Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19442/15.0T8SNT-A.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: PERÍCIA
CONTRATOS DE FINANCIAMENTO
PRINCÍPIO DE ECONOMIA
DA EXEQUIBILIDADE DE DEFESA
O PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO E DA AUTO-RESPONSABILIZAÇÃO DA PARTE PELA PROVA DOS FACTOS QUE ALEGOU
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.–Não compete ao tribunal substituir-se ao juízo de exequibilidade que os peritos possam fazer da perícia que lhes é requerida.

II.–Não compete ao tribunal substituir-se à resposta que entidades financiadoras possam dar relativamente a contratos de financiamento celebrados com clientes cujos nomes constam de listagem sem maiores elementos de identificação.

III.–Apurar o número de clientes angariados por um concessionário, alegadamente mais de 30.000 e apurar o número deles que possam ter continuado a ser clientes da importadora e distribuidora de veículos e possam por ela ter sido encaminhados para outros concessionários, alegadamente 15.000, através de perícia à escrita da importadora e do concessionário, não viola, em função dum princípio de economia e até de exequibilidade de defesa, o princípio do dispositivo e da auto-responsabilização da parte pela prova dos factos que alegou.

SUMÁRIO: (da responsabilidade do relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.–Relatório:

Auto, SA nos autos m.id., veio instaurar a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra X, Lda, nos autos também m.id., peticionando a final a condenação desta a pagar-lhe €1.389.768,80 a título de indemnização de clientela relativamente aos veículos das marcas X e Mini, acrescidos de juros de mora, à taxa legal anual de 8,05%, desde a citação e até integral pagamento.

Alegou em síntese, na sua petição aperfeiçoada, que se dedica, entre o mais, à actividade de comércio de veículos automóveis novos e usados e à prestação de serviços de reparação e que a Ré é a actual importadora, representante e distribuidora de veículos automóveis novos das marcas X e Mini, beneficiando do direito de exclusividade na importação desses veículos para Portugal.

A Autora celebrou com a antecessora da Ré e há mais de 25 anos, acordo mediante o qual foi constituída concessionária dos veículos X para a região do Porto, e em Outubro de 2001 passou igualmente a ser concessionária dos veículos Mini. A Ré, por cartas datadas de 23.3.2012, comunicou à Autora a sua decisão de não renovar os acordos comerciais, a partir de 30 de Setembro de 2013.

Nos termos de tais contratos, a Ré obrigara-se a vender à A. em exclusividade, e para esta revender, os diferentes modelos de veículos novos das referidas marcas, bem como os componentes originais para efectuar reparações. A A., no cumprimento das suas obrigações contratuais, angariou novos clientes para os veículos representados pela Ré, sendo, ao todo, 32.524 clientes, conforme lista que protestou juntar como documentos 13 e 14, e que representaram para a Ré um volume médio anual de vendas de €16.352.398,00. Como contrapartida, a Autora era retribuída com descontos e com o pagamento de bónus, que representaram, nos últimos cinco anos, €6.948.844, traduzindo-se numa remuneração média anual, para a Autora, de €1.398.768,80.

Ora, a Ré manteve e continua a manter relações comerciais com os clientes angariados pela Autora, alguns sendo abordados pela Ré no sentido de lhes ser sugerido e recomendado outro agente/concessionário. Da carteira de 32.000 clientes que a Autora tinha angariado ao longo de todo o período de vigência dos acordos, cerca de metade continuou a comprar veículos e acessórios X e Mini após a cessação dos acordos vigentes entre as partes, beneficiando a Ré da clientela angariada e fidelizada pela Autora, encaminhando-a para outros concessionários da sua rede de mercado.

