto dada como não provada sob o ponto IV, sendo excluída do elenco de factos não provados; e seja revogada a sentença e substituída por outra que condene as R.R., aqui Recorridas, nos pedidos contra si formulados, nos termos peticionados. Ou, caso assim se não entenda, que seja anulada a sentença, por ter violado as disposições legais previstas  nos Artigos 344º nº1 e 350º nº 2, 406º, 799 n.º1, 913 n.º1 e 914º do Código Civil, Artigo 2.º, n.º 1 e 12º n.º da Lei 24/96 de 31 de Julho com a redação dada pelo DL n.º 67/2003, de 08/04, Artigo 4º e 6º do D.L nº 67/03 de 8/4 com a redação dada pelo DL n.º 84/2008, de 21/05.

As R.R. vieram ambas responder ao recurso assim interposto.

A 1.ª R. apresentou, no final das suas contra-alegações, as seguintes conclusões:
1.ª-Vem a Recorrente recorrer da sentença proferida nos presentes autos, que absolveu a Recorrida do pedido, povoando o seu recurso com transcrições cortadas e descontextualizadas dos depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas em audiência, sem que, contudo, consiga demonstrar que o Tribunal errou na matéria de facto dada como provada ou não provada, devendo a mesma ser mantida nos seus precisos termos.
2.ª-A Recorrente apenas pretende impugnar, no seu recurso, os pontos 3.º, 4.º e 34.º da matéria de facto dada como provada e, bem assim, o ponto IV da matéria de facto dada como não provada, sem que, contudo e como se explicará, consiga demonstrar em que medida a prova produzida em audiência de julgamento impunha que a decisão proferida fosse diversa da que foi proferida pelo Tribunal a quo.
3.ª-Devendo ser a mesma ser mantida nos seus precisos termos quer ao nível da decisão da matéria de facto, quer da decisão de Direito.
4.ª-Conforme acima apontado, a Recorrente, no recurso a que ora se responde, pretende impugnar alguns pontos da matéria de facto – quer dada como provada, quer dada como não provada – sem que, contudo, no entender da Recorrida, consiga demonstrar em que medida se impunha uma decisão diversa da proferida.
5.ª-A Recorrente vem impugnar conjuntamente que o Tribunal a quo tenha dado como provada a matéria vertida nos pontos 3.º e 4.º da matéria de facto dada como provada e, bem assim, o ponto IV da matéria de facto dada como não provada, nos quais o Tribunal a quo concluiu, em suma, que deveria ser dado como provado que na sequência do acidente a Recorrente embateu com a cabeça no vidro frontal do veículo, tendo ainda dado como não provado que o volante foi arrancado do tablier por a Recorrente ter tentado controlar o veículo.
6.ª-Como bem faz constar a Recorrente das suas alegações de recurso – não obstante a errónea conclusão que retira desse mesmo facto – os Senhores Peritos concluíram que o facto de o volante se ter soltado da coluna de direção para uma posição indeterminada no momento de ativação/insuflação (que fazem coincidir com o embate), não permite concluir se o airbag foi, ou não, insuflado na posição correta.
7.ª-Não se concluindo, no relatório pericial – nem poderia dado o desconhecimento sobre a posição em que o airbag efetivamente insuflou – que tal foi a causa (sempre concorrente com o acidente) para a Recorrente ter embatido com a cabeça no vidro.
8.ª-Mas a Recorrente pretende acrescentar a este ponto da matéria de facto dada como provada que, no momento do acidente circulava com o cinto de segurança corretamente colocado, o que não consta do relatório pericial, apenas constando do mesmo que o sistema de segurança de retenção foi ativado, daqui se podendo concluir que o mesmo se encontrava colocado, apesar de se desconhecer se corretamente ou não.
9.ª-O Perito por si nomeado, Paulo....., veio apresentar, em audiência de julgamento, uma solução alternativa para o facto de a Recorrente ter o cinto corretamente posto no momento do acidente e, ainda assim, ter embatido com a cabeça no vidro frontal.
10.ª-Sendo certo que mesmo o referido perito não foi categórico a afirmar que a ativação do airbag sem que o volante se tivesse deslocado do tablier teria evitado que a Recorrente batesse com a cabeça no vidro, na sequência do despiste, ainda que com o cinto corretamente posto.
11.ª-Nem poderia já que resulta da restante prova produzida em audiência de julgamento que o airbag tem apenas como função impedir que o condutor bata com o corpo e a cabeça no tablier, não impedindo que o mesmo seja projetado para o vidro frontal, conforme foi explicado pelo perito das Rés, Eng.º Carlos .....(gravação a 02:37:34) e corroborado pelo depoimento da testemunha Abraão..... (gravação a 00:45:59).
12.ª-Destes depoimentos resulta que a ativação do airbag na sua posição correta não seria idónea a evitar que a Recorrente embatesse no vidro dianteiro - o que seria conseguido através do correto funcionamento do cinto de segurança - mas apenas seria idónea a evitar que a Recorrente sofresse danos corporais com a força exercida pelos sistemas de retenção.
13.ª-É ainda de salientar que mesmo a testemunha Isabel..... – cujo depoimento é ainda selecionado pela Recorrente, não obstante a pouca credibilidade que tal depoimento mereceu por parte do Tribunal a quo – apenas afirmou que a Recorrente tinha o cinto de segurança posto, não afirmando que o mesmo estava corretamente posto.
14.ª-Devendo assim ser considerada improcedente a impugnação deduzida pela Recorrente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo no que concerne ao ponto 3 da matéria de facto dada como provada.
15.ª-Em seguida, a Recorrente vem impugnar o ponto 4 da matéria de facto dada como provada e, correspondentemente, impugnando a matéria de facto dada como não provada sob o ponto IV, dos quais resulta provado que o volante se soltou após o embate e por força do disparo dos airbags.
16.ª-Com vista à impugnação da decisão do Tribunal a quo quanto a esta matéria de facto, a Recorrente vem transcrever longamente os esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos quanto à metodologia adotada em cada uma das perícias realizadas e, bem assim, quanto ao que estes observaram no âmbito das diligências de perícia, as quais foram realizadas, evidentemente, após o acidente em causa nos presentes autos.
17.ª-Tentando salientar uma questão referente ao parafuso do braço do volante que, alegadamente, terá sido manuseado, sendo certo que em audiência de julgamento não foi feita qualquer prova de quando tal manuseamento terá sucedido.
18.ª-Antes tendo, por outro lado, sido produzida prova de que o referido parafuso esteve bem colocado e que as marcas que o mesmo apresenta refletem precisamente a sua correta colocação, conforme resulta dos depoimentos da testemunha João..... (gravação a 00:08:43).
19.ª-Acresce que a testemunha Abraão..... afirmou perentoriamente que a 1.ª Ré não manipulou o mencionado parafuso já que em qualquer das intervenções realizadas não foi necessário mexer no volante (gravação a 00:54:13).
20.ª-Não sendo assim possível concluir, ao contrário do pretendido pela Recorrente, imputar a qualquer uma das Rés o incorreto manuseamento de tal parafuso, ainda que tal incorreto manuseamento tivesse ocorrido, o que se crê que também não foi possível concluir.
21.ª-De todo o modo, nas suas alegações de recurso, a Recorrente vem propositadamente esquecer a prova que efetivamente foi feita relativamente ao momento em que o volante se separou do tablier, já que do relatório pericial produzido pelo Colégio de Peritos consta expressamente, em resposta ao Quesito 5.º, a Foto I, correspondente ao sistema de avarias, da qual resulta que a falha de comunicação entre o módulo de volante e o sistema central do veículo (correspondente ao desprendimento do volante do tablier) se deu quando o mesmo circulava a 0 km/hora, ou seja, quando se deu o embate.
22.ª-Tendo o Senhor Perito nomeado pelas Rés, Eng.º Carlos....., declarado que foi conclusão unânime “que houve um disparo do airbag, disparou pirotécnico do airbagque vai provocar a expansão e o gás que vai provocar a formação do gás que vai encher o airbag, houve um disparo do pirotécnico, com o volante na sua posição de funcionamento” (gravação a 2:33:46).

23.ª-O que é consentâneo com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, ao dar como provado que:
“No instante em que o airbag do volante foi acionado/insuflado e disparou, na sequência do embate, o volante soltou-se da coluna de direção em virtude de o parafuso de fixação já não se encontrar no seu alojamento”, devendo assim improceder a impugnação da matéria de facto deduzida pela Recorrente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto ao ponto 4 da matéria de facto dada como provada.
24.ª-Por último vem a Recorrente impugnar a decisão quanto ao ponto 34 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, pelo qual foi dado como provado que “Aquando da entrega do veículo à Autora pela 1.ª Ré, o funcionamento dos respetivos airbags, dos travões e dos cintos de segurança encontrava-se em bom estado, não apresentando a viatura quaisquer problemas passíveis de prever ou determinar as anomalias apontadas pela Autora após o embate (cfr. documentos de fls. 107 a 119);”.
25.ª-Pretendendo a Recorrente que de tal ponto da matéria de facto passe ainda a constar a referência final “não tendo sido, no entanto, verificado em algum momento, pela 1.ª R. e percorrendo a lista de verificação dos 100 pontos, o estado do parafuso de fixação do volante à coluna de direção”.
26.ª-Efetivamente, e conforme já demonstrado supra, de acordo com a prova produzida em audiência de julgamento, a 1.ª Ré não procedeu a qualquer verificação do mencionado parafuso em momento prévio à venda do veículo à Recorrente, nem procedeu ao seu manuseamento no âmbito de qualquer das reparações solicitadas pela Recorrente previamente à data do acidente, até porque nenhuma indicação havia para que tal fosse feito.
27.ª-Sendo ainda de salientar que, conforme já se demonstrou, resulta do depoimento da testemunha João..... que o mencionado parafuso apresenta marcas de ter sido bem ajustado, só podendo assim concluir-se que o mesmo foi inicialmente bem ajustado e que não foi mexido pela 1.ª Ré.
28.ª-A Recorrente principia a sua alegação invocando que, em face da alteração da decisão quanto à matéria de facto nos termos pugnados nas suas alegações de recurso, teria que concluir-se que o veículo em causa padecia de um defeito, ainda que oculto, e, como tal, que a Recorrente tinha direito a resolver o contrato, alegando que consubstancia esse tal defeito oculto o incorreto manuseamento e aperto do parafuso da coluna de direção.
29.ª-E ainda que resulta demonstrado da prova pericial que se o parafuso estivesse corretamente apertado o volante não se teria soltado e que a Recorrente não teria batido com a cabeça no vidro na sequência do acidente.
30.ª-O que é manifestamente falso, já que não resulta da prova produzida em audiência de julgamento ou do relatório pericial quando é que o tal parafuso terá sido – se foi sequer – mal apertado.
31.ª-Antes tendo sido demonstrado, conforme supra se explanou, que o parafuso de que tanto a Recorrente se socorre foi inicialmente bem apertado – como demonstrado pela testemunha João..... – e que o mesmo não foi manuseado pela 1.ª Ré, inexistindo assim qualquer conduta por parte das Rés que permitisse um mau aperto do tão falado parafuso.
32.ª-Sendo certo que resulta da matéria de facto dada como provada – e não impugnada pela Recorrente – que este acidente se deu um ano após a venda do veículo, não tendo sido assim demonstrado qualquer nexo de causalidade entre uma conduta das Rés e o acidente verificado.
33.ª-Mas mais, também não consegue a Recorrente demonstrar que esse suposto defeito oculto ocorreu por qualquer intervenção das Rés ou que 1.ª Ré teria necessariamente que ter conhecimento da sua existência aquando da sua venda, que é o momento relevante para a determinação da responsabilidade pela existência de qualquer defeito.
34.ª-E não pode proceder o argumento da Recorrente de que, aquando da verificação dos 100 pontos realizada pela 1.º Ré previamente à venda do veículo à Recorrente, deveria ter sido verificado o parafuso de aperto do volante, já que inexistia qualquer indicação de que o mesmo pudesse ter algum defeito (e não tinha porquanto havia sido perfeitamente montado pela 2.ª Ré) e partir do pressuposto de que a 1.ª Ré teria que verificar aquele concreto parafuso sem indicação nesse sentido implicaria a necessidade de verificação de todos os parafusos da viatura, o que implicaria desmontá-la por completo e montá-la de novo.
35.ª-Afastando-se assim a presunção de culpa que a Recorrente alegar verificar-se no caso concreto, nos termos do disposto no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, já que se demonstra que ainda que, à data, existisse tal defeito, o que se demonstrou não ser o caso, não existia qualquer indício que permitisse à 1.ª Ré ter a suspeita da sua existência.
36.ª-Não podendo assim presumir-se o desconhecimento da sua existência com negligência, devendo, por esta razão, improceder o recurso interposto.
37.ª-Por outro lado, vem a Recorrente alegar que operaria ainda a presunção da existência do defeito por a falta de conformidade se ter demonstrado nos primeiros dois anos após a aquisição do bem, esquecendo que essa presunção só opera caso o defeito não seja incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.
38.ª-No caso em apreço, dúvidas não podem restar que a existência deste defeito no parafuso de ajuste do volante – a verificar-se à data da venda – não permitiria que a Recorrente circulasse com o veículo, como circulou, durante mais de um ano sem que o volante tivesse saído da sua posição original.
39.ª-O que apenas aconteceu, repete-se, na sequência do despiste da recorrente e do consequente bom funcionamento com disparo dos airbags.
40.ª-Sendo de salientar que, como já se referiu acima, os peritos foram unânimes em afirmar no seu relatório que o disparo dos airbags se deu quando o veículo registava uma velocidade de 0 quilómetros hora – ou seja, no momento do embate – e que foi esse disparo que fez soltar o volante da sua posição original, pelo que não pode igualmente operar a presunção constante do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril.
41.ª-Devendo, também por esta razão, improceder o recurso interposto.
Pede assim que o recurso seja considerado totalmente improcedente.

