Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
337/19.5T8LSB.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
SERVIÇO DE TRANSPORTES
TACÓGRAFO
FOLHAS DE REGISTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: O condutor de veículo deverá apresentar perante os agentes autorizados para proceder ao controle do cumprimento do Regulamento (CE) n.º 561/2006 documento comprovativo que permita justificar a falta de apresentação das folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


I–Relatório:


 “AAA.”, com sede na Rua (…), Aveiro, veio impugnar judicialmente a decisão proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) no processo de contra-ordenação n.º 171800331, e no âmbito da qual lhe foi aplicada uma coima no valor de € 3.876,00 (38 UC’s), com fundamento na violação do disposto no art. 36.º, do Regulamento (UE) n.º 165/2014, de 4 de Fevereiro.

Alegou a recorrente, nas respectivas conclusões e em síntese, que:

1.- Não foram solicitados ao condutor as últimas 28 folhas de registo (discos) ou impressões utilizadas no tacógrafo e que este apenas tenha apresentado unicamente o disco do dia da fiscalização, posto que, à hora da eventual infracção, o motorista não se encontrava no veículo ou junto ao mesmo.

2.- O veículo estava estacionado e fechado, desconhecendo-se, assim, a forma como constatou o agente autuante que o condutor não se fazia acompanhar dos discos dos últimos 28 dias.

3.- No dia da acção de fiscalização, o veículo era conduzido por (…)

4.- Todavia, o referido motorista não é seu trabalhador, tendo apenas prestado um serviço ocasional com vista a fazer face a um acréscimo de pedido de transporte da claque dos (…) até ao Estádio (…), em Lisboa.

5.- A empresa organiza o trabalho dos condutores de modo a que estes possam cumprir o disposto no Regulamento (EU) n.º 165/2014, de 4 de Fevereiro, e Regulamento (CE) n.º 561/2006, de 15 de Março, dando instruções adequadas e efectuando controlos regulares, no caso dos seus motoristas, para assegurar o cumprimento dos regulamentos.

6.- E solicita às pessoas que contrata pontualmente para efectuar serviços de transporte, caso não possuam registos do tacógrafo, a emissão de uma declaração por via da qual declarem que, nos últimos 28 dias, não conduziram nenhum veículo abrangido pelo Regulamento (CE) 561/2006 ou pelo AETR.

7.- Tanto sucedeu com o motorista em causa, que preencheu e entregou a referida declaração, só não o tendo feito perante o agente autuante porquanto não estava no veículo ou junto do mesmo.

Conclui a recorrente pela sua absolvição ou, caso assim se não entenda, pela aplicação de uma coima reduzida ao mínimo legal.

A autoridade administrativa não revogou a decisão.

Procedeu-se à audiência de julgamento.

O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos :

1.- A recorrente é uma pessoa colectiva com sede na Rua (…), Aveiro.

2.- No dia 18 de Abril de 2018, pelas 19h00, na Avenida (…), no Lumiar, foi inspeccionado o veículo de transporte pesado de passageiros com a matrícula (…), veículo esse equipado com aparelho de tacógrafo analógico.

3.- Tal veículo, propriedade da recorrente, era, naquela data, hora e local, conduzido por (…), titular da carta de condução n.º P (…).

4.- (…) não se fazia acompanhar das folhas de registo utilizadas nos 28 dias anteriores à acção de controlo realizada no dia 18 de Abril de 2018, mas apenas da folha de registo (disco) referente ao próprio dia.

5.- (…) fora contratado pela recorrente para, naquele dia, efectuar um serviço ocasional de transporte da claque dos (…) desde o Porto até ao Estádio (…) em Lisboa.

6.- O motorista (…) não apresentou ao agente autuante, no dia da fiscalização, qualquer declaração emitida pela recorrente para justificar a não apresentação dos discos referentes aos 28 dias anteriores nem o cartão de condutor, sendo que este último lhe não foi solicitado.

O Tribunal  a quo considerou não provados os seguintes factos :

1.- Que o motorista (…) estivesse, à data da fiscalização, sob as ordens, direcção e fiscalização da recorrente, sendo seu trabalhador subordinado.

2.- Que no dia da fiscalização o motorista não estivesse dentro ou junto do veículo referido em 1.

3.- Que a recorrente instrua os seus trabalhadores (motoristas) e as pessoas que contrata pontualmente para efectuar serviços de transporte para a necessidade de cumprimento das regras estradais, nomeadamente e entre outras instruções, da obrigatoriedade de terem consigo os registos do tacógrafo para os apresentarem caso lhes sejam solicitados pelas entidades fiscalizadoras.
*

Em sede de fundamentação de Direito refere a sentença recorrida:

« Mostra-se a recorrente acusada de haver violado o disposto no art. 36.º, do Regulamento (UE) n.º 165/2014, de 4 de Fevereiro, e, por consequência, ter cometido factos integradores e contra-ordenação muito grave, nos termos do disposto no art. 25.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto.

Estatui o citado art. 36.º, n.º 1 – na parte que releva, visto que, no dia da fiscalização, o motorista conduzia veículo equipado com tacógrafo analógico (facto provado sob o ponto 1.2.) – que «[s]e conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:

i)- as folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores;

ii)-    ii) o cartão de condutor, se o possuir;

iii)- e iii) qualquer registo manual e impressão efectuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006.»

Da análise dos factos provados decorre, sem que dúvida de relevo nisso de vislumbre, que, no dia 18 de Abril de 2018, o motorista (…) conduzia um veículo pesado de passageiros, pertença da recorrente, sem que se fizesse acompanhar das folhas de registo (discos) utilizadas nos 28 dias anteriores à acção de controlo realizada naquele mesmo dia. Isto é, está demonstrada a prática, pelo referido condutor, dos factos integradores do ilícito contra-ordenacional aqui em causa.

A autoridade administrativa imputa, porém, os factos em apreço à ora recorrente, assim procedendo com arrimo no disposto no art. 33.º, n.º 3, do Regulamento (UE) n.º 165/2014, de 4 de Fevereiro, sendo certo que o art. 13.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, imputa, justamente, a infracção à empresa em caso de infracção cometida pelo condutor.

No presente caso e independentemente de se não ter apurado qualquer relação de subordinação entre a recorrente e o condutor aqui em causa, estamos em crer que, no caso concreto, não configura essa factualidade fundamento bastante para afastar a imputação dos factos justamente à recorrente.

E assim o concluímos com base na seguinte ordem de razões: em primeiro lugar, o Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006, define o conceito de condutor, daí se não extraindo a imperiosa necessidade de se tratar de um trabalhador da empresa de transportes. Condutor será qualquer pessoa que conduza o veículo, mesmo durante um curto período, ou que, no contexto da actividade que exerce, esteja a bordo de um veículo para poder eventualmente conduzir; em segundo lugar, o Regulamento (UE) n.º 165/2014, de 4 de Fevereiro, não pressupõe, igualmente, a existência de subordinação entre o condutor e a empresa para quem, ainda que ocasionalmente, preste serviço, bastando, para a comissão da contra-ordenação, a existência de uma situação de disponibilidade do trabalho ou do serviço prestado por parte da empresa (art. 33.º, n.º 3, do citado Regulamento). Finalmente, há ponderar o que se dispõe no art. 13.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2019, de 30 de Agosto: «[a] empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional», só se excluindo a sua responsabilidade se demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.

Cotejando os preceitos citados, temos, assim, por certo, com todo o respeito por tese oposta, que para a prática dos factos integradores da contra-ordenação ora em apreço basta que o veículo conduzido se encontre equipado com aparelho de controlo para que o seu condutor seja obrigado a cumprir as disposições normativas, maxime, as previstas nos Regulamentos Comunitários. E tanto independentemente da qualidade do condutor: trabalhador subordinado ou mero prestador ocasional do serviço de transporte.

É que a legislação aplicável relativa a tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo de utilização de tacógrafos na actividade de transporte rodoviário tem em mente a figura do condutor dos veículos, não distinguindo se tem ou não a categoria de motorista ou se desempenha outras funções, designadamente se é ou não trabalhador subordinado.

Doutro passo, e ponderando o disposto no art. 33.º, n.º 3, do Regulamento 165/2014, e o disposto no art. 13.º, n.º 2, da Lei n.º 27/2019, de 30 de Agosto, a responsabilidade da empresa apenas será excluída se demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor pudesse cumprir com o disposto na legislação aplicável, mormente os Regulamentos Europeus aí mencionados, não existindo, assim, qualquer dispositivo legal que isente a recorrente de apresentar à autoridade fiscalizadora documento comprovativo que permita justificar o incumprimento da disposição aqui em causa, uma vez que o facto de o condutor não ser trabalhador da recorrente, mas mero prestador ocasional, não constitui fundamento susceptível de colmatar a omissão em que incorreu 1.

Compreende-se porque assim é: o quadro jurídico no âmbito do qual se punem condutas como a descrita visam, além do mais, a promoção da segurança rodoviária, razão pela qual as imposições, proibições e sanções se dirijam a todos os condutores e empresas transportadoras tal como definidos no art. 4.º do Regulamento (CE) 561/2006, independentemente de outras características.

Vale o exposto por dizer, e em síntese, que no quadro jurídico exposto, as empresas de transportes são responsáveis por qualquer infracção cometida pelos condutores ao seu serviço ou na sua disponibilidade, ainda que por curto período de tempo, sendo irrelevante a natureza jurídica do vínculo.

E, em sede de procedimento contra-ordenacional ou recurso de impugnação da autoridade administrativa, cabe-lhes, a fim de afastar a sua responsabilidade, provar que organizaram o serviço em moldes que permitiriam ao condutor observar a legislação aplicável, prova essa que, in casu, a recorrente não logrou efectuar. Cfr., embora apreciando a situação em que o condutor era o gerente da empresa, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de Novembro de 2017, proferido no Proc. n.º 2401/17.6T8VNF.G1, acessível em www.dgsi.pt.

Desta feita, é, pois, de manter, neste concreto âmbito, a imputação dos factos à recorrente, por força dos normativos que, antes, deixámos expostos, sendo que os demais factos nos quais assentava a sua defesa – a ausência de fiscalização pessoal que permitiria ter fornecido ao agente autuante outros elementos, mormente a declaração que justificaria a não posse dos discos dos dias anteriores – não resultaram provados, do mesmo passo que se não provou qualquer outro elemento susceptível de afastar a sua culpa.

No que respeita à coima concretamente aplicável e posto que a imputação à recorrente o foi a título negligente e que nenhum elemento de facto foi apurado donde se infira uma gravidade substancial do seu comportamento – não se apura o benefício económico alcançado, nem a sua situação económica – não se reveste de improcedente o por si requerido no sentido de a coima ser fixada próxima do limite mínimo.

Destarte e ponderando todos os elementos de facto apurados e, bem assim, o disposto no art. 14.º, n.º 1 e 4, al. a), da Lei 27/2010, de 30 de Agosto, o tribunal julga adequada e proporcional a aplicação, à recorrente, de coima mais próxima do limite mínimo, isto é, 29 UC’s (€ 2.958,00).»
*

Pelo Tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão:

«Por tudo quanto se deixou exposto, o tribunal julga improcedente o recurso interposto, mas, reduzindo a coima aplicada à recorrente, fixa-a no valor de 29 UC’s (€ 2.958,00).

Fixo a taxa de justiça devida pela recorrente em 2 UC’s (arts. 93.º, n.º 3, e 94.º, n.º 3, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, e art. 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Judiciais).»
*                                 

A arguida recorreu e formulou as seguintes conclusões:

A douta sentença ora recorrida condenou a recorrente na coima de 29 UC’s (€ 2.958,00), com fundamento na violação do disposto no artigo 36º do Regulamento (UE) nº 165/2014, de 4 de Fevereiro.

A recorrente não se conforma com a douta decisão proferida porque:

- Há contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, al. a), b) e c) do Cód. Proc. Penal);

- A matéria de facto dada como provada é manifestamente insuficiente para se poder concluir, como o fez a douta sentença recorrida que se verificou a prática da alegada contraordenação;

- Desde logo, porque o motorista não estava, à data da fiscalização, junto do veículo ou dentro dele, não tendo existido qualquer fiscalização pessoal daquele;

- A fundamentação da matéria de facto quanto aos pontos 1. a 4. e 6. é manifestamente insuficiente para dar tal matéria de facto como provada;

- O condutor (…) fora contratado pela recorrente para, naquele dia, efectuar um serviço ocasional de transporte da claque dos (…) desde o Porto até ao Estádio José Alvalade em Lisboa;

- O condutor (…) não é trabalhador subordinado da recorrente;

- Apenas fazendo serviços ocasionais esporádicos para a recorrente;

- Em situações em que o acréscimo de trabalho era de tal ordem que a recorrente tinha de recorrer a terceiros;

- O condutor (…) não era trabalhador da empresa, ora recorrente, e que apenas fez o serviço desse dia, donde não poderia ter os registos dos últimos 28 dias precisamente porque nos últimos 28 dias não tinha conduzido;

- A recorrente é acusada de haver violado o disposto no art. 36.º, do Regulamento (UE) n.º 165/2014, de 4 de Fevereiro, e, por consequência, ter cometido factos integradores de contra-ordenação muito grave, nos termos do disposto no art. 25.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto;

- Conforme resulta do referido Regulamento, o condutor deve apresentar aos agentes fiscalizadores a folha de registo do dia em curso e as utilizadas nos 28 dias anteriores;

- Mesmo admitindo, o que se concede apenas por mera hipótese académica, que se provou, por constar do auto de notícia, que o condutor não apresentou os últimos 28 discos dos dias anteriores;

- Tais factos atestados fazem fé em juízo, mas não chegam para atestar senão isso mesmo, que não os tinha consigo;

- Mas não que tinha, durante esse período de tempo, conduzido.

- Tal facto, essencial para a prática da contra-ordenação em apreço, exigiria da autoridade administrativa um esforço investigatório por forma a apurar da veracidade, ou não, das declarações da arguida, o que não sucedeu;

- E era essencial ter sucedido;

- Sem mais, ficou por provar um dos elementos típicos objectivos do tipo de ilícito em causa, o do condutor ter conduzido durante o período dos 28 dias anteriores, por forma a, desde logo, lhe ser possível apresentá-los aquando da fiscalização;

- Ora, não pode ser apresentado o que inexiste;

- E se o condutor em apreço não conduziu nos 28 dias em causa não poderia apresentar os discos em causa;

- Face a tal, impõe-se a procedência do recurso e, em consequência, a absolvição da arguida precisamente por não estarem verificados os elementos do tipo de contraordenação em causa;

- Se assim não se entender, o que apenas por mera hipótese académica se concede, deve a medida da pena aplicada ser alterada, e, consequentemente, reduzida.

Nestes termos deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença proferida, substituindo-se a mesma por outra que absolva a recorrente.

Caso assim não se entenda, deve a coima aplicada ser alterada, e, consequentemente, reduzida.

O Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
*

II–Importa solucionar no âmbito do presente recurso:

Se ocorre contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova;

- Se a matéria de facto dada como provada é manifestamente insuficiente para se poder concluir, como o fez a sentença recorrida;

- Se não estão reunidos os elementos do ilícito contra-ordenacional em apreço;

- Se o montante da coima deve ser reduzido.
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III–Apreciação

De acordo disposto no art. 51º, nº1 da lei nº 107/2009, de 14/09, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito.

Conforme refere António Abrantes Geraldes in “Recursos no Processo de Trabalho”, pág. 169, no âmbito das contra-ordenações laborais «o recurso em matéria de facto está limitado às situações referidas no art. 410º, nº2 do CPP, pelo que, em regra, a Relação apenas aprecia matéria de direito, funcionando, na prática, como tribunal de revista».

Estabelece o art. 410º, nº2 do Código de Processo Penal: “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a)-A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b)-A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c)-Erro notório na apreciação da prova».

O Tribunal a quo fundamentou da seguinte forma a decisão sobre a matéria de facto:

«Na fixação da matéria de facto que antecede, o tribunal valorou, fundamentalmente, a prova documental junta aos autos, bem como a prova testemunhal prestada em sede de audiência de discussão e julgamento.

No que se refere à matéria de facto provada constante dos pontos 1.1. a 1.4. extrai-se a mesma do teor do auto de notícia junto aos autos, conjugado com o depoimento da testemunha (…), justamente o agente autuante, cumprindo salientar que, com excepção do circunstancialismo inerente à fiscalização pessoal do motorista, a recorrente não coloca em causa a demais matéria. Especificamente no que se refere à fiscalização pessoal do motorista, o tribunal relevou o depoimento da testemunha já mencionada, agente da PSP, que, pela sua isenção e objectividade, mereceu credibilidade ao tribunal.

É certo que as testemunhas (…) e (…) referiram, ambas, não ter existido qualquer fiscalização pessoal do motorista em causa, posto que à chegada a Lisboa e após parqueamento dos veículos, o motorista fechou-o e acompanhou a claque a fim de ir ver o jogo. Referiram, assim, desconhecer porque forma foi efectuada a fiscalização, sendo que, ao chegarem a fim de regressar, o veículo estava aberto e teria sido retirado o disco do tacógrafo.

De todo o modo, o tribunal não reputa de convincentes os depoimentos em causa, posto que, a ser como descrito, mal se compreenderia o detalhe do auto de notícia, fundamentalmente na parte referente à identificação do motorista e outros elementos que apenas poderiam ser aferíveis justamente face a um contacto directo.

A matéria de facto provada sob o ponto 1.5. alicerçou-se nos depoimentos das testemunhas (…) e (…). A primeira testemunha é trabalhador da recorrente desde 2008, com funções de coordenador e motorista. Nesta medida, referiu, de modo que ao tribunal não mereceu qualquer reserva, que, no dia em causa, o motorista (…), à semelhança de outros, apenas prestava um serviço ocasional em virtude de a recorrente não ter trabalhadores motoristas em número suficiente para conduzir os vários autocarros do Porto até Lisboa a para o jogo entre o (…) e o (…).

A testemunha (…) referiu justamente a mesma realidade posto que é um dos motoristas que, esporadicamente e à semelhança do condutor (…), é contactado pela recorrente para prestar serviços ocasionais. Mais referiu que quer o próprio quer o motorista (…) não são trabalhadores da recorrente, efectuando, precisamente, estes serviços ocasionais para transporte da claque dos  (…).

Os depoimentos em causa não foram, de resto, infirmados por qualquer outro meio de prova minimamente consistente ou estruturante, posto que, como se nos afigura medianamente claro, o agente autuante, no acto da fiscalização, não avalia se determinado condutor é ou não trabalhador da empresa proprietária do veículo fiscalizado.

A matéria de facto provada constante do ponto 1.6. alicerçou-se no depoimento da testemunha (…), agente autuante, que, nesta sede e atenta a sua directa intervenção nos factos, corroborou a presente matéria de forma isenta e idónea e, por conseguinte, credível.

A matéria de facto não provada constante do ponto 2.1. alicerça-se nos mesmos fundamentos já aduzidos na fundamentação do facto provado sob o ponto 1.5., razão pela qual aqui se dão os mesmos por reproduzidos. A matéria de facto não provada constante do ponto 2.2. alicerça-se nos mesmos fundamentos já aduzidos na fundamentação do facto provado sob os pontos 1.1. a 1.4., razão pela qual aqui se dão os mesmos por reproduzidos. A matéria de facto não provada constante do ponto 2.3. decorre da circunstância de, quanto à mesma, não ter sido produzida qualquer prova.»

Invoca o recorrente o erro notório na apreciação da prova.

Vejamos.

O Tribunal “ a quo” procedeu à livre apreciação da prova, nos termos do disposto no art. 127º do CPP e não existe erro notório na apreciação da prova que cumpra oficiosamente verificar. Conforme refere o Acórdão do STJ de 09.09.2010 (www.dgsi,pt), «o erro notório na apreciação da prova, para além de ter de decorrer da decisão recorrida ela mesma, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente um entendimento que possa traduzir-se numa leitura que se mostre possível, aceitável ou razoável da prova produzida».

Poderá o recorrente discordar da apreciação da prova, mas tal não integra, só por si, o vício previsto na alínea c) do nº2 do art. 410º do CPP e não cabe, nesta sede, conforme acima referimos, apreciar tal discordância da decisão sobre a matéria de facto.

Do exposto também não resulta contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. Inexiste vício lógico de raciocínio entre as premissas e a decisão.

Importa ainda referir que a matéria de facto provada não se revela insuficiente para a decisão. Foram apurados os elementos relevantes para a decisão do caso em apreço.
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Estatuí o art. 36º do Regulamento UE nº 165/2014, de 04.02, sob a epígrafe “ Registos que devem acompanhar o condutor”:
«1.– Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:

i)As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores;



ii)O cartão de condutor, se o possuir; e



iii)Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006.

2.– Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo digital, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:

i)O seu cartão de condutor;



ii)Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, nos termos do presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006;



iii)As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea ii), no caso de terem conduzido um veículo equipado com tacógrafo analógico.

3.– Os agentes autorizados de controlo podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) n.º 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados, impressos ou descarregados registados pelo tacógrafo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de quaisquer disposições, como as do artigo 29.º, n.º 2, e do artigo 37.º, n.º 2, do presente regulamento.»

Conforme entendimento uniforme da jurisprudência (vide Acórdãos da Relação de Guimarães de 16.11.2017 e 20.10.2016, Acórdão da Relação de Lisboa de 16.03.2016, Acórdão da Relação de Évora de 1.10.2015 e Acórdão da Relação do Porto de 18.12.2018- www.dgsi-pt) seria necessário para excluir a ilicitude da conduta em apreço a apresentação perante os agentes autorizados de controlo de documento comprovativo que permitisse justificar o incumprimento da referida disposição legal.

Dado que tal prova não foi efectuada no momento oportuno, concluímos que estão verificados os elementos do referido ilícito contra-ordenacional.

Por último, vejamos o montante da coima.

Conforme resulta do disposto no art. 14º, nº4, a) da lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, o ilícito contra-ordenacional em apreço, na forma negligente, é punido com uma coima de 20 UC a 300 UC.

A coima deverá ser estabelecida em função do grau de culpa do infractor ( art. 14º, nº1 da referida lei nº 27/2010).

Tendo em atenção que a coima aplicada está muito próxima do limite mínimo, a decisão recorrida também não merece, neste aspecto, censura.

Improcede, desta forma, o recurso apresentado.
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IV–Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pela arguida e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.


Lisboa, 11 de Setembro de 2019
         
Francisca Mendes
Maria Celina de Jesus de Nóbrega