Com a sua petição aperfeiçoada requereu a Autora:
“III– Requer a realização de Perícia Singular à escrita da Ré (…) em particular no período compreendido entre 01/10/2013 e 28/08/2015, para confronto com a lista de clientes da Autora anexada na petição inicial, a fim de se apurar se no indicado período a Ré continuou a vender veículos ou componentes a algum dos clientes angariados pela Autora, por forma a habilitar o Senhor Perito a responder aos seguintes quesitos:
(…)
- Os clientes angariados pela Autora efectuaram compras de veículos ou acessórios à Ré após 30 de Setembro de 2013? 2º- Quais os clientes e em que montantes? 3º - Com os clientes que a Autora angariou para os veículos das marcas representadas pela Ré, aumentou o número de novos clientes para os veículos X e Mini? 4º - Por acção das compras e actividade da Autora o volume de vendas da Ré aumentou para a zona Norte do País?

IV– Requer a realização de exame à contabilidade da Autora, a efectuar por perito a designar pelo Tribuna (…) relativamente ao período dos exercícios fiscais nos anos de 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012, por forma a habilitar o Senhor Perito a responder aos seguintes quesitos (…) 1º - Qual o valor global dos veículos novos comercializados pela Autora, em cada um dos indicados anos, das marcas BMV e Mini? 2º - Qual o número de clientes angariados ou fidelizados pela Autora em cada um daqueles anos para a compra de veículos das marcas X e Mini? 3º - Qual o valor das contrapartidas, descontos comerciais, bónus, comissões ou compensações praticas e/ou pagas pela Ré à Autora em cada um dos indicados anos, relativamente à comercialização de veículos que esta vendeu das marcas X e Mini? 4º - Qual foi o volume médio anual comissões, retribuições ou outras compensações pagas ou devidas pela Ré à Autora em cada um dos indicados períodos?

V– Requer a notificação das seguintes entidades que integram o Grupo X: a) Financial Services Portugal (…), b) X Renting (Portugal) S.A., (…), c) X Bank Gmbh Sucursal Portugal (…) Para virem indicar aos autos, quantos contratos de financiamento, leasing, locação ou renting celebraram com os clientes da Autora constantes da listagem anexa à petição inicial, desde 30 de Setembro de 2013 até 28 de Agosto de 2015”.

A Ré contestou, além do mais quanto ao aperfeiçoamento da petição inicial, impugnando que a Autora tenha actuado como agente de vendas, que tenha angariado 32.000 novos clientes, e que tenha a Ré beneficiado de 15.000 deles. Quanto ao requerimento de prova apresentado, pronunciou-se no sentido de que, no que diz respeito ao exame à sua escrita, as questões indicadas pela Autora não exigem conhecimentos técnicos, a resposta aos quesitos 1º e 2º é inútil, a perícia não constitui meio idóneo para saber se a Ré continuou a vender componentes a clientes da Autora, devem introduzir-se restrições na perícia, se por hipótese for deferida e deve a mesma ser colegial. Pronunciou-se ainda quanto à perícia à Autora, referindo erros no período indicado, na formulação do quesito 1º, considerou que não se exigem conhecimentos técnicos para averiguar a angariação e fidelização de clientes, e além do mais, que a perícia deve ser colegial. Quanto à notificação das entidades referidas, alegou que a X Financial Services Portugal não existe como ente jurídico, e que a notificação das demais é desnecessária para os autos.

Foi proferido despacho saneador, fixando à acção o valor de €1.389.768,80, fixando o objecto do litígio como sendo “O direito da A. a indemnização de clientela relativamente aos veículos das marcas X e MINI”, enunciando os temas de prova como sendo “Os termos e datas dos contratos celebrados entre A. e R.; A exclusividade do contrato celebrado entre A. e R. na perspectiva da A.; A angariação de clientes feita pela A.; A publicitação feita pela A. dos veículos automóveis; As obrigações impostas pela R. à A. e o cumprimento das mesmas por esta; O volume anual médio de vendas da A.; Os benefícios para a R. da clientela angariada pela A.; O incumprimento por parte da A. das obrigações assumidas com a R.”.

