Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
244/12.2TBVPV-A.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ACORDO NA TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
NOVA ACÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1- Tem interesse em agir aquele que tem uma necessidade objectiva e justificada de socorrer-se do processo ou de fazer prosseguir a acção.
2- Tendo as partes, na tentativa de conciliação, aceitado o acordo promovido pelo Ministério Público, que foi homologado pelo Juiz e já transitou em julgado, tal implica que ficaram definitivamente fixados os direitos e obrigações de cada uma, o que impede que o sinistrado, posteriormente, proponha acção a invocar que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da empregadora e reclame indemnização por danos não patrimoniais, sem alegar a existência de fundamentos de anulação do acordo ou o conhecimento superveniente dos factos integradores da culpa da empregadora.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:

I- AA, NIF (…), cartão de Cidadão n.º (…), natural da freguesia de S. Jorge de Arroios, concelho de Lisboa, residente na Rua (…);
II- BB, NIF (…), natural da freguesia (…), concelho de (…), residentes (…)
III- CC, solteira, menor, NIF (…) titular do Cartão de Cidadão nº (…), válido até 20-10-2014, natural da (…), concelho de (…), onde reside na Rua (…), devidamente representada pelos seus pais identificados em I e II.
IV- DD, solteiro, menor, NIF (…), titular do Cartão de Cidadão nº (…), válido até (…), residente na Rua (…), concelho de (…), C.P. (…), devidamente representado pelos seus pais identificados em I e II,
intentaram contra:

EE, NIPC (…), com sede na Rua (…), a presente acção sob a forma de processo comum, pedindo que esta seja julgada procedente e que, por via dela, seja a Ré condenada a pagar aos autores, a titulo de danos não patrimoniais, a quantia global de 500.000,00€ (quinhentos mil euros) em virtude do acidente de trabalho que vitimou o autor AA por violação culposa e indesculpável das regras de segurança imputadas à ré, na proporção de 250.000,00€ para o autor AA, 150.000,00€ para a autora BB, sua mulher e 50.000,00€ para cada um dos autores menores, seus filhos.

Invocaram para tanto, em síntese, que:

- O Autor, AA, foi admitido ao serviço da ré EE em 2009, para exercer as funções de operário de manutenção que incluíam pequenas reparações de electricidade, de serralharia e todas as demais de um operário de manutenção geral, para exercer as suas funções no Matadouro Industrial da ré na Zona Industrial da (…);
- No dia 21 de Abril de 2011, um pouco antes das 8 horas, o autor dirigiu-se ao seu local de trabalho, onde vestiu a sua farda e calçou as botas cujas solas estavam molhadas, dado o piso do local de trabalho se encontrar sempre molhado;
- Pelas 9 horas foi preciso substituir uma lâmpada fundida colocada no tecto de uma das salas do matadouro que se situava a mais de 2,6m de altura e como o autor tem uma estatura mediana de cerca de 1,7m de altura, teve de se socorrer de um escadote para aceder à lâmpada e substituí-la;
- Subiu e ao proceder à substituição, por força das características do equipamento disponibilizado pela entidade patronal e do local de trabalho, apesar do cuidado, inadvertida e involuntariamente escorregou e caiu desamparadamente, batendo de costas numa mesa que no local se encontrava e que fazia parte dos equipamentos da ré, provocando-lhe os danos que descreveu e que lhe provocaram paraplegia irreversível;
- O acidente em causa ficou a dever-se única e exclusivamente à violação de regras de segurança no trabalho exclusivamente imputáveis à ré que não assegurou o necessário equipamento com as necessárias regras de segurança para o local em concreto, furtando-se assim aos custos do adequado equipamento, pondo em perigo a segurança dos seus trabalhadores o que efectivamente veio a concretizar-se de forma funesta;
- Em Abril de 2011 foi instaurado processo de acidente de trabalho nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de (…), que tomou o número (…) do Tribunal Judicial de (…), tendo, as partes, na tentativa de conciliação, que se realizou em 5 de Setembro de 2013, aceitado:

a) Caracterizar o acidente como acidente de trabalho;
b) Que existe nexo causal entre o acidente e a lesão;
c) Que à data do acidente auferia o aqui autor o montante anual de 13.001,47€;
d) Que a data da alta definitiva foi a 31-05-2013;
e) Que o seguro tem uma cobertura até ao limite de uma remuneração anual de 8.400,00€;
f) Que a natureza e o grau de incapacidade atribuída pelo perito médico do G.M.L., ou seja, uma incapacidade permanente e absoluta para todo e qualquer tipo de trabalho;
g) O aqui autor AA, declarou encontrar-se pago de todas as indemnizações que tinha direito até à data da alta, bem como do subsídio por situação de elevada incapacidade permanente;
h) Aceitou a aqui ré pagar o valor de 315,53€ mensais, resultantes da diferença da remuneração que está transferida para a seguradora daquela que era efectivamente paga pela entidade patronal.
i) Declarou a seguradora aceitar o pagamento da pensão no montante de 576,00€ a pagar mensalmente e vitaliciamente e, ainda, o pagamento da prestação suplementar da pensão no montante de 509.25€ a pagar mensalmente e vitaliciamente;
- Contudo, encontra-se por pagar o valor resultante aos danos morais e não patrimoniais sofridos pelos Autores em virtude do acidente ocorrido e que mencionam e que, em seu entender, atenta a sua gravidade, merecem a tutela do direito; e
-Quanto à fixação do valor da indemnização há que ter em conta os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 2008 e de 29 de Fevereiro de 2012, pelo que, in casu, é ajustada a quantia peticionada a título de indemnização, tendo em conta a gravidade dos danos sofridos por toda a família.

Realizou-se a audiência de partes não tendo sido possível a sua conciliação.

Notificada a Ré para contestar veio fazê-lo por excepção e por impugnação.

Por excepção invocou a caducidade do direito dos autores, a ilegitimidade dos Autores BB, CC e DD e a falta de interesse em agir, invocando que, no âmbito do processo n.º (…), o A, a R e a Companhia de Seguros FF, S.A celebraram um acordo aquando da respectiva tentativa de conciliação, tendo o mesmo sido homologado em 30.09.2013, que a definição dos direitos resultantes do acidente ficou ampla e cabalmente estipulada pelas partes e logrou valor definitivo – artigos 111º, 114º e 115º do CPT, que os responsáveis não tinham qualquer razão para pensar que a vontade do beneficiário (ora autor) era a de garantir a imediata reparação dos danos patrimoniais e a de deixar para futuro a definição dos danos não patrimoniais e sua reparação, sendo pacífico entre as partes que a decisão homologatória do acordo obtido na tentativa de conciliação transitou em julgado - artigo 625º do CPC, aplicável ex vi art. 1º, nº2 a) do CPT – com preclusão do direito de reclamar qualquer outra e diversa responsabilidade, e na afirmação de que, em função da satisfação dos direitos legalmente definidos, cujo cumprimento aliás o beneficiário/autor nem pôs em causa na sua douta petição inicial, não tem o mesmo interesse em agir;
Acrescentou, ainda, que o Autor lesou a confiança depositada pela ora Ré (e da Seguradora), num claro venire contra factum proprium, sendo certo que o sinistrado beneficiou com a celebração do dito acordo e que, ainda que o A tivesse a intenção de reclamar o pagamento de supostos danos não patrimoniais, socorrendo-se do direito de reparação especial, previsto no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, teria sempre de demonstrar (ou, pelo menos, alegar) o direito à efectivação desse pagamento no momento oportuno, ou seja, na Tentativa de Conciliação, sendo certo que, do Auto da Tentativa de Conciliação resulta que as partes pretenderam conciliar-se quanto à totalidade dos aspectos relativos ao acidente de trabalho, e não apenas parcialmente, pelo que os Autores não têm interesse em agir em face do acordado em sede de conciliação.
Ainda impugnou os factos invocados pelo Autor, por entender que uns são falsos, outros por desconhecê-los e outros ainda por estarem em contradição com o descrito na contestação, bem como todos os danos alegados pelo Autor que não se encontram descritos no respectivo relatório médico, concluindo não ter existido violação das regras de segurança por parte da R, não sendo devida ao Autor a compensação derivadas de danos não patrimoniais, além de que é excessiva a indemnização peticionada.
Pediu, a final, que a acção seja julgada improcedente com a sua absolvição dos pedidos.

Os Autores responderam invocando, em resumo, que o processo conciliatório não tem em vista indemnizações por danos morais, que estão excluídas do mesmo, que por maioria de razão os pedidos apresentados pelos autores que não o sinistrado não podiam ser afectados, já que não intervieram no processo de forma alguma e que não há qualquer violação do caso julgado.

As partes declararam prescindir da audiência prévia, tendo a sua realização sido dispensada.

Em 11.10.2015 foi proferido despacho saneador que se transcreve na parte que ao caso importa e com exclusão das notas de rodapé:
“(…)

Com os fundamentos fácticos e legais supra expostos, concluindo-se pela inadmissibilidade legal da propositura da presente acção – dado o acordo anteriormente alcançado e judicialmente homologado no processo especial emergente de acidente de trabalho (ao qual os presentes foram apensados) -, incluindo por falta de interesse em agir dos autores, absolve-se a ré da instância, com as legais consequências.
Custas pelos autores, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que gozam.
Registe e notifique.”

Inconformados, os Autores recorreram, formulando as seguintes conclusões:
(…)

Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e revogada a sentença recorrida por não verificadas as excepções do caso julgado e falta de interesse em agir por parte dos autores, devendo o tribunal recorrido seguir a tramitação subsequente, nomeadamente para efeitos de submissão da causa a julgamento, julgando-se a causa de acordo com os factos que se provarem e o Direito aplicável.

A Ré contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
(…)

k) Andou bem a douta sentença recorrida que concluiu pela inadmissibilidade legal da propositura da ação – dado o acordo anteriormente alcançado e judicialmente homologado no âmbito do processo especial emergente de acidente de trabalho (apenso aos presentes autos), incluindo por falta de interesse em agir -, absolvendo, em consequência, o R da respetiva instância, pelo que mantendo a mesma farão V. Exas. a habitual e costumada Justiça.

O recurso foi admitido na forma, com o modo de subida e efeito adequados.

Neste Tribunal, o Exmº. Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou parecer no sentido do recurso ser julgado improcedente.

Notificadas as partes do teor do mencionado parecer, responderam os Autores referindo que não concordam com o mesmo e reafirmando o invocado nas alegações.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso.

Sendo pacífico que o âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), nos presentes autos importa saber se os Autores têm interesse em agir na presente acção e se não se verifica a excepção do caso julgado, estando verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar decorrente do artigo 483º do Código Civil.

Fundamentação de facto.

Com interesse para a decisão relevam os factos constantes do relatório supra e a que alude a decisão recorrida que não foram postos em causa pelas partes.

Fundamentação de direito.

Apreciemos, então, se os Autores têm interesse em agir na presente acção e se não se verifica a excepção do caso julgado, estando verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar decorrente do artigo 483º do Código Civil.

Defendem os Autores, em resumo, que o interesse em agir na presente acção cível não fica impedido nem é eliminado pelo facto de o autor I ter tido intervenção (apenas ele) no processo laboral de acidentes de trabalho em que foi estabelecido acordo apenas quanto à caracterização do acidente como acidente de trabalho e se fixaram as pensões decorrentes apenas de tal acidente enquanto mero acidente de trabalho, sendo que, por maioria de razão, tal interesse em agir se mantém intacto não só em relação ao autor I mas em relação aos autores II, III e IV que nem tiveram intervenção de todo em todo naquele processo de acidente de trabalho que terminou na fase conciliatória a que a presente acção foi apensa e que é inequívoco que no presente processo não se verifica qualquer excepção de caso julgado.

Acrescenta que, tendo os Autores sofrido danos de natureza patrimonial e não patrimonial em consequência do acontecimento lesivo e culposo da Ré, estão preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar decorrentes do artigo 483º do Código Civil e ainda por aplicação, numa interpretação actualista do artigo 496º do Código Civil já que se deve entender que merecem a tutela do direito e consequente indemnização os danos morais quer do cônjuge quer dos filhos do sinistrado mesmo no caso em que não ocorre a morte deste.

Vejamos:

Sobre o interesse em agir escreve Manuel A. Domingues de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil”, pags.80 e 82: “consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial. É o interesse em utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo. Não se trata de uma necessidade estrita, nem tão-pouco de um qualquer interesse por vago e remoto que seja; trata-se de algo de intermédio: de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece (…). A falta do interesse processual significa não ter o demandante razão para solicitar e conseguir a tutela judicial pretendida”.

Também com interesse, lemos no Manual de Processo Civil de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, pags.179 a 181 que “ o interesse processual consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção (…) O autor tem interesse processual quando a situação de carência, em que se encontre, necessite da intervenção dos tribunais (…) Relativamente ao autor, tem-se entendido que a necessidade de recorrer às vias judiciais, como substractum do interesse processual, não tem de ser uma necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada. Mas também não bastará para o efeito a necessidade de satisfazer um mero capricho de vindicta sobre o réu) ou o puro interesse subjectivo (moral, científico ou académico). O interesse processual constitui um requisito a meio termo entre os dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção- mas não mais do que isso.”

Ainda sobre o pressuposto processual interesse em agir, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17.03.2011, segundo o qual “enquanto pressuposto processual, o interesse em agir (que se não confunde com a legitimidade, conforme bem se salienta no despacho recorrido) consiste na necessidade de se usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção”.

Em suma, podemos afirmar que tem interesse em agir aquele que tem uma necessidade objectiva e justificada de socorrer-se do processo ou de fazer prosseguir a acção.

No caso em apreço, no auto de tentativa de conciliação de fls. 235 a 240 dos autos emergentes de acidente de trabalho, a que estes foram apensados, consta que na diligência estiveram presentes o sinistrado, AA, a entidade seguradora, Companhia de Seguros FF, S.A. e a entidade patronal, EE e que perante o acordo promovido pelo Ministério Público declararam os presentes:

- O Sinistrado:

Aceita:
- A existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho.
- O nexo causal entre a lesão e o acidente.
- Que à data do acidente auferia a retribuição anual de € 13.001,47.
- Que a data da alta definitiva é 31.05.2013.
- Que o seguro tem uma cobertura até ao limite de uma remuneração anual de € 8.400.
- A natureza e o grau de incapacidade atribuída pelo perito médico do GML ou seja, uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho.
- Encontra-se pago de todas as indemnizações até à data da alta, bem como do subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, conforme documento junto a fls. 234.
- Quanto aos subsídios de férias e de Natal dos anos de 2011 e 2012 a situação encontra-se regularizada.
- Reclama da entidade patronal e da seguradora as importâncias propostas no acordo apresentado pelo Ministério Público.

O legal representante da entidade patronal:

Aceita:
- A existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho.
- O nexo causal entre a lesão e o acidente.
- Que à data do acidente auferia a retribuição anual de € 13,001,47.
- Que a data da alta definitiva é 31.05.2013.
- Que o seguro tem uma cobertura até ao limite de uma remuneração anual de € 5.400.
- A natureza e o grau de incapacidade atribuída pelo perito médico do CML, ou seja, uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho.
- O pagamento da pensão vitalícia de 314,53 euros mensais, resultantes da diferença da remuneração que está transferida para a seguradora e daquela que era efectivamente paga pela entidade patronal.
- Em suma, concorda com o acordo proposto pelo Ministério Público nos seus precisos termos.

O legal representante da entidade seguradora:

Aceita:
- A existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho.
- O nexo causal entre a lesão e o acidente.
- Que à data do acidente auferia a retribuição anual de € 13.001,47.
- Que a data da alta definitiva é 31.05.2013, conforme fls. 157 dos autos.
- Que o seguro tem uma cobertura até ao limite de uma remuneração anual de €8400.
- A natureza e o grau de incapacidade atribuída pelo perito médico do GML, ou seja, uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho.
- Que o sinistrado se encontra pago de todas as indemnizações até à data da alta, bem como do subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, conforme documento junto aos autos a fls.234.
-Quanto aos subsídios de férias e de natal dos anos de 2011 e 2012 a situação encontra-se regularizada.
- O pagamento da pensão no montante de 576 euros a pagar mensal e vitaliciamente.
- O pagamento da prestação suplementar da pensão no montante de 509 euros, a pagar mensal e vitaliciamente.
- Em suma concorda com o acordo proposto pelo Ministério Público nos seus precisos termos.”

Face às declarações do sinistrado, da entidade seguradora e da entidade empregadora, o Ministério Público deu as partes por conciliadas e determinou a ida dos autos ao Mmº Juiz para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 114º do CPT.

Em 30.09.2013  a Mmª Juiz proferiu a seguinte decisão:
“ Atendendo ao objecto da causa e a qualidade dos intervenientes, julgo válido e juridicamente relevante o acordo efectuado pelas partes, pelo que homologo pelo presente despacho nos termos dispostos pelo artigo 114º, nº 1 do CPT.
Notifique.”

Ora, como é sabido, os processos emergentes de acidente de trabalho regulados no Código de Processo do Trabalho são constituídos por duas fases: a fase conciliatória e a contenciosa.

A fase conciliatória tem por base a participação do acidente e é dirigida pelo Ministério Público (art.99º), devendo este assegurar-se, pelos necessários meios de investigação, da veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes, para os efeitos dos artigos 109º e 114º (art.104º), nela se contemplando a realização da perícia médica que é secreta e na qual pode o Ministério Público, em qualquer caso, propor questões sempre que o seu resultado lhe ofereça dúvidas (art.105º nº 4) e devendo o relatório pericial obedecer ao formalismo a que alude o artigo 106º, após o que se segue a tentativa de conciliação.

À tentativa de conciliação são chamados, além do sinistrado ou dos seus beneficiários legais, as entidades empregadoras ou seguradoras, conforme os elementos constantes da participação e se das declarações prestadas na tentativa de conciliação resultar a necessidade de convocação de outras entidades, o Ministério Público designa nova tentativa. (art.108º).

Na tentativa de conciliação, o Ministério Público promove o acordo de harmonia com os direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente o resultado da perícia médica e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado (art.109º).

E quando o grau de incapacidade fixado tiver carácter provisório ou temporário, o acordo tem também, na parte que se lhe refere, validade provisória ou temporária e o Ministério Público rectifica as pensões ou indemnizações segundo o resultado das perícias ulteriores, notificando dessas rectificações as entidades responsáveis, sendo que as rectificações consideram-se como fazendo parte do acordo. (art.110º).

Assim e como escreve Abílio Neto no Código de Processo do Trabalho Anotado”, 5ª Edição actualizada e ampliada, pág. 302 “ a tentativa de conciliação, que é presidida pelo magistrado do Ministério Público, visa alcançar o acordo global final (art.109º) ou o acordo provisório (art. 110), como ocorrerá por ex. nos casos previstos no nº 1 do art.102º e nela deverão comparecer, de acordo com as circunstâncias, o sinistrado, ou os beneficiários legais, e as entidades responsáveis (seguradora, entidade patronal, FAT).”

E dos autos de acordo constam, além da identificação completa dos intervenientes, a indicação precisa dos direitos e obrigações que lhes são atribuídos e ainda a descrição pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento aos referidos direitos e obrigações (art.111º).

Realizado o acordo, é imediatamente submetido ao juiz, que o homologa por simples despacho exarado no próprio auto e seus duplicados, se verificar a sua conformidade com os elementos fornecidos pelo processo e com as normas legais, regulamentares ou convencionais (art.114º nº 1).

O acordo produz efeitos desde a data da sua realização (art.115º).

E se tiver sido junto acordo judicial e o Ministério Público o considerar em conformidade com o resultado das perícias médicas, com os restantes elementos fornecidos pelo processo e com as informações complementares que repute necessárias submete-o, com o seu parecer, a homologação do juiz e se essa conformidade não se verificar o Ministério Público promove tentativa de conciliação nos termos dos artigos anteriores.

Mas se se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau de incapacidade atribuída. (art.112º nº 1).

E não havendo acordo na fase conciliatória, nos termos do artigo 117º, inicia-se a fase contenciosa que corre nos autos em que se processou a fase conciliatória e tem por base:
a) petição inicial, em que o sinistrado, doente ou respectivos beneficiários formulam o pedido, expondo os seus fundamentos;
b) Requerimento, a que se refere o nº 2 do artigo 138º, do interessado por se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho.

Nesta fase do processo, se estiverem em discussão outras questões, para além da incapacidade do sinistrado, como a natureza do acidente, a entidade responsável, o nexo causal entre o acidente e as lesões, a responsabilidade agravada do empregador, então, o juiz determina o desdobramento do processo, determinando a abertura de um apenso onde se apreciará a incapacidade do sinistrado, conhecendo-se das restantes questões no processo principal (arts.126º e 132º).

O processo principal segue a tramitação prevista nos artigos 119º, 128º, 129º, 130º, 131º, 133º,134º e 135ºdo CPT.

Revertendo ao caso, constata-se que, na tentativa de conciliação, as partes acordaram sobre a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo causal entre a lesão e o acidente, a retribuição, a entidade responsável, a data da alta e a natureza e grau de incapacidade atribuída ao sinistrado, nada tendo sido dito no sentido de que o acidente dos autos teria sido provocado pela empregadora ou por inobservância das regras de segurança no local de trabalho, ou seja, que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da entidade empregadora, como pretendem os Autores com a presente acção.

E repare-se que a fls.125 a 134 dos autos, o sinistrado juntou um requerimento onde invoca a responsabilidade da Ré por danos não patrimoniais que sofreu por entender que a falta de condições de segurança no trabalho que descreveu (arts.34 a 48 do requerimento) contribuiu, decisivamente, para a ocorrência do acidente, escrevendo no artigo 32 o seguinte:

“ Ora, como já adiantei supra o EE é responsável por indemnizar-me também a título de danos extrapatrimoniais por mim sofridos, que, atendendo à paraplegia irreversível a que fiquei sujeito, à minha idade, e a todos os demais factores já referidos nos autos e que V.Exª, enquanto minha representante enquanto trabalhador sinistrado, coligirá, reunindo, sob a sua direcção, todos os elementos necessário para o bom sucesso da acção judicial que por si vier a ser intentada no caso de não se conseguir acordo satisfatório quer com a seguradora quer com o EE, e que no caso dos danos extrapatrimoniais, só quanto a estes, se deverá exigir do EE, judicialmente, se necessário, em montante que, na minha opinião, adianto já que deverá ser em montante nunca inferior a 350.000,00€ (trezentos e cinquenta mil euros).

Acresce que a fls. 171 dos autos o Ministério Público proferiu o seguinte despacho:
“ Tendo em consideração que há indícios de violação de regras de construção que estiveram na origem do acidente objecto de análise, ordeno seja extraída certidão de todo o processo, seja a mesma registada, distribuída e autuada como inquérito a fim de se averiguar da existência ou não de crime previsto no artigo 277º, nº 1 alínea a) do Código Penal.”

Contudo, não obstante o que se acabou de referir, a verdade é que na tentativa de conciliação as partes chegaram a acordo, foram dadas por conciliadas, vindo o acordo em causa a ser homologado por despacho do juiz que já transitou em julgado.

Ora, “a decisão do juiz que homologa um acordo das partes conseguido perante o Mº Público, na tentativa de conciliação, a que alude o artigo 111º do anterior CPT desfruta da autoridade de caso julgado material”- ( Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 5.4.2000, Col. Jur.,2000, 2º-170, citado na obra acima citada, pag. 314).

E como elucida o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.06.2007, in www.dgsi.pt.
“I- O caso julgado material, enquanto efeito de um pronunciamento judicial que se projecta para além do processo concreto em que se forma, traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal, em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário.
II- A projecção do caso julgado vai, porém, mais longe que a evitação de uma subsequente decisão conflituante, indo ao ponto de, ocorrendo novo “caso julgado” contraditório, retirar a este último, fazendo subsistir o primitivo pronunciamento, a natureza de caso julgado – artº 675º CPC.”

Ora, é certo que o nº 1 do artigo 18º da Lei nº 98/2009 de 4 de Setembro, aplicável ao caso dado que o acidente ocorreu a 21.04.2011, determina que “ Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles das regras sobre saúde e segurança no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.”

E como elucida o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.02.2014, in www.dgsi.pt, “No âmbito da actual Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei n.º 98/2009 de 04.09) como já acontecia nas anteriores, não há lugar à reparação por danos morais, com excepção das situações previstas no art. 18º nº 1 da mesma Lei, ou seja, quando o acidente for devido a culpa da entidade empregadora ou quando resultar da falta de observância por aquela de regras sobre segurança e saúde no trabalho.”

Sucede, porém, que aquando da tentativa de conciliação, o sinistrado e a família não invocaram que o acidente foi provocado pela actuação culposa da empregadora ou que esta não observou as regras de segurança no local de trabalho, nem reclamaram qualquer indemnização por danos não patrimoniais, como reclamam na presente acção, tendo o sinistrado aceitado que o direito à reparação se fixasse nos termos previstos no artigo 48º da Lei 98/2009 e não nos termos do artigo 18º da mesma Lei que prevê uma responsabilidade agravada por parte da empregadora.

E como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.10.2013, também citado no despacho saneador/sentença: “É assim que chegamos a um ponto em que podemos fazer duas afirmações: - a definição dos direitos resultantes do acidente ficou ampla e cabalmente estipulada pelas partes e logrou valor definitivo – artigos 111º, 114º e 115º do CPT, já referidos – e as responsáveis não tinham qualquer razão para pensar que a vontade da beneficiária era a de garantir a imediata reparação dos danos patrimoniais e a deixar para futuro a definição dos danos não patrimoniais e sua reparação.
Entramos assim na afirmação de caso julgado, sendo pacífico entre as partes que a decisão homologatória do acordo obtido na tentativa de conciliação transitou em julgado - artigo 675º do CPC[3], aplicável ex vi art. 1º, nº2 a) do CPT – com preclusão do direito de reclamar qualquer outra e diversa responsabilidade, e na afirmação de que, em função da satisfação dos direitos legalmente definidos, cujo cumprimento aliás a beneficiária nem pôs em causa na petição inicial, não tem a mesma interesse em agir, tal como se afirmou na decisão recorrida, sufragando-se os fundamentos doutrinários ali expendidos.
Na verdade, tal como se refere no acórdão desta Relação citado na decisão recorrida, solução diversa só seria legalmente possível com a obtenção de anulação judicial do acordo alcançado na tentativa de conciliação e com a revisão da decisão homologatória do mesmo, nos termos do artigo 301º nº 2 do Código de Processo Civil, na versão em vigor ao tempo da entrada da petição inicial. De resto, na petição inicial, a ali autora nem sequer alegou qualquer causa de discordância quanto aos termos concretos do acordo, nem alegou qualquer erro ou vício de vontade seu, nem alegou que o conhecimento das circunstâncias referidas no artigo 18º da LAT só se tornou possível após a realização do acordo.”

Ora, também no caso em apreço, os Autores não invocam qualquer causa de anulação judicial do acordo obtido na tentativa de conciliação, qualquer erro ou vício da vontade, nem que o conhecimento dos factos que, em seu entender, fundamentam a alegada culpa da empregadora, lhes adveio após a obtenção do acordo.

Assim e como refere a decisão recorrida, a admitir-se agora a discussão da responsabilidade da empregadora “estar-se-ia a contrariar o anteriormente decidido, tanto mais que se assim fosse, as prestações decorrentes do acidente não seriam aquelas que foram atribuídas (prestações normais), mas antes prestações agravadas”, sendo que “ a responsável por tais prestações seria a empregadora e já não a seguradora (entidade que assumiu tais pagamentos aquando da tentativa de conciliação), a qual apenas teria uma responsabilidade subsidiária.”

Por conseguinte, tendo as partes, na tentativa de conciliação, aceitado o acordo promovido pelo Ministério Público, que foi homologado pelo Juiz e já transitou em julgado, tal implica que ficaram definitivamente fixados os direitos e obrigações de cada uma, o que impede que o sinistrado, posteriormente, proponha acção a invocar que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da empregadora e reclame indemnização por danos não patrimoniais, sem alegar a existência de fundamentos de anulação do acordo ou o conhecimento superveniente dos factos integradores da culpa da empregadora.

Em consequência, impõe-se acompanhar a decisão recorrida quando refere que a questão ficou definitivamente decidida e que os Autores não têm interesse em agir, não podendo, neste momento, interpor nova acção para apreciação dos danos não patrimoniais, improcedendo, assim, o recurso.

Considerando o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 527º do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade dos recorrentes, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhes foi concedido.

Decisão.

Em face do exposto acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido.


           
Lisboa, 13 de Julho de 2016


Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Claudino Seara Paixão


Decisão Texto Integral: