Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7244/04.4TBCSC.L1-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: DIREITO REAL DE HABITAÇÃO
UNIÃO DE FACTO
COMPROPRIEDADE
USO E HABITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I)O reconhecimento de direito real de habitação da casa de morada de família ao membro sobrevivo de união de facto estabelece uma relação entre o titular desse direito e a coisa de tal modo que esta fica afecta aos fins do sujeito em razão da relação entre os membros da união de facto e de ambos com a coisa.
II) Não pode estabelecer-se analogia entre este direito real e a sucessão na posição de inquilino.
III) A situação de compropriedade prevista no artigo 5.º, n.º 3, da Lei 7/2001, na redacção da Lei 23/2010, não estava explicitamente prevista na versão original daquela lei, mas do seu regime resultava idêntica solução.
IV) A unidade e coerência do sistema jurídico não permitia colocar o membro sobrevivo em situação mais desfavorável quando fosse comproprietário da casa de morada de família face à que teria se apenas o falecido o fosse.
V) Assim, inexiste fundamento legal para o pagamento pelo sobrevivo de contrapartida pecuniária pela utilização da casa enquanto titular do mencionado direito real de habitação.
VI) A compropriedade tem a natureza de um direito único com pluralidade de titulares, qualitativamente idêntico, mesmo quando quantitativamente distinto.
VII)Na ausência de qualquer acordo, qualquer consorte pode utilizar a coisa, dentro dos fins a que se destina e sem privar os demais dessa utilização.
VIII)Essa utilização pode ser exercida quanto á totalidade da coisa, independentemente da dimensão quantitativa que a quota traduz.
IX) A privação da utilização pelos demais consortes tem de ser apreciada em concreto e não em abstracto pela mera consideração da natureza ou fins a que a coisa se destina; quando assim não fosse, ficaria derrogado o regime do artigo 1406.º, n.º 1, quanto às coisas que apenas permitam o uso exclusivo, impossibilitando o gozo directo por qualquer dos comproprietários.
X) A restrição a que a norma alude, deve ser apreciada em concreto, cabendo ao consorte não utilizador alegar e demonstrar a privação do uso concreto da coisa.
XI) Caso contrário, a mera falta de estipulação consensual poderia privar todos os consortes do uso da coisa em benefício de nenhum deles, pois até o uso indirecto poderia estar vedado; o que, do ponto de vista socioeconómico seria absurdo, podendo até constituir abuso de direito.
XII)A colisão de direitos nos termos do artigo 335.º, do CC, de que o artigo 1406,º, n.º 1, é uma sub-espécie, tem de ver-se não em abstracto, mas na dinâmica concreta do seu exercício.
(AAC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO

PATRÍCIA, com os sinais dos autos instaurou acção declarativa com processo comum ordinário contra MARIA, com os sinais dos autos, alegando em síntese ser, com a Ré, comproprietária de uma fracção de prédio imóvel destinada a habitação, adquirida mediante empréstimo, de que se encontra a pagar com a Ré o montante mensal de € 680,00, cada uma, fracção que a Ré habita exclusivamente sem nada pagar, tendo já a Autora instaurado acção de divisão de coisa comum respeitante à fracção. Conclui pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe montante mensal igual a metade da renda que poderia ser percebida pelo arrendamento da fracção, desde que a adquiriu por sucessão de seu pai até entrega, acrescido de juros, e, bem assim, sanção pecuniária mensal igual ao montante que a Autora suporta a título de pagamento do empréstimo desde a condenação até entrega.

A Ré contestou alegando, em síntese, que viveu em união de facto com o falecido pai da Autora na fracção em causa, durante mais de dois anos consecutivos, pelo que tem direito real de habitação gratuita da fracção por cinco anos e direito de preferência na venda dela pelo mesmo prazo, pretensões que deduziu já em sede própria, assim improcedendo a acção.

A Autora replicou impugnando a existência de união de facto entre seu pai e a Ré, admitindo apenas a existência de uma relação terminada antes da morte do pai da Autora, que durara apenas seis meses, sem o carácter de identidade com a situação dos cônjuges. Concluiu como na inicial.

Foi proferido despacho que julgou verificada a prejudicialidade da acção em que fora pedido o reconhecimento dos direitos decorrentes da invocada união de facto entre a Ré e o pai da Autora.

Foi junta aos autos certidão com nota de trânsito da sentença proferida na acção prejudicial, a qual a julgou procedente e declarou que a ora Ré goza do direito real de habitação por cinco anos sobre a fracção em causa nestes autos e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda.

Foi proferido despacho de organização da matéria de facto assente e base instrutória, do qual não houve reclamações.

Cumprido o demais legal, procedeu-se a audiência de julgamento, sendo após proferida decisão julgando a matéria de facto controvertida, sem reclamações.

Foi proferida sentença que condenou a Ré a pagar à Autora a quantia mensal de € 650,00, até ao final do respectivo mês, desde 9 de Julho de 2009, enquanto se mantiver a compropriedade e a ocupação exclusiva do imóvel, sendo as prestações vencidas acrescidas de juros de mora à taxa legal, desde o termo do mês correspondente e até pagamento, absolvendo a Ré do demais pedido.

Desta sentença vieram a Autora e a Ré interpor recursos de apelação, indicando a primeira efeito devolutivo e a segunda suspensivo. A Autora pugnou pela atribuição de efeito devolutivo à apelação interposta pela Ré.

Os recursos foram admitidos, o da Autora com efeito devolutivo e o da Ré com efeito suspensivo.

A Autora alegou e concluiu como segue:

«1.ª Tendo em vista o exposto na 1.ª questão, dado que no âmbito da ação não se discute a validade ou subsistência de qualquer contrato de arrendamento, não se verificam assim os legais pressupostos, para que o recurso seja recebido no efeito suspensivo, mas sim, devolutivo.

2.ª Considerando que:

(a) Foi reconhecido à Apelada, o direito real de habitação da fração a que os autos se referem, pelo prazo de cinco anos, com início em 08-08-2004 e término em 08/08/2009;

(b) Que, o conteúdo de tal direito não confere ao seu titular, o seu uso, gratuito do bem em causa, mas simplesmente o direito de usar daquela habitação, pelo prazo de cinco anos;

(c) Considerando-se no caso, que aquela fração se estivesse arrendada desde tal data – 08/08/2004, renderia aos proprietários a título de renda o valor de 1300€ e sendo a Apelante comproprietária de metade, tem o direito de receber da Ré e ora Apelada desde a data do óbito do seu Pai 650€ mensais até à data em que a Apelada desocupe a fração em causa.

3.ª Tendo em vista o exposto na 3.ª questão, em face dos factos provados nas alíneas (E,F,I,L,S) da matéria de facto provada, considerando que o direito real reconhecido à Apelada terminou em 08/08/2009, e, dado que a mesma não desocupou a fração, entende-se que a título de sanção pecuniária compulsória, deve a apelada ser condenada

tal como se pediu na ação, sendo no caso, o inicio de tal prestação devida após 08/08/2009, até à data em que a Apelada desocupe a fração em causa.

4.ª A R. decisão recorrida, no entendimento da Apelante, violou as seguintes normas:

(a) Do Código Civil: artigos 829.º-A e 1305.º;

(b) Do Código de Processo Civil: 659.º, n.º 2 e 3.

Em face do exposto, Requer a V. Exªs:

1 Que, em face das conclusões apresentadas, seja a R. decisão revogada na parte da decisão de que se recorre;

2 Que, em consequência se condene a Apelada:

2.1 A pagar aprestação fixada de 650€ desde a data do óbito do Pai da Apelante - 08/08/2004, até à data em que aquela desocupar o andar;

2.2. Que a Apelada seja condenada a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento à Apelante do valor de 680,00€ com inicio em 08/08/2009, até à data da desocupação da fração.

3 A que acrescem juros legais sobre tais quantias vencidas e vincendas, desde a data da citação no 1.º caso e desde 08/08/2009 no segundo caso.

Assim decidindo se fará;

J U S T I Ç A».

A Ré alegou e conclui como segue:

«1. Nos termos do art. 1406.° do Código Civil, "Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que têm direito."

2. Conforme resulta dos pontos D) e L) da Matéria de Facto Provada, a Recorrente tem usado e fruído em exclusivo da fracção autónoma objecto dos presentes autos.

3. Conforme decidiu, e bem, o tribunal a quo, o uso e fruição exclusiva do referido imóvel durante um período de cinco anos (portanto, até 8 de Julho de 2009) decorreu do direito real de habitação periódica que foi judicialmente atribuído à Recorrente, em processo que correu termos no 4.° Juízo Cível de Cascais, sob o n.° 7339/04.4TBCSC (cfr. alínea S) da Matéria de Facto Provada).

4. Se é certo que o referido direito de habitação real periódica terminou em 9 de Julho de 2009, certo é também que a Recorrente, posteriormente a essa data, jamais obstou a que a Recorrida, na qualidade de com proprietária, usada e fruísse do bem em causa.

5. Na verdade, da matéria de facto provada não resulta - nem isso alguma vez foi alegado - que:

(i) A Recorrida alguma vez tivesse manifestado interesse em utilizar o imóvel;

(ii) A Recorrente alguma vez tivesse impedido a Recorrida de utilizar o imóvel - em exclusivo ou em comum;

(iii) A Recorrente alguma vez tivesse obstado à disposição do bem por parte da Recorrida.;

(iv) A Recorrente e a Recorrida jamais acordaram no pagamento de qualquer compensação pela utilização do imóvel ou o destino a dar ao mesmo com vista a garantir a utilização por cada uma das com proprietárias.

6. Diversas formas de utilização simultânea ou exclusiva do imóvel por ambas as proprietárias poderia ter sido discutida e acordada, como seria disso exemplo a divisão temporal de fruição, por turnos (cfr. se admite no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 01 .03.2011, disponível em dgsi.pt).

7. Porém, tal apenas poderia ter sido discutido acaso alguma vez a Recorrida tivesse manifestado interesse na utilização do imóvel, o que nunca sucedeu.

8. Por outro lado, da matéria de facto provado não resulta que a Recorrente, posteriormente ao termo do direito real de habitação periódica que lhe foi judicialmente atribuído, alguma vez se tivesse arrogado o direito utilizar em exclusivo o imóvel, alguma vez tivesse actuado como possuidora exclusiva do mesmo ou tivesse alegado ter posse de quota superior ao âmbito do seu quinhão.

9. Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. III, 2 edição, pág. 357., "( ... ) Em primeiro lugar, há que respeitar o que houver sido acordado entre os interessados(...) ( ... ) os condóminos podem acordar em usar, separadamente, as dependências em que dividem a casa comum, ou os vários lotes de terreno em que repartem para o efeito o prédio rústico comum ( ... )."

"( ... ) nos casos em que não é possível ou conveniente o uso por partes ou fracções da coisa, ou o uso por turnos, os interessados acordam por vezes no uso directo promíscuo ou simultâneo ( ... )

Por isso, o acordo relativamente à divisão do gozo da coisa não está sujeito às exigências de forma que a divisão da coisa implicaria, nada impedindo que seja meramente consensual Cfr. Ac. da Rei. do Porto de 1710611982, in CJ, VII, 3, 236.."      l

10. Veja-se, também neste sentido, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 04.10.2005, disponível em www.dsi.pt.

11. Ora, atendendo a que, em primeiro lugar, a Recorrente e Recorrida jamais acordaram em compensar esta pelo uso que aquela fez do imóvel e, em segundo lugar, que a Recorrente jamais privou a Recorrida do uso do imóvel a que igualmente tem direito (sendo ainda certo que a utilização da coisa para fim diverso a que a mesma se destina nunca foi questionada), não pode a Recorrida ter direito ao pagamento de qualquer quantia pela utilização do bem pela Recorrente, seja a título de rendas ou a qualquer outro título e, muito menos, como sucedeu no caso dos autos, decidir unilateralmente a forma e o quantum através da qual quer ser compensada.

12. Aliás, se privada da utilização do uso a que tem direito tivesse sido, deveria a Recorrida ter lançado mão dos meios legais de defesa da posse, o que não fez, e não reclamar o pagamento de qualquer quantia, como se perante um qualquer contrato de arrendamento estivéssemos.

13. Veja-se que, aquando do termo do direito real de habitação periódica atribuído à Recorrente, e porque a Recorrida não mais queria permanecer na indivisão - direito que legalmente lhe assiste - já a Recorrida havia instaurado a acção de divisão de coisa comum - a qual corre termos no 4.0 Juízo Cível do Tribunal de Cascais, sob o n.° 7053/04.OTBCSC.

14. A decisão proferida violou, pois, o disposto no art. 1406.0 do Código Civil.

TERMOS EM QUE, e pelo muito que V. Exas. haverão doutamente de suprir, deve ser revogada a douta sentença em apreço, dando-se provimento ao presente recurso, como é de direito e para que se faça

JUSTIÇA!».

Foram apresentadas contra-alegações recíprocas, defendendo o bem fundado da decisão na parte respectivamente impugnada.

Foi proferido despacho nesta Relação fixando efeito devolutivo ao recurso da Ré e convidando a Autora a aperfeiçoar as suas conclusões quanto à impugnação de direito, o que fez.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II) OBJECTO DO RECURSO

Tendo em atenção as conclusões da Recorrente e inexistindo questões de conhecimento oficioso - artigo 684.º, n.º 3, 685.º A, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 660.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, são as seguintes as questões a decidir:
2.1 Do pagamento de quantia pecuniária em contrapartida da utilização pela titular de direito real de habitação;
2.2 Do pagamento à consorte de quantia pecuniária em contrapartida da utilização exclusiva;
2.3 Da fixação de sanção pecuniária compulsória desde a citação até desocupação e condenação da Ré no seu pagamento.

III) FUNDAMENTAÇÃO
1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Não foi impugnada a decisão de facto, estando assentes nos autos os seguintes factos:
A) A autora é filha de Pedro e de Ana.
B) Pedro faleceu em 08 de Julho de 2004, no estado civil de divorciado de Ana.
C) No dia 20 de Julho de 2004, por escrito notarial outorgado no 14.º Cartório Notarial de Lisboa, a autora declarou que: “(…) O falecido não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade e, deixou como única herdeira a sua filha Patrícia (…) Que não há, assim, pessoa alguma que, segundo a lei, prefira na sucessão à sobredita herdeira, ou que, com ela, concorra à herança aberta por óbito do mencionado Pedro.”
D) Por escrito notarial datado de 18 de Dezembro de 2003, António e Ana Isabel, declararam vender, à ora ré e a Pedro, que declararam comprar, em comum, a fracção autónoma destinada exclusivamente a habitação, designada pelas letras “ABF”, correspondente ao Bloco (…) Porta C, com um estacionamento na terceira cave com o número setenta e quatro, do prédio urbano sito na Avenida (…), freguesia e concelho de Cascais, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.º (…), da referida freguesia, nos precisos termos constantes de fls. 23 a 29 dos presentes autos.
E) Na data referida em D) e para aquisição da fracção autónoma aí identificada, a ré, Pedro e a Caixa Geral de Depósitos celebraram um acordo, que denominaram de “Contrato de empréstimo com hipoteca”, nos precisos termos constantes de fls. 30 a 36, dos presentes autos.
F) Encontra-se averbada na Conservatória do Registo Predial de Cascais, a aquisição a favor da ré e de Pedro, do prédio referido em D), pela Ap. (…), por sucessão por compra.
H) Encontra-se averbada na Conservatória do Registo Predial de Cascais, a aquisição de ½ a favor da autora, do prédio referido em D), pela Ap. (…), por sucessão por de Pedro.
I) Em substituição de seu pai, a autora paga à Caixa Geral de Depósitos, o valor mensal de €680,00, correspondente à sua quota-parte do valor devido para pagamento da obrigação derivada do acordo referido em E).
J) A ré paga à Caixa Geral de Depósitos, o valor mensal de € 680,00, correspondente à sua quota-parte do valor devido para pagamento da obrigação derivada do acordo referido em E).
K) A autora instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, acção especial de divisão de coisa comum, relativa à fracção referida em D), que corre termos no 4.º Juízo Cível com o n.º 7053/04.0TCSC.
L) Desde da data referida em D), a ré tem usado e fruído a fracção autónoma aí identificada.
M) A ré paga as contribuições devidas ao condomínio do prédio referido em D).
N) A fracção autónoma referida em D) é destinada a habitação.
O) E sita numa zona habitacional nobre e de forte valorização desta cidade, com quatro assoalhadas, em estado “novo”, estacionamento para veículo automóvel e arrecadação.
R) A ré é divorciada.
S) Por sentença transitada em julgado, proferida em 21/02/2007, na acção declarativa com Processo Ordinário que correu termos sob o n.º 7339/04.4TBCSC, no 4.º Juízo Cível deste Tribunal, decidiu-se, nos precisos termos constantes da certidão junta aos presentes autos a fls. 135 a 146 e que aqui se reproduz na íntegra, além do mais que, “a autora goza do direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos, sobre a fracção autónoma correspondente ao (…) andar porta C, do bloco três do prédio urbano sito na Avenida (…), em Cascais, identificado em 7., e, no mesmo prazo, do direito de preferência na sua venda”.
T) A fracção autónoma pode ser arrendada por valor mensal não inferior a € 1.300,00.

2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
2.1Do pagamento de quantia pecuniária em contrapartida da utilização pelo titular de direito real de habitação

A Autora Recorrente discorda da sentença impugnada em virtude de entender que a Ré deveria ter sido condenada a pagar-lhe a quantia correspondente a metade do valor de arrendamento da fracção, enquanto titular do direito real de habitação sobre a fracção autónoma, nos cinco anos subsequentes ao decesso do pai da Autor e companheiro da Ré.

Argumenta que o reconhecimento do direito real de habitação implica apenas a atribuição à Ré o direito de habitar a casa, mas não o de o fazer sem encargos económicos, sendo certo que se a casa fosse arrendada teria de suportar o pagamento das rendas. Deve, em consequência, assumir perante a Autora a responsabilidade de lhe pagar metade do valor que poderia ser retirado da cedência onerosa da utilização da fracção, durante aquele período de cinco anos.

Como resulta da alínea S), dos factos assentes, foi proferida decisão transitada em julgado que reconheceu à Ré o direito real de habitação da fracção, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, da Lei 7/2001([1]), desde a morte do pai da Autora, ocorrida em 8 de Julho de 2004, e durante cinco anos.

A lei referida foi alterada pela Lei 23/2010, de 30 de Agosto. Porém, nos termos do artigo 12.º, do CC, é aplicável a redacção vigente na data da morte do companheiro da Ré, facto que é constitutivo do direito reconhecido.

O direito real de habitação encontra-se previsto no artigo 1484.º, do CC, em analogia com o usufruto na medida em que se caracteriza pela atribuição «do gozo temporário de uma coisa ([2].

E é a esta qualificação legal que o legislador apela ao atribuir um direito real de habitação, ou seja, um direito de uso referente a coisa imóvel – artigo 1484.º, n.º 2, do CC. Pelo que é no regime deste instituto que deve procurar-se a resposta à questão que nos ocupa.

Na verdade, o legislador não atribuiu ao membro sobrevivo da união de facto um direito a contratar um arrendamento nos cinco anos subsequentes ao decesso; também não entendeu reconhecer-lhe a faculdade de constranger o sucessor do companheiro falecido na titularidade do direito de propriedade à celebração de um contrato de constituição onerosa de um direito real de habitação.

Contrariamente, o legislador reconheceu ao membro sobrevivo da união de facto o direito real de habitação por cinco anos. Esta natureza real estabelece uma ligação entre o titular do direito e a coisa de tal modo que «o direito real representa a afectação, realizada em certos termos, duma coisa aos fins de um sujeito» ([3]).

Como resulta da conjugação dos artigos 1485.º e 1440.º, ambos do CC, o direito real de habitação, pode constituir-se por disposição legal, o que ocorre no caso vertente.

Invoca a Autora que sendo a casa arrendada o sobrevivo não ficaria isento do pagamento de renda, devendo também no caso vertente suportar o custo económico da habitação.

Sem razão, salvo o devido respeito. Não pode ver-se analogia onde se verificam situações juridicamente tão diversas como as de titularidade pelo membro falecido do direito de propriedade ou da qualidade de inquilino.

No primeiro caso, trata-se de um bem do falecido que o legislador entendeu dever ficar adstrito ao sobrevivo, nos termos definidos pelo direito real de habitação legalmente reconhecido, em razão da relação mantida entre ambos e de ambos com esse bem, em termos de nele terem estabelecido a casa de morada de família.

No segundo caso, trata-se de um bem propriedade de terceiro que dele dispôs onerosamente, reconhecendo o legislador a possibilidade de sucessão na posição do falecido enquanto arrendatário.

Nem se diga, que se verifica uma assimetria na regulação legal das situações, na medida em que numa o sobrevivo fica isento do custo económico da habitação enquanto noutra o suporta.

A assimetria não se verifica nesta regulação legal mas antes na situação do bem em relação ao falecido: num caso dele proprietário, no outro inquilino.

A opção do legislador é idêntica: a possibilidade de o sobrevivo manter a utilização da casa de morada de família nos termos em que tal possibilidade existia para o falecido, com a limitação óbvia de não o constituir proprietário dela.

Também invoca a Autora a situação de compropriedade como fundando aquele pagamento durante esse período de cinco anos, alegando ainda que suporta o pagamento do empréstimo contraído para aquisição da fracção, na parte correspondente à sua quota.

O pagamento das prestações do empréstimo decorre naturalmente de a Autora suceder na posição de seu pai no contrato respectivo. De novo, não se vê que a restrição do seu direito pelo direito real de habitação implique qualquer pagamento, dados os termos em que a lei reconheceu este último.

A situação da compropriedade não se encontra expressamente prevista na lei 7/2001 na sua redacção original, reguladora da situação sub judice ([4]). No entanto, afigura-se que do regime anterior resultava idêntica solução à instituída pela Lei 23/2010. O facto de o sobrevivo ser comproprietário não poderia colocá-lo em situação mais desfavorável da que lhe resultaria em caso de a propriedade estar constituída em plenitude na titularidade do falecido.

Com o que concluímos inexistir fundamento para a condenação da Ré no pagamento da quantia peticionada durante o período de vigência do direito real de habitação reconhecido. 


2.2Do pagamento ao consorte de quantia pecuniária em contrapartida da utilização exclusiva

Pretende a Ré recorrente que não há lugar ao pagamento de qualquer quantia após a extinção do direito real de habitação, alinhando diversos motivos como fundamento de tal conclusão: não estar demonstrado que a Autora alguma vez tenha tido interesse em utilizar a fracção; não estar demonstrado que a Ré alguma vez tenha impedido a Autora de a utilizar; não estar demonstrado que a Ré tenha impedido a Autora de dispor da fracção; não ter sido acordado entre as consortes qualquer pagamento pela utilização da fracção; ter a Ré direito a utilizar a fracção enquanto consorte.

Advirta-se que também não é aplicável neste aspecto a redacção da Lei 7/2001 na redacção decorrente da entrada em vigor da Lei 23/2010[5], nomeadamente o n.º 7, do actual artigo 5.º, uma vez que a extinção do direito real de habitação ocorreu na vigência da redacção original da mesma lei. É antes aplicável o regime comum do Código Civil.

Nos termos do artigo 1406.º, n.º 1, do CC, (na parte pertinente) «na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que (…) não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito».

A Autora e a Ré são comproprietárias da fracção em partes iguais. Apenas a Ré habita a fracção, sendo que a partir de 9 de Julho de 2009, inclusive, o faz com fundamento nesse direito de compropriedade, já que outro título não invoca.

No caso dos autos está assente que a fracção se destina a habitação, resultando do conjunto da prova que se trata de habitação unifamiliar.

Como bem o refere a sentença impugnada, razões de privacidade, que a habitação implica, levam a que se considere excluída a possibilidade de utilização simultânea da fracção, na ausência de acordo das consortes nesse sentido, o qual não foi alegado existir, antes tudo inculca esteja afastado pela realidade subjacente.

A esta situação se referem os Professores Pires de Lima e Antunes Varela quando mencionam as «dificuldades práticas e teóricas quanto ao uso directo promíscuo de prédios urbanos que não se prestem a divisão» mais referindo que «o único recurso a adoptar, na falta de acordo, será o do gozo indirecto, que consistirá em regra na locação da coisa, com a consequente repartição dos proventos dela entre os consortes»[6].

Do que resulta que a utilização que a Ré faz da fracção desde 9 de Julho de 2009 se inscreve no exercício do seu direito de comproprietária. Embora tal utilização valha apenas «como princípio supletivo»[7] para o caso de outra utilização não estar estabelecida v.g. a referida pelos Autores citados de uso por turnos.

Não foi alegado nos autos que estivesse estabelecido qualquer acordo quanto à utilização da fracção, pelo que é lícita a sua utilização por qualquer das consortes.

Há que saber se essa licitude de utilização deve considerar-se apenas na medida da quota ou pode ser exercida quanto à totalidade da coisa. O que convoca a questão da natureza da compropriedade[8].

Tal natureza pode ser vista como a de um direito sobre quotas, de uma pluralidade de direitos sobre a mesma coisa, de um direito único com pluralidade de titulares ou de pessoa colectiva.

Como o referem ambos os Autores citados, a tese da personalidade colectiva não encontra qualquer acolhimento no regime jurídico português e a do direito sobre uma quota afasta-se da estrutura do direito real: «não se nos afigura possível partilhar esta tese, por ela envolver, nomeadamente, uma concepção bem difícil de ajustar à estrutura típica dos direitos reais. Na verdade, estes são direitos sobre coisas, pelo que só no caso de se não vislumbrar outra forma de configurar o instituto ela deveria ser tomada em consideração (…). Para além do mais, esta tese deixa sem explicação a incidência imediata de certos poderes dos comproprietários sobre a própria coisa, no seu todo, e não sobre quotas, meramente ideais ou intelectuais, como acontece no significativo poder de uso»[9].

Por outro lado, a estatuição do artigo 1403.º, n.º 2, do CC, referindo os direitos dos consortes como qualitativamente iguais, pese embora a diferença quantitativa, afasta a ideia de uma unidade do direito, com pluralidade de titulares.

Em consequência, deve entender-se a faculdade de uso da coisa por cada consorte como referindo-se à coisa em si mesma, na sua totalidade, independentemente da dimensão quantitativa que a quota traduz.

Porém, tal direito, tem a limitação legal de não privação do uso pela outra consorte.

Deve entender-se que esta privação do uso tem carácter abstracto, decorrendo da consideração da própria natureza da coisa em conjunção com a utilização a que se destina, ou que tem carácter concreto, decorrendo de uma impossibilidade de utilização efectiva e concretamente pretendida pelo outro consorte?

Ou seja, deve considerar-se que, na falta de acordo, a utilização por um consorte de uma coisa que não permite a utilização simultânea pelos demais implica a privação do uso por estes?

Ou, pelo contrário, mesmo neste caso, só se verificará a privação se em concreto o consorte não utilizador pretender utilizar, vendo-se impedido de o fazer, pela utilização dada pelo consorte utilizador?

A primeira solução, implicaria a derrogação do regime artigo 1406.º, do CC, quanto às coisas que apenas permitissem o uso exclusivo por um dos consortes, instituindo a obrigação do gozo indirecto e impossibilitando o gozo directo.

É essa a solução quando haja desacordo, mas não parece que seja quando o acordo falte no sentido de nada ter sido estabelecido.

A tal se parecendo referir a expressão «falta de acordo» utilizada pelos Autores citados no inciso acima transcrito. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2007, proferido no processo 06B4630 (Cons. Bettencourt de Faria), embora possa inculcar a defesa de posição diversa da defendida, fá-lo fundando-se numa situação de colisão de direitos nos termos do artigo 335.º, do CC, de que o artigo 1406,º, n.º 1, é exemplo. Porém, a colisão de direitos tem de ver-se não em abstracto, mas na dinâmica concreta do seu exercício[10].

É nesta concretização da faculdade de usar que se afigura que os Professores Pires de Lima e Antunes Varela exprimem a diferença entre os regimes português e italiano: «o segundo limite do uso da coisa pelo comproprietário é ditado pela necessidade de facultar aos outros consortes a possibilidade de igualmente se serviram dela (…).

A restrição só funciona, porém, em relação às utilizações da coisa que os outros comproprietários possam fazer ou tenham necessidade de fazer.

(…) Neste aspecto afigura-se mais feliz a fórmula do Código português, falando no uso a que os outros consortes têm direito (sendo certo que a existência do direito pressuporá, neste caso, a existência da necessidade correspondente), do que a do artigo 1102.º do Código italiano, que alude à necessidade de o uso feito por um dos consortes não impedir os outros participantes de usarem igualmente a coisa»[11] (sublinhado nosso).

Do que decorre a licitude da utilização exclusiva da coisa em compropriedade por um dos consortes, mesmo quando a coisa não seja susceptível de utilização simultânea por todos. Aliás, tal ocorrerá, na generalidade dos casos, quando apenas um consorte estiver interessado no gozo directo e nenhum dos outros esteja interessado num gozo indirecto a que aquele obste, sem que nada tenha sido em concreto estipulado.

Refere a esse respeito o Professor Carvalho Fernandes[12]: «como é evidente, os problemas surgem, quanto a este limite, nos casos em que não se mostre praticável um fraccionamento do uso. Suponha-se uma situação de compropriedade que tenha por objecto uma fracção autónoma e esta não permita o uso simultâneo de todos os comproprietários. Na falta de acordo, as alternativas são as de não permitir o uso de qualquer dos comproprietários e a de encontrar uma solução sucedânea da prevista na lei. Poderia ela ser a de o comproprietário, que venha a ter o uso exclusivo, compensar os demais pelo valor do uso que exceda a sua quota. Do ponto de vista económico-social, afigura-se-nos ser esta uma solução acertada».

Nessa situação, embora o gozo pelos demais consortes não seja materialmente possível, os mesmos não estão dele privados porque não o pretendem em concreto exercer e enquanto tal se verificar. Caso o pretendam, podem fazer cessar de imediato a utilização exclusiva, pela declaração dessa pretensão; quando a mesma não seja acatada, cessa a licitude da utilização, na medida em que passa a ocorrer privação do gozo pelo consorte em violação do disposto no artigo 1406.º, n.º 1, do CC.

Voltando ao caso dos autos, a licitude da utilização da fracção pela Ré apenas pode cessar pela pretensão da Autora a utilizar a fracção, quer directamente, nela habitando, quer indirectamente, locando-a, por exemplo, ou de outro modo usufruindo dela.

A Autora nada alegou quanto a tal, ou seja, não alegou que também pretenda habitar a fracção ou que, na impossibilidade de habitação conjunta, ou em alternativa ao gozo directo, pretende locar a fracção. Ou seja, não exprimiu a sua oposição a que a Ré use a fracção.

Porém, intentou a presente acção. Deve considerar-se que, por ela, manifestou tal pretensão? Nomeadamente, manifestou a pretensão de locar a fracção e de o não poder fazer em razão da utilização que dela faz a Ré?

Não parece que assim possa entender-se a acção. A Autora limitou-se a alegar que o uso que a Ré faz da fracção a constitui na obrigação de pagar a quantia pecuniária correspondente à utilidade económica decorrente desse uso, na medida da sua quota.

Ora, tal resulta de uma sua interpretação das consequências jurídicas do uso pelo consorte que se nos afigura que a lei não autoriza.

Entende-se, assim, que a melhor interpretação do artigo 1406.º, n.º 1, do CC, salvo o devido respeito pela opinião contrária, implica que a utilização exclusiva apenas esteja vedada quando, em concreto, o uso por um condómino prive o outro de usar a coisa numa concreta utilização pretendida.

Caso contrário, a mera falta de estipulação consensual poderia privar todos os consortes do uso da coisa em benefício de nenhum deles, pois até o uso indirecto poderia estar vedado. O que, do ponto de vista sócio-económico seria absurdo, podendo até constituir abuso de direito.

No caso concreto, a Autora haveria de alegar e provar que o facto de a Ré se encontrar a habitar a fracção autónoma a privava, a ela Ré, de uma concreta utilização.

Quando assim se não entendesse, poderia configurar-se uma situação de um consorte usar a coisa (insusceptível de uso por mais de um) no exercício da faculdade concedida pelo artigo 1406.º, n.º 1, do CC, com a tácita anuência e nenhuma oposição dos demais consortes, vindo estes, ao fim de alguns anos, a exigir-lhe contrapartida pecuniária alegando privação de uso decorrente da natureza da coisa.

Não se vê que seja este o regime da compropriedade. Em suma, a licitude da utilização não permite julgar configurada uma situação de responsabilidade extracontratual fundada na ilicitude da conduta, não se verifica responsabilidade objectiva e inexiste fonte de responsabilidade contratual.

Por outro lado, a licitude da utilização afasta a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa – artigo 473.º, n.º 1, do CC.

Entendemos, por isso, que não deve manter-se a condenação da Ré a pagar quantia mensal pela ocupação da fracção, antes deve ser absolvida de tal pedido.


2.3Da fixação de sanção pecuniária compulsória desde a citação até desocupação

A Autora entende que, contrariamente ao decidido em primeira instância, deve ser fixada uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 829.º-A, do CC, desde a data da citação para a presente acção até à da desocupação da fracção ou da sua venda ou adjudicação na acção de divisão de coisa comum. Pretende que a Ré omitiu o facto positivo de desocupação da fracção desde a extinção do direito real de habitação.

Como se viu, não se verifica ilicitude na ocupação. Porém, a Autora parece ter deduzido o pedido de sanção pecuniária autonomamente, pelo que se entende dever apreciá-lo.

Dispõe a norma em causa, na parte pertinente:

«1 - Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso».

Não se vê em que pode fundar-se a pretensão sabido que é que a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1, do artigo 829.º-A, do CC, está estabelecida para a violação de decisões judiciais declarativas do direito, respondendo a preocupações variadamente manifestadas quanto à ausência de medidas que determinassem ao respeito pelo cumprimento das decisões judiciais, sobretudo em circunstâncias em que esse cumprimento dificilmente seria conseguido de forma cabal pelos meios coercitivos normais[13].

Ora, nos autos a Autora não pediu a entrega da fracção o que desde logo leva a considerar que não possa determinar-se uma sanção para o incumprimento de uma decisão que neles não pode ser proferida.

Ou seja, não havendo condenação, não pode haver sanção para o seu desrespeito.

Por outro lado, o que se refere apenas por exaustão de razões, também por outro motivo sempre seria inaplicável o instituto: não ser prestação de facto infungível a desocupação da fracção, sendo certo que constitui pressuposto de aplicação da referida sanção a condenação numa prestação de facto infungível.

Razão de ser da norma a impossibilidade de substituir o obrigado no cumprimento. Assim sendo, a lei pretende conceder ao credor a possibilidade de sancionar pelo incumprimento e, ao mesmo tempo, pressionar o devedor a prestar.

O Professor Almeida Costa, a respeito da distinção entre prestação de coisa e prestação de facto, refere que “a primeira modalidade analisa-se na entrega de uma ou várias coisas, tanto móveis como imóveis. E pode ter o tríplice sentido de um dar, um prestar ou um restituir”[14].

Manifestamente a desocupação da casa constitui prestação de facto. Não obstante, não pode considerar-se prestação infungível, uma vez que o interesse do credor se encontraria satisfeito por qualquer outra acção, que não a do devedor, de que resultasse essa desocupação.

Quando outra não fosse a razão, também por este motivo se não verificaria o pressuposto de aplicação do disposto no artigo 829º-A, nº 1, do Código Civil, ou seja, de condenação da Ré no pagamento de quantia a título de sanção pecuniária compulsória.

IV) DECISÃO

Pelo exposto, ACORDAM em:
1)Julgar improcedente o recurso da Autora, mantendo a decisão recorrida na parte nele impugnada;
2)Julgar procedente o recurso da Ré, revogando a decisão recorrida na parte em que a condenou, com o que vai absolvida do pedido nessa parte.

Custas de ambas as apelações pela Autora.

Lisboa, 16 de Maio de 2013

 (Ana de Azeredo Coelho)

 (Tomé Ramião)

 (Vítor Amaral)


[1] É o seguinte o teor da norma original, vigente à data do óbito do pai da Autora: «1 - Em caso de morte do membro da união de facto proprietário da casa de morada comum, o membro sobrevivo tem direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos, sobre a mesma, e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda».
[2] Professor José de Oliveira Ascensão in “Direitos Reais”, Almedina, 1978, p. 459.
[3] Idem, p. 103
[4] Actualmente (redacção da Lei 23/2010) é-lhe feita expressa menção no artigo 5.º, n.º 3: «Se os membros da união de facto eram comproprietários da casa de morada da família e do respectivo recheio, o sobrevivo tem os direitos previstos nos números anteriores, em exclusivo».
[5] Com o que discordamos da sentença impugnada em ponto que, aliás, não parece ter nela tido influência.
[6] “Código Civil Anotado”, volume III, Coimbra Editora, 1987, 2ª edição, p. 357.
[7] Idem.
[8] Seguiremos a lição do Professor Carvalho Fernandes in “Lições de Direitos reais”, Quid Juris, 2ª edição, 1997, p.322 e 323, e de Luís Menezes Leitão in “Direitos Reais”, Almedina, 2012, 3ª edição, p.213 e ss. Ver também Luís Pinto Coelho in “Da compropriedade no direito português”, Lisboa, 1939, p. 35-129.
[9] Carvalho Fernandes, loc. cit.
[10] Cf. acórdão de 28 de Outubro de 2010, proferido no processo 08A3005 (Cons. Sebastião Póvoas).
[11] Idem p. 359.
[12] Op. cit. p. 328.
[13] Veja-se a esse respeito António Pinto Monteiro in “Cláusula Penal e indemnização”, Almedina, Teses, 1990, p. 107 e ss, onde se pode ler: «A doutrina vinha, de há muito, apelando para a necessidade de se consagrarem entre nós medidas legislativas deste tipo, à semelhança do que sucedia já em outros sistemas jurídicos. A preocupação fundamental era a de dotar o ordenamento jurídico de meios aptos a conferir eficácia prática ao direito, em ordem à sua realização efectiva. Assim, RUI DE ALARCÃO (…) referia (…) o “problema dos meios compulsórios indirectos ou meios de coerção (…) em ordem a uma mais rápida execução do direito declarado”» p. 111.
[14] Cf. “Direito das Obrigações”, Almedina, 1979, p. 455