Relativamente à prova pericial e à notificação requeridas, decidiu-se nos seguintes termos:
Veio a A. com o seu articulado superveniente requerer a realização de prova pericial à escrita da R. “para confronto com a lista de clientes da A. anexada na PI” e à sua própria escrita.
A R. veio opor-se à realização da requerida prova pericial, suscitando igualmente uma questão de manifesta relevância, desde logo para a apreciação da exequibilidade das perícias requeridas, a saber, o teor dos documentos 13 e 14 juntos aos autos, os quais constituem segundo a alegação a A. a “com a lista de clientes da A.”
Com efeito e sem prejuízo da impugnação que a R. fez dos documentos, verifica-se que tais documentos, sem qualquer identificação da fonte, nem legenda, se traduzem num conjunto de nomes de cidadãos e sociedades, alguns com morada desconhecida e outros com a indicação falecido, seguidos de uma coluna com a indicação do sexo, um número, a menção “Não” e as letras P/FA/AD/PD/N. Nos documentos em causa não consta a aquisição do veículo ou componente alegadamente adquirido pelos cidadãos cujos nomes aí estão elencados, nem tão pouco a data de outorga de qualquer contrato com a A.
Assim, ainda que se entenda não existir fundamento para ordenar o desentranhamento dos documentos em referência, os quais serão livremente apreciados pelo Tribunal enquanto documentos particulares, os mesmos não contêm porém informação precisa que permita a realização das requeridas perícias por confronto com os mesmos. A realização das perícias requeridas a ser deferida, sempre teria como pressuposto a existência nos autos de uma lista perceptível dos clientes da A., com identificação completa dos mesmos, incluindo NIF (dada a natureza dos contratos em causa, ou pelo menos daqueles que implicaram a transmissão da propriedade sobre veículos) e das datas da concretização dos contratos, pois só assim a mesma seria, desde logo exequível.
Assim e desde logo por não estarem reunidas as questões para a exequibilidade das perícias requeridas, nos termos em que o foram, se indefere às requeridas perícias.

IVAtento o que acima se referiu quanto ao teor dos documentos 13 e 14 juntos pela A. aos autos, se indefere quanto à requerida notificação das sociedades Financial Services Portugal, X Renting (Portugal), S.A. e X Bank Gmbh Sucursal Portuguesa, para virem indicar nos autos, quantos contratos de financiamento, leasing, locação ou renting celebram com clientes da A. constantes na listagem anexa à PI, desde 30 de Setembro de 2013 até Agosto de 2015, reiterando-se não conterem os documentos informação bastante e/ou explícita que permita às entidades visadas prestar as informações pretendidas pela A”.

Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
- O despacho saneador na parte em que (…) viola o disposto no artigo 411º do CPC
- Nos termos do referido artigo 411 do CPC impõe-se ao Juiz o dever de realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
- Como é ostensiva a essencialidade dos meios de prova requeridos – prova pericial e notificação de terceiros para prestar informações nos autos – para o esclarecimento da factualidade objecto dos temas da prova (“A angariação de clientes feita pela Autora”, “O volume anual médio de vendas da Autora” e “Os benefícios para a R. da clientela angariada pela A.“) o Mmº Juiz a quo não tinha como ignorar os requeridos meios probatórios, atendendo aos factos controvertidos.
- Deste modo, o Tribunal recorrido não podia deixar de atender aos requeridos meios de prova, admitindo-os, atento o seu “poder-dever” de promover, ainda que ex oficio, todas as diligências probatórias necessárias para o esclarecimento da verdade.
Termos em que, e nos demais de direito, deve (…) b) ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se por outro que admita e defira às diligências probatórias requeridas pela Apelante, ordenando-se a realização das perícias à escrita da Autora e da Ré nos termos requeridos, assim como a notificação de “Financial Services Portugal, da X Renting (Portugal) SA., e do X Bank Gmbh Sucursal Portuguesa, para virem indicar aos autos, quantos contratos de financiamento, leasing, locação ou renting celebraram com clientes da Autora constantes da listagem anexa à petição inicial, desde 30 de Setembro de 2013 até 28 de Agosto de 2015”.

Contra-alegou a recorrida nos seguintes termos conclusivos:
“(…) B)- Sustenta a A., ora Recorrente, que o Tribunal a deveria ter notificado, ao abrigo do artigo 411º do CPC para completar os Docs. 13 e 14 da petição inicial.
C)- Para o efeito (…) socorre-se de um princípio previsto no CPC para suprir uma insuficiência que apenas à Recorrente é imputável e já não pode ser suprida.
D)- Em 28/08/2015, a recorrente apresentou a sua petição inicial, protestando juntar os Docs. 13 e 14.
E)- Em 05/05/2016, o Tribunal a quo ordenou a notificação da A. para juntar os Docs. 13 e 14, tendo esta dado cumprimento ao referido Despacho.
F)- Em 30/09/2016, em Audiência Prévia, o Tribunal convidou a Recorrente a aperfeiçoar a petição inicial, ao invés de, desde logo, determinar a improcedência da acção.
G)- Em 10/10/2016 A Recorrente apresentou a resposta, declarou “renova[r] a prova documental e testemunhal já arrolada na petição inicial“ e requereu a realização de prova pericial e a notificação de três entidades do Grupo X para junção de documentos.
H)- Após resposta apresentada pela Recorrida, o Tribunal indeferiu a realização das perícias, bem como a notificação das entidades do Grupo X, em face da inexequibilidade da mesma nos termos requeridos: confronto dos peritos com os Doc. 13 e 14 e, com base nos mesmos, resposta a um conjunto de questões.
I)- Na verdade, os Docs. 13 e 14, conforme sustentou o Tribunal “não contém porém informação precisa que permita a realização das requeridas perícias por confronto com os mesmos”.
(…)
K)- Não obstante a existência do princípio do inquisitório, continuam igualmente em vigor os princípios da disponibilidade das partes e da auto-responsabilização das mesmas na condição do processo, na alegação de factos e na prova dos mesmos (cfr. entre outros, artigos 3º e 5º do CPC).
L)- A jurisprudência tem salientado a importância destes princípios – cfr. por todos, Acórdão do STJ de 14/03/2002, Proc. 02A2876 (…)
M)- Ora, no presente caso, a Recorrente teve oportunidade de apresentar os documentos com a petição inicial, em audiência prévia e com a petição inicial aperfeiçoada; a Recorrida alertou para a falta de junção dos mesmos, numa primeira fase, e, posteriormente, para a ilegibilidade e, sobretudo, para a ininteligibilidade dos documentos apresentados; o Tribunal convidou a Recorrente a oferecer aos autos os Docs 13 e 14 que esta protestara juntar com a petição inicial e, posteriormente, para, em face das deficiências da sua alegação, e ao invés de proferir, desde logo, saneador-sentença quanto às questões deficientemente articuladas, apresentar resposta à petição inicial aperfeiçoada.
N)- Quanto à perícia e ao seu objecto – confrontar os peritos com os Doc 13 e 14 e responder a um conjunto de questões – não restou outra alternativa ao Tribunal a quo se não indeferi-la: a mesma é inexequível.
O)- O tribunal deve conduzir também com base nos princípios da boa-fé processual e da colaboração com as partes, e também destas entre si. Não tem, contudo, o ónus de conduzir e acompanhar as partes em todo o momento não se podendo exigir do mesmo “uma intervenção adjuvante ao longo e a cada momento do iter processual” (Ac. do STJ supra citado).
P)- O Tribunal concedeu à Recorrente a oportunidade de corrigir as deficiências da petição inicial e notificou-a para juntar documentos que eram essenciais para a procedência da sua tese. Se a parte não o fez, ou se o fez de forma deficiente que impede, na prática, a realização das perícias, sibi imputet, pelo que bem andou o Tribunal ao indeferir as referidas perícias.
Q)- Acresce que as perícias requeridas sempre se revelariam inúteis, na medida em que a resposta às questões indicadas pela Recorrente não requer especiais conhecimentos de cariz técnico.
R)- Especificamente no que respeita à perícia à escrita da Recorrida, a mesma revela-se inútil em face da matéria alegada pelas partes, uma vez que decorre dos contratos de concessão em discussão nos presentes autos e conforme consta em especial do artigo 188º da Contestação, que a “R. não procede, de um modo geral e salvo excepções previstas nos Contratos, à venda directa ao público, não tendo actividade de retalho (cfr. Docs 5 e 9 da PI, claúsula 5.1)”, matéria esta que a ora Recorrente não colocou em crise.
S)- Assim, quer pelos motivos invocados no Douto Despacho, quer pela inutilidade da perícia requerida, deve manter-se a decisão recorrida de indeferimento de realização da prova pericial.
T)- Bem andou igualmente o Tribunal a quo ao indeferir a notificação da X Financial Series, da X Renting e da X Bank para virem indicar aos autos quantos contratos celebraram com os clientes da Autora constantes dos Docs 13 e 14 da petição inicial, desde 30 de Setembro de 2013 até 28 de Agosto de 2015, porquanto, conforme se referiu, os mesmos são ininteligíveis, pelo que tal notificação não permitiria às entidades requeridas satisfazer o requerido.
U)- Mostram-se aplicáveis, mutatis mutandis, as considerações quanto aos princípios do inquisitório, do dispositivo e da auto-responsabilização das partes, devendo manter-se inalterada a decisão proferida pelo Tribunal a quo”.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir:

II.– Direito.
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, a questão a decidir é a de saber se deviam ter sido admitidas as perícias requeridas pela recorrente bem como o pedido de informações a entidades terceiras por ela formulado.

III.– Matéria de facto.
A constante do relatório que antecede.

IV.– Apreciação.
Foram enunciados, entre outros, os seguintes temas de prova: “A angariação de clientes feita pela A.; O volume anual médio de vendas da A.; Os benefícios para a R. da clientela angariada pela A.”.
Foram requeridas três diligências probatórias: - perícia à escrita da Ré, perícia à escrita da Autora, notificação de entidades terceiras do grupo X para indicarem contratos de locação, leasing, renting e financiamento.
A perícia à escrita da Ré e o pedido de notificação para prestação de informações têm como ponto de partida essencial a listagem de clientes angariados pela A. e que consta dos doc. 13 e 14 com a PI. Com efeito, é na comparação dos clientes constantes de tal listagem com os dados da escrita da Ré que se examinarem, que se apurará se clientes da listagem vieram depois a comprar novos veículos ou componentes à Ré. Igualmente, é com base nessa listagem, pelo seu exame, que as entidades terceiras terão de dizer se celebraram com algum dos clientes listados, contratos do tipo referenciado.
A perícia à escrita da Autora não depende da listagem dos documentos 13 e 14, e serve desde logo para apurar quem foram os clientes que a Autora angariou e qual foi o volume médio de vendas a partir das vendas que a esses clientes fez. Mas para isto, de todo, o ponto de partida inicial não é a listagem dos documentos 13 e 14. Por isso, nesta parte, o despacho recorrido não tem fundamento razoável e não pode subsistir. O que acontece é que, realizado o exame à escrita da Autora, poderão os peritos concluir então quem são os clientes dessas extensas listas que compraram afinal o quê e quando, lista-los e comparar essa sua lista com a listagem dos documentos 13 e 14., de modo que, tudo o que se aponta à listagem dos documentos 13 e 14 como falha de informação, será então para ela adquirida.
Depois, já com estes dados, poderá realizar-se a perícia à escrita da Ré, sem que se lhe possa opor que os peritos não a podem executar. De resto, neste conspecto, salvo o devido respeito, não tem o tribunal de se substituir aos peritos: serão estes quem tem de dizer se os termos em que a perícia é requerida, são ou não, para eles, segundo as suas possibilidades técnicas, exequíveis.
Refere a propósito a recorrida que as perícias não devem ser deferidas porque não exigem conhecimentos técnicos, mas não tem razão: a perícia não é apenas a análise das listas de clientes constantes dos documentos 12 e 13, que o tribunal poderia fazer, mas sim o exame à escrita de sociedades comerciais, que o tribunal manifestamente não está habilitado a fazer. Podia esta prova ser substituída por outra? Podia de facto a Autora, auto-responsabilizando-se, ter contactado com os 32.000 clientes da lista e procurado obter deles – já que não os poderia todos arrolar como testemunhas – os documentos de compra à Ré ou a outros concessionários, de viaturas e componentes. Como se percebe, a auto-responsabilização das partes não é excluída por uma opção por um meio probatório mais económico: - examinar a escrita de uma única “pessoa” que pode ter os documentos relativos às vendas eventualmente feitas a 15.000 clientes. Evidencia-se pois que deferir estas concretas provas requeridas não é um exercício inquisitivo excessivo, não é um ajudar permanente duma parte que não cumpriu os seus ónus de alegação e angariação de prova do alegado, que viole o princípio dispositivo nem o da auto-responsabilização das partes.
Sustenta a recorrida, que alegou, e isso não foi posto em causa pela Autora, que ela mesma, como resulta dos contratos de concessão, não faz vendas a retalho, e que por isso não se lhe encontrará, na sua escrita, documentação relativa a vendas aos clientes da lista, pelo que o exame à sua escrita é inútil. Ora, a matéria alegada na contestação só é susceptível de resposta se integrar defesa por excepção – artigo 584º do CPC – o que não é o caso. É verdade que a própria Autora, do que se queixa essencialmente, é da Ré ter-se valido da clientela que a Autora angariou ao longo dos anos, dirigindo-a a outros concessionários, mas ainda assim não temos como confessado que nenhumas vendas directas a recorrida tenha feito, e portanto que nenhuma utilidade pudesse ter o exame à sua escrita. O que pode suceder a partir do exame à sua escrita, é que a valia probatória desse meio seja bastante menor que a pretendida pela Autora. Mas isso já é uma opção da Autora pelo resultado da qual terá de assumir as consequências.
Muito mais valiosa, portanto, se afigurará a informação a ser prestada pelas entidades do grupo X relacionadas com o financiamento, lato sensu. Não pode a informação ser prestada porque os documentos 13 e 14 não têm elementos de identificação suficientes dos clientes? Com o devido respeito, o tribunal não sabe como se organizam os sistemas informáticos das referidas entidades, não sabe, e indo directamente ao ponto, se as referidas entidades não conseguem, com a simples introdução de um nome, que não dum NIF, nos seus sistemas informáticos, ver-lhes aparecer a informação relativa a contratos celebrados com os clientes.
E sem dúvida, entre o exame à escrita da Autora, que permitirá obter maiores dados de informação, e a informação sobre contratos de financiamento, em sentido lato, que as entidades financiadoras X ofereçam, poderá estabelecer com mais segurança quantos os clientes angariados pela Autora e encaminhados pela Ré para outros concessionários no período que se pretende apurar. Ou seja, que estas diligências são absolutamente pertinentes em face dos temas de prova enunciados, tanto mais quanto a anunciada valia das listas dos documentos 13 e 14 enquanto meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal já vem, salvo o devido respeito, com indicação de quase nenhum valor, em função de quanto o tribunal recorrido apontou como deficiências das referidas listas.
Nestes termos, e sem prejuízo da análise que o tribunal recorrido venha a fazer da formulação dos quesitos e sua eventual restrição, temporal ou material, ou do carácter singular ou colectiva da perícia, e até da existência jurídica da X Financial Services, tudo questões que estão pendentes nos autos e que o tribunal não resolveu na decisão recorrida pois apenas acolheu um único fundamento de rejeição invocado pela Ré, entende-se que procede o recurso, devendo revogar-se o despacho recorrido e ordenar-se ao tribunal recorrido que profira novo despacho admitindo a perícia à escrita da Ré e da Autora e a notificação das entidades referidas para prestarem as informações pretendidas.
Tendo decaído no recurso, é a recorrida responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V.– Decisão
Nos termos supra expostos, acordam conceder provimento ao recurso e em consequência revogam o despacho recorrido, ordenando ao tribunal recorrido que profira outro que admita a perícia à escrita da Ré e o exame à contabilidade da Autora, nos termos e com a extensão que vier a ser definida, e que ordene a notificação das entidades indicadas, que se apure terem existência jurídica, para prestarem as informações requeridas pela Autora no seu requerimento probatório com a referência 23771009. 
Custas pela recorrida.
Registe e notifique.




Lisboa, 22 de Fevereiro de 2018



Eduardo Petersen Silva
Cristina Neves
Manuel Rodrigues