Por sua vez, a 2.ª R. apresentou as seguintes conclusões:
A)-Diz a autora que deveriam ter sido considerados não provados os factos (com a numeração da sentença): 3, 4 e 34
B)-Diz a autora que deveria ter sido considerado provado o facto IV (numerado conforme a sentença)
C)-Provou-se que na sequência do embate referido no ponto E, a Autora bateu com a cabeça no vidro dianteiro do veículo, quebrando-o”;
D)-A prova de tal facto resulta, inequivocamente, das conclusões dos peritos;
E)-Provou-se que, no instante em que o airbag do volante foi acionado/insuflado e disparou, na sequência do embate, o volante soltou-se da coluna de direção em virtude de o parafuso de fixação já não se encontrar no seu alojamento;
F)-Perante o conteúdo do relatório pericial e dos esclarecimentos dos peritos que realizaram a segunda perícia, não poderia, o tribunal a quo deixar de considerar provado o facto enunciado em 4.
G)-Mais se provou que o parafuso foi manipulado em data que não se determinou, aventando-se a hipótese, por um dos peritos, que não das partes, de se incluir, tal manipulação, numa tentativa de roubo.
H)-Mais se provou, pela imagem G e respetiva legenda, do relatório da segunda perícia, que aquele parafuso fora, inicialmente, bem apertado, sendo visíveis as marcas reveladoras de tal aperto.
I)-Foi produzida prova abundante de que aquando da entrega do veículo à Autora pela 1.ª Ré, o funcionamento dos respetivos airbags, dos travões e dos cintos de segurança encontrava-se em bom estado, não apresentando a viatura quaisquer problemas passíveis de prever ou determinar as anomalias apontadas pela Autora após o embate.
J)-A prova do facto enunciado na conclusão anterior resulta dos documentos constantes dos autos – mormente juntos com a contestação de ré C. Santos e referente ao estado do veículo antes da entrega à autora, tais como o documento de verificação dos 100 pontos, os testes realizados a diversos sistemas, os documentos referentes á manutenção do veículo.
K)-Mas a prova do facto referido em I) resulta, também, das declarações da própria autora, que afirmou, sem margem para dúvidas que, quando lhe entregaram o veículo, este estava impecável e que, até à data do acidente, nenhum sinal teve, de que o mesmo pudesse ocorrer.
L)-A prova do facto em análise resulta, sobejamente, das conclusões das duas perícias, que revelaram que todos os sistemas analisados, do veículo, se encontravam, na data do acidente (o que, evidentemente, só podo levar à conclusão de que assim estariam na data da entrega do veículo) em normais condições.
M)-Também o depoimento da testemunha Abraão....., que explicou todo o procedimento e documentação de verificação do estado do veículo antes da sua venda no estado de usado, concorreu para a prova do facto enunciado em I).
N)-O parafuso desapertado, que, como se provou, em algum momento indeterminado, foi manipulado, não se sabe por quem nem com que finalidade esteve, como se demonstrou, bem apertado, pelo que, ao contrário do que pretende a autora, não corresponde, tal desaperto, a qualquer defeito do veículo.
O)-O veículo dos autos percorreu mais de 40.000kms antes do acidente, sem qualquer avaria relacionada com qualquer dos sistemas ou situações analisadas nos autos.
P)-Ficou provado, sem margem para quaisquer dúvidas, que o veículo não apresentava qualquer defeito ou avaria à data em que foi entregue à autora, nem relativamente aos sistemas que a autora invocava apresentarem defeitos ou avarias, nem relativamente a quaisquer outros.
Q)-Não surgiu qualquer indício de que “o volante foi arrancado do tablier na sequência de a Autora tentar controlar o veículo em apreço”.
R)-Aliás, a prova deste facto seria incompatível com tudo o que resulta das análises periciais, muito em particular da segunda perícia, em que se concluiu que foi o disparo do airbag que fez com que o volante se soltasse em resultado da manipulação do parafuso em circunstância e em momento que não foi possível apurar.
S)-Pelo que teria que se considerar o facto enunciado em Q) supra como “não provado”.
T)-Não tem, a autora, qualquer razão, na impugnação que faz da decisão sobre a matéria de facto.
U)-A prova produzida foi extensa, foi corretamente apreciada e valorada pelo tribunal a quo e não merece censura.
V)-A decisão sobre a matéria de facto encontra-se extensamente fundamentada
W)-Confirmando-se, como se impõe, a decisão sobre a matéria de facto, deverá manter-se, igualmente inalterada a decisão de direito
X)-A autora não logrou provar a existência de qualquer defeito no veículo.
Y)-Provou-se que a causa do acidente foi a perda, pela autora, do controle do veículo e, não, qualquer falha no seu funcionamento
Z)-A. terá perdido o controle do veículo após ter sido encadeada pelo sol. Este é o facto que resulta dos autos.
AA)-Está na participação do acidente, por ter sido, necessariamente transmitido, pela A., ao agente da PSP que o elaborou e que depôs como testemunha, José.....  .
BB)-Tal facto é concordante com a posição solar, à hora do acidente, no local em que o mesmo ocorreu, conforme depoimento prestado em audiência de julgamento.
CC)-Ora, a prova de um defeito constitui elemento indispensável para a conclusão pela responsabilidade civil (em abstrato e sem considerar, agora, outros fatores) ao abrigo do regime de venda de coisa defeituosa e, bem assim, ao abrigo do regime aprovado pelo DL 67/2003, de 8 de Abril.
DD)-Provou-se, sim que, à data em que o veículo foi entregue, no estado de usado, não apresentava qualquer defeito.
EE)-Tanto basta para que se conclua pela boa aplicação do direito, à situação de facto julgada nos presentes autos.
FF)-Conforme resulta dos autos, a garantia de que o veículo beneficiava à data do acidente, concedida pela primeira ré, B, não é oponível à MBP.
GG)-A garantia que, em virtude da sua qualidade de representante do produtor do veículo vinculou, conforme consagrado no DL 67/2003, de 8 de Abril, teve início em Junho de 2013 e terminou 2 anos depois.
HH)-Pelo que, ainda que não se tivesse provado a inexistência de defeitos na data da entrega do veículo à autora, sempre se dirá que, não beneficiando o veículo, à data do acidente, de qualquer garantia por que a C fosse responsável, não operava qualquer presunção relativamente ao carácter originário de eventuais.
II)-Competia, à A., no que à demanda da C diz respeito, fazer prova da existência de defeitos na data da produção do veículo, sendo, esta, a data relevante, para a C, na qualidade de importador e representante em Portugal, do produtor do veículo.
JJ)-Ora, não se provou a existência de qualquer defeito no veículo dos autos, pelo que impossível, por natureza, é estabelecer a relação de causalidade indispensável à existência de responsabilidade civil.
KK)-A tudo acresce que o pedido principal jamais seria oponível à C porquanto se funda na existência de um contrato de compra e venda (em que a C não foi parte), correspondendo à sua resolução.
LL)-Assim, ao decidir como decidiu, nos termos da sentença recorrida, o tribunal fez uma correta interpretação e aplicação da lei, não merecendo qualquer censura, impondo-se a manutenção da decisão.
Pede assim que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se, integralmente, a decisão recorrida.

***

II–QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).

Assim, em termos sucintos as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a)-A impugnação da matéria de facto;
b)-A existência de venda de coisa defeituosa e suas consequências, tendo em conta, em especial, o pedido de resolução do contrato de compra e venda de veículo automóvel;
c)-A responsabilidade civil do vendedor pelos danos causados pelos defeitos do veículo vendido; e
d)-A responsabilidade civil do distribuidor e representante em Portugal da marca do veículo automóvel em causa e a caducidade da garantia por si prestada.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

***

III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
A.–No dia 6 de agosto de 2014, a A. adquiriu junto do concessionário da 1.ª R., sito na V____ - P____ em P_____, o veículo usado SMART, modelo Fortwo Coupé Cdi Pure 40kw, com a matrícula XX-XX-XX de 1 de junho de 2013, com cerca de 18.850 km percorridos;
B.–O veículo automóvel em apreço beneficiava, concedida pela 1.ª R., da garantia StarSelection pelo prazo de dois anos contados desde a data de aquisição (6 de agosto de 2014 – cfr. documento de fls. 27v e 28);
C.–Em 30 de junho de 2015, o aludido veículo foi objeto de revisão automóvel junto da 1.ª R., não lhe sendo detetada qualquer avaria, serviço pago mediante a fatura com o n.º 2......1 emitida pela 1.ª R. na mesma data, no valor final de €223,80, liquidada pela A. (cfr. documento de fls. 28v);
D.–No dia 28 de agosto de 2015, na estrada de Monsanto, no sentido sul/norte, a A. perdeu o controlo do mencionado veículo, por si conduzido, da marca SMART, modelo Fortwo Coupé Cdi Pure 40kw, com a matrícula XX-XX-XX;

E.–Em consequência do aludido no ponto D, o veículo invadiu a faixa de rodagem contrária e embateu numa árvore;
1.-A A. adquiriu à 1.ª R. o veículo automóvel acima identificado, com a matrícula XX-XX-XX, pelo preço de €14.600,00 (cfr. documentos de fls. 21, 24v, 25 e 27);
2.-Com vista à aquisição do aludido veículo, a A. celebrou um contrato de financiamento para aquisição a crédito com a entidade Banco Santander Consumer Portugal, S.A., nos termos que constam do documento de fls. 21v a 24;
3.-Na sequência do embate referido no ponto E, a A. bateu com a cabeça no vidro dianteiro do veículo, quebrando-o;
4.-No instante em que o airbag do volante foi acionado/insuflado e disparou, na sequência do embate, o volante soltou-se da coluna de direção em virtude de o parafuso de fixação já não se encontrar no seu alojamento;
5.-O veículo só susteve a marcha ao embater na árvore;
6.-Os dois airbags dispararam quando o veículo já se encontrava com a marcha suspensa, após ter embatido na árvore, numa janela de tempo na ordem de 0,03 segundos;
7.-A A. foi transportada pelo INEM para o Hospital São Francisco Xavier (cfr. documento de fls. 29);
8.-Em consequência do embate, a A. partiu o cuboide do pé direito e ficou com múltiplas lesões abrasivas na mão esquerda e edema ao nível do pé direito (cfr. documento de fls. 29);
9.-Foi realizada tala engessada posterior do pé direito fraturado e encaminhada a A. para o serviço de traumatologia, local onde realizou exames complementares de diagnóstico, incluindo TAC cerebral (cfr. documento de fls. 29);
10.-A A. esteve com o pé engessado desde 28 de agosto de 2015 até ao final de outubro de 2015;
11.-Em consequência do embate, o veículo ficou com parte da frente e a parte lateral esquerda danificada e com o para-brisas dianteiro partido, tendo sido rebocado para as instalações da 1.ª R., no F____ (cfr. documento de fls. 29v);
12.-Em 10 de setembro de 2015, a A. remeteu à 1.ª R. a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 34, sob registo e com aviso de receção, denunciando o que considerou serem os “defeitos” do aludido veículo automóvel e solicitando a sua reparação “ao abrigo da garantia legal”, nos termos que dali constam (cfr. documentos de fls. 27v, 28, 34 e 34v);
13.-Tal missiva foi recebida pela 1.ª R. em 11 de setembro de 2015 (cfr. documento de fls. 34v);
14.-A 1.ª R. recusou reparar o veículo ao abrigo da garantia StarSelection e, no dia 4 de novembro de 2015, comunicou à A. para remover o veículo das suas instalações, sob pena de passar a pagar estacionamento à razão de €20,00 por dia, a partir de 14 de novembro de 2015 (cfr. documento de fls. 38v);
15.-Em consequência do embate, o mesmo veículo ficou com a roda esquerda da frente desalinhada, com toda a estrutura lateral desalinhada, incluindo o tablier (este danificado devido ao disparo dos airbags) e o conjunto mecânico frontal do lado esquerdo, e com os plásticos, faróis e radiadores partidos;
16.-O embate provocou, ainda, uma quebra na união do conjunto das chapas da cava da roda;
17.-Em consequência do constante dos pontos 3 a 5, 11 (primeira parte), 15 e 16, o veículo em causa encontra-se impedido de circular desde a data do embate;
18.-A A. exercia e exerce as funções inerentes à categoria de engenheira naval;
19.-(…) Junto da empresa denominada World Ship Repair – Manutenção e Reparação Naval e Industrial, S.A., sedeada na Rua ... de ..., n.º ..., r/c, Esq., T_____ M_____, ....-... - S_____, em S_____ (cfr. documentos de fls. 52);
20.-Como meio de transporte antes do embate, a A. utilizava para as suas deslocações regulares, bem como do seu agregado familiar, o veículo acima identificado;
21.-Após o sinistro, passou a depender do auxílio de terceiros nessas deslocações;
22.-A 1.ª R. apresentou à A. uma proposta para reparação do veículo, onde estão contemplados os seus “danos visíveis”, no montante de € 17 161,94 (valor com IVA; cfr. documentos de fls. 35v a 37v);
23.-A A. ainda sofre ao reviver o embate em apreço e, depois dessa ocorrência, não voltou a ser capaz de conduzir veículos automóveis;
24.-Em virtude das lesões sofridas com o referido embate, a A. teve de se sujeitar a consultas médicas e a exames complementares de diagnóstico;
25.-Com as consultas médicas e com os exames complementares de diagnóstico e medicamentos, entre o dia do episódio de urgência (sinistro) e o dia 6 de janeiro de 2016, a A. despendeu o montante global de €132,20 (cfr. documentos de fls. 39v a 45v);
26.-Com a remoção do veículo das instalações da 1.ª R. (no F_____) para o parqueamento em C_____, deste parqueamento para o local onde foi submetido a perícia automóvel, e deste local para o parqueamento em C_____, nos dias 14 de novembro de 2015, 30 de março de 2016 e 31 de março de 2016, respetivamente, a A. suportou os encargos equivalentes às três deslocações realizadas, no montante total de €110,70 (cfr. documentos de fls. 46 a 48);
27.-A A. pagou o Imposto Único Automóvel (IUC) relativo ao veículo em causa, referente ao ano de 2016, no valor de €104,31 (cfr. documentos de fls. 50v a 51v);
28.-Com a peritagem efetuada ao veículo pela empresa Sinistrauto em 31 de março de 2016, junto da Auto Monumental do L_____, a A. despendeu o valor de €307,50 (cfr. documentos de fls. 59 a 62v, 65 a 67v, 70 a 73, 75 e 75v);
29.-À data do embate, a A. auferia o vencimento mensal de €1.068,00 (cfr. documentos de fls. 52);
30.-Desde a data do embate e devido às lesões sofridas, ficou a A. impossibilitada de exercer a sua atividade profissional, encontrando-se de baixa médica, pelo menos, até à data da propositura da presente ação (21 de setembro de 2016);
31.-A título de subsídio de doença, a A. recebeu da Segurança Social o montante global de €6.527,40 (cfr. documentos de fls. 52v a 56v);
32.-Em virtude do embate e lesões sofridas, a A. padece de dores, desgosto, tonturas, náuseas, cefaleias e dificuldades em adormecer e em concentrar-se;
33.-O aludido no ponto 23 provoca à A. algum desgosto, angústia e vergonha, o que a leva a evitar o convívio social e o relacionamento com terceiras pessoas;
34.-Aquando da entrega do veículo à A. pela 1.ª R., o funcionamento dos respetivos airbags, dos travões e dos cintos de segurança encontrava-se em bom estado, não apresentando a viatura quaisquer problemas passíveis de prever ou determinar as anomalias apontadas pela A. após o embate (cfr. documentos de fls. 107 a 119);
35.-De acordo com a “Guia de Referenciação” emitida pelo Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, a A. foi trazida ao serviço de urgência “após acidente de viação – despiste e embate contra árvore a cerca de 60 km/h em subida” (cfr. documento de fls. 29);
36.-A A. só invocou junto da 2.ª R. os alegados defeitos do veículo quando lhe remeteu a carta registada com aviso de receção datada de 7 de março de 2016, a que a 2.ª R. respondeu, pela mesma via, em 9 de junho de 2016 (cfr. documentos de fls. 154 a 156);
37.-A 2.ª R. é uma sociedade comercial anónima que tem por objeto a importação e/ou comercialização de veículos automóveis, respetivos motores, peças, acessórios e produtos com os mesmos relacionados; a indústria de reparação de veículos automóveis e serviços conexos e a comercialização de produtos relacionados com essa indústria e serviços; e qualquer atividade relacionada com ou de apoio ao comércio de veículos automóveis (cfr. certidão permanente com o código de acesso 2264-7313-1648);
38.-Os veículos importados pela 2.ª R. são, posteriormente, distribuídos pela rede de concessionários autorizados C, qualidade em que se integra a ora 1.ª R., empresa a quem a 2.ª R. vendeu o veículo automóvel identificado nos presentes autos;
39.-Para além da atividade de importação de veículos novos, a 2.ª R. comercializa veículos usados, que vende apenas aos concessionários, não celebrando contratos de compra e venda com os clientes finais (venda a retalho – cfr. documentos de fls. 188 e 189);
40.-Por comunicação datada de 9 de outubro de 2015, o Centro de Arbitragem do Sector Automóvel (CASA) informou a 2.ª R. que ali deu entrada reclamação apresentada pela A., “(…) referente à venda de um veículo automóvel efetuada por essa empresa, de marca Smart Fortwo Coupé, matrícula XX-XX-XX” (cfr. documentos de fls. 188 e 287 a 297);
41.-A 2.ª R. respondeu nos termos de fls. 189, a 21 de outubro de 2015, sendo que o processo foi arquivado por desistência da A. (cfr. documentos de fls. 189 e 287 a 297);
42.-A presente ação foi instaurada no dia 21 de setembro de 2016.

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A sentença recorrida julgou ainda como não provados são os seguintes factos:
I.–Antes do embate, a A. tentou travar o veículo, mas o travão não funcionou;
II.–A perda de controlo do veículo, por parte da A., ficou a dever-se ao facto de existir uma racha/rutura na soldadura da estrutura do dito veículo do lado esquerdo, junto à caixa da direção;
III.–O embate da A. com a cabeça no vidro dianteiro do veículo deveu-se ao facto de o cinto de segurança não ter trancado;
IV.–O volante foi arrancado do tablier na sequência de a A. tentar controlar o veículo em apreço;
V.–A circunstância de a A. ter partido o cuboide do pé direito deveu-se ao esforço despendido para acionar o travão do veículo com o pé;
VI.–A A. regressou ao Hospital São Francisco Xavier em 21 de setembro, 9 de outubro e 30 de novembro de 2015, a fim de ser consultada no serviço de traumatologia;
VII.–Após o embate, a A. continuou a pagar as mensalidades relativas ao financiamento aludido no ponto 2, despendendo as respetivas prestações mensais, no montante global de €2.554,32, entre os dias 15 de setembro de 2015 e 15 de agosto de 2016, bem como todas as que se seguiram e venceram;
VIII.–Com o parqueamento do veículo após o embate em garagem de terceiros, desde 14 de novembro de 2015 até à data da propositura desta ação (21 de setembro de 2016), a A. despendeu a quantia global de €6.260,00 (= €20,00/dia x 313 dias), bem como os valores diários que se seguiram e venceram;
IX.–Presentemente, a A. mantém-se de baixa médica devido ao embate;
X.–A A. assumiu perante a 1.ª R. que o despiste e o embate do veículo se tinham ficado a dever a culpa sua;
XI.–Aquando do embate, a A. circulava sem o cinto de segurança colocado;
XII.–A velocidade concreta a que o dito veículo circulava aquando do sinistro, designadamente os 60 km/hora mencionados na “Guia de Referenciação” junta a fls. 29.

Tudo visto, cumpre apreciar.

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IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Estabelecidas as questões que fazem parte do objeto do recurso, cumpre então agora sobre elas nos debruçar, começando pela impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

1.–Da impugnação da matéria de facto.
Estabelece o Art. 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Nos termos do Art. 640º n.º 1 do C.P.C., quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito concretiza-se que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Sendo que ao Recorrido caberá o ónus de designar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida.
A este propósito, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/5/2016 (Relatora: Maria Amélia Ribeiro, Proc. n.º 1393/08, disponível em www.dgsi.pt) que: «É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum».
No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6/3/2017 (Relator: Miguel Morais, Proc. n.º 632/14, disponível no mesmo sítio), afirma-se que: «tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas, nos termos do Art. 607º, nº 4), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando, designadamente, reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos ou indicar, de forma acrítica, um determinado documento.
«Deste modo, na motivação de um recurso, para além da alegação da discordância, é outrossim fundamental a alegação do porquê dessa discordância, isto é, torna-se mister evidenciar a razão pelo qual o recorrente entende existir divergência entre o decidido e o que consta dos meios de prova invocados.
«Nesse sentido tem sido interpretado o segmento normativo “impunham decisão diversa da recorrida” constante da 2ª parte da al. b) do n.º 1 do Art. 640º, acentuando-se que o cabal exercício do princípio do contraditório pela parte contrária impõe que sejam conhecidos de forma clara os concretos argumentos do impugnante.»
No caso dos autos a Recorrente identifica os concretos pontos da matéria de facto com cujo julgamento discorda, invocando os meios de prova periciais, documentais e testemunhais, cujos extratos, que julga relevantes, transcreveu, concluindo por indicar o sentido que, no seu entender, resulta da prova produzida e que justificaria decisão diversa, especificando quais as alterações de redação que deveriam ficar consagradas. Pelo que, tendo sido cumpridos os ónus legais relativos à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, cumpre então apreciar do bem fundado desta parte do recurso, tendo em consideração, de forma discriminada, cada facto que concretamente foi impugnado.

1.1.-Do facto provado constante do ponto 3.
O primeiro facto objeto de impugnação pela Recorrente é o que ficou dado por provado no ponto 3 da factualidade relevada pela sentença recorrida.
Aí ficou dado por provado que, na sequência do embate, que havia ficado dado por assente na alínea E, a A. bateu com a cabeça no vidro dianteiro do veículo, quebrando-o.
Em função do que é exposto na conclusão 23 das suas alegações de recurso, a Recorrente não põe verdadeiramente em causa nenhum segmento desse ponto 3 dos factos provados, pretendendo apenas que seja aditado ao mesmo uma circunstância, omissa na factualidade provada, relativa ao facto de, no momento do embate, seguir com o cinto de segurança corretamente colocado. Sugere assim que, em função dos meios probatórios que mencionou nas alegações fique provado que: «na sequência do embate referido no ponto E, e pese embora circulasse com o cinto de segurança colocado de forma correta, a A. bateu com a cabeça no vidro dianteiro do veículo, quebrando-o».
A sentença recorrida, em relação à circunstância da condutora do veículo seguir com o cinto de segurança colocado, limitou-se a referir que a própria A. afirmou esse facto (cfr. fls 591), sendo que quanto ao depoimento da testemunha Isabel....., única testemunha presencial do acidente, desconsiderou o mesmo por o julgar meramente opinativo, expressando estranheza pelo o facto de a mesma ter revelado pormenores que nem sequer lhe haviam sido perguntados, com o propósito de justificar a posição da A., o que retirou alguma credibilidade ao que terá dito (cfr. fls 596).
A Recorrente relembra a propósito os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito, Paulo....., quando referiu que o cinto e o airbag só funcionam corretamente quando os embates são frontais, ou seja, na direção para onde estão colocados esses sistemas de proteção (aos minutos 00:55:33 a 1:00:24 e 1:01:33 a 1:03:17). No mesmo sentido, os esclarecimentos do presidente do colégio de peritos, Eng.º Luís....., que admitiu que na ínfima fração de tempo que leva ao acionamento do airbag, que teria disparado em direção desconhecida, poderia ter permitido o impacto da cabeça no vidro dianteiro (aos minutos 2:28:40 a 2:32:09). Tendo tal conclusão sido apenas posta em causa pelo perito das R.R., Carlos....., que admitiu a possibilidade do impacto da cabeça no vidro, em consequência do embate, se tivesse dado devido a uma folga do cinto por utilização incorreta, ou então pela não aplicação do cinto (aos minutos 00:09:29). No entanto, o perito presidente do colégio, Eng.º Luís....., não deixou de referir que o cinto funcionou, que o mesmo estaria colocado no condutor e trancou, o que foi verificado pelos peritos, sugerindo apenas que o airbag não terá insuflado para onde devia no momento do acidente (aos minutos 2:00:55). Finalmente, realça que a testemunha Isabel....., que disse desconhecer a A. e ter assistido ao acidente, tendo visto que um Sr. da Cruz Vermelha socorreu a sinistrada após o embate, tirando o cinto de segurança, encontrando a A. com o corpo em cima do airbag e que o volante tinha saltado.
A Recorrida, C, realçou os esclarecimentos prestados pelo perito das R.R., quando o mesmo refere que o airbag não impede o embate da cabeça com o para-brisas, mas sim protege os danos provocados pelo impacto no tórax e na cabeça devido à chicotada que o corpo sofre e à projeção que o pode levar para o volante, se tiver o cinto bem aplicado.
Por seu turno, a Recorrida B, reconhece que no relatório pericial consta que o sistema de segurança de retenção foi ativado, do que se poderia concluir que o mesmo se encontrava colocado, apesar de se desconhecer se corretamente ou não, sustentando por isso a improcedência da impugnação.
Tudo visto, é evidente que a matéria de facto provada acaba por ser omissa sobre o facto de a A. conduzir o veículo em causa, no momento do acidente, com o cinto de segurança colocado, sendo que os peritos reconheceram que recolheram evidências da inspeção ao veículo de que esse sistema foi acionado (vide: relatório a fls 411 a 413 em resposta ao quesito 3.º). O que é complementado pelo depoimento da testemunha Isabel Francisco, que fez menção espontânea ao facto de ter sido retirado o cinto à A., quando a mesma foi objeto de assistência no local do acidente.
Quanto à questão de o cinto estar colocado correta, ou incorretamente, para além de ser uma conclusão, admitimos que a prova produzida não permite essa afirmação perentória, nem num sentido, nem no outro. A perícia não foi unânime nesse ponto (cfr. relatório a fls 411 verso), sendo igualmente razoáveis as duas posições, que são contraditórias entre si. Assim, a única coisa que é certa é que a condutora do veículo tinha o cinto colocado no momento do acidente, pois houve evidências que o sistema de retenção respetivo funcionou, e esses factos são relevantes, devendo por isso ser adicionado aos factos provados.
Assim, julgamos alterar o ponto 3 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação:
«3.- Na sequência do embate referido no ponto E, a A. bateu com a cabeça no vidro dianteiro do veículo, quebrando-o, pese embora circulasse com o cinto de segurança colocado e o correspondente sistema de retenção tivesse sido acionado no momento do acidente».
1.2.- Do facto provado constante do ponto 4. e do ponto IV dos factos não provados.
Os factos seguintes postos em causa pela Recorrente têm a ver com a causa provável do sinistro relacionada com o parafuso de fixação do volante à coluna de direção do veículo.
De facto, no ponto 4 dos factos provados ficou a constar que no instante em que o airbag do volante foi acionado/insuflado e disparou, na sequência do embate, o volante soltou-se da coluna de direção «em virtude de o parafuso de fixação já não se encontrar no seu alojamento», tendo ficado não provado no ponto IV que o volante foi arrancado na sequência da A. tentar controlar o veículo.
A sentença deu por provado o facto do ponto 4, e não provado o facto do ponto IV, por considerar que essa matéria resultava demonstrada da resposta ao quesito 5.º da 2.ª perícia (cfr. fls 413 verso a fls 414 verso), sendo que na 1.ª perícia não se teria provado que tivesse existido manipulação do dito parafuso.
Entende a Recorrente que o Tribunal a quo não valorou convenientemente os esclarecimentos prestados pelos peritos em audiência final, sendo que existe clara evidência de que o volante se soltou, só não havendo evidência quando isso ocorreu. Por isso foi requerida a 2.ª perícia que é muito mais profunda e pormenorizada sobre este assunto, explicitando que o parafuso não apresenta deformação na rosca e a cabeça do parafuso apresentava algumas marcas impressas, não tendo sido possível determinar quando o parafuso foi manipulado e qual o motivo pelo qual não existiriam marcas de escorregamento na coluna de direção, confirmando assim que, no instante em que o airbag foi acionado, o parafuso já não se encontraria no seu alojamento e foi por isso que o volante se soltou da coluna de direção. Neste contexto, realça os esclarecimentos prestados em audiência pelos peritos, sendo que Paulo..... explicitou o motivo pelo qual o veículo foi manipulado após o acidente, pois só assim teria sido possível o seu transporte para o reboque, o que implicava mexer com a direção. Já Carlos..... não deixou de afirmar que, para si, não havia a mínima dúvida de que o volante se soltou no momento do sinistro, mais precisamente no momento em que o airbag terá disparado (aos minutos 00:14:01 a 00:19:09), o que não seria uma situação muito normal (idem aos minutos 00:20:34 a 00:20:59).
A Recorrente põe ainda em evidência que na resposta ao quesito 7.º foi respondido que existiu uma falha mecânica na fixação do volante de direção de coluna porque o parafuso não se encontrava no seu alojamento, para o que fizeram um teste diagnóstico, como foi explicado pelos peritos Carlos..... e Luís..... (aos minutos 24:48 a 28:01). Por outro lado, sobre a questão da manipulação do parafuso, os Senhores Peritos referiram a inexistência de marcas nesse sentido, embora admitam que tal tenha ocorrido, sem saber em que momento tal ocorreu (aos minutos 1:09:59 a 1:12:51), sendo certo que se o mesmo estivesse no seu lugar, quando o airbag disparasse, o volante não teria saído (aos minutos 1:12:51 a 1:13:25), pelo que o parafuso não estava corretamente apertado aquando do acidente (aos minutos 1:15:32 a 1:16:36). Sobre quem poderia ter feito a manipulação do parafuso, os Senhores peritos limitaram-se a referir que tal só poderia ser feito por oficina credenciada ou pela marca, não sendo esse o tipo de manutenção que se possa fazer em casa (aos minutos 1:17:36 a 1:19:03). O Eng.º Carlos....., acrescentou ainda que o parafuso terá sido manipulado com ferramenta não adequada ou com elevado desgaste, sendo que para sair da coluna de direção tinha de estar completamente desapertado (aos minutos 1:31:11), senão deixaria vestígios de arrastamento.
É tendo em consideração o sentido da prova assim produzida que a Recorrente entende que o facto não provado em IV deve ser eliminado, por não fazer parte das hipóteses absolutamente afastadas pelas conclusões periciais, e o ponto 4 deve passar a ter a seguinte redação: «Na sequência do embate, o airbag do volante foi acionado/insuflado e disparou. O volante soltou-se da coluna de direção em virtude de o parafuso de fixação já não se encontrar no seu alojamento».
Com o devido respeito, e sem querer menosprezar a resposta das Recorridas, antes de mais não vemos diferença relevante entre o facto provado no ponto 4 da sentença recorrida e a nova redação proposta pela Recorrente.
Para além de um ponto final, que fraciona as mesmas duas preposições factuais provadas, e da expressão, “na sequência do embate”, ter sido deslocada do meio da frase para o seu início, não vemos como daí resulte uma efetiva e relevante diferença valorativa na perceção que temos dos factos.
Esse ponto dos factos provados nem sequer se debruça diretamente sobre a questão da “manipulação” do parafuso, com a qual foram gastas páginas e páginas de alegações, que depois não tem qualquer reflexo nos factos provados, nem na versão final que ficou a constar da sentença recorrida, nem sequer na redação alterada que é proposta pela Recorrente.
Quanto ao ponto IV dos factos não provados, mesmo em face do argumento desgarrado apresentado no final pela Recorrente, parece evidente que os senhores peritos não se debruçaram verdadeiramente sobre essa possibilidade, pois o seu enfoque estava mais ligado às evidências técnicas que fossem suscetíveis de observação pericial através das condições objetivas em que o veículo se encontrava quando o inspecionaram, sendo que perante a ausência doutros meios de prova, não vemos motivo para que esse facto não continue como não provado, já que foi alegado pela própria A. no artigo 13.º da petição inicial e sobre ele não foi feita prova suficiente.

1.3.-Do facto provado constante do ponto 34.
Finalmente, o último facto impugnado pela Recorrente é o ponto 34 dos factos provados, do qual consta que o veículo foi entregue à A. pela 1.ª R. sem problemas passíveis de fazer prever ou determinar as anomalias apontadas pela A. após o embate.
Esse facto foi alegado pela 1.ª R. no artigo 30.º da sua contestação, tendo a mesma requerido depoimento de parte da A. sobre essa matéria (cfr. fls 102), que foi admitido (cfr. fls 214) e veio a ser efetivamente produzido em audiência final em 14 de dezembro de 2020 (cfr. ata a fls 470).
Apesar de não ter sido reduzida em assentada qualquer confissão (cfr. ata a fls 470), da sentença final consta que foi relevado o depoimento de parte da A., nomeadamente sobre a matéria do ponto 30.º da contestação da 1.ª R., aí se deixando consignado que do mesmo decorreu que a mesma disse que: «aquando da venda e consequente entrega do veículo à aqui demandante, por parte da 1.ª Ré, a mesma não apresentava ou ostentava quaisquer problemas que pudessem prever ou determinar as anomalias ulteriormente apontadas; a Autora, segundo o afirmou, teve a perceção de que o veículo estava em condições de funcionamento, nada lhe faria antever “o que veio a suceder mais tarde”, crendo tratar-se de “um veículo impecável, como se fosse novo”; caso contrário, não procederia à sua compra; e o tratamento – prestado pela 1.ª Ré – “era excelente e eu confiava”, conforme acrescentou». (cfr. fls 585).
Nada mais consta da fundamentação da sentença sobre este facto, muito embora se faça ainda um resumo de depoimentos testemunhais de Simone..... e Abraão..... que relatam algumas circunstâncias que poderiam relevar para esta matéria. Designadamente, da primeira testemunha, realça-se que o veículo foi vendido em 2014, como veículo usado, tendo sido feita uma verificação exaustiva em todos os pontos, beneficiando a compradora duma garantia de 2 anos. Da segunda testemunha, que não teve contacto direto com a A., decorre que a mesma explicou os pequenos problemas que foram surgindo na viatura, quando confrontado com os documentos de fls 116, 121 a 124, 133 vero e 135, mas que em nada comprometiam a valia da venda como viatura usada ao abrigo da garantia dada, tendo sido percorridos os testes da lista inserta a fls 116 de “100 pontos”, sem registo de desconformidades, e sem se ter mexido em airbags, volante ou travões (cfr. fls 590 a 591).
A Recorrente, entende que esse facto não deveria ser dado por provado nos mesmos termos constante do ponto 34 da sentença recorrida, pondo essencialmente em causa o depoimento da testemunha Abraão....., que considerou irrelevante e que nenhum contributo trouxe para o julgamento da causa. Sugere assim que fique apenas dado por provado que: «Aquando da entrega do veículo à A. pela 1.ª R., o funcionamento dos respetivos airbags e dos cintos de segurança encontravam-se em bom estado, não apresentando a viatura quaisquer problemas passíveis de prever ou determinar as anomalias ocorridas após o embate, não tendo sido no entanto verificado, em algum momento, pela 1.ª R. e percorrendo a lista de verificação dos 100 pontos, o estado do parafuso de fixação do volante à coluna de direção».
A Recorrida, C, na resposta ao recurso sobre esta matéria realçou que a R., B, juntou aos autos o resultado dos testes de verificação a 100 pontos antes da entrega do veículo à A.; que na resposta pericial aos quesitos 1 a 3, 7 e 10, os senhores peritos foram unânimes na constatação de que a viatura não apresentaria deficiências de funcionamento que não resultassem do normal uso do veículo; que a A., em depoimento de parte, admitiu que a viatura não tinha qualquer problema (aos minutos 06:15 a 07:14); e, finalmente, evidenciou o depoimento das testemunhas Abraão..... e João....., tendo a primeira explicitado os pontos de teste por que passava a inspeção da viatura antes de ser entregue à A., e a segunda esclareceu em que condições o parafuso teria de apresentar marcas e como era colocado no seu lugar.
A Recorrida B por sua vez, veio admitir que entre os 100 pontos de verificação da viatura, antes da sua entrega à A., não consta o parafuso de fixação do volante à coluna de direção, mas realçou que a testemunha João..... mencionou que esse parafuso apresentava marcas de ter sido bem ajustado. Pelo que, concluiu que a 1.ª R. não mexeu nesse parafuso e o mesmo encontrava-se bem ajustado.
Apreciando, diremos que existe uma evidente diferença entre a perceção que a A. tinha do veículo quando lhe foi entregue pela 1.ª R. após venda e a situação real dessa viatura, nomeadamente quanto à circunstância do tal parafuso, que assegurava a ligação do volante à coluna de direção, estar ou não bem colocado, ou estar ou não no seu lugar de alojamento.
Pelas razões que resultam da discussão da causa, em função da sentença recorrida, e, em particular, dos temas objeto do presente recurso, restringimos agora a nossa apreciação à questão do mencionado parafuso do volante, porquanto, segundo a perícia realizada, será o facto que com maior probabilidade esteve ligado à ocorrência do acidente, ou pelo menos às consequências do mesmo, no que concerne estritamente a deficiências que se verificavam na própria viatura no momento do acidente.
Neste pressuposto, na verdade irrelevam quaisquer questões relativas a travões ou ao funcionamento dos airbags, que segundo perícia não apresentavam quaisquer problemas relevantes que tivessem contribuído para o sinistro ou as suas consequências.
De igual modo, a questões relacionadas com a correção da colocação do cinto de segurança pela condutora do veículo, que como já fizemos notar não obtiveram unanimidade dos senhores peritos, também não podem ser consideradas relevantes por ausência de prova suficiente sobre o contributo dessa alegada deficiência para o acidente ou as suas consequências.
Dito isto, é para nós evidente que a A., no momento em que adquiriu o veículo, não verificou se o parafuso do volante estaria ou não colocado no seu devido lugar e com o aperto devido. Trata-se de pormenor técnico cuja verificação não é expectável ao consumidor comum ter em consideração quando adquire um veículo automóvel. O normal é que o veículo venha com todas as peças e acessórios devidamente instalados no seu lugar e em perfeitas condições de segurança. E foi isso que resultou do seu depoimento de parte e mais que isso dele não se pode retirar.
Por outro lado, o que decorre do depoimento da testemunha Abraão..... e do seu confronto com a lista de verificações constante de fls 116 é que a 1.ª R. não verificava a existência ou aperto do parafuso que assegurava a ligação do volante à coluna de direção. O único item que poderia eventualmente compreender a verificação dessa situação era o teste relativo ao “Comportamento da direção / Determinar folga / Ver da necessidade de proceder ao alinhamento” (cfr. doc. de fls 116). Assim sendo, ao que nos é dado a perceber, se girando o volante as rodas mudavam de direção em consistência com esse movimento mecânico, em princípio, o teste estava feito, não apresentando o veículo qualquer anomalia relevante relacionada com a direção.
Ainda assim, mesmo que tivesse sido feito esse tipo de teste, não temos elementos de prova suficientes para concluir que o parafuso estava no seu lugar e devidamente apertado quando foi entregue à A.. Nem do depoimento da testemunha Abraão..... resulta conclusão contrária, admitindo-se do que por si foi exposto que não seria verificada a existência e aperto do parafuso se do teste que era feito não se evidenciasse qualquer anomalia na direção.
Esta dúvida, sobre a colocação e aperto devido do parafuso no momento da venda, subsistirá para sempre, pois não se conseguiu fazer prova de quando foi colocado o parafuso que os peritos verificaram encontra-se no seu devido lugar quando inspecionaram a viatura, pois os mesmos só concluíram que esse parafuso seguramente aí se não encontraria quando ocorreu o embate ou, mais precisamente, quando disparou o airbag (cfr. relatório a fls 417). Em todo o caso, esta dúvida é motivo suficiente para se dever alterar a redação do ponto 34 dos factos provados.
Relativamente ao funcionamento dos travões, embora esse facto acabe por não ter relevância particular para o caso dos autos, o respetivo teste constava explicitamente da lista de verificações em 100 pontos (cfr. doc. de fls 116), admitindo-se como perfeitamente possível que esses testes e verificações tenham sido realizados, de acordo com o teor desse documento e do depoimento de Abraão..... .
Igual conclusão já não se poderia tirar relativamente aos airbags, que não constam sequer da lista de fls 116. No entanto, a Recorrente também não põe sequer em causa essa situação, tendo em atenção a redação que propõem em alternativa, sendo que os senhores peritos também concluíram que os airbags funcionaram corretamente.
Dito isto, julgamos que existem fundados motivos para alterar a redação do ponto 34 dos factos provados, que deverá passar a ter a seguinte redação:
«34.- Aquando da entrega do veículo à A. pela 1.ª R., o funcionamento dos respetivos airbags e dos cintos de segurança encontravam-se em bom estado, não aparentando que a viatura tivesse quaisquer problemas passíveis de fazer prever ou determinar as situações que se vieram a verificar logo após o embate, sendo que a 1.ª R. ao percorrer a lista de verificação dos 100 pontos constantes de fls 116, não verificou o estado do parafuso de fixação do volante à coluna de direção».

2.– Da venda de coisa defeituosa e direito à resolução do contrato de compra e venda.
Resolvidas as questões relativas à impugnação da matéria de facto, cumprirá agora apreciar do mérito da causa em face do direito substantivo aplicável.
Relembre-se que a primeira pretensão da A., ao instaurar a presente ação constitutiva e de condenação, era que fosse declarada a resolução do contrato de compra e venda relativamente ao veículo com a matrícula XX-XX-XX, que adquiriu à 1.ª R., devendo esta restituir à A. o valor de €14.600,00, correspondente ao preço pago pela compra da viatura, e esta última, em contrapartida, entregar àquela esse mesmo veículo.
Fundava a A. essa pretensão no disposto no Art. 913.º do C.C. e no Dec.Lei n.º 67/2003 de 8 de abril, com a nova redação dada pelo Dec.Lei n.º 84/2008 de 21 de maio, por existir venda de coisa defeituosa, sem descuidar da possibilidade de aplicação ao caso da tutela que decorre do regime da defesa de consumidores, nos termos da Lei n.º 24/96 de 31 de julho, que aprovou a Lei de Defesa do Consumidor, igualmente com alterações introduzidas pelo Dec.Lei n.º 84/2008 de 21 de maio.
Efetivamente, nos termos do Art. 913.º n.º 1 do C.C.: «Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que se destina, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes». Por sua vez o n.º 2 do mesmo preceito explicita ainda que: «Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria».

Entre os direitos explicitamente previstos no Código Civil, quer na secção VI, relativa à “venda de coisas defeituosas”, quer na secção V, relativa à “venda de bens onerados”, para a qual remete o Art. 913.º n.º 1 do C.C., não está o direito à resolução do contrato, o que não quer dizer que não seja a mesma admissível no contrato de compra e venda, que tenha por objeto coisas defeituosas, por força das normas gerais aplicáveis aos contratos, nomeadamente dos Art.s 432.º a 436.º, 790.º a 793.º, 795.º, 796.º e 801.º do C.C. (vide, a propósito: Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Civil – Vol. XI – Contratos em Especial (1.ª parte)”, pág.s 280 a 282).

Na verdade, o regime jurídico estabelecido no Art. 913.º do C.C. está pensado essencialmente para a anulação do contrato de compra e venda por motivo de erro ou dolo, tendo em conta a remissão do n.º 1 desse preceito para o Art. 905.º do C.C., que pressupõe sempre a verificação dos requisitos da anulabilidade.

Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, Vol. II, 4.ª Ed., pág. 205) sustentam mesmo que, por força da remissão para o Art. 905.º do C.C., os vícios da coisa não constituem fundamento autónomo da anulação, não tendo relevância autónoma os vícios ocultos e os reconhecíveis, integrando-se estas situações nos regimes do erro de do dolo, sendo necessário que se verifiquem os requisitos exigidos pelos Art.s 251.º ou 254.º do C.C. para que a anulação seja possível.

Contra este entendimento, Pedro Romano Martinez (in “Da cessação do contrato”, 2.ª Ed., pág.s 265 a 269), veio defender que o regime do Art. 905.º do C.C. não deve ser entendido como uma remissão para o regime geral da anulação por erro ou dolo, como vícios da vontade (Art.s 247.º e ss. do C.C.) e para as regras da anulabilidade (Art.s 285º e ss. do C.C.), considerando que essa situação deverá antes ser enquadrada como uma hipótese de resolução. Entre outros argumentos, sustenta que, por um lado, o regime geral do erro ou do dolo, não permite a possibilidade de expurgação dos ónus ou defeitos, nem a redução do preço, nem o pedido de indemnização, que estão todos ligados e dependentes do regime geral do cumprimento dos contratos e não de regras respeitantes ao regime dos vícios de vontade na formação dos negócios jurídicos. Por outro lado, destaca que o regime do cumprimento defeituoso, estabelecido a propósito do contrato de compra e venda, tem por finalidade restabelecer o equilíbrio entre as prestações, só se podendo pôr termo ao contrato se esse reequilíbrio não for possível, ao contrário do que sucede com o regime das invalidades que parte de pressuposto diverso. No fundo, considera em termos genéricos que, se o bem vendido não cumpre a sua finalidade, não estamos perante uma invalidade negocial, mas perante o não cumprimento do contrato. Por isso sustenta não serem aplicáveis ao caso os prazos gerais previstos no Art. 287.º do C.C. para a anulabilidade, mas sim prazos mais curtos (cfr. Art.s 916.º e 917.º do C.C.). Daí que, este mesmo autor, também defenda que a remissão do Art. 905.º do C.C. para os requisitos legais da anulabilidade dos negócios jurídicos deva ser interpretada apenas em duas vertente: por um lado, o comprador não pode por termo ao contrato com base em defeitos de que tenha ou pudesse ter conhecimento no momento da celebração do negócio; por outro, só se justificaria a cessação do vínculo contratual caso a violação do dever obrigacional do vendedor seja de tal forma grave que não permita a manutenção do negócio jurídico.

Menezes Cordeiro (in “Tratado de Direito Civil”, Tomo XI – Contratos em Especial (1.ª parte), pág.s 238 a 242) também reconhece a mais-valia dos argumentos de Pedro Romano Martinez, embora reforce que a mesma implique “obliterar” a 2.ª parte do Art. 905.º do C.C. quando aí se diz expressamente que «o contrato é anulável por erro ou dolo, desde que se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade».

Calvão da Silva (in “Compra e Venda de Coisa Defeituosa – Conformidade e segurança”, reimpressão 2002, pág. 55 a 56), entende que de jure constituto devemos obediência à lei, mas de jure constituendo deverá a questão ser resolvida como cumprimento imperfeito quando se verifique ser esse o caso, e como problema de erro-vício, em sentido técnico, quando em causa estejam as disposições gerais dos Art.s 247.º e 251.º do C.C..

Menezes Leitão (in “Direito das Obrigações – Vol. III – Contratos em especial”, 3.ª Ed., pág. 117 a 118), também admite que a tese seguida por Pedro Romano Martinez seja mais conforme de jure condendo,mas reconhece que de jure condito,a solução consagrada na lei é precisamente a contrária, devendo ser relevados os requisitos do erro-vício ou do dolo, e os requisitos gerais da anulabilidade dos negócios jurídicos, embora evidencie que há uma tendência dos diversos ordenamentos jurídicos para unificar os dois regimes jurídicos, considerando que em ambos os casos existe incumprimento da obrigação de entrega, o qual se verifica sempre que haja alguma desconformidade da coisa no âmbito da realização dessa prestação por parte do vendedor. Solução que, aliás, já foi adotada pelo legislador nacional no Dec.Lei n.º 67/2003 de 8 de abril, ao transpor para o nosso ordenamento a Diretiva 1999/44/CE sobre a venda de bens de consumo e garantias associadas.

Efetivamente, no Dec.Lei n.º 67/2003 de 8 de abril, com as alterações introduzidas pelo Dec.Lei n.º 84/2008 de 21 de maio, que procedeu à transposição para o direito interno da Diretiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a proteção dos interesses dos consumidores, consagra-se explicitamente o “direito à resolução do contrato” pelo consumidor no seu Art. 4.º, nos seguintes termos:
«1- Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato. (…)
«4- Os direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador.
«5- O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.
«6- Os direitos atribuídos pelo presente artigo transmitem-se a terceiro adquirente do bem».

A Lei de Defesa do Consumir, também citada pela Recorrente, não regula diretamente a matéria do direito à resolução do contrato de compra e venda de coisa defeituosa, nem o direito à anulação desse contrato, que tem a sua sede legal nos dois diplomas normativos atrás citados. Em todo o caso, o Dec.Lei n.º 67/2003 de 8 de abril regula a matéria do direito à resolução de forma exaustiva, estabelecendo mesmo um regime imperativo de tutela dos direitos do consumidor, que não pode ser afastado por vontade das partes (cfr. Art. 10.º n.º 1) e, por isso, deve entender-se que prevalece sobre os normativos estabelecidos no Código Civil, que preveem um regime jurídico padrão de aplicação meramente supletiva.

Não está sequer em discussão nesta ação a aplicabilidade ao caso do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8 de abril, considerando a natureza profissional da sociedade, aqui 1.ª R., enquanto vendedora do veículo, e a qualificação da A. como consumidora, tendo em atenção as definições de “consumidor” e “vendedor” estabelecidas no Art. 1.º-B, al.s a) e c) desse mesmo diploma legal, sendo que o veículo automóvel, objeto do contrato de compra e venda dos autos, é tipicamente um bem (móvel) de consumo.

Em todo o caso, temos desde já de relembrar que nesse contrato de compra e venda de veículo usado não teve qualquer intervenção a 2.ª R., C, pois nele não figura como parte. A A. adquiriu o veículo à 1.ª R. B (cfr. facto provado 1) e não à 2.ª R., que é pessoa jurídica distinta.
Há ainda que realçar que no quadro legal do Código Civil (Art. 913.º n.º 1) na venda de coisa defeituosa estará em causa a verificação dos seguintes defeitos na coisa objeto da compra e venda: a) vício que desvalorize a coisa; b) vício que impeça a realização do fim a que ela é destinada; c) falta das qualidades asseguradas pelo vendedor; e d) falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina. Já no quadro legal do Dec.Lei n.º 67/2003 coloca-se a questão em termos estritos de cumprimento da obrigação de entrega da coisa ao consumidor, estabelecendo-se aí a obrigação genérica, a cargo do vendedor, de entregar a coisa em conformidade com o estabelecido no contrato de compra e venda (cfr. Art. 2.º n.º 1). Sendo que, o n.º 2 do Art. 2.º desse mesmo diploma estabelece depois, logo de seguida, um conjunto de presunções de “não conformidades” relativas à coisa, quando se verificam os seguintes factos:
«a)- Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
«b)- Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
«c)- Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
«d)- Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem».

Não deixa de ser curioso que na Diretiva comunitária, que este diploma visou transpor para o nosso ordenamento, é regulada essa matéria precisamente pela inversa, ou seja, identificam-se as situações em que os bens de consumo se devem considerar presumivelmente conformes com o contrato, descrevendo pela positiva as mesmas 4 hipóteses constantes das alíneas do Art. 2.º n.º 2 do Dec.Lei n.º 67/2003. Em todo o caso, torna-se claro que o nosso legislador não definiu de forma inovadora o que fosse “conformidade com o contrato”, pois esse conceito corresponde ao princípio da conformidade ou pontualidade do cumprimento dos contratos canonizado nos Art.s 406.º, 763.º, 879.º al. b) e 882.º do C.C.  (vide, a propósito: Calvão da Silva in “Venda de Bens ao Consumo”, 2.ª Ed., pág. 57 a 59).

Assim, no final, o que importa é que, na execução da obrigação de entrega da coisa, o vendedor respeite escrupulosamente o contrato, pela entrega da coisa convencionada e nos termos devidos, isenta de vícios ou defeitos, não podendo o comprador ser constrangido a receber coisa diversa da devida (cfr. Calvão da Silva in “Compra e Venda de Coisa Defeituosa”, 2002, pág.s 12 e 19 a 22).

No caso dos autos, os defeitos da coisa vendida que serviram de causa de pedir na presente ação, tal como conformada na petição inicial, foram a circunstância dos travões não terem funcionado (artigo 11.º da p.i.), o cinto de segurança não ter trancado (artigo 12.º idem) e o volante ter sido arrancado do tablier (artigo 13.º idem), não tendo assim o sistema de retenção, airbags e cinto de segurança do veículo atuado de acordo com a lógica desses sistemas de segurança passiva (artigos 52.º e 92.º), o que constituiria um vício intrínseco, estrutural e funcional do veículo que o tornaria impróprio para cumprir o seu destino normal para coisas do mesmo tipo (artigo 93.º, todos sempre da p.i.).

Estava assim em causa, essencialmente, o cumprimento imperfeito da obrigação de entrega por motivos relacionados com a falta de conformidade da coisa, por esta padecer de defeitos físicos ou materiais, ou seja, defeitos intrínsecos, inerentes ao seu estado, por alegadamente não existir uma correspondência às características acordadas ou que legitimamente eram esperadas pelo comprador.

Veja-se, no entanto, que nenhum dos vícios alegados pela A. foram dados por provados. Não se provou que a A. tenha tentado travar e o travão não funcionou (cfr. facto não provado I da sentença recorrida). Não se provou que o cinto de segurança não tenha trancado (cfr. facto não provado III e facto provado 3 com a nova redação constante do ponto 1.1. do presente acórdão). E não se provou que o volante foi arrancado do tablier na sequência da A. tentar controlar o veículo (cfr. facto não provado IV da sentença recorrida).

Na verdade, o motivo pelo qual a A. teve o acidente foi uma “perda de controlo do veículo”, quando era por si conduzido na estrada de Monsanto (cfr. facto provado D). Mas, não se provou que fosse qualquer defeito do veículo que tivesse determinado efetivamente esse sinistro.

O que se passou foi apenas que, na sequência do embate do veículo com uma árvore, o volante soltou-se da coluna de direção em virtude de o respetivo parafuso de fixação não se encontrar no seu alojamento (cfr. facto provado 4 da sentença recorrida). Em todo o caso, não se provou que a falta desse parafuso tenha tido qualquer influência na perda de controlo do veículo por parte da sua condutora, no momento que precedeu o embate. Nem sequer isso alguma vez foi alegado pela A. nesta ação, que pelos vistos desconhecia essa deficiência.

Mas mais. Sem prejuízo do que adiante se dirá sobre a responsabilidade civil das R.R. pela ocorrência do acidente, ou sobre o agravamento dos danos causados por esse acidente motivados pela falta do dito parafuso, julgamos ser evidente que a A. não provou sequer que o parafuso não estivesse no lugar e devidamente apertado quando adquiriu a viatura. Isto, porque, na verdade, nem sequer alegou esse “defeito” da coisa vendida, que somente foi apurado na sequência da instrução da causa, nomeadamente pela realização das perícias em 1.ª instância.

Esse facto, até por ter sido objeto de ampla discussão pelas partes, antes do encerramento da audiência final, não poderia deixar de ser relevado, atento o disposto no Art. 5.º n.º 2 al. b) do C.P.C.. Devendo nós acrescentar que a ponderação da relevância do mesmo não implica a consideração de causa de pedir diversa da alegada na petição, porquanto a A. sempre sustentou que havia um qualquer problema com o volante, só não tendo conhecimentos técnicos suficientes para explicitar em que é que o mesmo se traduzia.

Dito isto, nós só sabemos que o dito parafuso não estava no seu lugar quando ocorreu o embate e o airbag disparou (cfr. facto provado 4), mas não sabemos se o parafuso estava, ou não, colocado no seu lugar, no momento da celebração do contrato de compra e venda e da entrega efetiva do veículo à A..

O parafuso pode ter sido retirado do lugar por qualquer pessoa. Inclusivamente pode ter sido retirado pela 1.ª R. já depois da entrega do veículo à A., numa das intervenções pontuais posteriores que fez no veículo, documentadas nos autos de fls 117 a 130, sem que tenha consignado esse facto nesses documentos. Tal como também pode ter sido retirado por qualquer outra oficina a que a A. possa ter pontualmente recorrido, no entretanto. Menos plausível será a hipótese de ter sido a própria A. a tirar o parafuso, embora não seja impossível que tal tenha acontecido.

Seja lá o que aconteceu, não se apurou que a venda do veículo tenha sido feita sem o parafuso que fixa o volante à coluna da direção. Sendo certo que, após o sinistro, como decorre demonstrado da prova pericial, apareceu um parafuso colocado no seu devido lugar, sem marcas de alguma vez ter sido desapertado. O que só pode querer dizer que o veículo, no momento em que foram feitas as perícias, já não se encontrava nas mesmas exatas condições que se verificavam aquando da ocorrência do sinistro.
Perplexidades à parte, parece que o veículo circulou (com ou sem parafuso – não sabemos) desde a data da venda e entrega do veículo à A., em 6 de agosto de 2014 (facto provado A) até à data do sinistro, em 28 de agosto de 2015 (facto provado D). Mais concretamente, constatamos que foi vendido com 18.850 Km percorridos em rodagem (cfr. facto provado A) e depois do embate marcava 40.729 Km (cfr. doc. de fls 320 a 324 junto pela oficina da “Santogal”). Portanto, o veículo, durante todo esse tempo, não só aparentava ter as qualidades necessárias à realização do seu fim, como cumpriu a sua função.

Também não se pode dizer que a falta do parafuso constituísse vício que desvalorizasse significativamente a coisa, pois estamos em querer que o preço do parafuso seria coisa para valer pouco mais de um euro, comparado com os €14.600,00 que correspondem ao preço pago pela A. à 1.ª R. pela compra do veículo (cfr. facto provado 1).

Igualmente tudo leva a crer que não era a falta do parafuso que impediria o veículo de realizar o seu fim.

Claro que se a A. soubesse da falta do parafuso poderia legitimamente exigir a sua colocação. Tal como não temos dúvidas que se a 1.ª R. soubesse desse facto, não deixaria de colocar o dito parafuso, até porque, como dissemos seria coisa de pouco valor, em comparação com o preço do veículo.

Mas é precisamente esse desequilíbrio entre o valor do parafuso e o valor da venda, que torna o pedido de resolução do contrato de compra e venda do veículo absolutamente desproporcionado à situação, até porque se constata que, afinal, depois do acidente, o parafuso já se encontrava no seu lugar devido (cfr. foto de fls 347 supra do 1.º relatório pericial).

Mesmo sendo certo que o Art. 4.º do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8 de abril permite a resolução do contrato ao consumidor em caso de não conformidade do bem com o contratado, sem na aparência hierarquizar essa faculdade em relação à possibilidade de exigir em primeiro lugar a reparação da desconformidade verificada ou substituição da coisa, tem sido entendimento doutrinário unânime que não pode ser admissível o exercício do direito à resolução se o vício verificado não assumir gravidade objetiva suficiente que seja suscetível de configurar uma situação de incumprimento definitivo.

Fernando Gravato Morais (in “União de Contratos de Crédito e de Venda Para o Consumo”, pág. 180) escreve a propósito que: «importa relevar que a resolução do contrato de compra e venda pressupõe que o concreto inadimplemento do vendedor seja grave, sendo essa gravidade aferida em função da apreciação objetiva do interesse do credor (no caso, o consumidor). Não pode, porém, ser declarada a resolução do negócio se a prestação, máxime desconforme, tiver, em relação ao interesse do consumidor, importância reduzida ou diminuta.

«Em sede de cumprimento defeituoso, a Dir. 1999/44/CE, no seu art. 3.º §§ 5 e 6, estabelece critérios que determinam uma pretensão de resolução: a impossibilidade ou a desproporcionalidade dos direitos à reparação ou à substituição da coisa; a não satisfação num prazo razoável do direito do consumidor ao exato cumprimento; que o vendedor não tenha encontrado uma solução sem grave inconveniente; quando a falta de cumprimento não é insignificante.

«Alguns critérios são, essencialmente, conhecidos da doutrina portuguesa e certas situações resultam mesmo da lei. A impossibilidade da substituição da prestação ou a eliminação dos defeitos e a desproporção (ou excessiva onerosidade) da reposição da conformidade para o vendedor são utilizados já para determinar o exercício do direito de resolução. Também a ideia de que o comprador deve, em primeiro lugar, exigir o cumprimento exato, fixando um prazo razoável e perentório ao vendedor é usada entre nós (art. 808.º CC).

«O DL 67/2003 não consagra expressamente os critérios da diretiva, porquanto estes resultam já da lei geral. Apenas em sede de venda de bens do consumo há que interpretar a lei em conformidade com a diretiva. Por exemplo, “a escassa importância” dever ser interpretada “por forma a apenas incluir os defeitos que importem faltas de desconformidade insignificantes”».

João Calvão da Silva (in “Compra e Venda de Coisa Defeituosa (conformidade e Segurança), pág.s 155 a 158) reconhece na Diretiva comunitária uma certa hierarquização entre os direitos do consumidor a exigir a reparação ou substituição do bem, relativamente aos direitos à redução do preço e direito à resolução do contrato, reconhecendo que dela resulta maior certeza e segurança, apesar do recurso a conceitos indeterminados como “desproporcionalidade”, “inconveniente grave”, “razoabilidade”, “apropriado” ou “adequado”, cuja flexibilidade requer o uso do princípio reitor da boa-fé, em ordem a uma justa composição de interesses.

O mesmo autor, noutro lugar (in “Venda de Bens de Consumo – Comentário”, 2.ª Ed., pág.s 86 a 87), veio reafirmar que a hierarquização constante da diretiva traduz uma solução de elementar com senso, relembrando que, se a escolha dos remédios pertence ao consumidor, ela não pode deixar de estar subordinada ao princípio da boa-fé e não cair no puro arbítrio, como já havia sustentado na sua obra “Responsabilidade Civil do Produtor”, pág. 230, nota 2. Assim, se a opção exercida exceder indubitavelmente os limites impostos pela boa-fé deverão intervir as regras do abuso de direito (Art. 334.º do C.C.).

Na mesma linha, Menezes Leitão (in “Direito das Obrigações – Vol. III – Contratos em Especial”, 3.ª Ed., pág.s 151 a 154) também evidencia a diferença entre a hierarquização dos direitos do consumidor no seio da Diretiva 199/44/CE e o regime consagrado no Art. 4.º n.º 5 Dec.Lei n.º 67/2003, realçando que em qualquer caso, o poder de escolha de qualquer dos 4 remédios aí previstos sempre estará limitado pelos limites objetivos da possibilidade de execução da prestação exigida e pelo abuso de direito.

Pedro Romano Martinez (in “da Cessação do Contrato”, 2.ª Ed., pág.s 265 a 269) como já vimos, reconduz todas as situações de venda de coisas defeituosas ao regime do cumprimento defeituoso, reconhecendo nas soluções legais, mesmo nas que decorrem do Código Civil (v.g. Art. 913.º do C.C.), que a finalidade do legislador é o restabelecimento do equilíbrio entre as prestações, só sendo permitido pôr termo ao contrato quando não for possível restabelecer esse equilíbrio. O que fornecerá critério suficiente para justificar as soluções que, com recurso ao princípio da boa-fé, inviabilizem o direito à resolução do contrato em situações de manifesta desproporcionalidade entre o valor do defeito verificado na prestação devida e o resultado pretendido com a destruição retroativa do negócio de compra e venda.

Neste pressuposto, tendo em atenção o que é disposto no Art. 4.º n.º 5 do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4, não se afigura razoável o pedido de resolução do contrato de compra e venda de veículo usado fundado na mera suspeita de que o veículo possa ter sido vendido pela 1.ª R. sem o parafuso assegurava a ligação do volante à coluna de direção, quando essa falta não foi detetada durante mais de um ano sobre a venda, período durante o qual a A. circulou normalmente com essa viatura, percorrendo com ela mais de 20.000 Km. Para mais, porque essa falta era facilmente suprida pela colocação do parafuso, que tinha um valor objetivamente insignificante relativamente ao valor de venda do automóvel, sendo que o parafuso afinal apareceu colocado no seu devido lugar após o acidente, tornando assim desnecessário o suprimento dessa falta.

Julgamos assim que o exercício do direito à resolução do contrato de compra e venda, nestas condições, se traduziria num remédio excessivo e objetivamente injustificado, no que estritamente concerne ao equilíbrio das contraprestações do negócio jurídico oneroso e translativo do direito de propriedade. Logo, seria ilegítimo, nos termos do Art. 334.º do C.C., por violar o princípio da boa-fé, na vertente que proíbe o exercício de direito em situações de manifesto desequilíbrio entre o benefício pretendido obter, no caso, pelo consumidor e o prejuízo que com ela se lograria infligir ao vendedor (vide: Menezes Cordeiro in “Da boa-fé no Direito Civil”, pág.s 853 a 860).

Por força do exposto, julgamos que nesta parte a sentença recorrida deve ser mantida quanto à absolvição das R.R. relativamente ao pedido de resolução do contrato de compra e venda e das consequentes pretensões de restituição do valor do preço da compra com obrigação de restituição do veículo, improcedendo todas as conclusões que sustentam o contrário.

3.–Da responsabilidade civil do vendedor pelos danos causados pelos defeitos do veículo vendido.
O segundo pedido formulado pela A. na sua petição inicial tem a ver com o exercício do direito a indemnização emergente de responsabilidade civil de ambas as R.R. pelos danos resultantes de sinistro que teve na condução do veículo que comprou à 1.ª R., alegadamente decorrentes dos defeitos verificados nesse automóvel.
Por maior comodidade na análise das situações iremos apreciar a responsabilidade das R.R. separadamente, sendo certo que a A. pediu a sua condenação solidária no pagamento de €15.081,04 por danos patrimoniais, sem prejuízo das despesas que se viessem a vencer e dos rendimentos que não sejam auferidos, mais €35.000,00 por danos morais.
A A. fundou esta pretensão no disposto no Art. 12.º n.º 1 da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pelo Dec.Lei n.º 24/96 de 31/7, com redação do Dec.Lei n.º 84/2008 de 21/5, e, bem assim, no disposto no Art. 911.º do C.C. que alegadamente consagraria o direito a ser indemnizada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens defeituosos pelo interesse contratual negativo (cfr. artigo 108.º da petição inicial). Sendo certo que este último mencionado preceito refere-se ao direito à redução do preço, sendo nos Art.s 908.º e 909.º do C.C. que se estabelece um direito a indemnização, em caso de dolo ou em caso de simples erro, respetivamente.
A sentença recorrida também julgou essa pretensão improcedente, porquanto considerou que a A. não provou a verificação de um defeito prévio ao acidente, não tendo assim cumprido o seu ónus de prova dos factos constitutivos do seu direito (cfr. Art. 342.º n.º 1 do C.C.).
Entende agora a Recorrente, nas alegações do presente recurso de apelação, que se provou a existência de um vício no veículo consistente no incorreto aperto, ou no desaperto, do parafuso de fixação do volante à coluna de direção, que se tratava de vício oculto e, a seu ver, grave, por reduzir o uso normal do automóvel ao fim para que se destina, sendo que a 1.ª R. não logrou provar que havia fixado o dito parafuso no momento da venda, havendo que ter em consideração a presunção de culpa estabelecida no Art. 799.º do C.C. e a presunção de desconformidade com o contrato estabelecida no Art. 3.º do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4, imputando assim o ónus de prova desses factos às R.R., nos termos do Art. 344.º do C.C..
A Recorrida C, a este respeito, defende que competia à A. fazer prova do defeito na data da produção do veículo, mas a Recorrida B sustentou que a A. não demonstra que a 1.ª R. tivesse conhecimento necessário da existência do defeito aquando da venda, sendo absolutamente irracional que fosse exigível demonstrar que tivesse verificado todos os parafusos do veículo, afastando-se assim a presunção do Art. 799.º do C.C..
Apreciando, diremos que a questão da responsabilidade civil está neste momento restrita ao defeito, apurado apenas na sequência da produção de prova pericial, relativo à circunstância do parafuso que fixava o volante à coluna de direção não se encontrar alojado no seu lugar, o que permitiu que o volante se tivesse soltado, no momento do embate, e o airbag tivesse disparado numa direção que não permitiu evitar que a A. tivesse embatido com a cabeça no vidro dianteiro (cfr. factos provados em 3 (nova redação do ponto 1.1 dos presente acórdão) e 4, relevando-se ainda, muito em particular, as conclusões do relatório da 2.ª perícia realizada em 1.ª instância).
É essa, no essencial, a sequência de eventos que os Sr. Peritos entendem que determinaram os danos verificados, na medida em que estivessem relacionados com as condições objetivas da viatura sinistrada, com a qual o Tribunal de 1.ª instância concordou e nós não poderemos deixar de acompanhar, em face do sentido objetivo da prova produzida.
Como já tivemos oportunidade de realçar, não se provou que o acidente tivesse sido causado por qualquer defeito do veículo. A única causa apurada do acidente foi a “perda do controlo” de viatura pela sua condutora, como resulta da alínea D dos factos provados na sentença recorrida.
A ausência do parafuso que fixava o volante à coluna de direção nada teve a ver com o embate na árvore. Os factos provados não indiciam conclusão diversa, sendo que ficou a constar dos factos não provados que o volante tenha sido arrancado do seu lugar na sequência dos esforços da A. para controlar a viatura (cfr. facto não provado IV).
Portanto, estamos perante um acidente de viação, no qual interveio apenas a A., que tinha o domínio do veículo que conduzia e, por razões completamente desconhecidas, perdeu o controlo da viatura, invadindo a faixa de rodagem contrária, indo embater com uma árvore (factos provados D e E).
Repita-se: não há a mínima evidência, decorrente dos factos provados, que tenha sido qualquer defeito do veículo que tenha causado a perda de controlo que levou à ocorrência deste acidente. Portanto, a presunções de desconformidade relativos à coisa vendida, constantes dos Art.s 2.º n.º 2 e 3.º n.º 3 do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4, bem como a presunção de culpa estabelecida no Art. 799.º do C.C., não têm qualquer relevância quanto à consideração da causa objetiva do acidente, pois a A. é a única responsável pelos atos relacionados com a condução do veículo e a perda do seu controlo que levaram à ocorrência desse sinistro.
Ainda assim, julgamos que o facto de o parafuso que ligava o volante à coluna de direção não se encontrar no seu lugar no momento do acidente teve relevância pelo menos para o agravamento das consequências do acidente, pelo qual, inicialmente, apenas a A. era objetiva e subjetivamente responsável.
Julgamos que existem indícios factuais suficientes para permitir a conclusão de que houve pelo menos um agravamento do risco de dano relacionado com o facto do veículo circular sem o parafuso no seu lugar devido no momento em que ocorreu o embate.
Era expectável que, se o parafuso estivesse no seu lugar, o volante não se teria soltado e o airbag teria disparado no sentido esperado, podendo admitir-se como muito provável que, assim sendo, os danos causados tivessem sido significativamente inferiores aos verificados, nomeadamente prevenindo o embate da cabeça da A. com o vidro dianteiro ou lesões ao nível da coluna ou do tórax.

Importa assim ter em atenção que nos termos da Lei do Defesa do Consumidor (aprovada Lei n.º 24/96 de 31/7) se estabelece, no seu Ar. 12.º que:
«1-O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.
«2- O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos que coloque no mercado, nos termos da lei».

O n.º 1 deste Art. 12.º remete-nos para a responsabilidade do vendedor pelos danos causados por defeitos do bem objeto de venda a consumidor. Já o n.º 2 do mesmo preceito, consagra a responsabilidade objetiva do produtor, a qual tem aplicação independentemente do mesmo ser ou não vendedor da coisa ao consumidor.
No caso, como vimos, o acidente não foi causado por defeitos do veículo vendido, mas os danos decorrentes desse acidente podem considerar-se, no mínimo, agravados pela deficiência verificada relativa à circunstância do parafuso do volante não se encontrar no seu devido lugar.
Também já discutimos com suficiente abundância a prova sobre saber se o veículo foi ou não entregue pela 1.ª R. à A., com, ou sem, o dito parafuso no seu devido lugar. A conclusão que oportunamente tirámos é que não foi possível apurar esse facto. Mas, consta a agora dos factos provados, no ponto 34, que: «a 1.ª R. ao percorrer a lista de verificação dos 100 pontos constantes de fls 116, não verificou o estado do parafuso de fixação do volante à coluna de direção». (cfr. decidido no ponto 1.3. do presente acórdão).
Perante a ausência de prova sobre as condições em que o veículo foi entregue à A., nomeadamente no que se refere ao dito parafuso, temos inevitavelmente que recorrer às presunções legais sobre esse assunto.
Assim, nos termos do Art. 3.º n.º 2 do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8 de abril: «As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega da coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respetivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando for incompatível com a natureza da coisa ou as características da falta de desconformidade».
Ora, não pode haver a mínima dúvida de que o parafuso que assegurava a fixação do volante à coluna de direção era um componente importante para garantir a segurança na circulação desse automóvel, prevenindo o risco do volante mais facilmente se poder soltar do seu lugar, embora a sua ausência não obstasse a que o mesmo pudesse circular normalmente na via pública.
A instalação, no lugar devido, desse parafuso integra assim a perfeição da obrigação de entrega da coisa vendida em conformidade com as legítimas expectativas do comprador, nos termos do Art. 2.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4. Sendo que, tendo-se verificado essa falta no momento do acidente (cfr. facto provado 4), o qual ocorreu cerca de um ano depois da venda, deve presumir-se que essa falha é da responsabilidade do vendedor (cfr. Art. 3.º n.º 2), respondendo o mesmo perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue (cfr. Art. 3.º n.º 1, sempre do mesmo diploma legal).
É certo que, no momento em que foram feitas as perícias em 1.ª instância, apareceu um parafuso no lugar devido, mas em face dos indícios recolhidos, só poderemos concluir que foi aí aposto depois do acidente, por pessoa e em condições que se desconhecem.
Por outro lado, a verificação da viatura pela 1.ª R., através da “check-list” de fls 116, referente a 100 pontos de análise, de modo algum pode funcionar como facto justificativo suficiente para exclusão da responsabilidade pela ausência objetiva do parafuso do seu lugar devido, que se presume caber ao vendedor, onerado que está com a obrigação de entregar da coisa em condições conforme ao contratado e às legítimas expectativas do consumidor relativamente à aquisição de coisas do mesmo tipo.
Relembre-se ainda que, para mais, esta venda foi feita com garantia convencionada com o vendedor pelo prazo de 2 anos, sem limite de Km (cfr. cláusula 2. do doc. a fls 28), a qual cobria qualquer avaria por falta de material que determinasse o não funcionamento de peças (cfr. cláusula 3. do cit. doc.). Portanto, o acidente ainda se deu dentro do prazo de garantia convencionado entre as partes.
A ausência desse parafuso é desconformidade suficientemente relevante para legitimar o consumidor a exigir a reparação da coisa, pela colocação do parafuso no seu devido lugar (cfr. Art. 4.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4), embora não o seja para exercer o direito à resolução do contrato de compra e venda, como atrás já deixámos expresso.
Podemos adiantar ainda que a responsabilidade civil do vendedor, perante o consumidor, nos termos do Art. 12.º n.º 1 da Lei de Defesa do Consumidor, assume claramente a natureza de responsabilidade contratual (cfr. Art.s 798.º e ss. do C.C.), porque se refere objetivamente ao cumprimento defeituoso da obrigação contratual de entrega da coisa vendida, que está a seu cargo (cfr. Art. 2.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4). Sendo que, no caso concreto da venda de bens de consumo, como é o caso da venda dos autos, a lei presume que qualquer desconformidade verificada nos primeiros 2 anos após a entrega da coisa, tratando-se de bem móvel, já se verificava no momento da entrega do bem (Art. 3.º n.º 2 do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4). Pelo que, provando-se a falta do parafuso no lugar devido, na data do acidente, presume-se que essa falha se deveu à vendedora, aqui 1.ª R., sendo que esta não logrou ilidir essa presunção, como era seu ónus (Art. 344.º n.º 1 do C.C.).
Assim, não só está provado o incumprimento contratual que justifica a responsabilidade civil da 1.ª R., enquanto vendedora deste bem de consumo, como a lei presume igualmente a sua culpa, nos termos do Art. 799.º do C.C..
Em todo o caso, não poderemos esquecer que o acidente, donde resultaram os danos cujo ressarcimento a A. peticiona, foi causado essencialmente pela própria condutora, ao perder o controlo do veículo, não podendo deixar de se aplicar ao caso a previsão do Art. 570.º do C.C., com as devidas adaptações.

Segundo esse preceito: «1.- Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultam, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. 2.- Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar».

Temos de reconhecer que a responsabilidade civil do vendedor se funda também numa presunção de culpa, mas o direito do consumidor à reparação dos danos resultantes do fornecimento de bens defeituosos, consagrada no Art. 12.º n.º 1 da Lei de Defesa do Consumidor, deve ter-se por imperativa, por força do espírito da lei subjacente à norma do Art. 16.º da mesma Lei de Defesa do Consumidor e do Art. 10.º do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4. Pelo que, deve interpretar-se que a situação em causa se compreende na exceção prevista no n.º 2 do Art. 570.º do C.C., quando aí se salvaguarda “disposição em contrário”.

Em todo o caso, o Art. 570.º n.º 1 do C.C. deve aplicar-se ao caso, não só por força da necessidade de ponderação da concorrência da culpa do lesado, mas também por força da consideração do pressuposto no nexo de causalidade entre os danos e o facto ilícito culposo que obriga à reparação. Quanto mais não fosse, existiria uma situação de enriquecimento ilegítimo, juridicamente inaceitável, se o lesado pudesse ser indemnizado integralmente por danos para cuja consumação contribuiu decisivamente.

Veja-se que, por exemplo, nos termos do Art. 6.º n.º 2 al. a) do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4, no caso de responsabilidade do produtor (que não é aquela que agora estamos concretamente a considerar, no caso da 1.ª R.), a lei permite ao produtor opor-se ao exercício dos direitos pelo consumidor quando de verificar que o defeito resulta de má utilização da coisa. Ou seja, a lei, apesar de imperativa, não deixa de ser sensível à responsabilidade do próprio lesado.

Efetivamente, no caso dos autos, o acidente resulta da condução imprudente, ou inábil, da parte da A., que se concretizou na perda de controlo da viatura por si conduzida, que a levou a invadir a faixa de rodagem contrária e embater contra a árvore. Essa situação justifica praticamente a integralidade dos danos materiais causados no veículo e suas demais consequências, que devem ser imputados à condutora.

No entanto, as lesões físicas sofridas pela A. só em parte são imputáveis à própria, porque para o seu agravamento concorreu ainda a falta do parafuso no volante, que se presume da responsabilidade da vendedora do veículo.

Nomeadamente no que se refere às lesões decorrentes do embate da cabeça no vidro dianteiro, e às da coluna e tórax, bem poderiam ter sido minoradas não fosse a deficiência verificada da falta do parafuso, que motivou que o volante se soltasse do lugar e airbag tenha disparado de forma descentrada relativamente à posição de condução da A., facilitando desse modo o embate da cabeça no vidro e as lesões corporais na parte superior à cintura.

Pelo menos essas lesões podem ser imputadas à 1.ª R., na medida em que são também consequência do facto de não se encontrar no seu lugar de alojamento o parafuso de fixação do volante à coluna de direção.

Os demais danos no veículo e lesões corporais podem ter-se como normais decorrências da violência do embate, que sempre ocorreriam, tivesse ou não o parafuso no seu lugar devido.

A justificação do estabelecimento do nexo causal entre as lesões mencionadas e a verificação do defeito da coisa vendida pode ser encontrado objetivamente na matéria de facto provada e tem respaldo doutrinário no que se convencionou designar como a “moderna teoria da imputação objetiva” (vide, a propósito: Claus Roxin in “Problema Fundamentais de Direito Penal”, pág.s 145 e ss).

O ponto de partida desta teoria funda-se na conclusão de que a possibilidade objetiva de originar um processo causal danoso depende de a conduta do agente concreto criar, ou não, um risco juridicamente relevante de lesão típica de um bem jurídico (Vide: Claus Roxin in Ob. Loc. Cit. pág. 148). Assim, consegue-se estabelecer um nexo causal quando o agente cria um risco juridicamente relevante, ou aumenta um risco permitido para além de certos limites legal e socialmente aceites, quando o resultado danoso traduz a concretização normativa desse risco assim criado ou aumentado. E é precisamente isso mesmo que se verifica no caso concreto.

Havendo processos causais concorrentes para a verificação de determinado dano, eles não se excluem mutuamente, simplesmente implicam que se deva determinar qual o contributo objetivo de cada um deles para a consumação do dano.

No fundo, a questão do nexo de causalidade, para além de um pressuposto da responsabilidade civil, serve também, funcionalmente, de medida da obrigação de indemnização, devendo aqui serem encontrados critérios para a fixação do “quantum” indemnizatório (Vide, a propósito: Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, 9ª Ed., pág. 555). O mesmo se devendo dizer relativamente à culpa, nomeadamente quando há concorrência da responsabilidade do lesado para a consumação dos danos, tendo em atenção o disposto no Art. 570.º n.º 1 do C.C..
Ora, no caso dos autos, não poderemos deixar de considerar que a A. é a responsável principal pela ocorrência do acidente, representando o defeito, relativo à ausência do parafuso do volante, apenas um contributo, relativamente menos significativo, para o agravamento de alguns dos danos verificados.
Decorre do exposto, que a 1.ª R. não deve ser responsabilizada por quaisquer outros danos para além dos já supramencionados, porque os restantes não podem ser imputáveis, nem subjetivamente (em função da culpa, mesmo que presumida), nem objetivamente (em função do nexo de causalidade), ao cumprimento defeituoso da sua prestação de entrega da coisa em perfeitas condições de funcionamento e de segurança.
Desde logo, está excluída qualquer a possibilidade de a 1.ª R. responder pela reparação integral do veículo sinistrado (v.g. facto provado 22), porque esses danos decorrem essencialmente do embate na árvore consequente da perda de controlo da viatura, que estava inteiramente no domínio da A.. De resto, nem sequer foi peticionada essa reparação.
Mas, pelos mesmos motivos, a 1.ª R. também não está obrigada a repara os danos decorrentes da privação do uso do veículo, despesas com a sua remoção, parqueamento, peritagens, imposto automóvel, mensalidades do crédito ou outras atinentes à situação do veículo, tal como foram peticionadas.
Relevam, no entanto, (mas apenas em parte) as situações de hospitalização na sequência do transporte pelo INEM, cfr. doc. de fls 29 (facto 7); a realização do TAC cerebral, cfr. cit. doc. de fls 19 (facto 9); que a A. exercia funções como engenheira naval (facto 18) e auferia €1.068,00 de vencimento, cfr. doc. de fls 52 (facto 29), tendo deixado de poder exercer a sua atividade até à data da propositura da ação em 21 de setembro de 2016 (facto 30), recebendo subsídio de doença de €6.527,40, cfr. doc.s de fls 52 v.º a 56 v.º) (facto 31); que a A. sofre ao reviver o embate em apreço e não voltou a conduzir (facto 23), o que lhe causa desgosto, angústia e vergonha, evitando o convívio social (facto 33); que a A. sujeitou-se a consultas médicas e exames complementares de diagnóstico (facto 24), com o que despendeu €132,20 (cfr. doc.s de fls 39 verso a 45v (facto 25); e padece de dores, desgostos, tonturas, náuseas, cefaleias e dificuldade de dormir (facto 32).
Precisando mais pormenorizadamente todos esses danos, comecemos pelos danos patrimoniais.

Em particular, quanto às despesas médicas e medicamentosas (cfr. doc.s de fls 39 verso a 45 verso) julgamos dever relevar para o caso:
1-Da fatura de fls 39 verso, no valor total de €37,40, importa considerar apenas: €20,00 do episódio de urgência; €1,40 de incidências na coluna cervical; €13,00 de TC Crânio; e €1,30 de incidência no tórax (o resto não releva para a responsabilidade da 1.ª R.).
2-A fatura de fls 41, no valor de €7,75, que é uma consulta hospitalar externa;
3-As faturas de fls 41 verso, 42, 42 verso, 43 verso, 44, 44 verso, que se referem a consultas hospitalares normais, no valor de €5,00, cada (6x5= 30);
4-A fatura de fls 43 supra, no valor de €15,00, que se reporta a um ECG; e
5-As faturas de fls 45 verso, no valor de €7,34, €13,99 e €4,85, que são faturas de farmácia relativas a despesas com medicamentos.
As “ecos” aos “membros” (de fls 43 infra) não relevam para o caso. O mesmo se passando com a aquisição de “meias elásticas” (de fls 45).
Somam os valores das faturas, na parte que podem ser relevados, um total de €113,23.
Mas nelas se incluem despesas para a ocorrência das quais a A. é a principal responsável. Pelo que, julgamos que a reparação desses prejuízos deve ser reduzida a 1/3. Ou seja, a 1.ª R. será responsável pelo pagamento de €37,74.
Passando agora à perda de vencimento da A..
A A. exercia funções como engenheira naval, auferindo o vencimento mensal de €1.068,00 (cfr. doc. de fls 52), tendo deixado de poder exercer a sua atividade, por causa das lesões sofridas com o acidente, desde a data desse sinistro (28/8/2015) até à data da propositura da ação (21/9/2016).
Em consequência, perdeu 12 meses completos de salário e mais 24 dias, o que dá um total de €13.610,40 (€1063,00 x 12meses = €12.756,00 + (1063:30diasx24dias = 854,40) = 13.610,40).
No entanto, nesse período recebeu subsídio de doença de €6.527,40 (cfr. doc.s de fls 52 v.º a 56 v.º). Pelo que, deixou de auferir a diferença de €7.083,00 (€13.610,40 - €6.527,40).
Mas como a A. é a principal responsável pelo acidente, a reparação desse prejuízo deve ser reduzida a 1/3. Sendo assim a 1.ª R. responsável pelo pagamento da indemnização de €2.361,00 por perdas salariais (€7.083,00:3=2.361,00).
Relava ainda que ficou dado por não provado, no ponto IX da sentença recorrida, que a A. continua ainda hoje de baixa (cfr. fls 584). Pelo que, não há a considerar danos futuros por perda de vencimento.
Restam os danos não patrimoniais, que a A. peticionou pelo valor de €35.000,00.
Em causa estão: o episódio de hospitalização de urgência, os sofrimentos provocados pelo reviver do embate em apreço, o desgosto, angústia e vergonha por ter deixado de poder conduzir, evitando o convívio social, e as dores, desgostos, tonturas, náuseas, cefaleias e dificuldade de dormir.
Este conjunto de danos de natureza não patrimonial, pela sua gravidade e persistência no tempo, merecem evidentemente tutela do direito, devendo aos mesmos corresponder uma indemnização (Art. 496º n.º 1 do C.C.).
Os danos de natureza não patrimonial caracterizam-se precisamente pelo facto de não serem suscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado. Pelo que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma verdadeira indemnização (vide: Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 5.ª Ed., pág. 561).
Mesmo não tendo o valor económico certo, a lei obriga a que se fixe um montante indemnizatório com recurso a critérios de equidade (Art. 496º n.º 3 do C.C.), tendo em atenção a culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado, e as demais circunstâncias que no caso se justifiquem considerar (Art. 494º “ex vi” Art. 496º n.º 3, ambos do C.C.).
Por outro lado, mantendo o mesmo critério já exposto para os danos patrimoniais, há que ter em consideração que a principal responsável pelo acidente foi a própria A. e, portanto, qualquer indemnização deverá ser reduzida a 1/3, devendo a mesma ser atualizada à data da prolação do presente acórdão, em função do sentido do decidido no acórdão de uniformização de jurisprudência do S.T.J de 9/5/2002 (publicado no D.R., 1ª Série, n.º 146-A de 26/6/2002).
É tendo em atenção todos estes fatores que julgamos que a responsabilidade da 1.ª R. por danos não patrimoniais não pode exceder €3.000,00.
Em suma, ao abrigo do Art. 12.º n.º 1 da Lei de Defesa do Consumidor, pelo contributo que o defeito da coisa vendida pela 1.ª R. deu para o agravamento dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, emergentes do acidente que a A. teve com a sua viatura, tem a mesma direito a uma indemnização de €5.398,74, sendo €2.398,74 de danos patrimoniais, relativos a despesas médicas e medicamentosas e perdas salariais, e €3.000,00 por danos não patrimoniais.
A esses valores acrescerão juros de mora à taxa legal das obrigações civis, atualmente fixada em 4%, contados da citação, ocorrida a 21/11/2020 (cfr. fls 85 e 86), quanto aos danos patrimoniais (cfr. Art.s 805.º n.º 1 e n.º 3, 806.º, conjugados com o Art. 559.º do C.C. e Portaria n.º 291/2003 de 8/4), e da data do presente acórdão, quanto aos danos não patrimoniais, atento à jurisprudência estabelecida no AUJ n.º 4/2002 do STJ de 9/5/2002 supramencionado.
4.-Da responsabilidade civil do representante da marca e distribuidor do automóvel e da caducidade da garantia por si prestada.
Como fizemos notar a A. não se limitou a demandar a 1.ª R. como vendedora do veículo. A A. pretende também a condenação solidária da 1.ª e da 2.ª R. pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos por força do defeito verificado no automóvel que comprou.
Também já deixámos explicito que a 2.ª R. não teve qualquer intervenção direta, porque não foi parte, no contrato de compra e venda do automóvel usado, no qual figurava, como compradora, a A., e, como vendedora, a 1.ª R. (cfr. doc.s de fls 27 a 28).
No entanto, a A. demandou a 2.ª R. como “Representante do Produtor” (cfr. artigo 87.º da petição inicial).
De facto, nos termos do Art. 12.º n.º 2 da Lei de Defesa do consumidor: «O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos que coloque no mercado, nos termos da lei».
Disposição igual resulta do Art. 1.º do Dec.Lei n.º 383/89 de 6/11, que transpôs para o direito interno a Diretiva n.º 85/374/CEE, do Conselho de 25 de julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados membros em matéria da responsabilidade decorrente de produtos defeituosos. Sendo no fundo para este diploma legal que remete a Lei de Defesa do Consumidor.

Ora, o Art. 2.º dessoutro diploma define o produtor nos seguintes termos:
«1- Produtor é o fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de matéria-prima, e ainda quem se apresente como tal pela aposição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo.
«2- Considera-se também produtor:
«a)- Aquele que, na Comunidade Económica Europeia e no exercício da sua atividade comercial, importe do exterior da mesma, produtos para venda, aluguer, locação financeira ou outra qualquer forma de distribuição;
«b)- Qualquer fornecedor de produto cujo produtor comunitário ou importador não esteja identificado, salvo se, notificado por escrito, comunicar ao lesado no prazo de três meses, igualmente por escrito, a identidade de um ou outro, ou a de algum fornecedor precedente».

Na mesma linha, o Art. 6.º do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4 estabelece que:
«1- Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição, salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor. (…)
«3- O representante do produtor na zona de domicílio do consumidor é solidariamente responsável com o produtor perante o consumidor, sendo-lhe igualmente aplicável o n.º 2 do presente artigo».

Sendo que o Art. 1.º-B do mesmo diploma define “produtor” e “representante do produtor” nos seguintes termos:
«d)- «Produtor», o fabricante de um bem de consumo, o importador do bem de consumo no território da Comunidade Europeia ou qualquer outra pessoa que se apresente como produtor através da indicação do seu nome, marca ou outro sinal identificador no produto;
«e)- «Representante do produtor», qualquer pessoa singular ou coletiva que atue na qualidade de distribuidor comercial do produtor e ou centro autorizado de serviço pós-venda, à exceção dos vendedores independentes que atuem apenas na qualidade de retalhistas».

Em todo o caso, o direito a indemnização fundado na responsabilidade objetiva do produtor não é regulado no Dec.Lei n.º 67/2003, mas sim no Dec.Lei n.º 383/89 de 6/11, para o qual nos remete objetivamente o Art. 12.º n.º 2 da Lei de Defesa do Consumidor.

Diga-se que, em função dos factos provados constantes dos pontos 37, 38 e 39 da sentença recorrida é evidente que a 2.ª R. preenche a qualidade de “produtor equiparado”, “produtor aparente” ou “quase-produtor” (cfr. Art. 1.º-B al. d) do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4 e Art. 2.º n.º 2 al. a) do Dec.Lei n.º 383/89 de 6/11).

A responsabilidade civil do produtor pressupõe naturalmente a existência de um produto e dum defeito desse produto, estabelecendo o Art. 4.º do Dec.Lei n.º 383/89 de 6/11 que: «1 - Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua
entrada em circulação».

Cumpre ainda referir que a responsabilidade objetiva do produtor não exclui a responsabilidade de terceiros pelos danos, decorrendo explicitamente do Art. 6.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 383/89 de 6/11, que:
«1. Se várias pessoas forem responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade». Excluindo-se desse modo a consequência legal que poderia decorrer da aplicação cega do Art. 505.º do C.C., na medida em que pudesse favorecer a interpretação de que, existindo um responsável pelo acidente, excluir-se-ia automática e necessariamente a responsabilidade objetiva do produtor.
Assim, havendo concorrência de responsabilidades, nomeadamente entre a responsabilidade do vendedor e a responsabilidade do produtor, a solução passa pela aplicação das regras supletivas estabelecidas para o domínio das relações internas, tal como previstas nos n.ºs 2 e 3 do Art. 6.º. Ou seja, como aí se estabelece: «2 - Nas relações internas, deve atender-se às circunstâncias, em especial ao risco criado por cada responsável, à gravidade da culpa com que eventualmente tenha agido e à sua contribuição para o dano. 3 - Em caso de dúvida, a repartição da responsabilidade faz-se em partes iguais».
No que se refere à concorrência entre a responsabilidade do produtor e do próprio lesado, a regra é semelhante à que resultaria da aplicação do Art. 570.º do C.C., pois o Art. 7.º prevê que: «1 - Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para o dano, pode o tribunal, tendo em conta todas as circunstâncias, reduzir ou excluir a indemnização. 2 - Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo anterior, a responsabilidade do produtor não é reduzida quando a intervenção de um terceiro tiver concorrido para o dano.»

Há ainda que realçar que nos termos do Art. 8.º e 9.º do mesmo diploma, são ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino, desde que os danos excedam €500,00.
Também aqui os remédios legais estabelecidos no interesse do consumidor assumem natureza imperativa e não podem ser derrogados por convenção das partes (Art. 10.º).
Finalmente, estabelece-se que o direito a indemnização por responsabilidade do produtor está sujeito ao prazo prescricional de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve, ou deveria ter tido, conhecimento do dano, do defeito e da identidade do produtor (Art. 11.º), muito à semelhança do estabelecido no Art. 498.º do C.C. para efeitos da responsabilidade extracontratual. Mas estabelece-se ainda um prazo de caducidade de 10 anos para exercício do direito de ação contados da data em que o produtor pôs em circulação o produto causador do dano (Art. 12.º). O que significa que, no âmbito da responsabilidade objetiva do produtor, que claramente se recorta fundamentalmente no quadro da responsabilidade extracontratual (vide: João Calvão da Silva in “Responsabilidade Civil do Produtor”, pág. 478), são irrelevantes os prazos de garantia dados pelo vendedor ou os prazos legais de denúncia dos defeitos. O “produtor”, normalmente, como se verificou no caso dos autos, é pessoa estranha ao contrato de compra e venda, no entanto, por força da lei, responde pelos danos causados pela coisa defeituosa que por si foi posta em circulação.
Relativamente ao produtor verificam-se todas as situações que justificam a natureza objetiva da sua responsabilidade: a disseminação do risco de dano pela sociedade; a dissuasão e controlo do risco; a proteção das expectativas do consumidor; e a perspetiva da redução de custos, decorrentes da sua exigência e certeza (vide: João Calvão da Silva in Ob. Loc. Cit., pág.s 496 a 503).

Resta ainda referir que a lei prevê ainda um conjunto de situações em que a responsabilidade (objetiva) do produtor é excluída, desde que o mesmo prove:
«a)- Que não pôs o produto em circulação;
«b)-Que, tendo em conta as circunstâncias, se pode razoavelmente admitir a inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação;
«c)- Que não fabricou o produto para venda ou qualquer outra forma de distribuição com um objetivo económico, nem o produziu ou distribuiu no âmbito da sua atividade profissional;
«d)- Que o defeito é devido à conformidade do produto com normas imperativas estabelecidas pelas autoridades públicas;
«e)- Que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos, no momento em que pôs o produto em circulação, não permitia detetar a existência do defeito;
«f)- Que, no caso de parte componente, o defeito é imputável à conceção do produto em que foi incorporada ou às instruções dadas pelo fabricante do mesmo». (Cfr. Art. 5.º).

No caso, a Recorrida C limitou-se a sustentar que a A. deveria ter provado que a falta do parafuso no volante teria de ter ocorrido no momento do fabrico do veículo. Mas não é bem assim. A responsabilidade do produtor, na medida em que é alargada ao “produtor aparente”, que efetivamente não fabrica o produto, deve ter-se por alargada às deficiências de construção (no caso: a não colocação do parafuso no volante) que se verifiquem aquando da colocação do veículo no mercado, após a sua importação e consequente venda a um concessionário, como terá sido o que aconteceu no caso concreto.

O risco tutelado por pela responsabilidade do produtor é o relativo à colocação em circulação de produto com defeito. A colocação em circulação do produto com defeito é a linha de fronteira entre a responsabilidade civil dos produtos e a responsabilidade civil pela exploração económica do produto. Por isso a responsabilidade do produtor é apelidada de “responsabilidade civil-produto” ou “responsabilidade civil por vício do produto entregue” (vide: Calvão da Silva in Ob. Loc. Cit., pág. 671).

Em todo o caso, tal como sucedeu com o vendedor, nós também não sabemos quando ocorreu o vício de construção do veículo relativo à (não) colocação do parafuso que fixa o volante à coluna de direção.

Mas há uma diferença substancial entre a situação do vendedor e a do “produtor aparente”, na sua relação com o consumidor final: é que a obrigação de entrega do veículo ao consumidor é da responsabilidade do vendedor (Art. 3.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4) e não do “produtor”, ou “produtor aparente”, sendo que as presunções de desconformidade relativas ao momento da entrega da coisa, previstas no Art. 3.º n.º 2 do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4, aplicam-se apenas ao vendedor.

Na verdade, o veículo não foi entregue pela 2.ª R. à A., mas antes de ter sido feita a venda do veículo à A., certamente que a 1.ª R., enquanto concessionária, terá recebido a viatura da 2.ª R.. Só que, no domínio das relações entre comerciantes profissionais, não funciona a presunção do Art. 3.º n.º 2 do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4.

No regime jurídico da responsabilidade objetiva do produtor consagrado no Dec.Lei n.º 383/89 de 6/11 não existem presunções semelhantes às do Dec.Lei n.º 67/2003 de 8/4, mas existe o princípio geral da responsabilidade do produtor pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação (Art. 1.º), definindo-se depois os casos em que o produtor consegue excluir essa responsabilidade (v.g. Art. 5.º). Assim, nos termos da lei, esse desiderato só é conseguido pela atribuição ao produtor de ónus de prova de factos que tenham a virtualidade de afastar a sua responsabilidade pelo facto de ter colocado em circulação um produto, que se veio a verificar padecer de defeito.

Não se entranha assim que, a primeira causa de exclusão da sua responsabilidade objetiva seja precisamente a prova de que o produtor não pôs sequer o produto em circulação (cfr. Art. 5.º al. a) do Dec.Lei n.º 383/89 de 6/11). No entanto, essa hipótese, nem sequer se coloca no caso dos autos.

A única possibilidade que o produtor (no caso “produtor aparente”), tem de excluir a sua responsabilidade é a prova da exceção prevista na al. b) do Art. 5.º do Dec.Lei n.º 383/89 de 6/11.

A falta do parafuso nada tem a ver com o estado dos conhecimentos técnicos ou científicos que poderiam permitir detetar a existência do defeito no momento em que o produto foi colocado em circulação (cfr. Art. 5.º e) do citado diploma legal). Pelo contrário, o parafuso era um componente da construção do veículo, exigido precisamente por força do estado dos conhecimentos técnicos existentes.

Também não se pode falar em erro de conceção ou de erro de instrução dado pelo fabricante (v.g. Art. 5.º al. f) do mesmo diploma), pois o parafuso era necessário, tinha o seu espaço para ser colocado logo no momento da construção do veículo e deveria ter sido colocado no seu lugar para cumprir a sua função.

Assim, resta a previsão do Art. 5.º al. b), que permite ao produtor excluir a sua responsabilidade desde de que prove: «b) Que, tendo em conta as circunstâncias, se pode razoavelmente admitir a inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação».

A este respeito, escreve Calvão da Silva (in Ob. Loc. Cit., pág. 719) que: «Delicado era (…) determinar o grau ou intensidade da prova a fazer pelo produtor. Exigir que provasse a inexistência do defeito quando pôr o produto em circulação favorecia a posição do lesado, mas era extremamente exigente ou rigoroso para o produtor. Daí a formulação atenuada da lei, a reputar suficiente para a exclusão da responsabilidade do produtor, que este demonstre, tendo em conta as circunstâncias, ser plausível ou razoável a inexistência do defeito, aquando da sua colocação em circulação. Repare-se, igualmente, que a lei não impõe ao produtor uma prova positiva, isto é, a demonstração de que o defeito surgiu após a entrada em circulação do produto e é imputável a terceiro ou à própria vítima, sendo suficiente a prova negativa da probabilidade ou razoabilidade da sua inexistência no momento em que o pôs em circulação».

Mais à frente, não deixa o mesmo autor de explicitar que: «Pelo Dec.Lei n.º 383/89, o lesado precisa de demonstrar o defeito – a falta de segurança legitimamente esperada, embora não tenha de especificar, concretamente, se é defeito de conceção, de fabrico ou de informação – no momento do acidente, mas não a sua existência no domínio da organização e risco do produtor no momento em que o produto foi por este posto em circulação. Esta existência, presume-a a lei, cabendo ao produtor convencer o juiz da probabilidade ou razoabilidade do facto oposto» (Ob. Loc. Cit., pág. 721).

Ora, sucede que, no caso dos autos, o produtor nada provou a este respeito, nem positivamente, nem negativamente, sendo tão plausível e razoável que o defeito ocorreu depois do veículo ter sido por si posto em circulação, mediante a sua entrega à 1.ª R., como o contrário. Isto, porque a falta do parafuso não parece ter qualquer influência na normal utilização do veículo na via pública, só se tornando patente a sua falta em situações extraordinárias, como aquela dos autos em que ocorreu um acidente e o volante soltou-se do seu lugar.

Em face do exposto, não havendo qualquer causa de exclusão da responsabilidade civil do produtor, a 2.ª R. deverá responder pelos danos causados pelo produto defeituoso por si colocado em circulação, uma vez que o acidente ocorreu ainda dentro do prazo de caducidade de 10 anos estabelecidos no Art. 12.º do Dec.Lei n.º 383/89 de 6/11, esse sim que permite afastar qualquer possibilidade de imputação dos defeitos da coisa à atividade profissional prosseguida pelo produtor.

Todas as razões que justificaram a redução da responsabilidade da 1.ª R., por motivos relacionados com a culpa e o nexo de causalidade são aplicáveis, na mesma medida, à 2.ª R., atento ao disposto no Art. 7.º do Dec.Lei n.º 383/89 de 6/11, sendo assim esta solidariamente responsável em conjunto com aquela (cfr. Art. 6.º n.º 1 do mesmo diploma), pelo pagamento da indemnização devida.

Como vimos, os danos verificados e relevantes referem-se, no essencial, a danos emergentes das lesões corporais sofridas pela A. na sequência do acidente, seja os relativos a despesas médicas e medicamentosas, sejam os relativos a perdas salariais, sejam os relativos danos não patrimoniais, os quais estão todos compreendidos na previsão do Art. 8.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 383/89 de 6/11 (vide, a propósito: Calvão da Silva, Ob. Loc. Cit. Pág.s 677 a 689), sendo que não estão em causa, nem os limites mínimos do Art. 8.º n.º 2, nem os máximos do Art. 9.º.

Em conformidade, deverão ambas as R.R. se condenadas solidariamente nos mesmos termos que considerámos para a 1.ª R. no ponto 3 do presente acórdão, devendo a sentença ser revogada também na parte que absolveu a 2.ª R. do pedido, improcedendo as conclusões que sustentam o contrário do exposto.

V–DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, nos seguintes termos:
A)-Julgamos parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, alterando a redação dos pontos 3 e 34 dos factos provados que passa a ser a seguinte:
«3.- Na sequência do embate referido no ponto E, a A. bateu com a cabeça no vidro dianteiro do veículo, quebrando-o, pese embora circulasse com o cinto de segurança colocado e o correspondente sistema de retenção tivesse sido acionado no momento do acidente».
«34.- Aquando da entrega do veículo à A. pela 1.ª R., o funcionamento dos respetivos airbags e dos cintos de segurança encontravam-se em bom estado, não aparentando que a viatura tivesse quaisquer problemas passíveis de fazer prever ou determinar as situações que se vieram a verificar logo após o embate, sendo que a 1.ª R. ao percorrer a lista de verificação dos 100 pontos constantes de fls 116, não verificou o estado do parafuso de fixação do volante à coluna de direção».
No mais, julgamos manter a matéria de facto da sentença recorrida.
B)-Julgamos revogar parcialmente a sentença recorrida na parte que absolveu as R.R. de todos os pedidos contra si formulados, substituindo essa decisão pela de condenação solidária das R.R., B e C, a pagar à A., A, uma indemnização no valor de €5.398,74, sendo €2.398,74 de danos patrimoniais, relativos a despesas médicas e medicamentosas e perdas salariais, e €3.000,00 por danos não patrimoniais, a que acrescerão juros de mora à taxa legal das obrigações civis, atualmente fixada em 4%, contados da citação, ocorrida a 21/11/2020 (cfr. fls 85 e 86) quanto aos danos patrimoniais (cfr. Art.s 805.º n.º 1 e n.º 3, 806.º, conjugados com o Art. 559.º do C.C. e Portaria n.º 291/2003 de 8/4) e da data do presente acórdão, quanto aos danos não patrimoniais.
C)-No mais mantemos a sentença recorrida, quanto à absolvição das R.R. do pedido de declaração de resolução do contrato de compra e venda que tinha por objeto o veículo XX-XX-XX, com a consequente obrigação de restituição do preço pago no valor de €14.600,00 e entrega do veículo à 1.ª R..
- Custas por Apelante e Apeladas, na proporção dos respetivos decaimentos (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que foi concedido à primeira (cfr. fls 80 a 82).

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Lisboa, 26 de outubro de 2021



Carlos Oliveira
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva