Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1706/12.7TVLSB.L1-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: CLAUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE INFORMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: No âmbito de um contrato de adesão, como o contrato de seguro de pessoas, o ónus de prova que recai sobre o proponente da adequada comunicação e informação de cláusulas gerais neles inseridas, nos termos dos artigos 5.º e 6.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, pressupõe a prévia invocação, pelo aderente, da violação desses deveres por parte daquele.

No caso dos autos, tendo o aderente invocado, apenas nas alegações e nas conclusões das alegações do recurso que interpôs da sentença proferida pela 1ª Instância, a violação, pelo proponente, desses especiais deveres de comunicação e informação, está vedado ao Tribunal da Relação tomar conhecimento dessa questão, por se tratar de uma questão nova, nunca antes suscitada nem debatida no processo.


Os recursos, sob pena de supressão de um ou mais graus de jurisdição, destinam-se tão só à reapreciação de decisões proferidas e não a decidir questões novas, salvo quando estas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis e esse conhecimento.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRELATÓRIO:


O..., com os sinais dos autos, intentou, em 01/09/2012, a presente acção declarativa, sob a forma ordinária de processo comum, contra Z... S.A. (doravante Z...) e SM ... Lda. (doravante S”), pedindo:
a)- a condenação da Ré Z... a pagar ao Banco ..., (doravante B...) o valor em dívida relativamente ao crédito hipotecário concedido à Autora e marido e a pagar à Autora o diferencial até € 90.000,00 (noventa mil euros);
Ou, caso assim não se entenda,
b)- a condenação da Ré SM a pagar à Autora a quantia de € 90.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.
Alegou, para o efeito, em substância, que celebrou com a Ré Z..., um contrato de seguro de pessoas, titulado pela apólice n.º 34.047181, angariado e mediado pela Ré SM, associado a mútuo hipotecário, com cobertura dos riscos de morte e de invalidez total e permanente, desde que superior a 66,6%, sendo o capital segurado de € 90.000,00, por um prazo de 17 anos.

Em 15 de Maio de 2009 foi a Autora informada de que havia sido diagnosticada ao seu marido uma situação de psicose esquizofrénica de tipo paranóide, determinante de uma incapacidade total de gestão do próprio e património, estando, desde então, internado em hospício.

Em 21 de Setembro de 2009, a Autora verificou que o pagamento mensal dos prémios do seguro celebrado com a Ré seguradora não estava a ser efectuado na sua conta bancária, a Autora deslocou-se a R. mediadora.

Tendo a Ré mediadora, verificado o lapso, recebido da Aurora a quantia não debitada de €s 330,85, e preenchido uma proposta de seguro que se junta como Doc. n.º 1, de onde consta o mesmo numero de apólice, informando a Autora que tudo estava regularizado.

A mencionada quantia de € 330,85 entregue à Ré SM destinava-se ao pagamento das mensalidades relativas aos meses de Março e Abril de 2009 e à reposição em vigor do contrato de seguro.

Na ocasião, a Autora preencheu ainda um escrito intitulado “declaração de ausência de sinistros”, no qual declarou não ter tido sinistros entre os dias 23/06/2009 e 21/09/2009.

Em 28 de Março de 2011 foi definitivamente consolidado o diagnóstico de psicose esquizofrénica de tipo paranóide ao marido da Autora, em termos irreversíveis, determinantes de uma incapacidade total e permanente superior a 66,6%.

Na sequência de tal informação sobre a efectiva incapacidade de seu marido, a Autora accionou o âmbito de cobertura do seguro, comunicando tal facto à Ré Z..., seguradora, e, bem assim, à Ré SM, mediadora.

Para sua surpresa, uma vez que nada lhe havia sido informado, foi-lhe então dito que a Ré seguradora havia, em 1 de Dezembro de 2009 emitido uma nova apólice de seguro, com o n.º 34/00053105.

Através de carta datada de 11/05/2011 (Doc. 8, a fls. 35), a Ré seguradora declinou qualquer responsabilidade pelo sinistro e resolveu o contrato de seguro, titulado por esta apólice, nos termos dos artigos 25º e 116º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), por considerar que o sinistro resultou de doença pré-existente e diagnosticada antes da data de subscrição da apólice.

Ao contrário do que ali se refere, a Autora sempre deu cabal conhecimento de todas as situações inerentes à sua condição de saúde e do seu marido, tanto mais que o crédito hipotecário concedido pelo Banco ... já tinha em consideração o facto de o marido da Autora ser pessoa com deficiência.

A Ré SM apresentou contestação, na qual impugnou factos articulados pela Autora e invocou: (i) o desconhecimento pela Ré SM do estado de saúde do segurado marido da Autora; (ii) e a pré-existência de doença do segurado.

Termos em que concluiu pela improcedência da acção e consequente absolvição da Ré SM do pedido subsidiário e pela condenação da Autora, em multa e em indemnização, por litigância de má-fé.

Por sua vez, a Ré Z... ofereceu contestação, na qual, para além de impugnar factos alegados pela Autora, aduziu as seguintes excepções; (i) ilegitimidade da Autora, por estar desacompanhada do marido, o segurado/sinistrado Manuel P...A...; (ii) invalidade do contrato de seguro celebrado com a Autora, por falsidade de declarações sobre o estado de saúde e omissão dolosa de informações relevantes para a decisão a tomar pela seguradora sobre a existência e condições de celebração do contrato; (iii) exclusão do sinistro do âmbito da cobertura de invalidez total e permanente, por resultar de doença pré-existente; (iv) extinção do contrato de seguro celebrado em 20/10/2008, titulado pela apólice n.º 34.047.181, por resolução, com efeitos a partir de 19/03/2009, por falta de pagamento de prémios.

A rematar, concluiu:
a)pela procedente da excepção de ilegitimidade e consequente absolvição da Ré do pedido;
b)pela procedência da excepção de ausência de contratos válidos e, bem assim, de cobertura do sinistro participado, absolvendo-se a Ré Z... do pedido;
c)pela improcedência da acção, absolvendo-se a Ré Z... integralmente do pedido.

A Autora apresentou réplica na qual respondeu às excepções invocadas e ao pedido de condenação como litigante de má-fé, concluindo como na petição inicial.

Foi requerida e admitida a intervenção principal de M..., após convite ao suprimento da ilegitimidade da Autora.

Saneado o processo e fixado o valor da acção, identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova (cf. fls. 335, 382 a 384 e 403-404).

A audiência de julgamento realizou-se em três sessões, com registo da prova e respeito pelas demais formalidades legais (cf. actas de fls. 424 a 429, 432 a 435 e 528).

Em 06/04/2017 foi proferida sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo as Rés do pedido, e não condenou a Autora como litigante de má-fé – cf. fls. 535 a 540 verso.

2.Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
“a)- os elementos documentais supra assinalados e os depoimentos prestados em audiência de julgamento nas passagens do mesmo realçadas nas alegações implicam uma consideração probatória diversa daquela que foi conferida em audiência de julgamentos aos pontos 3, 4, 5, 11 e 12 dos factos provados, os quais deverão ser tidos como não provados e aos pontos 1 e 2 dos factos não provados, os quais devem ser considerados como provados;
b)- sendo certo que flui dos autos que não ocorreu qualquer declaração diferente da realidade nos elementos transmitidos à R. seguradora que fossem da iniciativa da ora recorrente, a qual nem sequer preencheu qualquer questionário ou determinou que o mesmo fosse preenchido em determinado sentido, ou formulou qualquer declaração para reactivação do seguro, a qual, por qualquer forma, traduzia a realidade efectiva da situação da mesma e do seu marido:
c)- sendo de ponderar a desconexão, não determinada pela ora recorrente, entre a celebração do seguro adstrito a um contrato de mutuo hipotecário ao abrigo do regime especial para deficientes e uma declaração para efeito de seguro onde a sua situação oncológica não se mostra plasmada, incoerência essa fruto da intervenção da R. mediadora, mais interessada na angariação da cliente do que em assegurar a produção de efeitos directos do seguro contratado;
d)-facto é que a situação subjacente aos elementos pessoais até ao momento em que a recorrente pretendeu accionar o seguro se manteve inalterada, afastando a possibilidade de intervenção na decisão de contratar pela Ré seguradora de indução de qualquer elemento pela ora recorrente;
e)-sendo certo que, a ocorrer qualquer elemento passível de influir na contratação do seguro, o mesmo é exclusivamente assacável à Ré mediadora;
f)-estando-se perante uma situação em que a contratante segurada não actuou de forma contraria aos pressupostos de celebração do contrato de seguro que lhe foram transmitidos, não sendo a sua actuação subsumível à previsão do art.º 429º do Cód. Comercial, sendo á data da formação do contrato que devem ser fixados os elementos relevantes do mesmo, tendo igualmente presente o regime decorrente dos arts. 5º e 6º do Decreto-Lei n.º 446/95, de 25 de Outubro;
g)- normativos esses que, salvo melhor opinião, se mostram violados pela sentença recorrida”.

3.Contra-alegaram as Rés Z... e SM, sustentando a integral manutenção da sentença recorrida.

II)OBJECTO DO RECURSO - QUESTOES A DECIDIR:

De acordo com o disposto nos artigos 635º, nº 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil. Almedina, 2017, 4ª edição revista, pág. 109.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a ponderação das seguintes questões:
1ª- Saber se houve erro na apreciação dos meios de prova que imponha a alteração da decisão da matéria de facto, mais concretamente, (i) que os factos elencados nos pontos n.ºs 3, 4, 5, 11 e 12 dos factos julgados provados pelo Tribunal “a quo” sejam considerados como não provados e que (ii) os factos elencados sob os pontos n.ºs 1 e 2 dos factos julgados como não provados sejam considerados como provados;
2ª- Saber se ocorre erro de julgamento conducente à revogação da sentença recorrida e à procedência do recurso, designadamente por violação do disposto nos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.

III)FUNDAMENTAÇÃO:

A)DE FACTO:

Na 1ª instância julgaram-se provados os seguintes factos:
A.1.FACTOS PROVADOS:
“1Pela apólice nº 34.047181, a A. transferiu para a R. Z... os riscos de morte e de invalidez total e permanente de 66,6% da A. e do chamado, pelo prazo de 17 anos, com início às zero horas do dia 20 de outubro de 2008, mediante o pagamento de prémios mensais, sendo o capital seguro no valor de € 90.000,00 e os beneficiários em caso de morte o B... pelo montante em dívida e os herdeiros legais da pessoa segura pelo remanescente.
2A R. SM foi a mediadora no acordo mencionado no ponto 1.
3A 21 de setembro de 2009, a A. deslocou-se às instalações da R. SM e, com vista à regularização da situação de falta de seguro por falta de pagamento de prémios, entregou à R. SM a quantia de € 330,85, autorizou o débito direto em conta diferente da indicada na proposta que deu lugar à emissão da apólice referida no ponto 1 e subscreveu declaração de ausência de sinistros entre 23 de março de 2009 e 21 de setembro de 2009.
4Da declaração de ausência de sinistros referida no ponto 5 consta o seguinte: “Agradeço a reposição da apólice em vigor desde o seu início como as respectivas garantias” e “Declaro não haver alterações do estado de saúde de nenhuma das pessoas que estão seguras pelo que agradeço envio dos avisos de pagamento de Março, Junho, Julho, Agosto e Setembro”.
5A proposta de seguro datada de 1 de dezembro de 2009 e da qual consta, no espaço destinado ao número da apólice, “3400047181” foi assinada pela A. nos espaços a seguir destinados à assinatura da 1ª pessoa segura e do tomador do seguro e pelo chamado no espaço destinado à assinatura da 2ª pessoa segura.
6Pela apólice nº 34.00053105, da qual consta a A. como tomadora de seguro, a R. Z... considerou transferidos para si os riscos de morte e de invalidez total e permanente de 66,6% da A. e do chamado, pelo prazo de 17 anos, com início às zero horas do dia 1 de dezembro de 2009, mediante o pagamento de prémios mensais, sendo o capital seguro no valor de € 90.000,00 e os beneficiários em caso de morte o BCP pelo montante em dívida e os herdeiros legais da pessoa segura pelo remanescente.
7A quantia de € 330,85 referida no ponto não foi entregue à R. Z... por esta não ter emitido os recibos respeitantes aos meses de Março, Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2009.
8Em março de 2009, foi diagnosticada ao chamado esquizofrenia paranoide.
9A 28 de março de 2011, a junta médica atestou que o chamado é portador de deficiência (TNI Anexo I Capítulo X Número II Grau V) que lhe confere uma incapacidade permanente global de 80%.
10No questionário médico respeitante ao chamado integrado na proposta que deu lugar à apólice referida no ponto 1, foi assinalada a quadrícula “Não” na pergunta “Doenças Mentais?” e foi assinalada a quadrícula “Sim” na pergunta “Goza actualmente de perfeita saúde?”
11A 14 de julho de 2008, o chamado apresentava perturbações depressivas e alterações da personalidade, o que era do seu conhecimento à data do preenchimento da proposta que deu lugar à apólice referida no ponto 1.
12Se o chamado tivesse assinalado “Sim” na pergunta “Doenças Mentais?”, a R. Z... teria pedido informações e, se obtivesse informação no sentido da esquizofrenia paranóide, não aceitaria o risco da invalidez total e permanente.
13A R. Z... enviou à A., para a morada indicada na proposta que deu lugar à apólice referida no ponto 1, carta datada de 15 de abril de 2009, pela qual interpelou a A. para pagar o prémio do mês de março de 2009 até 15 de maio de 2009, sob pena de anulação da apólice.
14A 15 de abril de 2009, a R. Z... tentou junto do BCP que este se substituísse à A. no pagamento do prémio, mas o BCP não procedeu ao pagamento.
15Constam das condições gerais, entre outras, as seguintes condições:
- “Não se considera coberto por este contrato o risco de morte ou de Invalidez da Pessoa Segura, resultante de doença pré-existente e não declarada na proposta”.
- “Se o pagamento do prémio continuado não for efectuado na data do seu vencimento, a Z... enviará ao Tomador do Seguro uma comunicação informando que, se o prémio não se encontrar pago na data limite indicada, o contrato deixará de produzir qualquer efeito, a partir da data do referido vencimento”.
- “Nos termos do número anterior, se no prazo de quinze dias a partir da data em que foi comunicado por escrito ao Beneficiário aceitante a situação de incumprimento contratual, a Z... não receber qualquer resposta por escrito manifestando o interesse daquele na manutenção do contrato, este considerar-se-á resolvido, nos termos destas Condições Gerais”;
- “O Tomador do Seguro tem a faculdade de repor em vigor, nas condições originais, o contrato resolvido dentro do prazo de um ano a contar da data da anulação, mediante acordo com a Z..., sempre que se verifiquem as seguintes condições:
a)-Não ter ocorrido qualquer sinistro, coberto pelo presente contrato, desde a data da sua resolução até à data em que se pretende que o mesmo seja reposto em vigor;
b)-Entrega de declaração comprovativo do bom estado de saúde da Pessoa Segura, se o pedido do Tomador do Seguro for feito até ao máximo de dois meses após a data em que se processou tal operação ou, nova avaliação clínica do seu estado de saúde, se decorridos mais de dois meses após aquela data;
c)-O pagamento dos prémios em atraso acrescidos dos respectivos juros de mora, calculados à taxa em vigor, correspondentes a todo o período em dívida”.

A.2.FACTOS NÃO PROVADOS:
1- O estado de saúde do chamado era conhecido da R. Z... aquando da aceitação do risco e pela R. SM aquando do preenchimento da proposta.
2- No momento em que o chamado assinou o questionário médico referido no ponto 10 da matéria de facto provada, o mesmo estava em branco.”

