Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12/14.7TBPRL.L1-7
Relator: PIMENTEL MARCOS
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PERICULUM IN MORA
PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Para o decretamento das providências em geral basta que se prove sumariamente - summaria cognitio - a probabilidade séria da existência do direito invocado ou aparência do direito - fummus bonus juris - e a justificação do receio de que a natural demora na resolução definitiva do litígio cause prejuízo irreparável ou de difícil reparação, ou perigo de insatisfação desse direito - periculum in mora.
2. Relativamente à “providência cautelar de entrega Judicial” a que alude o artigo 21.º do Decreto Lei n.º149/95, tem-se entendido que a lei não exige que seja feita a prova do periculum in mora, resultando este implícito da natureza do contrato e da natural degradação dos bens locados, na pendência da acção principal, e até ao seu trânsito em julgado.
3. O tribunal decretará a providência se a prova produzida revelar a probabilidade séria da verificação daqueles requisitos, bastando, porém, que exista uma probabilidade séria de que existe o direito invocado, não sendo necessária uma averiguação tal que possa pôr em perigo a eficácia da providência, pois esta justifica-se essencialmente porque a acção principal pode demorar alguns anos a ser decidida e assim, perder, pelo menos em parte, a sua eficácia.
4. As providências cautelares devem ser encaradas pelo juiz como meios simples e rápidos no sentido de acautelar os prejuízos que possam advir para o requerente da demora de uma decisão definitiva (na acção principal); e, por isso, a “sumaria cognitio” basta-se com “um juízo de probabilidade ou verosimilhança (não de certeza ou de elevado grau de probabilidade exigido na acção principal), uma aparência de direito, um “fumus bonis juris”.
5. As providências cautelares de entrega Judicial a que alude o artigo 21.º do Decreto Lei n.º149/95 devem ser decretadas se, deixando o locatário de proceder ao pagamento das rendas, não apresentando para o efeito qualquer justificação, for declarada a resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento dessas rendas e o locatário não proceder à entrega da coisa locada.
(Sumário do Reloator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa – 7ª secção.
I
“B SA” propôs a presente providência cautelar de entrega judicial contra “À… Lda.”, pedindo que fosse ordenada a entrega do veículo e do equipamento identificados nos autos.
Para tanto, alega, em síntese, que celebrou com a requerida um contrato de locação financeira (ainda que inicialmente não tenha sido celebrado com a requerida, mas existido posteriormente uma cessão da posição contratual), contrato esse que tinha por objecto um veículo da marca BMW, série 1 123d, coupé, com a matrícula 24…, bem como um outro que tinha por objecto uma Escavadora Hidráulica. Alega tmbém que a requerida deixou de pagar as prestações a que se tinha obrigado em ambos os contratos, pelo que resolveu esses mesmos contratos em 6/11/2013, por carta registada, não tendo a requerida restituída o veículo nem o equipamento.
Citada, a requerida contestou, invocando a nulidade da citação e a excepção de incompetência territorial, questões que foram decididas, com trânsito em julgado, e ainda que os contratos e as suas cláusulas não lhe foram comunicadas, pensando que estava a celebrar um contrato de empréstimo (e não um contrato de locação financeira), nem lhe foi referida a penalização pelo incumprimento, pedindo que as cláusulas gerais inseridas no contrato sejam excluídas por não lhe terem sido comunicadas adequadamente e com a antecedência necessária e como tal que seja operada a conversão do negócio jurídico, ou seja, a aquisição dos bens pela requerida contra o pagamento do preço e respectivos juros.
Produzida a prova foram dados como sumariamente provados os seguintes factos:
1. Em 31 de Agosto de 2012, o Requerente celebrou com a locatária, ora Requerida, o Contrato de Cessão de Posição Contratual do Contrato de locação Financeira n…., através do qual locou a esta um veículo ligeiro de passageiros, marca BMW, serie 1 123d, COUPE, com a matrícula 24.. (cfr. documentos de fls. 26 a 34 cujo teor se reproduz );
2. O supra referido Contrato foi reestruturado através da celebração de Adenda ao Contrato de Locação Financeira Mobiliária (Leasing), ao qual foi aposto o número … - Conforme doc. de fls. 38 e 39 cujo teor se reproduz;
3. O referido contrato com a duração convencionada de 72 meses, ficando estabelecido o pagamento de rendas mensais, iguais e sucessivas no valor de 316,32€ cada, com início a 2/02/2010;
4. A viatura objecto do mencionado contrato de locação foi adquirida e paga pela requerente, e foi entregue à locatária;
5. A propriedade da referida viatura encontra-se devidamente registada a favor da Requerente;
6. Ao abrigo do referido contrato obrigou-se ainda a Requerente a ceder à Requerida o gozo e fruição de tal veículo, o que efectivamente fez;
7. A Requerida assumiu, entre outras obrigações, a de pagar à Requerente as prestações/rendas referidas;
8. A Requerida não efectuou o pagamento das prestações vencidas em 31/03/2013, nem as que se venceram posteriormente.
9. A 6 de Novembro de 2013, a Requerente enviou uma carta registada com aviso de recepção à Requerida, para a morada constante do contrato, comunicando-lhe que, face à falta de pagamento, o incumprimento pela requerida era definitivo e procedeu à resolução do contrato;
10. A Requerida não efectuou qualquer pagamento na data referida e não procedeu à entrega da viatura objecto do contrato;
11. Em 28 Janeiro de 2010, o Requerente celebrou com a locatária, ora Requerida, o contrato de locação Financeira Mobiliária n.º …, através do qual locou a esta uma Escavadora Hidráulica de rastos JS130, com 1 engate rápido hidráulico e 1 Kit estrada, usado – Conforme doc.s de fls. 50 a 54 cujo teor se reproduz;
12. O referido Contrato foi reestruturado através da celebração de Adenda ao Contrato de Locação Financeira Mobiliária (Leasing), ao qual foi aposto o número … – cf. doc. de fls. 56 e 57;
13. Foi contratualmente estipulado que a locatária, ora Requerida, pagaria 84 rendas, mensais e sucessivas, sendo a primeira no valor de € 502,65, e as restantes 83 rendas, no valor de € 502,65, cada, (Conforme cláusula 9.º das Condições Particulares do contrato e n.º 1 e n.º 5 das Condições Especiais de Reestruturação de Responsabilidades);
14. O Banco locador, ora Requerente, efectuou a compra e procedeu ao pagamento da respectiva escavadora hidráulica;
15. Após a celebração do referido contrato, o Banco locador, ora Requerente, entregou a mencionada escavadora hidráulica, à locatária, ora Requerida, que a recebeu, ficando assim, no seu gozo temporário;
16. A locatária, ora Requerida, não efectuou o pagamento dos alugueres vencidos em 31-03-2013, nem tendo efectuado o pagamento das rendas que posteriormente se venceram;
17. O Requerente procedeu à resolução do contrato por carta registada com aviso de recepção, enviada, em 06-11-2013, para a sede da Requerida;
18. O equipamento em causa não foi restituído à requerente.
Matéria de facto relevante para a decisão da causa e considerada não provada:
- Que não tenha sido entregue à requerida cópia dos contratos em causa, ou que a mesma não tenha tido conhecimento das cláusulas dos contratos (ainda que o facto positivo é que fosse relevante, face ao ónus da prova, mas esta matéria foi alegada pela requerida);
-Que a requerida tenha ficado com a certeza de que o veículo e equipamento objectos dos contratos fosse da sua propriedade e que os contratos fossem de empréstimo.
Foi dito ainda na sentença que toda a demais matéria é irrelevante, conclusiva ou de direito.
Seguidamente foi proferida decisão, com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, declaro procedente a presente providência cautelar e, consequentemente ordeno a apreensão do veículo de marca BMW, serie 1 123d, COUPE, com a matrícula 24… e ainda da Escavadora Hidráulica de rastos JS130, com 1 engate rápido hidráulico e 1 Kit estrada, e a sua entrega à requerente
Inconformada, apelou a requerida, terminando as alegações de recurso como segue:
1 – Concluiu a douta Sentença, ora em crise que não foi provado que não tenha sido entregue à requerida cópia dos contratos em causa, ou que a mesma não tenha tido conhecimento das cláusulas dos contratos (ainda que o facto positivo é que fosse relevante, face ao ónus da prova, mas esta matéria foi alegada pela requerida);
2 – O regime das cláusulas contratuais gerais, DL 446/85 de 25/10, impõe, nos artigos 5º e 6º, que o proponente comunique e informe o conteúdo das cláusulas ao aderente;
3 – Ao contrário do que acontece com a falta e os vícios da vontade na generalidade dos contratos (entre os quais o erro e o dolo), em que o ónus da prova cabe a quem os alega (artigo 342º nº2 do CC), no caso da violação do dever de comunicação e de informação das cláusulas contratuais gerais, estabelece o artigo 5º nº3 do DL 446/85, que cabe ao contratante que submeta a outrem as referidas cláusulas o ónus da prova da comunicação adequada;
4 – Por outro lado, a lei não exige que fique provado que o contratante aderente às cláusulas gerais contratuais teve efectivamente a sua vontade viciada, bastando que se prove que não lhe foi devidamente comunicado e esclarecido o conteúdo dessas cláusulas, para que a lei, no artigo 8º do DL 446/85, determine a sua exclusão dos contratos;
5 – Com efeito, a sanção para a falta de cumprimento dos artigos 5º e 6º do DL 446/85 não é a imediata invalidade do contrato, mas sim a exclusão das cláusulas que não foram adequadamente comunicadas e explicadas, subsistindo o contrato nos termos do artigo 9º nº1 e vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis.
6 – Contudo, o nº2 do referido artigo 9º do DL 446/85 prescreve que: “os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé”.
7 – Tendo a requerida alegado que os contratos de locação dos autos e as suas cláusulas não lhe foram comunicadas e explicadas, cabia à requerente, por força do artigo 5º nº3 do DL 446/85, o ónus de provar que a comunicação e explicação ocorreu efectivamente, não tendo a requerente efectuado a prova correspondente, pelo que, nada se provando, tem de se considerar que a requerente nada comunicou ou esclareceu ao réu sobre todo o conteúdo dos contratos;
8 – Pretendendo o réu comprar o veículo e equipamento e não aluga-lo e necessitando de crédito para tal aquisição, parece manifesto que a confusão que poderia surgir com estas outras figuras contratuais só poderia ser afastada com a comunicação leal e pormenorizada de todas as cláusulas do contrato;
9 – Não tendo sido feita essa comunicação, tem de se concluir forçosamente que foram violados os artigos 5º e 6º do DL 446/85 pela requerente e que devem considerar-se excluídas do contrato desde logo as cláusulas que a requerida indicou como não tendo sido comunicadas e explicadas e os contratos dos autos convertidos nos termos alegados pela requerida.
10 – Face à inversão do ónus da prova, não se entende como decidiu o Tribunal a quo que não se logrou provar que a requerida não tenha tido conhecimento das cláusulas dos contratos por se tratar de um facto positivo e que cabia à requerente fazer prova.
11 – Existem pois, por todos os motivos expostos fortes razões para ser recusada a providência, face à nulidade das cláusulas contratuais dos contratos de locação.
12 – Foram, pelo exposto violados os artigos 5 e 6º, 8º, 9º do DL 446/85, e 342º, nº 2 do C.C. pois também violado o disposto nos artigos do C.P.C..
E termina dizendo que deve ser revogada a douta Sentença proferida, declarando-se que não estavam verificados os requisitos para o decretamento do procedimento cautelar.
Em contra-alegações concluiu a apelada, em síntese:
a) A douta sentença recorrida não enferma de qualquer erro de julgamento na parte em decretou a providência cautelar, pois está claramente provado que a Recorrida, ora apelante, não restituiu os bens móveis locados à requerente e que não conseguiu a requerida fazer prova da não entrega de cópia do contrato, nem do desconhecimento do deu conteúdo.
b) Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e do teor dos documentos juntos aos autos, não resultou provado que a Requerida, ora apelada, não tivesse conhecimento do tipo de contrato que assinou ou que tivesse existido erro sobre o negócio.
c) Por outro lado, não foi dado como provado que se pode considerar aplicável a este caso o Decreto-lei n.º 446/85, relativo às cláusulas contratuais gerais, pois estamos a falar de um contrato que não é em nada idêntico a um contrato de adesão em que uma das partes, apenas assina quase sem ler o seu conteúdo por ser muito simples e compreensível.
d) O contrato celebrado com a Requerida teve inclusivamente reconhecimento de assinaturas presencial, o que confere outro rigor ao mesmo e que faz com que a Requerida obrigatoriamente o tenha tido em sua posse e tenha lido e caso não o tenha feito agiu com manifesta falta de diligência.
e) Nestes termos, tem sido entendimento da Jurisprudência:
“O conteúdo do contrato é compreensível para o subscritor, que o manteve na sua posse pelo período de tempo que entendeu necessário e durante o qual não solicitou à Locadora quaisquer esclarecimentos ou alterações ao clausulado, pelo que sempre deverá afirmar-se cumprido o dever de comunicação (cfr. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15 de Dezembro de 2010, in www.dgsi.pt)” e Ac. do  TRC, de 08-11-2011, proc. n.º 103/08.3TMDA-A.C1.
f) Nunca levantou a requerida quaisquer dúvidas relativas quer ao alcance ou à extensão do Contrato celebrado, originando com a sua conduta a convicção de que efectivamente teria aceitado integralmente o referido contrato.
g) Na verdade o comportamento da Requerida não podia ser negligente ou descuidado, antes era-lhe exigida prudência, deveres de cuidado e o ónus de actuar, pelo menos, com o normal cuidado e diligência do cidadão médio.
h) Assim, “(…) sempre se dirá ter ocorrido a inversão do ónus da prova relativa ao esclarecimento daquelas cláusulas, nos termos do disposto artigo 342.º do Código Civil, cabendo por isso ao Oponente demonstrar que afinal desconhecia o que assegurou conhecer. ” – cfr. Acórdão do TRC de 08-11-2011.
É pelas conclusões que se determinam o âmbito e os limites do recurso (art.º. 639.º do CPC).
O que está em causa é saber se se verificam os requisitos que justificaram o decretamento da providência.
II
1. Como foi referido na sentença recorrida, da matéria dada como sumariamente provada resulta que entre a requerente e a requerida foram celebrados dois contratos de locação financeira, no qual a ora requerente – locador financeiro – concedeu à ora requerida – locatário financeiro – o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador a um terceiro.
Com efeito, resulta do artigo 1º do D. L. nº 149/95, de 24 de Junho, “locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados”.
Mas a locadora declarou resolvidos os contratos, com fundamento na falta de pagamento das rendas, por carta registada com A/R, que a requerida recebeu.
Estatui o n.º 1 artigo 17.º do DL 149/95, com as alterações resultantes do DL 30/2008, de 25 de Fevereiro, sob a epígrafe, “resolução do contrato por incumprimento e cancelamento do registo”: “O contrato de locação financeira pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais, com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte, não sendo aplicáveis as normas especiais, constantes de lei civil, relativas à locação”.
E consta da cláusula 11ª (do contrato), sob a epígrafe “Resolução do Contrato”: “Para além dos demais motivos de resolução previstos na lei e no presente contrato de locação financeira, este poderá ser resolvido por iniciativa do locador, no caso de incumprimento de qualquer uma das obrigações do locatário se o mesmo, interpelado para o efeito, através de carta registada do locador, não eliminar o incumprimento, no prazo de 10 dias a contar da data da emissão da referida notificação”.
Portanto, o locador pode resolver o contrato com fundamento na falta de pagamento das prestações vencidas desde que o faça por carta registada e após interpelação admonitória.
Nos termos do artigo 21.º do mesmo diploma legal, Sob a epígrafe “Providência cautelar de entrega Judicial”, se, findo o contrato por resolução (…) o locatário não proceder à restituição do bem locado, pode este, após o pedido de cancelamento do registo da locação financeira, a efectuar por via electrónica sempre que as condições técnicas o permitam, requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente.
E determina o seu n.º 4: O tribunal ordenará a providência requerida se a prova produzida revelar a probabilidade séria da verificação dos requisitos referidos no n.º1. Finalmente, como resulta do n.º 8 do mesmo artigo “São subsidiariamente aplicáveis a esta providência as disposições gerais sobre providências cautelares, previstas no Código de Processo Civil, em tudo o que não estiver especialmente regulado no presente diploma”.
Por sua vez estabelece o artigo 387º do Código Proc. Civil, em relação ao procedimento cautelar comum, que a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundamentado o receio da sua lesão.
Assim, para o decretamento desta providência basta que se prove sumariamente - summaria cognitio - a probabilidade séria da existência do direito invocado ou aparência do direito - fummus bonus juris - e a justificação do receio de que a natural demora na resolução definitiva do litígio cause prejuízo irreparável ou de difícil reparação, ou perigo de insatisfação desse direito - periculum in mora.
Tem-se, porém, entendido que a lei não exige, para a providência em causa, que seja feita a prova do periculum in mora, resultando este implícito da natureza do contrato e da natural degradação dos bens, na pendência da acção definitiva, até ao trânsito em julgado da decisão que aprecie a pretensão do credor. E não há qualquer dúvida de que é assim, ou seja, que é fundado o receio da lesão caso a providência não seja decretada.
Portanto, o tribunal decretará a providência se a prova produzida revelar a probabilidade séria da verificação daqueles requisitos.
E verifica-se, com efeito, que o contrato foi resolvido pelo locador, por falta de pagamento das rendas, e que a locatária não procedeu à entrega dos bens locados, apesar de interpelada para o efeito. Ora, é obrigação do locatário pagar a renda acordada: e o locador pode resolver o contrato com fundamento na falta desse pagamento.
Foi dito na sentença recorrida:
Verificada assim, uma situação de mora no cumprimento de alguma das prestações, o credor pode resolver o contrato, e face à declaração resolutória o locatário, além do mais, deverá proceder à entrega da coisa locada.
Em face da matéria dada como provada, deve concluir-se que o requerente logrou demonstrar que existe probabilidade séria de o direito que invoca existir na sua esfera jurídica. Pois logrou-se demonstrar sumariamente que foi celebrado entre a requerente e a requerida dois contratos de locação financeira que tinham como objecto determinados bens móveis identificados nos autos, e que por força desse contrato a requerida se obrigou a efectuar o pagamento de determinadas rendas. Todavia, a requerida deixou de pagar as rendas convencionadas e vencidas, pelo que a requerente comunicou à mesma a resolução dos contratos, devendo esta, além do mais, restituir à requerente os bens locados.
Demonstrado ficou ainda que à requerida foi comunicada a resolução do contrato de locação em causa, tendo a mesma, em consequência, sido interpelada para entregar os bens locados, o que não fez.
Assim, entendo que a requerente logrou demonstrar a existência dos factos determinativos do direito que se arroga, o que permite que a providência seja decretada nos termos pretendidos.»
Efectivamente, verificada que está a resolução dos contratos de locação, a locatária deveria ter procedido à entrega à requerente dos bens locados (mas não o fez).
2. Sucede porém que a requerida (ora apelante) alega que não lhe foram dadas a conhecer as cláusulas dos contratos, limitando-se a apor a assinatura onde lhe foi dito que o fizesse.
Os deveres de comunicação e de informação das CCG constam dos artigos 5º e 6º do Dec.-Lei nº 446/85, com a redacção dada pelo DL 220/95:
Artº 5º:
"1. As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a sua extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais".
Artº 6º:
"1. O contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nela compreendidos cuja aclaração se justifique".
2 "Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados”
Como resulta da matéria de facto apurada, não se provou que não foi dado a conhecer à locatária as cláusulas do contrato. Mas também não ficou provado o contrário, sendo certo que, como resulta do n.º 3 do citado artigo 5.º, o ónus da prova da comunicação efectiva cabe ao locador. E, nos termos do artigo 8.º, consideram-se excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º.
Entretanto, o contrato foi resolvido por falta de pagamento das rendas, e a locatária não podia ignorar que estava obrigada a pagá-las. Aliás, pagou-as durante vários meses.
Declarada a resolução dos contratos, por carta registada com A/R, e após interpelação admonitória, a requerida continuou a não pagar as rendas, e não consta dos autos que, para tanto, tenha dado qualquer justificação. Pelo contrário, pois continuou a utilizar os bens locados. Só na contestação vem invocar aqueles factos (desconhecimento das condições dos contratos).
Como se disse, para o decretamento desta providência basta que se prove sumariamente - summaria cognitio - a probabilidade séria da existência do direito invocado ou aparência do direito - fummus bonus júris.
Basta, pois, que exista uma probabilidade séria de que existe o invocado direito, não sendo necessária uma averiguação tal que possa pôr em perigo a eficácia da providência. Esta justifica-se essencialmente porque a acção principal pode demorar alguns anos a ser decidida e assim, perder, pelo menos em parte, a sua eficácia. Se ao fim de três ou quatro anos o requerido for condenado, por exemplo, a pagar uma determinada quantia e a entregar um veículo automóvel, pode muito bem suceder que este já não tenha qualquer valor e que o locatário não disponha de quaisquer bens.
As providências cautelares devem ser encaradas pelo juiz como meios simples e rápidos no sentido de acautelar os prejuízos que possam advir para o requerente da demora de uma decisão definitiva (na acção principal). E, por isso, a “sumaria cognitio” outra coisa não permite senão “um juízo de probabilidade ou verosimilhança (não de certeza ou de elevado grau de probabilidade exigido na acção principal), uma aparência de direito, um “fumus bonis juris”.
«A aparência do direito supõe a formulação de um juízo positivo quanto ao resultado do processo principal, o que, porém, não deve conduzir a que só seja adoptada uma medida cautelar quando se adquira a convicção absoluta de que a pretensão do autor irá proceder»[1]
Não pode transformar-se o procedimento cautelar numa antecipação do processo principal, rodeando a decisão cautelar de todo um conjunto de actos preparatórios que, se confluem para uma decisão mais segura, contribuem também para o afastamento do efeito útil da providência (Cfr. ABRANTES GERALDES ob. loc. cit. pág. 138).
Como se diz na sentença sob recurso, «pretendia a requerida que fosse considerado que existiu erro sobre o negócio, pois no seu entender celebrou um “contrato de empréstimo”, sem contudo especificar o porquê ou provar quaisquer factos em concreto, limitando-se a concluir». E, ao contrário do que afirma a apelante, não é verdade que esteja provado que “a requerida pretendia comprar e não alugar o veículo”.
Ora, a apelante, deixou de pagar as rendas sem dar qualquer justificação e não consta que antes tenha levantado dúvidas relativamente ao alcance ou à extensão dos contratos; estes foram resolvidos com fundamento na falta de pagamento dessas rendas e após a resolução nada fez a requerida; e só agora invoca não ter tido conhecimento das cláusulas dos contratos.
Os procedimentos cautelares apenas admitem dois articulados, não tendo, por exemplo, a ora requerente tido possibilidade de se pronunciar sobre a questão suscitada pela requerida, a não ser em sede de alegações de recurso. E agora aquela invoca, por exemplo, que não é aplicável o regime das CCGerais e que se verificou uma inversão do ónus da prova, ou seja, questões que não se compadecem com a simplicidade do processado num procedimento cautelar.
De qualquer forma não se justifica que a apelante continue a utilizar os bens dados em locação, quando é certo que não tem pago, há muitos meses, as prestações devidas.
 Parece-nos, assim, que estão suficientemente provados os aludidos requisitos para o decretamento da providência. Com efeito, além do mais, está claramente provado que a apelante não restituiu os bens locados à requerente, que não pagou as rendas, sem apresentar qualquer justificação, e que os contratos foram resolvidos com esse fundamento, após interpelação admonitória.
Assim, por outro lado, embora o ónus da prova seja do locador, a verdade é que não conseguiu a requerida fazer prova da não entrega de cópia do contrato, nem do desconhecimento do seu conteúdo, e, por outro, entendemos que esta questão só pode ser devidamente discutida na respectiva acção, não se justificando aqui outras considerações.
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Por todo o exposto acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 20.01.2015.
José David Pimentel Marcos
Maria do Rosário Morgado
Rosa Maria Ribeiro Coelho.
[1] A. ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, pág. 241.