Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2304/13.3TTLSB.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
ERRO DE JULGAMENTO
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
ÓNUS DA PROVA
CATEGORIA PROFISSIONAL
ABONO PARA FALHAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I.É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC).
II.Essa norma não comporta as hipóteses da sentença ter errado ao decidir acerca da matéria de facto ou de a subsumir à norma jurídica aplicável, na indagação dessa norma ou da sua interpretação, que só podem ser corrigidos por via de recurso em que se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto ou a de direito, respectivamente (art.º 640.º e 639.º do CPC).
III.O direito do trabalhador à formação profissional e as consequências de tal não ser assegurado pelo empregador e à retribuição do trabalho suplementar resolve-se pela regra tempus regit actum (art.º 7.º, n.º 1 da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro).
IV.O ónus da prova de que o empregador lhe não assegurou as horas mínimas anuais de formação profissional cabe ao trabalhador; e ao empregador que o fez e que a formação foi determinada por acordo ou por apenas si, mas neste caso deve coincidir ou ser afim com a actividade prestada (art.os 342.º, n.os 1 e 2 do CC e 133.º, n.º 1 do CT).
V.Sendo embora classificada como Escriturária, exerce funções próprias de Caixa e, por isso, tem direito ao abono para falhas referido na cláusula 45.ª, n.º 1 do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, a trabalhadora que "procedia aos depósitos de numerário e cheques nas contas da empregadora, procedia ao pagamento de despesas dela, efectuava pagamentos de fornecedores, recebia pagamentos de clientes, realizava cobranças e interpelações a devedores, procedia ao lançamento de guias de transporte no programa informático, tirava as facturas pró-forma, conferia os respectivos valores e serviços prestados, anexava as guias e entregava gerente para a emissão das correspondentes facturas, geria o fundo de maneio existente para fazer face às necessidades diárias de efectuar pagamentos em dinheiro em portagens, parques de estacionamento, despesas com correio, gás e de outros fornecedores e procedia à escrituração de todos os movimentos de entradas de dinheiro, respectivas saídas, e ter na sua posse todos os comprovativos dos pagamentos efectuados tais como tickets de portagens, facturas de combustível, dos CTT".
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra BB, Ld.ª e CC, Ld.ª, pedindo a condenação daquela e, subsidiariamente, desta ré, a verem reconhecida a nulidade do documento assinado pela autora, declarada a ilicitude do despedimento e a pagarem as verbas emergentes dessa ilicitude.

Citadas as rés, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.

Na sequência da notificação para esse efeito, as rés contestaram, impugnando a factualidade alegada pela autora, salientando que esta assinou o documento em causa de livre vontade, o âmbito de actividade da 2.ª ré é distinto do da 1.ª ré, não tendo ocorrido qualquer despedimento ilícito.

A autora respondeu à contestação.

Foi lavrado despacho saneador, no qual foi determinado o desentranhamento da resposta à contestação com o fundamento em que a autora se não defendera por excepção nem deduzira reconvenção, dispensada a condensação da matéria de facto controvertida e admitida a prova arrolada pelas partes.

Realizada a audiência de julgamento, de seguida foi proferida sentença, na qual a Mm.ª Juíza julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu: a) Declarar a anulação da rescisão do contrato de trabalho anteriormente existente entre a autora e a 1.ª ré, da declaração de quitação e do novo acordo laboral celebrado entre a autora e a 2.ª ré; b) Declarar a ilicitude do despedimento de que a autora foi alvo, cometido pelas duas RR, e com efeitos a 23.04.3015, condenou ambas as rés, solidariamente, a pagar-lhe a quantia de € 10.572,80, a título indemnizatório e as retribuições vencidas e vincendas, com o desconto das quantias que haja recebido, nos termos previstos no art.º 390.º, n.º 2 als. a) a c) do CT (2009) cujo apuramento concreto relegou para a liquidação e execução da sentença; c) Determinar o desconto, nessas quantias, do montante de € 1.931,03 já pago pela 2.ª ré; d) Condenar as duas RR a pagarem à autora, solidariamente, uma indemnização por danos morais no valor de € 2500,00; e) Condenar a 2.ª ré a pagar-lhe as despesas de transporte de Março e Abril no valor de € 140,00 e as diuturnidades de Março e Abril de 2013, no valor de € 87,24; f) Declarar improcedente porque não provado o pedido relativo ao abono para falhas, férias de 2012 e indemnização reclamada e bem assim dos proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal do ano de 2013; g) Declarar parcialmente procedente o pedido relativo às horas de formação vencidas e não pagas, a cargo exclusivamente da 1.ª ré, relativamente aos anos de 2010 e 2011 e cujo apuro concreto relegou para a liquidação e execução de sentença; h) Declarar parcialmente procedente o pedido relativo a trabalho suplementar prestado condenando a 1.ª ré a pagar à autora apenas as diferenças entre os valores que já lhe foram pagos e os efectivamente devidos este título, relegando o seu apuramento para a fase de liquidação e execução de sentença; i) Condenar as rés, solidariamente, a pagar à autora os juros de mora sobre os valores em dívida, à taxa legal em vigor, contabilizados desde a data do seu vencimento até integral e efectivo pagamento, nos termos do art.º 559.º do CC.

Inconformada, a autora interpôs recurso e, em separado, arguiu e motivou a nulidade da sentença nos termos do art.º 77.º do Código de Processo do Trabalho, pedindo que seja dado provimento ao recurso, sem prejuízo da procedência das invocadas nulidades e parcialmente revogada a sentença proferida na 1.ª Instância e, consequentemente, julgados totalmente procedentes, por provados, os pedidos formulados pela recorrente quanto ao pagamento do abono para falhas, das férias de 2012 e correspondente indemnização, da retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não foram proporcionadas à recorrente, relativamente aos anos de 2001 a 2013, e ainda do pagamento do trabalho suplementar prestado, concluindo as alegações com as seguintes conclusões:
(…)

Contra-alegaram as rés, sustentando:
(…)

A Mm.ª Juíza proferiu despacho sustentando que se não verificavam as apontadas nulidades da sentença e admitiu o recurso.

Nesta Relação de Lisboa, o relator proferiu despacho a conhecer das questões que pudessem obstar ao seu conhecimento[1] e determinou que os autos fossem com vista ao Ministério Público,[2] o que foi feito tendo nessa sequência o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitido o seguinte parecer:
(…)

A ré respondeu ao parecer do Ministério Público, no essencial para dele discordar e reafirmar o que antes já dissera nas suas alegações de recurso.

Colhidos os vistos,[3] cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[4]

Assim, as questões a apreciar são as seguintes:
• as nulidades da sentença;
• a impugnação e consequente alteração da decisão da matéria de facto;
• a decisão do pedido relativo à retribuição do abono para falhas, férias relativas ao ano de 2012 não gozadas e correspondente indemnização, o remanescente relativo às horas de formação vencidas e não pagas e a diferença entre os valores que lhe foram pagos e os efectivamente devidos a título de trabalho suplementar por ela prestado.
***

II-Fundamentos.

1. Factos julgados provados:
1.A 1.ª ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao transporte ocasional de mercadorias;
2.A 2.ª ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao transporte aéreo e prestação de serviços conexos, ao exercício de actividade de prestação de serviços postais e serviços conexos, bem como o transporte rodoviário de mercadoria;
3.Ambas as rés, actualmente, têm como sócios-gerentes, exactamente as mesmas pessoas, DD, EE e FF;
4.A autora foi admitida ao serviço da 1.ª ré em 3 de Dezembro de 2001, através de contrato de trabalho escrito, conforme cópia que se junta como doc. n.º 1 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para os todos os efeitos legais;
5.O referido contrato teria a duração de seis meses, sendo automaticamente renovado pelo mesmo período até ao limite de duas renovações, cfr. doc. n.º 1;
6.O referido contrato nunca foi denunciado ou terminado, por qualquer meio ou forma, por qualquer das partes.
7.Desde o dia 3 de Dezembro de 2001, a autora exercia funções sob as ordens, direcção e fiscalização da 1.ª ré;
8.A autora laborava utilizando os meios da 1.ª ré, designadamente, telefone, scanner, impressora, cofre, computador e instalações.
9.A autora desempenhava as funções inerentes à categoria profissional de Escriturária, cfr. doc. n.º 1.;
10. Desde então, a autora desempenhou o seu trabalho na sede da referida empresa então, em (…), cfr. doc. n.º 1;
11.O local de trabalho da autora foi alterado duas vezes: para a (…), em Famões, em Abril/Maio de 2003 e posteriormente para o (…), Agosto de 2011, conforme missiva de 25.07.2011, que se junta como doc. n.º 2 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
12.A autora prestava assistência/apoio à gerência, procedia ao atendimento telefónico. procedia ao lançamento de guias de transporte no programa informático da empresa – GG;
13.A autora tirava as facturas pró-forma, conferia os respectivos valores e serviços prestados, anexava as guias e entregava à Exm.ª Senhora FF, sócia gerente das rés para a emissão das correspondentes facturas;
14.A autora procedia aos depósitos de numerário e cheques nas contas tituladas pela 1.ª ré, procedia ao pagamento de despesas da 1.ª ré, efectuava pagamentos de fornecedores, recebia pagamentos de clientes;
15.A autora realizava cobranças e interpelações a devedores, desenvolvia todas as tarefas inerentes ao arquivo de documentação, digitalizava as guias de transporte;
16.A autora prestava apoio aos clientes, recebendo e encaminhando as respectivas reclamações e exercia todo o tipo de apoio à actividade administrativa da Empresa;
17.E prestava ainda a autora todas as tarefas que lhe fossem solicitadas pelos gerentes da 1.ª ré;
18.O horário de trabalho da autora era das 09h00 às 18h00, com intervalo para almoço das 13h00 às 14h00 e o descanso semanal da autora era gozado aos fins-de-semana;
19.A autora, à data do 'despedimento', auferia a retribuição base de € 730,00, (setecentos e trinta euros), acrescido do valor de € 7,50, a título de subsidio de refeição, por cada dia de trabalho prestado, das despesas de transporte pela alteração do local de trabalho, no valor de € 70,00, acrescido igualmente das diuturnidades, no valor de € 43,62, e ainda da compensação devida pela primeira hora de trabalho diurna, no valor de € 77,90;
20.A autora sempre prestou a sua actividade com extremo zelo e diligência, cumprindo escrupulosamente os seus deveres enquanto trabalhadora da empresa supra mencionada, obedecendo às ordens que lhe eram dadas pelos seus superiores hierárquicos;
21.Tratando com respeito e urbanidade todos os seus colegas, e superiores hierárquicos, bem todos quantos se relacionavam com o exercício da sua actividade profissional;
22.Guardando sempre lealdade perante a Entidade Patronal, cumprindo o horário que lhe era concedido, sendo pontual e assídua;
23.A autora, inclusivamente, exercia a sua actividade, durante períodos de baixa médica, na sua residência, deslocando-se um estafeta lá, para entrega e recolha do respectivo trabalho desenvolvido por aquela;
24.Sendo ainda extremamente simpática e profissional para todos os clientes;
25.No dia 1 de Março de 2013, cerca das 18h00, sem qualquer pré-aviso, todos os trabalhadores da 1.ª ré estavam a ser chamados, individualmente, ao escritório da Exm.ª Senhora FF, sócia-gerente das rés;
26.Cada trabalhador não demorou mais do que 5 (cinco) minutos;
27.Cerca das 20h00, a autora foi igualmente chamada;
28.No local encontravam-se também o Senhor DD, igualmente sócio-gerente das rés, bem como HH, do departamento dos recursos humanos e ainda um outro indivíduo num local mais afastado;
29.O qual não interveio na situação que ocorreu;
30.Foi apresentando à autora um documento, constituído por uma folha, sendo a autora informada que, ou assinava, de imediato, o documento que lhe estava a ser apresentado ou já não precisava de se apresentar ao trabalho na segunda-feira seguinte, dia 4 de Março de 2013;
31.A autora solicitou o devido tempo de reflexão e análise do documento que lhe foi exibido mas tal foi negado pelos presentes;
32.Sendo-lhe reiterado, pelos presentes, que, ou assinava, ou estava despedida e não teria que se apresentar ao trabalho no imediato dia útil seguinte;
33.Com forte receio de perder o seu trabalho, a autora assinou o documento apresentado;
34.Apenas a autora o assinou;
35.Não obstante estarem presentes os legais representantes das rés, nenhum deles, na presença da autora, assinou igualmente o referido documento.
36.Não foi facultada à autora cópia dos referidos documentos, apesar da autora o ter solicitado, insistentemente;
37.A autora não teve oportunidade para ler o documento que assinou;
38.A autora continuou a exercer exactamente as mesmas funções que vinha desenvolvendo até então, a favor da 1.ª ré, mas também a favor da 2.ª ré no mesmo local, com o mesmo horário obedecendo, na mesma, às direcções e instruções dos legais representantes das rés, especialmente a Exm.ª Senhora FF;
39.O espaço de trabalho da autora era coincidente com o da Senhora FF;
40.Não obstante a autora ter mantido a retribuição de € 730,00 (setecentos e trinta euros) a título de vencimento base, deixou de auferir as diuturnidades;
41.E ainda as despesas de transporte, conforme recibos de vencimento que se juntam como docs. n.os 3 e 4, respectivamente, e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
42.No mês de Março de 2013, no recibo de vencimento da autora está identificada como entidade pagadora a empresa II, cfr. doc. n.º 4 e no mês seguinte, Abril de 2013, já figura como entidade pagadora da autora, a 2.ª ré, conforme recibo de vencimento que se junta como doc. n.º 5 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
43.Desde o dia 1 de Março de 2013, a autora solicita cópia do documento que assinou mas as rés não os entregam à autora ou a qualquer outro seu trabalhador;
44.Até ao dia 22.04.2013 o desenvolvimento da actividade laboral da autora decorreu de forma normal;
45. Sem quaisquer alterações do que vinha sucedendo até ao dia 01.03.2013;
46.No dia 23.04.2013 a autora recebeu uma missiva da 2.ª ré, datada de 17.04.2013, vide o doc. n.º 6 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
47.Através da qual foi comunicada à autora a rescisão do seu contrato, que havia celebrado no dia 1 de Março de 2013, cfr. doc. n.º 6,
48.Passando a referida rescisão a produzir efeitos a partir do dia da recepção da referida carta, cfr. doc. n.º 6, ou seja, a partir do dia 23 de Abril de 2013, cfr. doc. n.º 6;
49.Nesse dia, após ler a referida carta, a autora deslocou-se ao seu local de trabalho, recolheu os seus objectos pessoais, procedeu à entrega dos pertences das rés que estavam na sua posse, tais como as chaves do armazém, o cartão do ponto, o telemóvel e o respectivo carregador;
50.Na presença da sua ex-colega, Exm.ª Senhora JJ;
51.A autora solicitou às rés, na pessoa da Senhora FF, uma declaração comprovativa da entrega dos referidos objectos mas foi-lhe recusada a correspondente passagem;
52.Após o dia 1 de Março de 2013, o trabalho desempenhado pela autora não sofreu quaisquer alterações mas um acréscimo pois a autora cumulou as funções que exercia para a 1.ª ré, também para a 2.ª;
53.A 1.ª ré manteve a sua normal laboração e não cessou a sua actividade, (vide doc. n.º 7 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
54.As funções e tarefas que a autora vinha a desempenhar para a 1.ª ré desde 03.12.2001, mantiveram-se, sendo apenas igual e simultaneamente desenvolvidas a favor da 2.ª ré a partir do dia 01.03.2013;
55.No dia 01.03.2013, a autora apenas assinou o documento por recear perder o seu posto de trabalho;
56.A autora, por determinação e imposição unilateral da 1.ª ré, prestava, diária e sucessivamente, pelo menos, em média, mais 1 (uma) hora de trabalho suplementar;
57.A autora, até ao dia 14.02.2013 fazia o registo das horas trabalhadas, em papel, de forma manuscrita após essa data, a autora passou a registar o seu horário de trabalho através do sistema 'pica ponto', electronicamente;

58.Nos recibos de vencimento emitidos pela 1.ª ré relativos a:
-Janeiro a Dezembro de 2008;
-Janeiro a Dezembro de 2009;
-Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto a Dezembro de 2011;
-Julho e Setembro, Novembro e Dezembro de 2010;
-todo o ano de 2012
Foi processado o pagamento da quantia de 75,00€ a título de trabalho suplementar nocturno e alterações de horário;

59.A autora reside com uma filha menor, de actualmente 5 (cinco) anos de idade e com o seu marido, que aufere o vencimento mensal de cerca de € 700,00, conforme recibo de vencimento, vide como doc. n.º 8 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
60.A creche da sua filha, no valor mensal de cerca de € 195,00, conforme comprovativo, vide doc. n.º 9 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
61.As despesas inerentes ao pagamento da água, luz, gás e alimentação, correspondem a um encargo mensal nunca inferior a € 500,00;
62.Quando foi despedida, a autora viu-se desamparada, sem certezas quanto ao seu futuro e da sua família, pois não sabia a autora quando e se iria receber qualquer outro rendimento;
63.O modelo 5044 apenas foi entregue à autora, a pedido desta, em meados de Maio de 2013;
64.E o pagamento do seu vencimento referente ao mês de Abril de 2013 apenas ocorreu em meados de Maio de 2013, conforme doc. n.º 10 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
65.Tendo ainda sido a autora, por essas duas ocasiões, a deslocar-se às instalações das rés, sitas em (…) para receber o que era seu por direito e que apenas lhe foi entregue por solicitação sua;
66.A partir de Março de 2013 a autora começou a perder o seu cabelo, a sentir ansiedade e stress, deixou de querer sair com amigos e de comparecer a eventos sociais;
67.A autora está dependente, financeiramente, da ajuda de amigos e familiares;
68.Estando a passar por uma fase de profunda tristeza, a sua auto-estima foi afectada;
69.A autora ficou ansiosa com a falta de capacidade económica e financeira para fazer face às suas necessidades mais básicas;
70.Até hoje a autora não recebeu o seu certificado de trabalho, nem a cópia do documento que assinou no dia 01-03-2013;
71.A 2.ª ré não pagou as despesas de transporte nos meses de Março e Abril de 2013, no valor de € 140,00, cfr. doc. n.os 4 e 5 (e confissão da própria ré na contestação);
72.A 2.ª ré procedeu ao pagamento do subsídio de refeição à autora nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2013;
73.A autora não gozou férias no ano de 2013;
74.A autora recebeu da 2.ª ré, em Abril de 2013, os proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal desse ano;
75.A autora, por determinação e imposição unilateral da 2.ª ré, prestava, diária e sucessivamente, pelo menos, em média, mais 1 (uma) hora de trabalho suplementar.
76.Sendo o registo das horas trabalhadas pela autora e restantes colegas levado a cabo através do sistema 'pica ponto', electronicamente;
77.Em Janeiro de 2013, Fevereiro de 2013 foi pago à ora autora a 'primeira hora diurna no montante de € 77,90', nos meses de Março e Abril de 2013 recebeu, mensalmente, a título de isenção de horário de trabalho o valor de € 84,00;
78.A autora desempenhava funções numa antecâmara do gabinete da gerente da 1.ª ré;
79.O objecto social da 2.ª ré CC Ld.ª é: 'transporte aéreo e prestação de serviços conexos, o exercício de actividade de prestação de serviços postais e serviços conexos, bem como o transporte rodoviário de mercadorias'; Doc.13 junto com a p. i;
80. O objecto social da 1.ª ré BB, Ld.ª é o 'transporte ocasional de mercadorias', doc.7 junto com a p. i;
81.A 2.ª ré tem logística de mercadoria do cliente e sistemas informáticos modernos e trabalha sob a marca comercial LL;
82.A autora sabia que os trabalhadores da 1.ª ré foram sendo chamados, um a um, à gerência;
83.Os trabalhadores tinham que passar junto à secretária da autora;
84.Foi emitido e entregue à A o cheque n.º (…) sacado sobre o (…) no montante de 1.931,03 € que a autora endossou ao seu banco e lhe foi pago;
85.Após a admissão da autora na 1.ª ré foi-lhe entregue a gestão do fundo de maneio existente para fazer face às necessidades diárias de efectuar pagamentos em dinheiro em portagens, parques de estacionamento, despesas com correio, gás e de outros fornecedores;
86.O fundo era reforçado pela gerência, a pedido da autora consoante o saldo existente e as necessidades;
87.A autora procedia à escrituração de todos os movimentos de entradas de dinheiro, respectivas saídas, e ter na sua posse todos os comprovativos dos pagamentos efectuados tais como tickets de portagens, facturas de combustível, dos CTT;
88.Em data não concretamente apurada do ano de 2013, foi efectuada uma conferência ao saldo da caixa da 1.ª ré tendo sido detectada a falta de um valor, não apurado, desse saldo de caixa bem como a ausência da documentação de suporte;
89.Uma das áreas da actividade da 2.ª ré é a entrega de mercadoria porta a porta contra reembolso do valor da mesma pelos motoristas e posterior manipulação até ao depósito bancário pelos trabalhadores da retaguarda /escritório;
90.Valores esses que têm de ser conferidos e depositados para salvaguarda dos mesmos;
91.A 1.ª ré apresentou uma queixa crime contra a ora A que corre termos sob o n.º (…), 4.ª secção do DIAP de Lisboa e outra no MP de VF Xira;
92.A autora frequentou uma acção de formação denominada MM que teve lugar nos dias 9 e 10 de Junho de 2012;
93.No dia 01.03.2013, ao serviço da 1.ª ré, teve formação em SHST - Saúde, Higiene e Segurança no Trabalho, doc. 6;
94. E no dia 15.03.2013 sobre «carga fraccionada» no NN, doc. 7.

2.Factos julgados não provados:
Da petição inicial: Art.º 142.º, 148.º: não se provou que a autora tivesse direito ao pagamento de um abono mensal para falhas. Também não se provou que, na sequência do despedimento a autora sofresse de uma depressão.
Art.os 164.º, 260.º, 267.º, 268.º, 269.º.
Da contestação: Art.º 14.º, art.os 17.º a 21.º (provado apenas o que consta dos art.os 12.º a 16.º dos factos supra provados), 30.º, art.os 31.º, 32.º, 35.º (provada apenas a matéria dos factos provados sob os n.os 30.º a 38.º), 44.º, 59.º a 62.º, 67.º, 69.º, 70.º, 79.º, 106.º, 107.º.

3.O direito.

3.1. A reclamação das nulidades da sentença.

3.1.1.A primeira nulidade arguida pela recorrente, como as demais acobertadas no art.º 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil, prende-se com a alegada obscuridade e excesso de pronúncia da sentença acerca do crédito relativo à retribuição equivalente ao número de horas de formação que lhe não foi proporcionada por, na sua opinião, existir incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos art.os 333.º e 303.º do Código Civil e 337.º, n.º 1, 226.º, n.º 3, alínea d), 132.º e 134.º do Código do Trabalho (conclusões I a III). Isto porque, seguindo o fio condutor do pensamento da recorrente, ao invés do afirmado na sentença, não caducaram "todos os direitos de crédito atinentes à formação cujo prazo de caducidade haja decorrido até à data da propositura da acção, a saber, todos os créditos respeitantes a horas de formação compreendidos entre os anos de 2001 e 2009, uma vez que a acção foi intentada em Junho de 2013. Nessa medida, a autora apenas terá direito a haver o pagamento dos créditos de horas respeitantes aos anos de 2010 e 2011, cujo cálculo se relega para a liquidação de sentença".

Ora, salvaguardando o devido respeito, não nos parece que a sentença, no trecho citado, que é o convocado como causa da sua nulidade, seja obscura nem padeça de excesso de pronúncia, pois que está ali claramente dito ─ assumindo, é certo, mas também como não poderia deixar de ser, uma certa interpretação da lei considerada aplicável acerca da cognoscibilidade, extensão e suas consequências ─ que a caducidade se verificou relativamente ao direito invocado na acção.

Note-se que não estamos a pretender dizer que a lei foi bem ou mal aplicada,[5] apenas nos limitamos a constatar que foi claramente aplicada e sem qualquer excesso. É claro que isto nos transporta, por sua vez, para a conclusão de que a arguida nulidade se não verificou. Poderá, sim e em tese, o que por aqui se não discute, ter havido incorrecta aplicação da lei, mas isso não torna a sentença inválida por ser nula mas, sim e se verificada aquela hipótese, padecente de ilegalidade, por erro de aplicação do direito.[6]
Improcede, assim, a nulidade invocada.

3.1.2.A segunda nulidade resulta, na tese da recorrente, da circunstância do Tribunal a quo dispor de todos os elementos probatórios que impunham decisão diversa no que tange ao peticionado pagamento da quantia de € 6.034,08, a título de abono para falhas, durante o período compreendido entre Dezembro de 2001 e Abril de 2013, existindo nessa medida manifesta ambiguidade entre a decisão sobre a matéria de facto e o direito aplicável (conclusão IV).

Convém lembrar à recorrente que a questão dos elementos probatórios imporem decisão diversa não respeita tanto às nulidades da sentença mas à decisão nela proferida acerca da matéria de facto em face das provas produzidas no processo.[7] E que se a decisão deste segmento da matéria de facto[8] esbarra numa determinada norma jurídica,[9] isso respeita à subsunção jurídica dos factos e não à clareza da decisão ou falta dela e à consequente nulidade da mesma. Ou seja, a questão em análise, como a atrás apreciada, também poderá relevar no contexto da decisão jurídica da causa e desaguar, em tese, numa situação de erro, ainda que agora relativamente à decisão da matéria de facto.[10] A diferença fica ainda mais clara com a explicação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça na temática que nos ocupa: "A nulidade a que se refere o art. 615.º, n.º 1, al. c), do NCPC (2013), verifica-se quando inexiste uma sintonia lógica entre a motivação e a decisão, apontando a primeira num sentido distinto e daquele que foi seguido pela segunda, situando-se o vício, pois, no plano do silogismo judiciário e não no plano da aplicação do direito substantivo".[11]

Dito isto, do muito alegado pela recorrente poderemos assim sintetizar o que nos parece ser enquadrável na nulidade que pretendeu invocar:
"Por um lado, concluiu o Tribunal a quo que a Recorrente não provou que tinha direito a um abono para falhas, nem qual o valor do respectivo montante e que por outro lado, nenhuma prova foi feita do pagamento de um alegado abono para falhas.
Salvo melhor entendimento, não compreende a recorrente que se conclua pela ausência de prova do direito a abono para falhas, considerando a matéria de facto provada) e por outro lado, a falta de pagamento desse mesmo abono, (que resulta igualmente da matéria de facto provada), sendo que a prova ou falta de um deles implica necessariamente a ausência de prova em sentido contrário".

Olhando à petição inicial percebe-se bem a razão daquela afirmação: no art.º 148.º, a própria recorrente alegou que "tinha ainda a A. direito a um abono para falhas" e, no subsequente, "abono esse que nunca foi pago à A.". Portanto, não esquecendo que o sindicado segmento da sentença foi explanado no contexto da motivação da decisão da matéria de facto, parece evidente que nenhuma obscuridade se evidencia. A Mm.ª Juíza limitou-se a afirmar que a recorrente não logrou provar aquelas duas proposições que ela própria alegara e nada mais que isso. E se é certo que expressamente só havia julgado a primeira, seguramente que teve presente que o ónus da prova do pagamento não corria por conta dela (credora) mas da parte contrária (devedora), pois que se trata de um facto extintivo do direito ajuizado (art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil).[12] Pelo que também esta nulidade se não verifica.

3.1.3.Quanto à terceira nulidade, conclui a recorrente que se traduz na obscuridade da sentença recorrida relativamente ao pedido de pagamento do trabalho suplementar prestado e não pago que, na sua visão das coisas, os elementos probatórios constantes dos autos e o respectivo direito aplicável impunham decisão diversa (conclusão V).

Esta conclusão redunda, também ela, na invocação de uma aparente nulidade, nos exactos termos atrás analisados: o eventual erro de julgamento da matéria de facto não gera uma nulidade mas a ilegalidade da decisão, como assinalou o Supremo Tribunal de Justiça, ao decidir que "não se verifica a referida nulidade se o requerente invoca a incorrecta valoração da matéria de facto…".[13]
Daí que também esta nulidade tenha que improceder.

3.1.4.Chegamos agora à quarta nulidade arguida pela recorrente, que a desenha como uma contradição entre a matéria de facto e a decisão relativa ao pedido de pagamento das férias não gozadas no ano de 2013, referente ao trabalho prestado no ano de 2012 (conclusão VI).
Nesta parte, a recorrente alegou que "não gozou férias no ano de 2013, referente ao trabalho prestado no ano de 2012" e que o Tribunal a quo decidiu que "essa matéria [vale dizer, serem as férias referentes ao trabalho prestado no ano de 2012] foi dada como não provada pelo que improcede, nesta parte o seu pedido"; e por outro lado, que o Tribunal a quo julgou provado que "a A. não gozou férias no ano de 2013" e também que "a autora recebeu da 2.ª ré, em Abril de 2013, os proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal desse ano", pelo que está provado que a mesma não recebeu a compensação pelo seu não gozo.

Na linha do que atrás referimos, a autora continua a confundir nulidade com erro na decisão da matéria de facto. Deve dizer-se, a sentença não convocou nenhuma razão para a decisão que proferiu acerca desse como dos demais factos não provados, sendo que a isso estava legalmente obrigada.[14]

De todo o modo, aquela fundamentação (jurídica ou de aplicação do direito, portanto) foi a que segue: "Reclama a autora o pagamento de férias alegadamente não gozadas (e a respectiva indemnização) do ano de 2012, todavia essa matéria foi dada como não provada". E que tal assim foi é verdade, pois que, como se vê da decisão proferida acerca da matéria de facto, o alegado no art.º 142.º da petição inicial foi julgado não provado.

Assim sendo, não pode a questão ser considerada como nulidade da sentença nos termos tal qual colocados pela recorrente, sem prejuízo de ulteriormente se retirarem as devidas consequências desta contradição.

3.1.5.Por fim, a recorrente arguiu uma quinta nulidade da sentença, agora "por omissão de pronúncia quanto ao pedido formulado pela recorrente que fossem comunicadas às autoridades competentes todas as contra-ordenações cometidas por ambas as Recorridas e referidas no presente pleito" (conclusão VII).
Novamente, porém, sem razão para isso.
Com efeito, a lei estabelece que na petição inicial deve o autor formular o pedido,[15] o qual deve ser entendido como "o efeito jurídico que pretende obter através do órgão jurisdicional",[16] podendo ser normal ou, para o que interessa ao caso sub iudicio, em subsidiariedade[17] e em cumulação.[18]

Ora, como de resto resulta do que atrás referimos, a autora deduziu pedidos de condenação da BB, Ld.ª e, subsidiariamente, da CC, Ld.ª, a verem reconhecida a nulidade do documento põe ela assinado, declarada a ilicitude do despedimento e a pagarem as verbas emergentes dessa ilicitude.

É verdade que, depois, separadamente ali formulou outros requerimentos, como o de comunicação às autoridades competentes de todas as contra-ordenações cometidas pelas rés, a citação destas e, por fim, a sua notificação para juntarem um documento que a autora assinara no dia 01-03-2013. Porém, como está bem de ver, não se trata de pedidos em sentido próprio, correspondendo antes àquilo a que Antunes Varela refere como "menções não essenciais mas habituais".[19]

Como sabemos, a nulidade por omissão de pronúncia está intimamente relacionada com o dever do juiz resolver todas as questões suscitadas pelas partes nos articulados e, designadamente, pelo autor na petição inicial.[20] Ora, aquele requerimento não faz parte do leque de questões submetido pela autora à apreciação do Tribunal e sobre o qual a sentença devesse pronunciar-se, pelo que não é nula por nada ter dito sobre tal requerimento.

3.2.Vejamos agora a impugnação da decisão proferida acerca da matéria de facto.
(…)

3.3.Analisemos agora as questões relativas à subsunção jurídica dos factos provados.
3.3.1.As férias de 2013, referente ao trabalho prestado no ano de 2012 (conclusões LIV e LV).
Em razão da procedência da invocada nulidade da sentença resultou como provado que "a A. não gozou quaisquer férias no corrente ano de 2013, referente ao trabalho prestado no ano de 2012".[21]

A recorrente pediu que as recorridas fossem condenadas no pagamento da quantia de € 1.547,24, correspondente às férias de 2013, referente ao trabalho prestado no ano de 2012 e indemnização por as não ter gozado por factos exclusivamente imputáveis às mesmas (conclusão VI).

O trabalhador tem direito, em cada ano civil, a um período de férias retribuídas,[22] pelo período mínimo de 22 dias úteis,[23] marcado por acordo entre empregador e trabalhador ou, na falta de acordo, pelo empregador,[24] correspondendo a retribuição àquela que receberia se estivesse em serviço efectivo.[25]

Cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente às férias vencidas e não gozadas.[26] Porém, se o empregador obstar culposamente ao gozo das férias, o trabalhador tem direito a compensação no valor do triplo da retribuição correspondente ao período em falta.[27] E porque se trata de factos constitutivos do direito que invocou, compete ao trabalhador alegar e provar que trabalhou no ano do vencimento das férias e que o empregador obstou a que as gozasse.[28] No entanto, "a simples não marcação das férias não é suficiente para concluir que o empregador obstou ao seu gozo. O termo obstar exige mais do que a simples inércia do empregador na concessão do gozo de férias; pressupõe uma atitude voluntária e consciente nesse sentido".[29] De outro modo, resultando "assente que o trabalhador não gozou as férias, mas não se provando que a entidade patronal a elas obstou, tem o mesmo direito ao pagamento desse período, em singelo, se aquela não provar que lhe pagou".[30]

Baixando ao caso concreto, provou-se que "a A. não gozou quaisquer férias no corrente ano de 2013, referente ao trabalho prestado no ano de 2012"[31] e que "à data do despedimento, auferia a retribuição base de € 730,00".[32] Já no que concerne às razões por que ainda não gozara as férias nada se apurou. Daí que, não sendo possível dizer que as recorridas intencionalmente obstaram a que a recorrente as gozasse, assiste-lhe o direito a que lhe paguem a retribuição das férias não gozadas, no valor de € 730,00, mas já não a indemnização pela indemonstrada violação desse direito.

3.3.2.O número mínimo de horas de formação (conclusões LV e LIV a LXXXVI).
Da procedência da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto resultou o facto provado enumerado em 93, segundo o qual "no dia 01-03-2013, a 1.ª ré entregou à autora prospectos de informação sobre 'extintores de incêndio' e 'prevenção de segurança'".
Ainda que se considere que isso preenche o conceito de formação contínua, a verdade é que, como de resto sustenta a recorrente e atrás já referimos, a simples entrega de prospectos é um acto que se esgotou instantaneamente e por isso é temporalmente irrelevante para efeitos de formação contínua da trabalhadora.[33]

Por outro lado, resultou provado que "no dia 15-03-2013 [a autora frequentou uma acção de formação] sobre 'carga fraccionada' no NN".[34]
A recorrente pretende que se desconsidere essa acção como sendo de formação contínua, com fundamento em que se não circunscreve ou diz respeito às funções por ela exercidas.
A lei estabelece que "a área da formação contínua é determinada por acordo ou, na falta deste, pelo empregador, caso em que deve coincidir ou ser afim com a actividade prestada pelo trabalhador".[35]
No caso concreto não se apurou se a frequência dessa acção formativa resultou do acordo das partes ou da determinação das recorridas, sendo certo que só neste caso teria que coincidir ou ser afim com a actividade da recorrente. Porém, é facto constitutivo do direito que a recorrente invocou e, por isso, competia-lhe o correspondente ónus da prova do facto das recorridas lhe não terem assegurado o número mínimo de horas de formação estabelecidos na lei e a estas, por extintivo desse direito, que o fizeram e por acordo com ela ou que, não tendo isso sido possível, por determinação sua mas em área coincidente ou afim com a actividade prestada.

Acontece que neste domínio se provou que "no dia 15-03-2013 a recorrida CC procedeu a uma acção de formação no NN, que a recorrente frequentou, com a duração de 8 horas, denominada 'carga fraccionada' e versando como temas 'normas internas e procedimentos (2 horas)', 'manutenção: práticas (2 horas)', 'boas práticas de manuseamento de carga (2 horas)', 'instruções / livros (1 hora)' e 'boas práticas na distribuição (1 hora)'". Se é verdade que se desconhece se a matéria da formação resultou do acordo das partes ou de determinação das recorridas, não é menos seguro que as mesmas se revelam, no mínimo, afins da actividade da recorrente.[36]

Temos, portanto, que a recorrente frequentou duas acções de formação, uma nos dias 9 e 10 de Junho de 2012 e outra no dia 15 de Março de 2013.

No que concerne a esses anos de 2012 e 2013, o Tribunal considerou cumprido pelas recorridas o dever de formação.

O art.º 131.º, n.º 2 do Código do Trabalho estabelece que "o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano".

A sentença recorrida não determinou o número de horas dessa formação, mas vimos atrás que no ano 2012 foi de 20 horas[37] e no de 2013 de 8 horas.

Assim sendo, não poderia a sentença ter considerado cumprida a obrigação, pois que a recorrente ainda tinha ainda direito a 15 horas de formação no ano de 2012 e 27 no ano de 2013.

Para além disso, a sentença considerou, relativamente aos anos de 2001 a 2011, que nada se provou acerca do cumprimento da obrigação de formação por parte das recorridas, assim como que o correspondente direito vencido entre os anos de 2001 e 2009 se transformou em retribuição, que caducou por não ter sido exercido nos três anos subsequentes, nos termos do art.º 132.º, n.os 1, 2 e 6 do Código do Trabalho, o que conheceu ex officio ao abrigo do art.º 331.º, n.º 1 do Código Civil.

Vejamos.

O Código do Trabalho (de 2009) entrou em vigor no dia 17-02-2009.[38]
Até então e desde o dia 01-12-2003, nesta matéria vigorou o Código do Trabalho de 2003.[39]
No período anterior vigorou o Decreto-Lei n.º 401/91, de 16 de Outubro, o Decreto-Lei n.º 405/91, de 16 de Outubro e a Lei n.º 51/99, de 14 de Setembro.

Sobre esta temática, dizia o art.º 125.º do Código do Trabalho de 2003:

"1.No âmbito do sistema de formação profissional, compete ao empregador:
a)Promover, com vista ao incremento da produtividade e da competitividade da empresa, o desenvolvimento das qualificações dos respectivos trabalhadores, nomeadamente através do acesso à formação profissional;
b)Organizar a formação na empresa, estruturando planos de formação e aumentando o investimento em capital humano, de modo a garantir a permanente adequação das qualificações dos seus trabalhadores;
(…)
d)Garantir um número mínimo de horas de formação anuais a cada trabalhador, seja em acções a desenvolver na empresa, seja através da concessão de tempo para o desenvolvimento da formação por iniciativa do trabalhador;
(…)
3.Ao trabalhador deve ser assegurada, no âmbito da formação contínua, um número mínimo de vinte horas anuais de formação certificada.
4.O número mínimo de horas anuais de formação certificada a que se refere o número anterior é de trinta e cinco horas a partir de 2006.
5.As horas de formação certificada a que se referem os n.os 3 e 4 que não foram organizadas sob a responsabilidade do empregador por motivo que lhe seja imputável são transformadas em créditos acumuláveis ao longo de três anos, no máximo.
(…)".

Por outro lado, o art.º 169.º do Regulamento desse Código do Trabalho estabelecia que "cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao crédito de horas para formação que não lhe tenha sido proporcionado".

Já o Decreto-Lei n.º 401/91, de 16 de Outubro, o Decreto-Lei n.º 405/91, de 16 de Outubro e a Lei n.º 51/99, de 14 de Setembro apenas referiam os princípios a que se subordinava a formação profissional, designadamente a contínua, mas não estabelecia qualquer número mínimo de horas anuais nem a consequência do empregador a não proporcionar ao trabalhador. Pelo que nada acrescenta à problemática que nos ocupa.

Deste modo, importa considerar que no período compreendido entre o dia 01-12-2003 e 31-12-2005, a recorrente tinha direito a frequentar um número mínimo de 20 horas anuais de formação e que no que decorreu entre o dia 01-01-2006 e 31-12-2008 um número mínimo de 35 horas anuais de formação.

Finalmente, importa levar em linha de conta que relativamente ao direito ao número de horas de formação a que a recorrente tinha direito no período de tempo compreendido entre os dias 01-12-2003 e 31-12-2008 se verificava uma situação de sucessão de leis no tempo entre os Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009. Isto porque o n.º 1 do art.º 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro que, na parte aqui relevante, estabelece que "sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou adoptados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento".

A questão resolve-se do seguinte modo: por um lado, seguindo o disposto na parte final do citado normativo (que ressalva os efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento, como no caso sub iudicio) e, por outro, a previsão da alínea b) do seu n.º 5, segundo a qual o regime estabelecido no Código do Trabalho de 2009 também "não se aplica a situações constituídas ou iniciadas antes da sua entrada em vigor e relativas a (…) prazos (…) de caducidade".

Daqui se conclui, portanto, que no período de tempo compreendido entre o dia 01-12-2003 e 31-12-2005, a recorrente tinha direito a frequentar um número mínimo de 20 horas anuais de formação e que no que decorreu entre o dia 01-01-2006 e 31-12-2008 um número mínimo de 35 horas anuais de formação, sem que em qualquer dos casos se pudesse dizer que o mesmo caducou.[40]

No que concerne ao ano de 2009 e seguintes, a recorrente também tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação,[41] que, não tendo sido asseguradas pelo empregador, se transforma em créditos de horas em igual número para o mesmo fim,[42] sendo referido ao período normal de trabalho e conferindo direito a retribuição.[43]

É verdade, como de resto refere a sentença recorrida, que esse direito tem que ser exercido no período de três anos, findo o qual caduca.[44] E o mesmo vale, naturalmente, para o crédito substitutivo que dele resultaria em caso de cessação do contrato, pois que não faria sentido que neste caso se mantivesse por um período de tempo superior. Porém, esse crédito retributivo, como de resto vimos atrás a propósito dos créditos retributivos stricto sensu, é disponível na circunstância, como a dos autos, de ter ocorrido cessação do contrato de trabalho, razão pela qual não pode o Tribunal conhecer oficiosamente da caducidade.[45]

A caducidade é um facto extintivo do direito de acção[46] e, nessa medida, uma excepção peremptória,[47] pelo que, a menos que a lei disponha de modo contrário, o ónus da sua alegação e prova corre por conta do devedor.[48]

Neste cenário, não podendo o Tribunal conhecer oficiosamente da caducidade, naturalmente que não se poderá deixar de reconhecer o direito ao peticionado crédito de horas de formação relativo ao ano de 2009.

Assim e em resumo, tem a recorrente direito a receber a retribuição correspondente ao crédito de horas para formação que não lhe não foi proporcionada pela primeira recorrida nem reconhecido na impugnada sentença:
• no ano de 2003: 20 horas;
• no ano de 2004: 20 horas;
• no ano de 2005: 20 horas;
• no ano de 2006: 35 horas;
• no ano de 2007: 35 horas;
• no ano de 2008: 35 horas;
• no ano de 2009: 35 horas;
• no ano de 2012: 15 horas;
• no ano de 2013: 27 horas.[49]

Em que medida se consubstancia esse direito, porém, é algo que não pode ser respondido em toda a sua dimensão, pois que se desconhece qual foi a retribuição da recorrente durante esse período, com excepção do ano de 2013, que foi de € 730,00.[50] Pelo que, nos termos dos art.os 271.º, n.os 1 e 2 e 203.º, n.º 1 do Código do Trabalho e 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, quanto a esse desde já se poderá condenar as recorridas a pagar à recorrente a correspondente quantia e, quanto às demais, apenas no que se liquidar em execução de sentença.

Para tanto, importa saber que o art.º 271.º do Código do Trabalho estabelece o seguinte:
"1. O valor da retribuição horária é calculado segundo a seguinte fórmula:
(Rm x 12):(52 x n)
2.Para efeito do número anterior, Rm é o valor da retribuição mensal e n o período normal de trabalho semanal, definido em termos médios em caso de adaptabilidade".

Por sua vez, o art.º 203.º, n.º 1 do Código do Trabalho estabelece que "o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana".

Deste modo, considerando a fórmula (€ 730,00 x 12) : (52 x 40), o valor da retribuição horária da recorrente era de € 4,21. E uma vez que no ano de 2013 a recorrente tinha direito ao crédito de 27 horas para formação, a isso corresponde o montante de € 113,67.

3.3.3.O pedido de pagamento do abono para falhas (conclusões LV e LXXXVII a XC).
Com relevo, provaram-se os seguintes factos:
"9. A autora desempenhava as funções inerentes à categoria profissional de Escriturária, cfr. doc. n.º 1;
(…)
12.A autora prestava assistência/apoio à gerência, procedia ao atendimento telefónico. procedia ao lançamento de guias de transporte no programa informático da empresa – GG;
13.A autora tirava as facturas pró-forma, conferia os respectivos valores e serviços prestados, anexava as guias e entregava à Exma. Senhora FF, sócia gerente das rés para a emissão das correspondentes facturas;
14.A autora procedia aos depósitos de numerário e cheques nas contas tituladas pela 1.ª ré, procedia ao pagamento de despesas da 1.ª ré, efectuava pagamentos de fornecedores, recebia pagamentos de clientes;
15.A autora realizava cobranças e interpelações a devedores, desenvolvia todas as tarefas inerentes ao arquivo de documentação, digitalizava as guias de transporte;
16.A autora prestava apoio aos clientes, recebendo e encaminhando as respectivas reclamações e exercia todo o tipo de apoio à actividade administrativa da Empresa;
17.E prestava ainda a autora todas as tarefas que lhe fossem solicitadas pelos gerentes da 1.ª ré;
18.O horário de trabalho da autora era das 09h00 às 18h00, com intervalo para almoço das 13h00 às 14h00 e o descanso semanal da autora era gozado aos fins-de-semana;
(…)

85.Após a admissão da autora na 1.ª ré foi-lhe entregue a gestão do fundo de maneio existente para fazer face às necessidades diárias de efectuar pagamentos em dinheiro em portagens, parques de estacionamento, despesas com correio, gás e de outros fornecedores;
86.O fundo era reforçado pela gerência, a pedido da autora consoante o saldo existente e as necessidades;
87.A autora procedia à escrituração de todos os movimentos de entradas de dinheiro, respectivas saídas, e ter na sua posse todos os comprovativos dos pagamentos efectuados tais como tickets de portagens, facturas de combustível, dos CTT".

Por sua vez, a cláusula 45.ª, n.º 1 do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU[51] estabelece que os trabalhadores que exerçam funções de tesoureiro e de caixa receberão um abono para falhas.

O conteúdo funcional dessas categorias e da de escriturário, onde formalmente estava a recorrente classificada, é assim definido no Anexo I ao dito diploma:
"Tesoureiro. — É o trabalhador que dirige a tesouraria, em escritórios em que haja departamento próprio, tendo a responsabilidade dos valores de caixa que lhe estão confiados; verifica as diversas caixas e confere as respectivas existências; prepara os fundos para serem depositados nos bancos e toma as disposições necessárias para os levantamentos. Verifica periodicamente se o montante e valores em caixa coincidem com os que os livros indicam. Pode por vezes autorizar certas despesas e executar outras tarefas relacionadas com operações financeiras".

"Escriturário (1.ª e 2.ª). — É o trabalhador que executa várias tarefas que variam consoante a natureza e importância do escritório onde trabalha, redige relatórios, cartas, notas informativas e outros documentos, manualmente ou à máquina, dando-lhes o seguimento apropriado; tira as notas necessárias à execução das tarefas que lhe competem; examina o correio recebido, separa-o, classifica-o e compila os dados que lhe são necessários para preparar as respostas; elabora, ordena ou prepara os documentos relativos à encomenda, distribuição e regularização das compras e vendas; recebe pedidos de informações e transmite-os à pessoa ou serviço competente; põe em caixa os pagamentos de contas e entrega recibos, escreve em livros as receitas e as despesas assim como outras operações contabilísticas, estabelece os extractos das operações contabilísticas efectuadas e de outros documentos para informação da direcção; atende os candidatos às vagas existentes,  informa-os das condições de admissão e efectua registos de pessoal, preenche formulários oficiais relativos ao pessoal ou à empresa, ordena e arquiva notas de livranças, recibos, cartas, outros documentos e elabora dados estatísticos. Acessoriamente, nota em estenografia, escreve à máquina e opera com máquinas de escritório. Pode ainda efectuar, fora do escritório, serviço de informação de entrega de documentos e de pagamentos necessários ao andamento de processos em tribunal ou repartições públicas".

"Caixa.—É o trabalhador que tem a seu cargo as operações de caixa e o registo de movimento relativo a transacções respeitantes à gestão da empresa; recebe numerário e outros valores e verifica se a sua importância corresponde à indicada nas notas de venda e nos recibos; prepara os sobrescritos segundo as folhas de pagamento. Pode preparar os fundos destinados a serem depositados e tomar as disposições necessárias para os levantamentos".

Tem sido entendimento pacificamente assumido na jurisprudência que "para o enquadramento do trabalhador em determinada categoria profissional tem de se fazer apelo à essencialidade das funções exercidas, no sentido de que não se torna imperioso que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria – tal como ela decorre da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva –, mas apenas que nela se enquadre o núcleo essencial das funções efectivamente desempenhadas".[52] Daí que se é certo que a categoria formal designada pelas partes no contrato de trabalho releva para a classificação do trabalhador, naturalmente que tal ocorre dentro do condicionalismo assim definido.

Posto isto, parece claro que a recorrente não exercia funções próprias da categoria de tesoureiro, pois que, por um lado não se apurou que dirigisse a tesouraria e, por outro, sequer que no escritório existisse tal departamento.

Já quanto às funções próprias da categoria Caixa parece-nos que as coisas se afiguram algo diferentes.
Com efeito, se esse "é o trabalhador que tem a seu cargo as operações de caixa e o registo de movimento relativo a transacções respeitantes à gestão da empresa; recebe numerário e outros valores e verifica se a sua importância corresponde à indicada nas notas de venda e nos recibos; prepara os sobrescritos segundo as folhas de pagamento. Pode preparar os fundos destinados a serem depositados", vimos, por um lado, que a recorrente "procedia aos depósitos de numerário e cheques nas contas tituladas pela 1.ª ré, procedia ao pagamento de despesas da 1.ª ré, efectuava pagamentos de fornecedores, recebia pagamentos de clientes"[53] e "realizava cobranças e interpelações a devedores"[54] e, por outro, que "procedia ao lançamento de guias de transporte no programa informático da empresa – GG",[55] "tirava as facturas pró-forma, conferia os respectivos valores e serviços prestados, anexava as guias e entregava à Exm.ª Senhora FF, sócia gerente das rés para a emissão das correspondentes facturas", [56] "foi-lhe entregue a gestão do fundo de maneio existente para fazer face às necessidades diárias de efectuar pagamentos em dinheiro em portagens, parques de estacionamento, despesas com correio, gás e de outros fornecedores"[57] e "procedia à escrituração de todos os movimentos de entradas de dinheiro, respectivas saídas, e ter na sua posse todos os comprovativos dos pagamentos efectuados tais como tickets de portagens, facturas de combustível, dos CTT".[58] Por conseguinte, a parece seguro que a recorrente também desempenhou as funções de Caixa e que nessa medida observou a parte que lhe competia do ónus da prova do peticionado direito a receber das recorridas o abono para falhas durante o tempo em que prestou trabalho.[59] O que no entanto não ocorreu com as recorridas, que sequer alegaram que o pagaram à recorrente, como lhes competia à luz do art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil.
Daí que o pedido deva proceder, embora no que se liquidar em execução de sentença.[60]

3.3.4.O pedido de pagamento do trabalho suplementar (conclusões LV e XCI e XCII).

A sentença julgou definitivamente provado que:
"56. A autora, por determinação e imposição unilateral da 1.ª ré, prestava, diária e sucessivamente, pelo menos, em média, mais 1 (uma) hora de trabalho suplementar".

Por sua vez, na procedência da impugnação proferida acerca da decisão da matéria de facto, resultou provado que:
"58.Foi processado e efectuado o pagamento mensal pelas rés à autora:
A título de trabalho suplementar, nocturno e alterações de horário:
• Ano de 2008: de Julho a Dezembro, € 75,00;
• Ano de 2009: de Janeiro a Abril de, € 75,00; em Maio e Junho, € 37,50; em Julho: € 112,50; e de Agosto a Dezembro de 2009, € 75,00
• Ano de 2010: de Julho a Outubro, € 75,00; em Novembro, € 60,00; e em Dezembro, € 75,00
• Ano de 2011: de Janeiro a Junho, € 75,00; em Julho, € 100,00; e de Agosto a Dezembro, € 75,00
• Ano de 2012: de Janeiro a Julho, € 75,00; e de Agosto a Outubro, € 77,91
• A título de 1.ª hora diurna:
• Ano de 2013: em Janeiro e Fevereiro: € 77,90
• A título de isenção de horário de trabalho:
• Ano de 2013: em Março e Abril, € 84,00".

Pelas razões que atrás alinhámos, acrescidas, agora, do disposto no art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, desde o dia 03-12-2001, data em que o contrato foi celebrado e se iniciou a sua execução, até ao até ao dia 30-11-2003, a retribuição do trabalho suplementar deve ser calculada pelas regras do Decreto-Lei n.º 421/83 de 2 de Dezembro,[61] desde o 01-12-2003 até ao dia 16-02-2009, pelas regras do Código do Trabalho de 2003 e a partir de então pelas do Código do Trabalho de 2009, o que não foi relevado na sentença recorrida.

Por outro lado, na mesma linha do que atrás se referiu, porque apenas se conhece o valor da retribuição da recorrida no ano de 2013, apenas quanto a esse ano se poderá quantificar o valor do trabalho suplementar realizado pela recorrente, o que se fará e, quanto aos anos anteriores, relegar-se-á o apuramento para liquidação de sentença.

Posto isto, na parte que interessa o art.º 268.º do Código do Trabalho (de 2009) estabelece o seguinte:
"1. O trabalho suplementar é pago pelo valor da retribuição horária com os seguintes acréscimos:
a) 25 % pela primeira hora ou fracção desta e 37,5 % por hora ou fracção subsequente, em dia útil;
(…)".

Provou-se que, no ano de 2013 e até ao dia 22 de Abril (o contrato cessou em 23-04-2013), a recorrente, "por determinação e imposição unilateral da 1.ª ré, prestava, diária e sucessivamente, pelo menos, em média, mais 1 (uma) hora de trabalho suplementar".[62]
           
Esse período comportou os seguintes dias úteis:
• Janeiro: 22;
• Fevereiro: 22;
• Março: 19;
• Abril: 16.

O valor o valor da retribuição horária da recorrente no ano de 2013 era de € 4,21, pelo que o acréscimo de 25% a ela relativo por ter prestado trabalho suplementar monta a € 1,05 e o valor horário deste a € 5,26. Assim, naquele período tem direito a perceber as seguintes retribuições a título de trabalho suplementar:
• Janeiro:     22 horas x € 5,26 = € 115,72
• Fevereiro: 22 horas x € 5,26 = € 115,72
• Março:      19 horas x € 5,26 = €   99,94
• Abril:        16 horas x € 5,26 = €   84,16
• o que perfaz o total de              € 415,54

Não se provou que as rés tenham pago à recorrente o que quer que fosse a título de trabalho suplementar,[63] sendo certo que, como já referimos, o ónus da prova desse facto corria por conta das recorridas.[64]
***

III-Decisão.

Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, alterar a sentença recorrida nos seguintes termos, mantendo-a no restante:
• julgar integralmente provado o facto alegado pela autora no art.º 142.º da petição inicial e retirá-lo do rol dos julgados como não provados, passando o facto provado enumerado em 73 a ter a seguinte redacção: "A A. não gozou quaisquer férias no corrente ano de 2013, referente ao trabalho prestado no ano de 2012";
• alterar o facto provado enumerado em 58, que passará a ter a seguinte redacção: "58. Foi processado e efectuado o pagamento mensal pelas rés à autora: a título de trabalho suplementar, nocturno e alterações de horário: ano de 2008: de Julho a Dezembro, € 75,00; ano de 2009: de Janeiro a Abril de, € 75,00; em Maio e Junho, € 37,50; em Julho: € 112,50; e de Agosto a Dezembro de 2009, € 75,00; ano de 2010: de Julho a Outubro, € 75,00; em Novembro, € 60,00; e em Dezembro, € 75,00; ano de 2011: de Janeiro a Junho, € 75,00; em Julho, € 100,00; e de Agosto a Dezembro, € 75,00; ano de 2012: de Janeiro a Julho, € 75,00; e de Agosto a Outubro, € 77,91; a título de 1.ª hora diurna: ano de 2013: em Janeiro e Fevereiro: € 77,90; e a título de isenção de horário de trabalho: ano de 2013: em Março e Abril, € 84,00";
• alterar o facto provado enumerado em 92, que passará a ter a seguinte redacção: "92. A autora frequentou uma acção de formação denominada MM que teve lugar nos dias 9 e 10 de Junho de 2012, com a duração, respectivamente, de 10.30 e 9.30 horas;
• alterar o facto provado enumerado em 93, que passará a ter a seguinte redacção: "No dia 01-03-2013, a 1.ª ré entregou à autora prospectos de informação sobre 'extintores de incêndio' e 'prevenção de segurança'";
• alterar o facto provado enumerado em 94, que passará a ter a seguinte redacção: "94. No dia 15-03-2013 a recorrida CC procedeu a uma acção de formação no NN, que a recorrente frequentou, com a duração de 8 horas, denominada 'carga fraccionada' e versando como temas 'normas internas e procedimentos (2 horas)', 'manutenção: práticas (2 horas)', 'boas práticas de manuseamento de carga (2 horas)', 'instruções / livros (1 hora)' e 'boas práticas na distribuição (1 hora)'";
• eliminar do rol dos factos julgados não provados os correspondentes aos art.os 148.º da petição inicial e 267.º da contestação;
• condenar as recorridas a pagarem à recorrente a quantia de € 730,00 (setecentos e trinta euros), a título de retribuição das férias não gozadas relativas ao trabalho prestado no ano de 2012;
• condenar as recorridas a pagarem à recorrente a quantia de € 113,67 (cento e treze euros e sessenta e sete cêntimos), a título de retribuição de crédito de horas para formação relativo ao ano de 2013 e o que a esse título se liquidar em execução de sentença relativo aos anos de 2003 a 2005  (20 horas anuais), 2006 a 2009 (35 horas anuais) e 2012 (15 horas);
• condenar as recorridas a pagarem à recorrente o que se liquidar em execução de sentença relativo ao abono para falhas devido durante todo o tempo em que esta prestou trabalho;
• condenar as recorridas a pagarem à recorrente a quantia de € 415,54 (quatrocentos e quinze euros e cinquenta e quatro cêntimos), a título de retribuição do trabalho suplementar que esta prestou no ano de 2013 e no que se liquidar em execução de sentença relativamente aos anos anteriores em que esta prestou trabalho.
Custas por ambas as partes, na proporção de 1/3 para a recorrente e o restante pelas recorridas (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a este anexa).
***



Lisboa, 30-11-2016.



António José Alves Duarte
Maria José Costa Pinto
Manuela Bento Fialho



[1]Art.º 652, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[2]Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[3]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[4]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[5]Assim, por exemplo, o Tribunal sentenciou que poderia conhecer de ofício da caducidade do direito e fundamentou a sua decisão mas a recorrente considera que só o poderia fazer se fosse invocada pelas rés. A sentença é clara e não foi além do que poderia conhecer, embora quanto ao fundo possa estar errada e, nesse caso, deva ser revoada.
[6]É o que também se refere o acórdão da Relação de Lisboa, de 09-07-2014, no processo n.º 1021/09.3 T2AMD.L1-1, publicado em http://www.dgsi.pt: "A nulidade referida no art.º 615.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil (é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível) está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos art.os 154.º e 607.º, n.os 3 e 4, de o Juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a Sentença dever constituir um silogismo lógico-juridico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor), não ocorrendo essa nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou da sua interpretação"; e na mesma linha o acórdão da Relação de Coimbra, de 16-10-2012, no processo n.º 127963/11.1YIPRT.C1, publicado em http://www.dgsi.pt: "As nulidades da sentença, taxativamente previstas no art.º 668.º, n.º 1 do CPC, têm subjacente um erro de actividade ou de construção, distinguindo-se, por isso, do erro de julgamento (de facto ou de direito), bem assim das restantes nulidades processuais".
[7]Foi o que decidiu a Relação de Coimbra, em acórdãos de 19-12-2012, no processo n.º 31156/10.3YIPRT.C1 ("Os vícios da decisão da matéria de facto não constituem causa de nulidade da sentença, mesmo nos casos em que aquela decisão se contém formalmente na sentença, estando sujeitos a sistema de impugnação e de reparação diferenciados") e de 20-01-2015, no processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1 ("Apesar de actualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório"), ambos publicados em http://www.dgsi.pt.
[8]Não provado que "tinha ainda a A. direito a um abono para falhas" e " também não se logrou efectuar prova relativa ao pagamento de um alegado abono para falhas"
[9] A cláusula 45.º, n.º 1 do CCT entre a ANTRAM e a FESTRU, a qual estabelece que "os trabalhadores no exercício de funções de tesoureiro, caixa, empregados de serviço externo e cobradores receberão, a título de abono para falhas, a quantia mensal de 3.740$00".
[10]Neste sentido, vd. o supra citado acórdão da Relação de Coimbra, de 16-10-2012, no processo n.º 127963/11.1YIPRT.C1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[11]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-12-2014, no processo n.º 164/2000.P2.S1 - 7.ª Secção, publicado em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-2014.pdf.
[12]Aliás, relativamente à primeira proposição (não provado o art.º 148.º da petição inicial), a Mm.ª Juíza referiu que "a autora não logrou demonstrar que tinha direito a um abono para falhas…"; porém, quanto à segunda, já disse "também não se logrou efectuar prova relativa ao pagamento de um alegado abono para falhas".
[13]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-05-2008, no processo n.º 3380/07 - 4.ª Secção, publicado em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/social/social2008.pdf.
[14]Art.º 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, o qual determina que o juiz especifique os "fundamentos que foram decisivos para a sua convicção" e não apenas para a que se reporte aos factos que julgue provados.
[15]Art.º 552.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil. 
[16]Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil, Anotado, volume II, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1981, página 362. Na mesma linha, Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, página 234 afirma que o pedido é "o efeito jurídico que [o autor] pretende obter com a acção".
[17]Art.º 554.º do Código de Processo Civil.
[18]Art.º 555.º do Código de Processo Civil.
[19]Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, página 239.
[20]Acórdão da Relação do Porto, de 24-03-2014, no processo n.º 11291/10.9TBVNG.P1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[21]Facto enumerado em 73.
[22]Art.º 237.º do Código do Trabalho.
[23]Art.º 238.º, n.os 1 e 2 do Código do Trabalho.
[24]Art.º 241.º, n.os 1 e 2 do Código do Trabalho.
[25]Art.º 264.º , n.º 1 do Código do Trabalho.
[26]Art.º 245.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho. 
[27]Art.º 246.º do Código do Trabalho.
[28]Art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil. Neste sentido, vd. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-10-2005, no processo n.º 05S1761 e de 29-05-2002, no processo n.º 01S3660, publicados em http://www.dgsi.pt e de 27-04-2005, no processo n.º 3583/04, publicado em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=19594&codarea=3 e da Relação de Lisboa, de 24-03-2010, no processo n.º 4438/04.6TTLSB.L2-4 e de 13-04-2011, no processo n.º 71/09.4TTVFX.L1-4, publicados em http://www.dgsi.pt.
[29]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-10-2005, no processo n.º 05S1761, publicado em http://www.dgsi.pt.
[30]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-05-2002, no processo n.º 01S3660, publicado em http://www.dgsi.pt.
[31]Facto enumerado em 73.
[32]Facto provado enumerado em 19.
[33]Art.º 131.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
[34]Facto provado enumerado em 94.
[35]Art.º 133.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
[36]Art.º 342.º, n.os 1 e 2 do Código Civil.
[37]Sendo de 10.30 e 9.30 horas nos dias 9 horas e 10 de Junho, respectivamente.
[38]Art.os 1.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro e 2.º, n.º 2 da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro.
[39]Art.os 1.º e 3.º da Lei n.º 92/2003, de 27 de Agosto.
[40]Neste sentido, cfr. o acórdão da Relação do Porto, de 08-07-2015, no processo n.º 1274/12.0TTPRT.P1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[41]Art.º 131.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2009.
[42]Art.º 132.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009.
[43]Art.º 132.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2009.
[44]Art.º 132.º, n.º 6 do Código do Trabalho de 2009.
[45]Art.º 333.º, n.º 1 do Código Civil.
[46]Art.º 331.º, n.º 1 do Código Civil. Neste sentido, vd. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-10-2015, no processo n.º 273/13.9YHLSB.L1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[47]Art.º 576.º, n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil.
[48]Art.os 579.º do Código de Processo Civil e 342.º, n.º 2 do Código Civil.
[49]Recorde-se que a sentença reconheceu o direito da recorrente a perceber a retribuição correspondente ao crédito de horas de formação dos anos de 2010 e 2011.
[50]Apenas se sabe que a retribuição era, na cessação do contrato de trabalho (2013), de € 730,00 (facto provado enumerado em 19).
[51]Objecto de Portaria de Extensão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 33, de 08-09-1982, página 2009.
[52]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-10-2013, no processo n.º 961/09.4TTVNG.P1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[53]Facto provado enumerado em 14.
[54]Facto provado enumerado em 15.
[55]Facto provado enumerado em 12.
[56]Facto provado enumerado em 13.
[57]Facto provado enumerado em 85.
[58]Facto provado enumerado em 87.
[59]Art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil. Mas já não assim nos períodos em que esteve de baixa médica, como vimos também ter acontecido, já que apesar de ter trabalhado nesses períodos (facto provado enumerado em 23) não lhe era possível exercer as funções mais características dessa categoria.
[60]Que em última instância será o mínimo legal.
[61]O qual, por força do seu art.º 15.º, entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1984 e foi revogado pelo art.º 21.º, n.º 1, alínea i) da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (que aprovou o Código do Trabalho de 2003).
[62]Facto provado enumerado em 56. E o mesmo aconteceu com a 2.ª ré, conforme resulta do Facto provado enumerado em 75.
[63]Mas apenas, além da retribuição base, em Janeiro e Fevereiro € 77,90 a título de 1.ª hora diurna e em Março e Abril € 84,00 a título de isenção de horário de trabalho (embora se não tendo apurado que dele beneficiasse).
[64]Art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil.

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