B) OS FACTOS E O DIREITO:
1.Da 1ª questão: saber se houve erro na apreciação da prova e subsequente decisão da matéria de facto (pontos n.º 3, 4, 5, 11 e 12 dos factos dados como provados e pontos n.ºs 1 e 2 dos factos dados como não provados):
Pretende a Recorrente a alteração da decisão da matéria de facto considerada provada e não provada, com fundamento em erro na apreciação da prova,
Nos termos exarados no artigo 607º do CPC vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido.
Além deste princípio, que só cede perante situações de prova legal - prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais -, vigoram ainda os princípios da imediação,da oralidade e da concentração,pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto, ampliados pela reforma processual operada pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, e mantidos pela reforma processual operada pelo Dec.-Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados
Perante o disposto no artigo 712º do CPC, a divergência quanto ao decidido pelo Tribunal a quo, na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no Tribunal da Relação se for demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a verificação de um erro de apreciação do seu valor probatório, sendo necessário, que tais elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-06-03, acessível em www.dgsi.pt).
Não se trata de possibilitar um novo e integral julgamento, mas a atribuição de uma competência residual ao Tribunal da Relação para poder proceder a uma reapreciação da matéria de facto.
A utilização da gravação dos depoimentos em audiência não modela o princípio da prova livre ínsito no direito adjectivo, nem dispensa operações de carácter racional ou psicológico que gerem a convicção do julgador, nem substituem esta convicção por uma fita gravada.
O que há que apurar é da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau de jurisdição face aos elementos agora apresentados, ou seja, a modificação da matéria de facto só se justifica quando haja um erro evidente na sua apreciação.
Porém, uma coisa é a compreensão da fundamentação e outra diferente a concordância ou não com a mesma, já que, há que fazer a destrinça entre a convicção objectiva do julgador e, outra muito diferente, a vontade subjectiva da parte que pretende alcançar a sua própria verdade, sem uso de um espírito crítico.
A este propósito refere-se lapidarmente no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25.Nov.2005 (proc. 1046/02), disponível in www.dgsi.pt., que “a possibilidade de alteração da matéria de facto deverá ser usada com tia a moderação e equilíbrio, ainda que toda a prova esteja gravada em áudio ou vídeo, devendo tão só o erro grosseiro ou clamoroso na apreciação da prova ser sindicado pela Relação com base na gravação dos depoimentos.”.
Por erro notório deve entender-se “aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores; em que o homem médio facilmente dá conta de que um facto, pela sua natureza ou pelas circunstâncias em que pode ocorrer, em determinado caso, não pode ser dado como provado ou não é dado como provado e devia sê-lo – por erro na apreciação da prova” Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 3.Dez.1997, proc. 9710990, disponível in www.dgsi.pt. .
Ou, como se afirma, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.Jul.1997 (proc. 97P612), disponível in www.dgsi.pt., também citado pela Recorrida, “o erro notório na apreciação da prova é um vício de raciocínio na apreciação das provas evidenciado pela simples leitura da decisão. Erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental. As provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica ou excluindo dela algum facto essencial”.

Revertendo ao caso concreto e antecipando a nossa decisão, diremos que, no caso, é irrelevante do ponto de vista jurídico que não agrade à Recorrente o resultado da avaliação que a Senhora Juiz “a quo” fez da prova, ou que a mesma discorde do resultado alcançado, posto que no processo de formação da sua convicção não detectamos erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.

Vejamos então:
1.1Dos pontos n.ºs 3 e 4 dos factos dados como provados:
Foram dados como provados, neste segmento da decisão da matéria de facto, os seguintes factos:
“3.- A 21 de setembro de 2009, a A. deslocou-se às instalações da R. SM e, com vista à regularização da situação de falta de seguro por falta de pagamento de prémios, entregou à R. SM a quantia de €330,85, autorizou o débito direto em conta diferente da indicada na proposta que deu lugar à emissão da apólice referida no ponto 1 e subscreveu declaração de ausência de sinistros entre 23 de março de 2009 e 21 de setembro de 2009”.
4- Da declaração de ausência de sinistros referida no ponto 5 consta o seguinte: “Agradeço a reposição da apólice em vigor desde o seu início como as respectivas garantias” e “Declaro não haver alterações do estado de saúde de nenhuma das pessoas que estão seguras pelo que agradeço envio dos avisos de pagamento de Março, Junho, Julho, Agosto e Setembro”.

Ao expressar a sua motivação - que se estende, pormenorizadamente, de fls. 537 a 538 verso, - referiu, designadamente, a Senhora Juiz “a quo”, no que aqui releva:
Os pontos 3 e 4 da matéria de facto provada fundamentaram-se nos documentos de fls. 15 a 18, 32, 33, 36 e 158, conjugados com as declarações de parte da S..., representante legal da R. SM, sendo de salientar que a autorização de débito direto constante de fls. 32 e 158 é uma cópia parcial da proposta de fls. 15 a 18 (cf. fls. 18), à qual foi acrescentada a data, constando certamente do mail de fls. 158 que “a proposta segue depois assinada” por não ter sido possível obter de imediato a assinatura do chamado.”.

Sustenta, essencialmente, a Recorrente, tanto quanto nos é dado alcançar das suas alegações demasiado prolixas, que se estendem por um total de 172 páginas, que a análise conjugada dos diversos meios de prova carreados para os autos e produzidos em audiência de julgamento, revela um circunstancialismo diferente daquele que decorre dos factos assentes.

No que ao ponto n.º 3 dos factos provados respeita, alega, que a fundamentação do Tribunal “a quo” adstringe uma valoração que não é corroborada, de forma mínima, pelas declarações de S... e pelas declarações de parte da ora Recorrente, notando que a declaração de ausência de sinistros assinada não continha as alterações que nela foram introduzidas quanto aos elementos das datas (no artigo 13º da p.i. alega que onde constava 23.06.2009 passou a constar 23.03.2009).

Relativamente ao ponto n.º 4 acrescenta que a Recorrente subscreveu a declaração de ausência de sinistros em branco e que, de facto, não tinha havido alterações do estado de saúde das pessoas seguradas, que a Recorrente já era, à data em que o contrato de seguro foi celebrado, doente oncológica e o seu marido, ora Chamado, por seu turno, ainda não tinha sido acometido de forma decisiva da doença que veio a determinar o accionamento do seguro, permanecendo exactamente na mesma situação clínica em que se encontrava à data da celebração do primeiro contrato de seguro.

Ora, salvo o devido respeito, a Recorrente contradiz-se e revela alguma incoerência quando alega que assinou a declaração de ausência de sinistros em branco e do mesmo passo assevera “que a declaração de ausência de sinistros assinada não continha as alterações que nela foram introduzidas quanto aos elementos das datas”, que estas datas foram alteradas posteriormente (o mês 6 para o mês 3 – cf. art.º 13 da petição inicial). Então, em que ficamos? Assinou a declaração em branco, ou já preenchida, designadamente com a indicação das datas em causa?

O documento em causa, que contém a assinatura da Recorrente, foi junto com a petição inicial (cf. fls. 33) e com a contestação da Recorrida Z... (cf. fls. 91).

Outros documentos com assinaturas atribuídas à Recorrente foram juntos com as contestações apresentadas pelas Recorridas.

No artigo 14, n.º 12, da réplica, a Recorrente confirmou ser sua a assinatura constante dos documentos juntos pela Ré Z..., alegando apenas que os mesmos eram integralmente preenchidos pela Ré SM.

Como bem refere a Ré/Recorrida Z..., em momento algum a Recorrente colocou em causa a assinatura aposta no documento de fls. 33 (doc. 8 da p.i., igual ao doc. 6 da contestação da Ré Z..., a fls. 91) ou a veracidade da informação vertida no referido documento.

Nem o fez nas declarações que prestou em audiência, transcritas nos autos, mas a cuja audição integral procedemos, à semelhança do que fizemos com todos os restantes depoimentos produzidos na mesma sede.

Sendo que tal facto também resulta das declarações da própria Recorrente transcritas nos autos e integradas nas alegações de recurso.

Nestas, para além de confessar que assina, confessa igualmente que o que consta da declaração de fls. 33 (Doc. 6 da PI), em P.S. (“post scriptum”) corresponde à verdade, ou seja, que as pessoas seguras - Recorrente e Chamado - não tiveram qualquer alteração do seu estado de saúde no período compreendido entre 23-03-2009 e 21-09-2009.

As declarações prestadas pela Recorrente relativamente à alegada alteração do documento de ausência de sinistros, após a sua assinatura, revelaram-se vagas, confusas e titubeantes e, como tal, não nos mereceram credibilidade neste aspecto. Atente-se, a propósito, aos excertos dessas declarações transcritos nas contra-alegações da Recorrida Z..., correspondentes às passagens compreendidas entre os 17m:26s e 17m:53s e entre 01h:01m:23s e 01h:06m:05s.

Pondere-se, por outro lado, que não obstante a Recorrente ter insinuado - e disso não passou - que assinou o referido documento em branco ou que viu cópias de tal documento, depois de preenchido pela Ré SM, sem que das mesmas constasse o texto que consta a seguir à assinatura, em “P.S.” (post scriptum) certo é que a Recorrente acabaria por declarar – a instâncias do Ilustre Mandatário da Ré Z... - que nenhum dos segurados viu alterado o seu estado de saúde no período compreendido entre 23-03-2009 e 21-09-2009 e que por essa razão sempre assinaria a referida declaração em “P.S”.

As declarações de parte, constituem um meio de prova que, atento o interesse pessoal e directo do declarante na decisão da causa, merece necessariamente reservas e cautelas na sua ponderação e valoração.

No caso, a valoração conjugada das declarações de parte da Recorrente com as que, nesta matéria, foram prestadas, de forma escorreita, assertiva e convincente, pela legal representante da Recorrida SM, S..., e com o teor dos documentos de fls. 15 a 18, 32, 33 (Doc. 6 da PI) e 158 só poderia conduzir à demonstração dos factos considerados provados sob os pontos n.ºs 3 e 4 da matéria de facto.

Diga-se, apenas, que o único reparo a fazer é que no ponto n.º 4 dos factos provados, por mero lapso de escrita, sem qualquer relevância para o mérito da questão em apreço, se remete para o ponto 5 quando se deveria remeter para o ponto 3, por ser neste que se alude à declaração de ausência de sinistros. Trata-se de um lapso material, de escrita, imediatamente perceptível no contexto da própria declaração, passível, por isso mesmo, de rectificação.
Assim, no ponto n.º 4 dos factos provados, onde se lê “ Da declaração de ausência de sinistros referida no ponto 5 (…)” dever ler-se “Da declaração de ausência de sinistros referida no ponto 3 (…)”.

No mais, bem andou o Tribunal “a quo” ao dar como provados os factos elencados sob os pontos n.ºs 2 e 4 dos factos provados.

1.2- Do ponto n.º 5 dos factos dados como provados:
- No ponto 5 dos factos assentes, consta:
5- A proposta de seguro datada de 1 de dezembro de 2009 e da qual consta, no espaço destinado ao número da apólice, “3400047181” foi assinada pela A. nos espaços a seguir destinados à assinatura da 1ª pessoa segura e do tomador do seguro e pelo chamado no espaço destinado à assinatura da 2ª pessoa segura.”
- Na fundamentação das razões da sua convicção para julgar provado este facto, a Senhora Juiz “a quo” refere, no que aqui releva:
Não tem, pois, qualquer valor a impugnação da assinatura de fls. 18 com os dizeres “O...” constante do articulado pelo qual a A. aperfeiçoou a réplica.
Não tem também qualquer valor as declarações de parte da A., em sede de audiência final, na parte em que esta afirmou que a assinatura de fls. 18 com os dizeres “O...” não é sua.
O convite feito na audiência prévia para a A. concretizar a matéria do último artigo da réplica não possibilita à A. impugnar a autoria da letra de documento junto pela própria A. na petição inicial.
Se a A. tivesse assinado em branco, total ou parcialmente, documento que ela própria apresenta, deveria, aquando da apresentação, alegar tal facto e alegar a desconformidade entre o preenchimento feito pela R. SM e a informação prestada pela A. à R. SM.
Não tem, pois, qualquer valor a impugnação da letra de fls. 15 a 18 constante do articulado pelo qual a A. aperfeiçoou a réplica.
Não tem também qualquer valor as declarações de parte da A., em sede de audiência final, na parte em que esta afirmou que o documento de fls. 15 a 18 deveria estar datado de setembro e não dezembro de 2009; e que os dizeres após a assinatura constantes de fls. 33 não estavam lá quando assinou.
(…)
O ponto 5 da matéria de facto provada fundamentou-se no documento de fls. 15 a 18.”

Desde logo, e sem margem para dúvidas, consta-se que a prova disponível e analisada criticamente pelo Tribunal “a quo”, que conjuga as declarações de parte da Recorrente com os factos por si alegados nos articulados e adquiridos para os autos (segundo elementares regras de direito probatório) e com o teor do documento de fls. 15 a 18 (proposta de seguro datada de 01-12-2009), suporta claramente a convicção do julgador relativamente ao facto considerado como provado sob o n.º 5.

Em suma, bem andou o Tribunal “a quo” em desconsiderar as declarações prestadas pela Recorrente em audiência de julgamento na parte em que nega autoria da assinatura “O...”, a qual, curiosamente, apresenta semelhanças, mesmo a olho nu, nos específicos traços grafológicos, com as outras duas assinaturas apostas na mesma proposta, cuja autoria lhe é igualmente imputada e não negou.

Sem embargo, sempre se dirá que a vã, tardia e frustrada impugnação, pela Recorrente, da autoria da referida assinatura, na sequência do convite que lhe foi feito na audiência prévia para concretizar a matéria do último artigo da réplica, só se compreende no âmbito de uma estratégia de defesa que visava abrir caminho à posterior alegação da violação, por parte da Ré SM (mediadora), aquando da celebração do contrato de seguro, dos deveres de informação e comunicação previstos nos artigos 5.º e 6.º do Decreto- Lei n.º 446/95 de 25 de Outubro relacionados com a importância ou pertinência das cláusulas relacionadas com o questionário médico.

Foi, aliás, o que veio a concretizar, como decorre das conclusões f) e g) do recurso e mais detalhadamente das respectivas alegações.
Contudo, esta é matéria que trataremos mais adiante, a propósito da 2ª questão suscitada no recurso.

1.3.Do ponto n.º 11 da matéria de facto dada como provada:
- No ponto n.º 11 dos factos assentes, consta:
“11 - A 14 de julho de 2008, o chamado apresentava perturbações depressivas e alterações da personalidade, o que era do seu conhecimento à data do preenchimento da proposta que deu lugar à apólice referida no ponto 1.”
- Na fundamentação das razões da sua convicção para julgar provado este facto, a Senhora Juiz “a quo” refere, no que aqui releva:
No que toca ao ponto 11 da matéria de facto provada, a convicção do tribunal teve na sua base o documento de fls. 515, conjugado com as regras da experiência, regras que nos permitem deduzir que foram as queixas do chamado que o levaram a ir ao médico e levaram este a fazer constar do processo clínico “perturbações depressivas + alterações da personalidade”.
Aquele documento abalou as declarações prestadas pela A. na audiência final.”

É consabido que na valoração da prova, o juiz não está sujeito a critérios apriorísticos, devendo fazer apelo à sua experiência vivencial, usando de prudência e de bom senso na interpretação dos sinais transmitidos pelas testemunhas, da forma como se exprimem e da segurança ou não dos conhecimentos de que são detentoras.

E a forma como a Senhora Juiz “a quo” ponderou a prova no que respeita a este facto, mostra-se clara, especificando o seu perfil de pensamento e explicando correctamente as razões do seu convencimento, maxime as razões por que valorou no sentido em que o fez o documento clínico de fls. 515, com apelo às regras da experiência, das quais inferiu, acertadamente, que só as queixas anteriores do Chamado o poderiam ter levado a ir ao médico e a que este profissional da saúde fizesse constar do processo clínico o diagnóstico “perturbações depressivas + alterações da personalidade”.

A força probatória desse documento e a racionalidade lógica só poderia conduzir, como conduziu, à desconsideração das declarações da Autora/Recorrente no também que concerne ao momento em que a doença se manifestou e foi conhecida do Chamado e da Autora.

Da simples leitura do documento em causa, que consiste num registo clínico da consulta datada de 14/07/2008 resulta que o Chamado foi diagnosticado com “Alteração de personalidade” e “Perturbações Depressivas”.

Por sua vez, dos autos resulta que o Chamado esteve internando entre 14/05/2009 e 16/11/2009, em instituições especializadas em saúde mental, tendo-lhe sido diagnosticado que sofria de esquizofrenia.

E a este propósito não é despiciendo lembrar aqui que a testemunha S... asseverou em audiência que a Autora nunca comentou nas instalações da SM o internamento do marido nem a doença de que padecia e lhe foi diagnostica (esquizofrenia de tipo paranóide).

A corroborar o facto de que o Chamado já padecia desta doença e que, necessariamente, ele e a mulher, a aqui Autora/Recorrente, não poderiam desconhecer os seus sintomas ou manifestações anteriormente à celebração do primeiro contrato de seguro (20-10-2008), concorre igualmente o Parecer de fls. 421 a 423, elaborado por médico psiquiatra, a partir do estudo do processo clínico do Chamado, de cujas conclusões se retira que este tipo de patologia (esquizofrenia de tipo paranóide) inicia-se na idade adolescente ou jovem adulto, não sendo provável que aconteça depois dos 50 anos de idade, ao contrário do que sustenta a Autora, que quis fazer passar a ideia de que a doença só se manifestou e foi diagnosticada em 2011, olvidando estar documentalmente demonstrado que o Chamado já em Março de 2008 revelava alterações de personalidade e que foi sujeito a internamento em 2009.

Por conseguinte, bem andou o Tribunal “a quo” em dar como provado o facto elencado sob o n.º 11.

1.4.Do ponto n.º 12 da matéria de facto dada como provada:
- No ponto n.º 12 dos factos assentes, consta:
“12- Se o chamado tivesse assinalado “Sim” na pergunta “Doenças Mentais?”, a R. Z... teria pedido informações e, se obtivesse informação no sentido da esquizofrenia paranóide, não aceitaria o risco da invalidez total e permanente.”
- Ao explanar, neste particular, a sua motivação sobre a decisão da matéria de facto, referiu a Senhora Sr. Juiz “a quo”:
Quanto ao ponto 12 da matéria de facto provada, a convicção do tribunal fundamentou-se nos depoimentos das testemunhas A... e M..., testemunhas que depuseram com conhecimento do facto, atenta a sua qualidade de funcionárias da R. Z....”

Recuperadas e ouvidas, integralmente, as gravações das declarações prestadas em audiência de julgamento pelas referidas testemunhas, só podemos concordar com a forma como foram valoradas pela 1ª Instância.

A testemunha A..., funcionária da Recorrida Z... há 25 anos, responsável pelo Ramo Vida, que já conhecia a Autora como filha de um funcionário da seguradora, actualmente reformado, tendo-a encontrado em dois ou três eventos da companhia, esclareceu que só aceitaram o contrato de seguro porque confiaram nos questionários médicos preenchidos e porque destes decorria que as pessoas seguras – a Autora e o Chamado – eram pessoas saudáveis. Mais asseverou que se o Chamado tivesse mencionado simplesmente que sofria de doença mental fariam previamente uma avaliação do historial clínico e do risco, seguindo nesta matéria manuais internacionais das seguradoras, sendo certo que o seguro nunca seria aceite com a patologia de “esquizofrenia”, por se tratar de doença fortemente incapacitante.

Por sua vez, a testemunha M..., funcionária da Recorrida Z... há 22 anos, responsável de Análise de Gestão de Risco e de Gestão de Apólices, asseverou que se o Chamado, no questionário da proposta de seguro, tivesse feito constar que sofria de doença mental, pediriam exames complementares e feita a avaliação clínica do caso e do risco, a seguradora poderia tomar uma de duas atitudes: aceitar o seguro, com risco agravado, ou recusar o seguro.

Foram dois depoimentos, que se revelaram isentos, consistentes em si e entre si, coerentes e persuasivos, até pela experiência profissional acumulada pelas testemunhas.

Donde, neste segmento da decisão da matéria de facto impugnada pela Recorrente também não se vislumbra a existência de um qualquer erro de apreciação e valoração da prova ou a violação de princípios e regras de direito probatório.

Nesse sentido, andou bem o Tribunal “a quo” ao dar como provado o facto constante do ponto n.º 12 da matéria de facto.

1.5.Dos ponto n.ºs 1 e 2 da matéria de facto dada como não provada:
São do seguinte teor os pontos ora impugnados da matéria de facto dada como não provada:
“1- O estado de saúde do chamado era conhecido da R. Z... aquando da aceitação do risco e pela R. SM aquando do preenchimento da proposta.
2- No momento em que o chamado assinou o questionário médico referido no ponto 10 da matéria de facto provada, o mesmo estava em branco.”
- Ao explanar a sua motivação sobre a decisão da matéria de facto considerada não provada, referiu a Senhora Sr. Juiz “a quo”:
Na audiência final, o ilustre mandatário da A. afirmou ter havido lapso no artigo 21º da petição inicial.
O alegado no citado artigo está em contradição com o alegado nos artigos 8º, 16º e 29º da petição inicial. Na verdade, como poderia o mútuo bancário ter sido concedido com base na deficiência do chamado, se a psicose esquizofrénica de tipo paranóide é diagnosticada e a incapacidade é verificada depois?
Contudo, foi com base no alegado no artigo 21º da petição inicial que a A. construiu o raciocínio do conhecimento pelas RR. do estado de saúde do chamado.
A testemunha J..., irmão da A., declarou que foi a sociedade para a qual trabalha que fez a intermediação entre a A. e o banco; que o crédito foi concedido ao abrigo do estatuto do deficiente; que deficiente era a A.; que a sociedade para a qual trabalha não enviou documentação para a R. SM; que a testemunha achou que o valor do prémio era baixo para seguro para deficiente; e que foi ela que entregou a declaração do seguro ao banco.
Daí o ponto 1 da matéria de facto não provada.
A A., em declarações de parte, afirmou que foi a S... quem preencheu a proposta e que a A. se limitou a assinar no sítio da cruz.
Questionada como é que a S... sabia a altura e a tensão arterial, a A. admitiu que a S... lhe perguntou e que o questionário médico foi preenchido à frente da A.
A testemunha S..., funcionária da R. SM à data dos factos, afirmou que preencheu os cabeçalhos da proposta e dos questionários clínicos com os dados que a S... lhe deu; que esse preenchimento não foi na presença da A.; que a A. não assinou na presença da testemunha; que não foi a testemunha que preencheu os questionários médicos; e que, normalmente, os questionários médicos são preenchidos pelo cliente ou por funcionário com base nas respostas que o cliente dá.
Dos questionários juntos a fls. 75 e 77 a 80 resulta que a testemunha S... preencheu mais do que os cabeçalhos. O “8” da data do teste da sida indicada a fls. 79 é igual ao do cabeçalho.
O questionário médico relevante para a decisão da causa é o questionário que se mostra assinado pelo chamado e nem a A. nem a testemunha S... mencionaram o momento em que aquele assinou a proposta e o questionário médico, tendo a declarante S... referido que não se lembra de alguma vez ter visto o chamado
Daí o ponto 2 da matéria de facto não provada.”
Também neste caso é manifesto que os concretos meios probatórios produzidos e valorados pelo Tribunal “a quo” não impunham decisão diferente no que concerne aos factos não provados.
O equívoco relativamente ao artigo 21º da petição inicial, esclarecido apenas em sede de audiência de julgamento, é mais um de muitos equívocos e contradições da Autora/Recorrente ao longo do processo. Seguro é que as declarações prestadas pelo irmão da Autora, J... e pela testemunha A... permitiram alcançar com segurança que nem a Ré Z..., nem a Ré SM, tiveram acesso ao contrato de mútuo hipotecário celebrado com o B... que lhes permitiria ter conhecimento era celebrado pela Recorrente ao abrigo de regime especial para pessoas deficientes.
Na verdade, como bem refere a Recorrida Z..., a prova produzida apenas permite concluir que todo o conhecimento que esta seguradora teve sobre o estado de saúde quer do Chamado quer da Recorrente resulta exclusivamente das respostas dadas no questionário médico constante da proposta de seguro. E destas resulta que ambas as pessoas seguras (Chamado e Recorrente) gozavam de boa saúde.
Já se referiu que a testemunha S... asseverou que a Autora/Recorrente nunca referiu na Ré mediadora SM o problema de saúde do marido ou os internamentos a que esteve sujeito, facto que foi igualmente confirmado pela legal representante desta sociedade mediadora de seguros, S... Esta última, aliás, asseverou que só tomou conhecimento de que a Autora/Recorrente tinha cancro da mama quando tomou conhecimento da petição inicial da presente acção e que da doença do Chamado só soube quando foi accionado o seguro.
Por outro lado, a valoração crítica e conjugada, segundo as regras da lógica e da experiência, das declarações de parte prestadas pela Autora, aqui Recorrente e das que foram prestadas pelas testemunhas S... e S..., só permite extrair a conclusão que o Tribunal “a quo” extraiu para considerar como não provado o facto descrito como tal sob o n.º 2.

Pretende a Recorrente que se considere que ficou provado que o Chamado não preencheu o questionário médico, ou seja, que o Chamado não declarou que não sofria de qualquer doença, nomeadamente doença mental.

Percebe-se que queira, embora sem razão, afastar a imputação de ter prestado falsas declarações.

Contudo, esta sua pretensão só assume relevância se, de facto, o Chamado sofresse de alguma doença, aquando da assinatura da proposta, facto este que a Recorrente pretende que seja afastado.
Ora, se a Recorrente afirma que o Chamado não sofria, à data, de nenhuma doença e se é exactamente isso que está reflectido no questionário médico não se percebe qual a importância, em termos de prova, se o Chamado preencheu ou não o questionário médico?
Em bom rigor, como bem refere nas suas contra-alegações a Recorrida Z... tal só assumiria relevância se este Tribunal entendesse manter como provado o facto n.º 11 da matéria dada como provada, ou seja que “a 14 de julho de 2008, o chamado apresentava perturbações depressivas e alterações de personalidade, o que era do seu conhecimento à data do preenchimento da proposta que deu lugar à apólice referida no ponto 1.”

Esta é mais uma das contradições e equívocos da Autora, aqui Recorrente, pessoa que, segundo nos foi dado perceber da reapreciação que fizemos de toda a prova produzida, completou o ensino secundário, usa de diligência acima da média - era à época gerente de uma sociedade comercial -, soube aproveitar os benefícios fiscais concedidos a pessoas deficientes na compra de habitação própria e permanente e contou com o apoio, em todo o processo, do irmão e da empresa de que é sócio, a qual, segundo o mesmo referiu, actua no mercado como consultora imobiliária e mediadora de seguros. Certo é que a Autora procurou outro mediador, no caso a Ré/Recorrida SM, para celebrar o contrato de seguro que veio a celebrar com a seguradora Z..., aqui Recorrida, alegadamente porque o valor dos prémios obtidos nas simulações feitas pelo irmão junto de duas ou mais seguradoras com quem trabalham eram mais elevados. Seguramente que o eram, bastando, para o efeito, que o irmão, na simulação declarasse a doença da Autora (cancro da mama), condição que não podia desconhecer pelo convício e relações familiares existentes, nem deixar passar em branco, talvez por isso... Isto para se dizer que a circunstância de a Autora ter celebrado o contrato de seguro noutra mediadora, a Ré, aqui Recorrida SM, quando podia ter beneficiado da mediação do seu irmão, que já estava a tratar do processo de crédito à habitação junto do BCP, nos levanta algumas dúvidas e perplexidades, as quais resultam adensadas pela circunstância, igualmente apurada, de a Autora se movimentar com grande à-vontade no meio dos seguros pois o próprio pai foi funcionário da seguradora Z... e aí se reformou, tendo-o acompanhado, aliás, em alguns eventos da companhia. Não sendo propriamente leiga em matéria de seguros e das problemáticas a eles associadas, e tratando-se de uma pessoa instruída e que usa de diligência acima da média, também não é razoável conceber, segundo padrões de normalidade, que a Autora assine em branco uma proposta de seguro e que deixa para terceiros, funcionários da mediadora, a tarefa do seu preenchimento, designadamente do questionário médico. E será razoável conceber, segundo os mesmos critérios de normalidade, que desconheça a relevância e influência das respostas dadas ao questionário médico na aceitação do seguro pela seguradora e/ou na formação do valor do prémio a pagar?

Como quer que seja, dizem as regras da experiência que os questionários médicos são normalmente preenchidos pelo cliente ou pelo mediador/agente na presença e com base em informações fornecidas presencialmente pelo cliente, tanto mais que muitas das respostas só podem resultar do seu conhecimento pessoal (peso, tensão arterial, doenças pré-existentes, etc.).

Diga-se, por fim, que a resposta negativa a uma determinada questão de facto objecto de tema da prova significa apenas não se ter provado o facto alegado e controvertido, não correspondendo à prova do contrário, logo não podendo haver colisão, deficiência ou obscuridade entre respostas positivas e respostas negativas, conforme orientação jurisprudencial uniforme.
Termos em que se julga totalmente improcedente a impugnação da decisão matéria de facto provada e não provada.

2Vejamos agora a 2ª questão: saber se houve erro de julgamento, conducente à revogação da sentença recorrida e à procedência do recurso, designadamente por violação do disposto nos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.
2.1.- Nas alegações e conclusões do recurso, a Recorrente aduz que a sentença recorrida limita-se a aferir a existência de uma alegada omissão de declaração, não se debruçando sobre a posição relativa da seguradora, ou, no caso, da entidade mediadora, com quem o seguro foi contratado em termos de preenchimento (pela própria Ré mediadora) face à intervenção da ora Recorrente.
Mais refere que se limitou a aderir aos elementos preenchidos por uma funcionária da mediadora (Ré SM) de acordo com as indicações da gerente da mediadora, não tendo o controle sobre esse preenchimento, e que nunca foi informada da importância ou pertinência para a seguradora das respostas dadas no questionário médico.

2.2.Sobre este facto refira-se que o regime actualmente em vigor (desde 1 de Janeiro de 2009) prevê expressamente que o segurador, antes da celebração do contrato, deve, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, esclarecer o tomador do seguro ou do segurado acerca do dever de declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e sejam relevante para a apreciação do risco e acerca do regime de incumprimento desse dever (artigos 21º, 22º e 23º, n.º 1, da Regime Jurídico do Contrato de Seguro, mais conhecido pela Lei do Contrato de Seguro (doravante LCS), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 72/2008, de 2 de Abril.

Mas tal dever de informação e esclarecimento não se encontra previsto no regime anterior (fixado no Código Comercial) e, de qualquer forma, a sua omissão não interfere com a invalidade do contrato que está fixada na lei como decorrência de declarações inexactas ou reticentes.

Portanto, como bem refere a Recorrida Z... na suas contra-alegações, independentemente de o segurado ou tomador de seguro ter sido ou não informado e esclarecido relativamente ao regime legal, o contrato de seguro será anulável – como determina o art.º 429.º do Código Comercial - se quem faz o seguro prestar declarações inexactas ou omitir factos ou circunstâncias que sejam do seu conhecimento e que poderiam ter influência sobre a existência ou as condições do contrato.

Uma das características essenciais do contrato de seguro é ser um contrato de boa - fé.

Com efeito, se, na generalidade dos contratos, a boa-fé é um elemento extremamente importante, no contrato de seguro, a boa-fé é uma característica basilar ou determinante, uma vez que a empresa de seguros aceita ou rejeita um dado contrato de seguro com um eventual tomador de seguros e determina o valor do prémio de seguro que este deverá pagar com base nas declarações por ele prestadas.

Esta característica não visa reforçar a necessidade das partes actuarem, tanto nos preliminares, como na formação do contrato, de boa - fé (artigo 227º, n.º 1, 1ª parte CC) mas sim realçar a necessidade de o tomador de seguro (e o segurado) actuar com absoluta lealdade, uma vez que a empresa de seguros não controla a veracidade destas no momento da subscrição.

Ao celebrar um contrato é obrigação do segurado não prestar declarações inexactas, assim como não omitir qualquer facto ou circunstância que possam influir na existência ou condições do contrato (cf. artigo 429º do Cód. Comercial e artigos 24º e 177º da LCS).

Assim é porque “sobre o segurado recai o ónus de não encobrir qualquer facto que possa contribuir para a apreciação do risco por parte da seguradora e se o fizer, tendo conhecimento de tais factos que de alguma maneira possam influir sobre a formação do contrato e as condições do mesmo, perde o direito à contra – prestação da seguradora” Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial, II, 540-541; Pinheiro Torres, Ensaio sobre o Contrato de Seguro, 106. .

No mesmo sentido, refere Moitinho de Almeida que “sobre o segurado recai o dever de declaração do risco, pois, se não completar a declaração realizada por quem fez o seguro, tendo conhecimento de factos ou circunstâncias que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, perde o direito à prestação do segurador” Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro, p. 65..

É efectivamente obrigação do segurado não omitir quaisquer factos ou circunstâncias que se possam considerar decisivos para a apreciação do risco que a seguradora se propõe assumir e que terá por ela de ser aferido e avaliado com rigor, munida, portanto, do conhecimento de todos os respectivos elementos referenciadores.

Assim, de acordo com o disposto no artigo 429º do Código Comercial, toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo.

As duas referidas expressões “declarações inexactas” e “reticência de factos ou circunstâncias”, têm sentido e alcance diversos. As declarações inexactas consistem na declaração de determinados elementos que não são verdadeiros: é a afirmação errónea, que tanto pode ser dolosa (de má fé) como involuntária (negligente). As reticências de factos ou circunstâncias traduzem-se na omissão ou ocultação deliberada de elementos essenciais para a seguradora poder avaliar de forma correcta o risco, se o pretende assumir e em que condições.

Importa, porém, realçar que, se, em termos de significado, estas duas expressões são diferentes, em termos de consequências são semelhantes. Assim o referido artigo 429º estabelecia que a omissão ou inexactidão da declaração era sancionada da mesma forma com a nulidade do contrato.

Analisando a norma, constata-se com toda a evidência que não era qualquer declaração inexacta ou reticente que desencadeava a possibilidade de invalidade do seguro.

Era indispensável que a inexactidão influísse na existência e condições do contrato, de sorte que o segurador ou não contrataria ou teria contratado em diversas condições Cunha Gonçalves, obra citada, Volume II, p. 541., se as conhecesse.

Deste modo, “para efeitos do artigo 429º, uma declaração só será inexacta ou reticente, se puder influir sobre a existência ou condições do contrato, ou seja, se for susceptível de aumentar o risco ou prémio aplicável ”. É o que resulta de modo inequívoco da letra da lei, quando se diz que teriam podido influir sobre a existência ou condições do seguro.

Elemento decisivo para a celebração do contrato é o questionário apresentado ao potencial segurado, na medida em que se presume que não são aí feitas perguntas inúteis e, através dele, é o próprio segurador que indica ao tomador quais as circunstâncias que julga terem influência no contrato a celebrar.

É através de tal questionário que a seguradora faz saber ao candidato “as circunstâncias concretas em que se baseia para assumir o risco” .

Deste modo, no que respeita ao tomador do seguro, este deve, pois, responder com absoluta verdade ao questionário/minuta do contrato de seguro, informando a empresa de seguros de todos os elementos necessários, para que esta possa avaliar o risco, decidir sobre a sua aceitação ou não e em que condições e, finalmente, estabelecer o respectivo prémio de seguro.

Como se referiu, é com base nas declarações prestadas pelo tomador que a seguradora vai decidir a sua vontade de contratar ou não e em que condições.

Na vigência do citado artigo 429º do Código Comercial, entendia-se que, apesar de o preceito legal aludir à figura jurídica da nulidade, se devia considerar estar-se perante uma anulabilidade.

Isto porque tal preceito visava tutelar predominantemente interesses particulares, pelo que, de acordo com uma interpretação correctiva e teleológica, era de concluir que se pretendia aí estabelecer um regime de anulabilidade e não uma nulidade, tanto mais que é aquele regime o que melhor defende o interesse público de ressarcimento dos lesados, naturalmente alheios às relações contratuais entre a seguradora e o seu segurado.

A sanção da anulabilidade do contrato, contemplada neste preceito legal, não é mais do que a previsão de um caso de erro como vício de vontade.

Efectivamente, incidindo sobre a própria formação do contrato, as declarações falsas ou as omissões relevantes impedem a formação da vontade real da contraparte (a seguradora), dado que essa formação assenta em factos ou circunstâncias ignorados, por não revelados ou deficientemente revelados.

Como decorria do próprio texto do artigo e era entendimento corrente, não era necessário que as declarações ou omissões influíssem efectivamente sobre a celebração ou as condições contratuais fixadas, bastando que pudessem ter influído ou fossem susceptíveis de influir nas condições de aceitação do contrato.

Esta doutrina foi acolhida nos artigos 24º, 25º e 26º da LCS, razão por que as referências doutrinárias mencionadas se mantêm actuais, como a doutrina comprova e a própria lei o confirma.

A propósito dos deveres de informação do tomador do seguro ou do segurado, dispõe o n.º 1 do artigo 24º que “o tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”, acrescentando o n.º 1 do artigo 25º que, em caso de incumprimento doloso deste dever, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro e estabelece, por sua vez, o artigo 26º, n.º 1, que, em caso de incumprimento com negligência deste citado dever, “o segurador pode, mediante declaração a enviar ao tomador do seguro, no prazo de três meses a contar do seu conhecimento, (i) propor uma alteração do contrato, fixando um prazo, não inferior a 14 dias, para o envio da aceitação ou, caso a admita, da contraproposta; (ii) fazer cessar o contrato, demonstrando que, em caso algum, celebra contratos para a cobertura de riscos relacionados com o facto omitido ou declarado inexactamente”.

Assim, para que a declaração inexacta ou a reticência impliquem a desvinculação do segurador não é necessário que exista dolo do declarante. A declaração inexacta a que se refere o artigo 24º, n.º 1, abrange não só a declaração falsa feita com má-fé ou dolo, como também aquela que é produzida com negligência, assim como a “reticência”, isto é, a omissão de factos que servem para apreciar o risco, tanto pode derivar de má-fé, como de mera negligência.

Deste modo, a lei não supõe o carácter doloso das omissões ou reticências de factos com relevância para a determinação da probabilidade ou grau de risco, basta que a omissão ou a declaração inexacta se devam a negligência daquele. É todavia necessário que o declarante conheça os factos ou as circunstâncias inexactamente declaradas ou omitidas.

2.3.Na situação em apreço, perante os factos provados, o Tribunal “a quo” concluiu, e bem, que estávamos perante uma declaração inexacta do segurado - o aqui Chamado -, não se tendo concluído tratar-se de uma declaração falsa ou dolosa, pois, como decorre dos factos provados foi a Recorrente, sua mulher, enquanto tomadora do seguro, quem negociou e teve exclusiva intervenção em todos os trâmites do contrato, desconhecendo-se se agiu ou não por acordo ou mancomunada com este no propósito de adulterar ou omitir informações relevantes sobre o seu estado de saúde. Certo é que o Chamado já apresentava perturbações depressivas e alterações de personalidade em 14/07/2008, ou seja, antes da data do preenchimento da proposta de seguro e que tal informação relevante, para a sua aceitação pela seguradora ou para a definição do valor do prémio a pagar, foi omitida pelo tomadora de seguro.

2.4.Sustenta a Recorrente que se limitou a aderir aos elementos preenchidos por uma funcionária da mediadora (Ré SM) de acordo com as indicações da gerente da mediadora, não tendo o controle sobre esse preenchimento, e que nunca foi informada da importância ou pertinência para a seguradora dos elementos a incluir no questionários médico sobre o estado de saúde dos segurados.
Invoca, portanto, a violação, pela Ré SM, dos deveres de informação e comunicação previstos nos artigos 5º e 6º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, aplicáveis aos contratos de adesão, como o é, reconhecidamente, o contrato de seguro em apreço.
Visa, com tal alegação, que a Ré Z... não possa prevalecer-se dessas mesmas circunstâncias e consequente desconhecimento, por parte do segurado, da essencialidade de tais informações, para efeitos para efeitos de aplicação da cláusula de exclusão prevista no n.º 1 do artigo 10º das Condições Gerais da Apólice.
2.4.1.No entanto, esta é uma questão nova, nunca antes suscitada no processo, sendo que o Tribunal não deve conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
2.4.2.Na verdade, como refere ABRANTES GERALDES Obra e página citadas., ancorada na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que convoca, “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando (…) estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis”
2.4.3.Os recursos destinam-se a reapreciar questões, e não a decidir questões novas, por tal reapreciação equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição (cf. Acórdão do STJ, de 01/10/2002, CJSTJ, tomo III, p. 65).
2.4.4.Não obstante, sempre se dirá que a questão nova suscitada pela Recorrente, também por essa razão (invocação tardia) nunca poderia conduzir à reversão da sentença recorrida pretendida pela mesma, desde logo por se considerar que o ónus da prova que recai sobre o proponente, da adequada comunicação e informação de cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos de adesão, no caso a cláusula do artigo 1º, n.º 1, das CG, pressupõe a prévia invocação, pelo aderente, nos articulados, da violação desses deveres por parte daquele.

Vejamos,

Segundo o artigo 1.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro:
“1- As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.
2- O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.
3- O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.

Por seu turno, o artigo 5.º do indicado diploma, sob a epígrafe Comunicação, prescreve que:
“1- As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2- A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3- O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.”
E o artigo 6.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Dever de informação”, preceitua que:
“1- O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
2- Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

Em decorrência disso, o artigo 8.º estabelece que:
Consideram-se excluídas dos contratos singulares:
a)- As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;
b)- As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo.

É este, pois, o quadro normativo que contempla as regras da repartição do ónus probatório no respeitante ao dever de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais.

Como se pondera no Acórdão, de 28/09/2017 (proc. n.º 580/13.0TNLSB.L1.S1), relatado pelo Juiz Conselheiro Tomé Gomes, e acessível em www.dgsi.pt, “Sobre essa matéria importa ter em conta as linhas de entendimento adoptadas pela jurisprudência, com relevo para os acórdãos deste Supremo Tribunal convocados naquele aresto.

Assim, no acórdão do STJ, de 23/01/2007 Revista n.º 4230/06, relatado pelo Juiz Cons. Borges Soeiro,
http://www.stj.pt/ficheiros/jurisptematica/clausulascontratuauisgeraisjurisprudenciastj.pdf ., foi considerado que:
«I- O dever de comunicação do teor das cláusulas contratuais gerais tem duas vertentes: por um lado, o proponente deve comunicar na íntegra à outra parte as cláusulas contratuais gerais de que se sirva (art.º 5.º, n.º 1, do DL n.º 446/85, de 25-10), por outro lado, ao fazer esta comunicação, deve realizá-la de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência (art. 5.º, n.º 2).
II- Querendo-se estimular o proponente a bem cumprir esse dever, o n.º 3 do art. 5.º faz recair sobre ele o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva.
III- O comando contido na al. a) do art.º 8.º do referido DL, ao prescrever a exclusão das cláusulas não comunicadas nos termos do art.º 5.º, tem que ser entendido - atenta a referida norma sobre o ónus da prova - como prescrevendo a exclusão das cláusulas em relação às quais se não prove terem sido comunicadas.
IV- Trata-se de, e ainda na fase de negociação, ou pré-contratual, comunicar quais as cláusulas a inserir no negócio mas, e também, prestar todos os esclarecimentos necessários, designadamente informando o aderente do seu significado e implicações. Este regime já podia ser detectado nos art.ºs 227.º, n.º 1, e 232.º do CC.
V- Todavia, previamente à prova de que a comunicação e a informação existiram e foram adequadas, “subsiste o ónus, para aquele que se quer fazer valer da violação desses deveres, de alegar a respectiva facticidade, nomeadamente que aderiu ao texto das cláusulas sem que o proponente lhas tivesse comunicado ou prestado os devidos esclarecimentos».
No acórdão do mesmo Tribunal, de 26/06/2007 Revista n.º 1529/07, relatado pelo Juiz Cons. Afonso Correia, http://www.stj.pt/ficheiros/jurisptematica/clausulascontratuauisgeraisjurisprudenciastj.pdf ., foi entendido que:
«I- A seguradora que invoca uma determinada cláusula para limitar a sua responsabilidade tem de alegar e provar o seu conhecimento completo e efectivo por parte do tomador de seguro na conclusão do contrato ou na fase a ela conducente (arts. 5.º, n.º 3, e 6.º, do DL n.º 446/85, de 25-10).
II- Não tendo a seguradora provado, conforme lhe competia, que cumpriu aquela obrigação quanto a determinada cláusula, a consequência é, nos termos do art. 8.º do DL n.º 446/85, de 25-10, a exclusão da mesma (…).»

E no acórdão deste Tribunal de 21/10/2010 Revista n.º 3214/06.6TVLSB.L1.S1, relatado pelo Juiz Cons. Lázaro Faria, http://www.stj.pt/ficheiros/jurisptematica/clausulascontratuauisgeraisjurisprudenciastj.pdf ., foi afirmado que:
«I- A prova da comunicação (efectiva, adequada e esclarecedora) e da informação ao aderente a que se reportam os arts. 5.º, n.º 3, e 6.º do DL n.º 446/85, de 25-10, cabe, nos termos de tais normativos, ao contraente que submete àquele as respectivas cláusulas contratuais gerais.
II- Previamente à prova de que a comunicação e informação foram efectuadas, impende sobre quem se quer fazer prevalecer da violação desses deveres o ónus da alegação de tal preterição.
III- Não sendo cumprido esse ónus de alegação na petição inicial (momento processual próprio), não pode o mesmo ser satisfeito nas conclusões da apelação, por redundar numa questão nova. (…)».

Também no acórdão do STJ, de 10/05/2007, proferido no processo 07B841, relatado pelo Juiz Conselheiro João Bernardo, disponível em www.dgsi.pt. se considerou que:
«Previamente à demonstração a que os ónus de prova previstos no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, se reportam, tem de haver a demonstração, a cargo da parte que quer beneficiar da invalidade das cláusulas contratuais gerais, de que estamos em terreno próprio destas.»

Não se divisam razões para nos desviarmos desta orientação jurisprudencial no sentido de, no âmbito das cláusulas contratuais gerais, distinguir, por um lado, o ónus de alegação ou invocação, por parte do aderente, da violação dos deveres de comunicação e informação de cuja preterição se pretende prevalecer e, por outro lado, o ónus de prova, por parte do proponente, sobre a adequada comunicação e informação das cláusulas desse tipo inseridas no contrato.
Assim, no âmbito dos contratos de adesão, o ónus de prova da observância dos deveres de adequada comunicação e informação de cláusulas contratuais gerais, o que incumbe ao proponente, nos termos e para os efeitos dos artigos 5.º, 6.º e 8.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10, pressupõe a invocação, pelo aderente, da violação desses deveres por banda daquele.”

2.4.5. Esta orientação jurisprudencial que acompanhamos tem plena aplicação ao caso em apreço.
Com efeito, no caso em apreço, a 1ª Instância apreciou os contornos em que os termos do litígio foram traçados pela Autora e Chamado e impugnados pelas Rés, e subsequentemente sujeitos a prova e discutidos, de forma fidedigna e clara, na perspectiva de caracterizar a adequada repartição do ónus de alegação e prova.
A prova a produzir versará sobre os factos alegados pelas partes que permanecem controvertidos (art.s 596º, nº1 e 593º, nº2). A saber, expurgados que sejam os respectivos segmentos conclusivos ou de direito, e sem prejuízo das regras de distribuição do ónus da prova, os seguintes que são os
Ora, com base no alegado pela Autora e Rés nos articulados e nas posições assumidas, os Temas da Prova enunciados por despacho de 19/05/2014 (ref.ª 19301769) foram os seguintes:
Temas da prova:
-Da P.I.: art.s 8º a 25º; 30º e 31º;
-Da Contestação da Ré S.M.: 12º a 17º; 19º a 21º e 34;
-Da Réplica a essa Contestação: 14º.2
-Articulado de aperfeiçoamento da Réplica junto a 05.04: toda a matéria.

Após reclamação, em sede de audiência prévia realizada em 04/03/2015 (ref.ª 332746401), foram aditados os Temas da Prova seguintes:
-o conhecimento pela autora e pelo chamado da doença à data do preenchimento das propostas;
- a não aceitação do risco pela ré seguradora ou o agravamento do prémio se tivesse sido declarado o real estado de saúde do chamado;
- a data de verificação da doença;
- a interpelação da autora pela ré seguradora para proceder ao pagamento do prémio em dívida sob pena de resolução;
- a tentativa da ré seguradora junto do Banco ... para este se substituir à autora no pagamento do prémio;
- o conhecimento pela autora da resolução.”

2.4.6. Tudo visto e revisto logo se conclui que a Recorrente não invocou previamente à realização da audiência de julgamento e prolação da sentença recorrida a violação, pelas Rés mediadora e seguradora, dos deveres de informação e comunicação previstos nos artigos 5º e 6º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (RGCCG), de cuja alegada preterição se pretende prevalecer.

2.4.7.Em todo o caso, sempre se dirá, acompanhando a Recorrida Z..., que sobre o dever de informação e comunicação, é entendimento do Supremo Tribunal Justiça que o questionário não constitui cláusula contratual geral do contrato de seguro para efeitos de vinculação da seguradora aos referidos deveres, não lhes sendo aplicável o regime previsto no Dec.-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (RJCCG) - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-07-2011, disponível in www.dgsi.pt.
Conforme escreve Moitinho de Almeida o questionário médico consiste “numa facilitação concedida pelo segurador ao segurado assente na probabilidade das informações e na boa-fé deste último com vista a evitar um complexo de averiguações e exames, não devendo redundar em prejuízo daquele” – in “ Contrato de Seguro” p.. 74.
Pelo que a alegação da Autora/recorrente, a vingar, e não é manifestamente esse o caso, só relevaria para efeitos de a Ré seguradora não se poder prevalecer da cláusula de exclusão constante do artigo 10º, n.º 1 das Condições Gerais (exclusão por doença pré-existente do segurado).

3.Nestas circunstâncias, e na linha da jurisprudência acima citada, conclui-se que a questão agora trazida à liça configura uma questão nova que esta Relação não pode conhecer, sendo certo que não tendo sido sequer suscitada pela Autora, aqui Recorrente, tempestivamente, a falta de comunicação e de informação quanto à inclusão no contrato de seguro da referida cláusula do artigo 10º, n.º 1, das Condições Gerais do Contrato de Seguro, não incumbia às Rés o ónus de alegar e provar a efectivação dessa comunicação e os termos em que foi feita, nem ao Tribunal “a quo” pronunciar-se sobre tal questão.

Termos em que improcede a apelação.

IV–Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
As custas do recurso ficam a cargo da Recorrente - artigo 527º do CPC.

Registe e notifique.



Lisboa, 14 de Dezembro de 2017



Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Maria Manuela Gomes
Decisão Texto Integral: