Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4117/06.0TTLSB.L1-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: SALÁRIOS INTERCALARES
DEDUÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
COMISSÃO DE SERVIÇO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/25/2015
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I – É nula a sentença por excesso de pronúncia, na parte em que ordena se proceda às deduções a que alude o art. 437º nº2 e 3 do CT/2003, pois compete à entidade empregadora contra quem é invocado o direito às retribuições intercalares referidas no nº1 desse preceito legal, a alegação e prova de factos de onde se retire que o trabalhador auferiu rendimentos de trabalho em consequência da cessação do contrato de trabalho e que não obteria se não fosse o despedimento, por se tratar de facto modificativo do direito do trabalhador (cfr. art. 342º nº2 do C.Civil), não constituindo matéria de conhecimento oficioso do tribunal.
II – Para efeitos de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o CPC de 1961 consagra, entre outros, o ónus de indicação precisa das passagens da gravação em que se funda a alteração das respostas à matéria de facto preconizada.
Esse ónus não se pode considerar cumprido pela simples transcrição – integral ou não – dos depoimentos produzidos e registados pelos meios técnicos audio.
III – A comissão de serviço, tal como prevista, delineada e regulada no Dec. Lei 404/91 de 16 de Outubro, traduz-se num verdadeiro contrato de trabalho, nomeadamente por vigorar entre as partes outorgantes o vínculo da subordinação jurídica.
IV – Tendo o Autor sido nomeado vogal do Conselho de Gestão da Ré, com funções delegadas pelo Conselho de Administração desta, sem que transpareça dos factos a existência do vínculo de subordinação jurídica, estamos em presença de um contrato de mandato e não de um contrato de trabalho em comissão de serviço.
V – Na determinação do sentido da declaração negocial, o intérprete, para além da apreensão literal do texto do documento, deve atentar na “história” das relações entre as partes, por forma a aquilatar o sentido que lhe daria um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real.
VI – A aplicação da sanção de despedimento com justa causa pressupõe a prática pelo trabalhador de um acto ilícito, por violação de preceito legal ou convencional.
VII - O 23º nº2 do Dec.Lei 24/90 de 11-01, que estabelece o regime jurídico aplicável às Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, prevê a possibilidade de qualquer trabalhador da Caixa Central poder ser contratado por qualquer das caixas agrícolas, para o exercício de quaisquer funções, ainda que no âmbito de um contrato de trabalho subordinado.
VIII – O conceito de retribuição atendível para efeitos da cláusula 101ª nº2 do ACTV celebrado entre a FENACAM — Federação Nacional das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, em representação das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo e da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, por um lado, e os Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas, por outro, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 4, em 29/01/2005, é o conceito de retribuição em sentido amplo e não apenas a retribuição-base.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório

AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma de processo comum, contra Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L., pedindo
- seja declarado ilícito o seu despedimento, por caducidade da acção disciplinar, nulidade do procedimento disciplinar e ausência de justa causa;
- seja a Ré condenada a reintegrá-lo ou, se por ela vier a optar, a pagar-lhe uma indemnização em virtude da sua antiguidade, contada até ao trânsito em julgado da decisão condenatória, e sendo o montante da indemnização o previsto na Cláusula 101º, nº 2, alínea a) do ACTV aplicável, com juros compulsórios à razão de 5% ao ano a partir desse trânsito, tudo a liquidar em execução de sentença;
- seja a Ré condenada a pagar a pagar-lhe:
• as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial condenatória, incluindo as referentes a férias, subsídio de férias e de Natal, nas quais se devem incluir o subsídio de alimentação, o valor de remição da viatura para uso total (€900,00 mensais), o plafond de despesas pessoais em cartão de crédito (€13.644,00anuais), que liquidou em €12.671,00 mensais – com juros de mora desde a data do vencimento de cada uma das prestações em causa, a liquidar;
• indemnização por danos patrimoniais – perda do benefício do SAMS, a liquidar;
• indemnização por danos não patrimoniais – em quantia não inferior a €40.000,00;
• os créditos vencidos à data do despedimento referente à perda retributiva devida à renúncia antecipada ao mandato de administrador do CBI, a pedido da Ré e sob condição desse pagamento, no montante de €100.620,00 acrescido de juros de mora vencidos (que liquidou em €14.258,89 contados de 24-04-2003 até 10-11-2006) e vincendos à taxa legal, e bem ainda com o acréscimo de juros compulsórios de 5% ao ano sobre esta quantia, a partir da data do trânsito;
• €224.971,94 – correspondentes a diferenças salariais.
Alega que
(…)
                                                     *
Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação.
                                                     *
Notificada, a Ré contestou (…)
*
O Autor respondeu à contestação, pugnando pela improcedência da excepção de prescrição.
                      *
Foi realizada audiência preliminar, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, que conheceu da validade e regularidade da instância e julgou improcedentes as alegadas excepções de prescrição e caducidade.
Foram seleccionados os factos, com interesse para a decisão da causa, que estavam assentes e aqueles que constituíram a base instrutória.
                                                  ***
Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo, tendo o Tribunal respondido à matéria de facto quesitada pela forma que consta de fls 1157 a 1184 e sem reclamações.
                                                   ***
Foi proferida sentença que julgou “a acção parcialmente procedente e, em conformidade:
1. Declaro:
a) ilícito o despedimento do Autor promovido pela Ré, comunicado em 16/11/2005, por ausência de justa causa.
b) que o uso pessoal que o Autor fazia da viatura da Ré integrava a sua retribuição, em montante que irá ser apurado em posterior liquidação, até ao limite máximo mensal de €900,00.
2. Condeno a Ré a pagar ao Autor:
a) a indemnização substitutiva da reintegração que resultar da aplicação da Cláusula 101ª do ACTV celebrado entre a FENACAM — Federação Nacional das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, em representação das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo e da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, por um lado, e os Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas, por outro, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 4, em 29/01/2005, em conformidade com os critérios supra referidos e conforme melhor vier a ser apurado em posterior liquidação, contando-se todo o período de antiguidade desde 14/12/1992 até ao trânsito e que, nesta data, segundo os apontados critérios, se cifra em €75.960,00;
b) as retribuições de tramitação que o Autor deixou de auferir desde 14/10/2006 até ao trânsito, à razão mensal de €5.841,25, a que acrescerá o valor que vier a ser liquidado a título de benefício mensal do Autor pelo uso pessoal da viatura da Ré, a contar durante o mesmo período, pagas anualmente
i. em 11 meses: o valor do subsídio de refeição e o subsídio infantil;
ii. em 12 meses: o plafond para despesas pessoais e aquele que vier a ser liquidado a título de vantagem pelo uso da viatura;
iii. em 13 meses (incluindo no subsídio de férias): o complemento remuneratório e o subsídio por isenção de horário de trabalho;
iv. em 14 meses (incluindo nos subsídios de férias e de Natal): o vencimento base, as diuturnidades e o valor compensatório, deduzidas as importâncias que o Autor tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, tudo conforme melhor se apurará em posterior liquidação;
c) O valor que o Autor deixou de receber pela renúncia ao mandato de Administrador do CBI: €100,620,00;
d) O valor de €10.000,00, a título de compensação pelo prejuízos não patrimoniais causados;
e) os juros moratórios, contados como antecede.
3. Condeno ainda a Ré no pagamento de juros anuais à taxa de 5%, contados a partir do trânsito, os quais incidirão sobre as quantias supra referidas em 2.a) (indemnização substitutiva da reintegração) e 2.c) (prejuízo pela renúncia ao mandato de Administrador do CBI).
4. Absolvo a Ré dos restantes pedidos contra si formulados.
*
Custas por ambas as partes na proporção dos respectivos decaimentos os quais, atenta a liquidação que ainda se irá efectuar, se fixam provisoriamente, apenas para este efeito, na ordem dos 65% para o Autor e 35% para a Ré.” (sic)
                                                                  ***
O Autor Interpôs recurso, concluindo que

(…)
                                                    *
A Ré contra alegou , pugnando pela improcedência do recurso interposto.
                                                     *
Também inconformada, a Ré interpôs recurso, concluindo que
(…)
JUSTIÇA” (sic)
                                                     *
O Autor contra alegou, concluindo pela improcedência do recurso interposto.
                                                     *
O Ministério Público emitiu o parecer a que se refere o art. 87º nº3 do CPT.
                                                      *
Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos.
                                                      *
Cumpre apreciar e decidir
                                                      *
II – Objecto do Recurso
Nos termos do disposto nos art 684º nº 3 e 685-A nº 1 e 3 do Código de Processo Civil de 1961, aplicáveis ex vi do art. 1º, n.º 2, alínea a) e 87º nº 1 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
As conclusões, como afirmou Alberto dos Reis, “devem emergir logicamente do arrazoado feito das alegações. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (sic Código de Processo Civil  Anotado, reimpressão, vol. V, 1984, pág 359).
Tal significa que não pode conhecer-se de questões constantes das conclusões que não tenham sido explanadas nas alegações (motivações) e vice-versa, não pode conhecer-se de questões que, embora abordadas nas alegações, não constem das conclusões.
Assim, as questões a que cumpre dar resposta no presente recurso são as seguintes e por esta ordem
1. Da nulidade da sentença (arguida pelo Autor).
2. Da alteração da matéria de facto, cabendo, neste âmbito, apreciar se o recorrente observou os ónus legais de que depende o conhecimento do recurso da matéria de facto (recurso da Ré).
2.1. Do carácter conclusivo da matéria vertida no ponto 69., segmento final, dos factos considerados provados (recurso do Autor).
Caso se entenda dever ser conhecido o recurso da matéria de facto
2.2. Se a sentença recorrida errou na decisão da matéria de facto vertida nos quesitos 81º. 130º a 136º, 139º a 141º, 147º, 148º, 152º, 156º, 158º, 161º, 170º a 180º, 184º, 186º da Base Instrutória.
3. Se a sentença recorrida errou ao considerar que as funções de vogal do Conselho de Gestão exercidas pelo Autor tinham carácter reversível (recurso do Autor).
4. Se a sentença recorrida errou ao condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de €100,620,00, que o mesmo deixou de receber pela renúncia ao mandato de Administrador do CBI (recurso da Ré).
5. Se o tribunal a quo errou ao considerar o benefício pela utilização da viatura para fins pessoais como retribuição (recurso da Ré).
6. Se ocorreu ou não justa causa para o despedimento do Autor (recurso da Ré).
7. Se o tribunal a quo errou na aplicação do critério de apuramento e na determinação do quantum da indemnização substitutiva da reintegração (recurso do Autor).
8. Se o tribunal a quo errou no cálculo das retribuições intercalares (recurso do Autor).
8.1. Se o tribunal a quo errou ao conhecer oficiosamente das deduções a que se referem os nºs 2 e 3 do art. 437º do CPT (recurso do Autor).
9. Se o tribunal a quo errou na definição do quantum indemnizatório por danos não patrimoniais (recurso do Autor).
                                                   *
III – Questão Prévia
A análise dos autos permite-nos concluir que foram juntos documentos cujo teor tem interesse para a decisão, a saber, a deliberação e relatório final, juntos a fls 113 a 151, e as actas de fls 311 a 316 e de fls 317 a 321.
Dado que os documentos foram notificados oportunamente às partes, nada mais cumpre ordenar a tal propósito, estando cumprido o contraditório.
Nos termos do disposto no art.659º nº3 do CPC de 1961, aplicável ao caso por força do disposto no art. 713º nº2 do mesmo diploma legal, o Tribunal retirará desses documentos os factos relevantes para a decisão do presente recurso, que passarão a constar do elenco dos factos provados sob os nºs 19.A., 131.A, 131. B e 145.
                                                     *
IV. Fundamentação de Facto
Matéria de Facto provada
São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância
(…)
V - Enquadramento Jurídico
1. A primeira questão a decidir é a da alegada nulidade da sentença, por excesso de pronúncia.
Alega o Autor que a sentença recorrida é nula por ter decidido que ao valor a pagar pela Ré seja deduzido aquele que vier a apurar-se nos termos dos nº2 e 3 do art. 437º do CT/2003, ou seja, as importâncias que o Autor comprovadamente obteve com a cessação do contrato e que não obteria de outro modo, invocando a decisão o carácter imperativo das normas em apreço e relegando o apuramento dessas quantias para execução de sentença.
Defende que competia à Ré, contra quem foi invocado o direito a essas retribuições intercalares, a alegação e prova, na acção, de que o Autor auferiu rendimentos do trabalho, por actividades iniciadas posteriormente ao despedimento, não se tratando de matéria de conhecimento oficioso pelo tribunal.
A Ré pugna pela improcedência da nulidade, defendendo que do que se trata é de definir o direito do trabalhador, sendo certo que, aquando da apresentação da contestação, o Réu não sabe, nem tem elementos para saber se, após o despedimento, o trabalhador obteve rendimentos que não obteria se não tivesse sido despedido.
A sentença recorrida decidiu que
Por aplicação das regras indemnizatórias, nos casos em que o trabalhador tiver algum benefício com a exoneração, o valor desse benefício deverá ser descontado na contraprestação – ideia que resulta da figura da compensatio lucri cum damno em direito civil, por nos situarmos, também aqui, no âmbito da responsabilidade civil - assim se procurando alcançar o ressarcimento dos danos sem conceder benefícios injustificados ao lesado.
Consequentemente, ao valor a pagar pela Ré deduzir-se-á aquele que vier a apurar-se nos termos dos nºs 2 e 3 do art. 437º - ou sejam, as importâncias que o Autor comprovadamente obteve com a cessação do contrato e que não obteria de outro modo (rendimentos por outro trabalho ainda que em prestação de serviços, subsídio de desemprego, etc.).
Caso se comprove que o Autor recebeu subsídio de desemprego, a Ré deduzirá o respectivo montante na compensação e entregará tal quantia à Segurança Social – art. 437º, nº 3.
Atento o carácter imperativo das normas em apreço consideramos que estas deduções são do conhecimento oficioso, podendo por isso ser decretadas ainda que não hajam sido invocadas ou sequer requeridas pelo empregador.
E se na acção não se apurarem os factos suficientes para operar tal dedução, como foi o caso, deve relegar-se a mesma para o competente incidente de liquidação.
Donde, remete-se a liquidação para momento posterior, a qual sempre teria necessariamente lugar por as contas apenas poderem ser apuradas no momento do trânsito.” (sic)
Decidindo
As causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciadas no art. 668º nº 1 do CPC de 1961, com a redacção que lhe foi dada pelo Dec.Lei 303/2007 de 24-08 (ex vi do art. 1º nº2 a) do CPT), aqui aplicável face à data da prolação da sentença, onde se estabelece que é nula a sentença, para o que ao presente caso interessa, “ d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (sic nº1 d).
Trata-se este de um vício que corresponde a uma irregularidade determinada pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional, neste caso, o excesso de pronúncia.
O Professor Castro Mendes, no quadro de vícios da sentença que traçou no seu Direito Processual Civil, classifica este vício como um vício de limites, ou seja, “a decisão, porventura formalmente regular e contendo só afirmações exactas e verdadeiras, não contém o que devia conter ou contém mais do que devia” (sic Vol II, 1987, pág. 803).
Proíbe-se aqui ao juiz que se ocupe de questões que as partes não tenham suscitado…” (sic Prof. Alberto dos Reis, CPC anotado, vol V, reimpressão, pág. 143)
A chamada nulidade por excesso de pronúncia está directamente relacionada com os limites da sentença e interligada com a norma que disciplina a “ordem de julgamento”, a saber, o artº 660º nº 2 do CPC. De facto, resulta deste preceito legal que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” (sic).
Citando ainda Alberto dos Reis (que remete para Alfredo Rocco in La Sentenza Civil), “A sentença deve corresponder à acção.
Este princípio desenvolve-se em duas direcções diferentes. Dele resulta a) Que o juiz deve pronunciar-se sobre tudo o que se pedir e só sobre o que for pedido” (sic CPC anotado, vol V, reimpressão, 1984, pág. 52).
Para este Autor, “O juiz, para se orientar sobre os limites da sua actividade de conhecimento, deve tomar em consideração, antes de mais nada, as conclusões expressas nos articulados.

Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir) … também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir).” (sic ob citada, pág. 54).
Ou seja, o juiz deve examinar toda a matéria de facto alegada e todos os pedidos formulados pelas partes, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tenha tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta dada a outras questões.
Resulta desta interpretação que a sentença não padece de nulidade quando fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito, pois a referida nulidade refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.
No presente caso, a questão é tão só a de saber se as deduções a que aludem os nºs 2 e 3 do art. 437ºdo CT/2003 são de conhecimento oficioso pelo tribunal ou se dependem da alegação das partes.
Desde já se adianta que entendemos que essa questão carece de ser alegada pelas partes na acção de impugnação do despedimento.
A dedução a que se refere o art. 437º nº2 do CPC tem como escopo aproximar o montante condenatório ao prejuízo efectivamente sofrido pelo trabalhador em consequência do despedimento ilícito, evitando-se um enriquecimento ilegítimo deste, em virtude do recebimento de rendimentos que não receberia não fosse o despedimento, em cumulação com os salários. Daí que a dedução se refira apenas às importâncias que o trabalhador obteve com a cessação do contrato e que não obteria se não fosse essa cessação.
Como afirma Pedro Furtado Martins, “Nos termos gerais (artigos 342º, 2 do Código Civil), o ónus da prova da percepção pelo trabalhador de rendimentos suscetíveis de serem deduzidos no montante dos salários intercalares cabe ao empregador, dado que se trata de um facto modificativo do direito que a lei reconhece ao trabalhador. Para esse efeito, nas ações de impugnação do despedimento é usual ao empregador pedir ao tribunal que oficie aos serviços da Segurança Social no sentido de informarem se no período subsequente ao despedimento há registo de remunerações pagas ao trabalhador. Com o mesmo fim, é frequente solicitar-se a junção aos autos das declarações anuais de rendimentos que o trabalhador fez no mesmo período para efeitos fiscais.
(…)
Porém, casos há em que apenas na ação executiva o empregador suscita a questão, pedindo ao tribunal que no apuramento do valor que lhe cabe pagar a título de salários intercalares sejam efectuados nos descontos legalmente previstos, designadamente os correspondentes a rendimentos de trabalho que o trabalhador auferiu após o despedimento.
Nestas situações questiona-se se é legítimo efectuar os descontos quando os mesmos não foram peticionados na acção declarativa. Se os descontos se referirem a actividades iniciadas após o encerramento da discussão da causa em primeira instância, é pacífico que a questão pode ser suscitada pelo empregador na ação executiva. Já em relação a descontos de importâncias auferidas anteriormente, a solução que parece ser dominante na jurisprudência mais recente vai no sentido de não admitir que o tribunal ordene a dedução oficiosamente.”(sic Cessação do Contrato de Trabalho, pág. 447. No mesmo sentido, veja-se Ac. STJ de 10-07-2008, Proc.08S457, citado pelo Autor – “[C]onstituindo o despedimento ilícito facto constitutivo do direito do trabalhador às retribuições intercalares previstas na alínea a) do n.º 2 do art. 13.º da LCCT, a dedução de rendimentos do trabalho por actividades iniciadas posteriormente ao despedimento - alínea b) do mesmo número e artigo - funciona como facto extintivo desse direito.
II - Por isso, compete à entidade empregadora contra quem é invocado o direito a essas retribuições intercalares, a alegação e prova de que o trabalhador auferiu rendimentos do trabalho por actividades iniciadas posteriormente ao despedimento.
III - Em relação aos rendimentos auferidos desde o despedimento até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento da acção declarativa, tal alegação e prova terá que ser feita nesta acção, sob pena de ficar precludida a possibilidade de a entidade empregadora operar a dedução.
IV - Quanto aos eventuais rendimentos auferidos após o encerramento da discussão da audiência de julgamento, uma vez que a entidade empregadora não teve oportunidade de na acção declarativa alegar e provar os mesmos (art. 663.º, n.º 1, do CPC), é possível àquela entidade alegar e provar tais rendimentos em sede de oposição à execução.(sic) – e ainda, no mesmo sentido, Ac. STJ de 12-07-2007 Proc. 06S4280Ac da Relação de Lisboa de 7-11-2007 – Proc. 4804/2007.
Em face do exposto, entendemos que efectivamente a sentença conheceu de questão de que não podia ter conhecido, dado que não foi alegada pela Ré e não é de conhecimento oficioso, razão pela qual entendemos que a sentença, nessa parte, é nula.
Ao abrigo da regra da substituição ao tribunal recorrido, prevista no art. 715º nº1 do CPC, proferiremos decisão relativa a esta questão em 8.1.
2. A segunda questão a decidir é a da impugnação da decisão que incidiu sobre a matéria de facto.
Nos termos do disposto no art. 685º B do CPC, a impugnação da matéria de facto tem de obedecer a determinados requisitos adjectivos, a saber
“1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
  2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.” (sic)
Estas exigências ou especificações legais têm por principal finalidade impedir que o recurso seja utilizado para atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, visando a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância, traduzindo-se num expediente meramente dilatório (cfr. Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, 1999, Coimbra, pag.465).
Como se afirma no Acórdão deste Tribunal e Secção, de 19 de Junho de 2013, proferido no Processo nº 586/11.4TTFUN.L1, “Assim, tendo em conta o disposto nos n.ºs 1 e 2, do art.º 685.º- B, e por remissão da norma contida naquele último número, ainda no n.º2, do art.º 522.º-C, conclui-se que para cumprimento do ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição do recurso, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como os concretos meios probatórios que, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, impunham decisão diversa da adotada quanto aos factos impugnados, enunciando-os na motivação de recurso e sintetizando-os nas conclusões e, para além disso, sempre sob pena de rejeição, deve fazer indicação das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2008, pp. 141 e 146; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 181; e Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, dos Recursos, Quid Juris, Lisboa, 2009, pp. 253).” (sic)
Abrantes Geraldes expressa a ideia de que “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2ª instância. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” (ob citada, pág. 147)
No presente caso, a apelante incumpriu o ónus de impugnação da decisão da matéria de facto que a lei lhe impõe de indicação, com exactidão, das passagens da gravação em que funda o recurso.
De facto, o que a apelante faz é, indicar na alegação o início e o fim dos depoimentos das testemunhas em que fundamenta a alteração da resposta à matéria de facto que preconiza, transcrevendo excertos desses depoimentos e remetendo para a página onde resulta a transcrição. Os depoimentos das testemunhas referidas estão, aliás, transcritos na totalidade.
Como se afirma no Acórdão da Relação de Coimbra de 10-02-2015 – Proc. 2466/11.4 TBFIG.C1 – que decidiu sobre situação semelhante, embora ao abrigo do CPC na actual redacção, aprovada pela Lei 41/2013 de 26 de Junho, idêntica, para o que ao caso interessa, à aplicável ao presente caso, assumindo, portanto, aqui toda a pertinência os argumentos  expendidos no referido aresto, e que aqui nos permitimos transcrever dada a clareza da exposição e pelo facto de sufragarmos inteiramente a decisão e argumentos dele constantes – “Notoriamente, neste ponto, o procedimento da recorrente assenta, nitidamente, nesta lógica: desde que localizei no registo fonográfico o início e fim dos depoimentos e transcrevi partes deles não tenho que proceder à indicação exacta das passagens da gravação em que fundo a impugnação da decisão da questão de facto.
 Mas há boas razões para não ter um tal ponto de vista por exacto.
Como já se observou, quando – como é, comprovadamente, o caso do recurso - os meios de prova invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à indicação exacta das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (artº 640 nº 2, a), do CPC). Ónus que, portanto, não se considera satisfeito, por exemplo, através da simples indicação do início e do fim da gravação do depoimento das diversas testemunhas ou de outros intervenientes processuais, ouvidos na audiência final.
A exactidão desta conclusão torna-se patente pelo exame da evolução legislativa quanto do conteúdo do apontado ónus de impugnação da decisão da questão de facto.
Efectivamente, no sistema de recursos imediatamente anterior à sua reconformação pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aquele ónus de impugnação considerava-se satisfeito, quanto ao ponto considerado, através da simples indicação dos depoimentos em que o recorrente baseava a sua discordância, por referência ao assinalado na acta, que deveria documentar o início e o termo da gravação de cada depoimento (artº 690-A nº 2, in fine, do CPC). Era, portanto suficiente, para que o recorrente se livrasse daquele ónus, a especificação dos depoimentos que, no seu ver, impunham, para os pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida, e a sua localização no registo sonoro, através da simples indicação, nesse registo, do seu início e do seu terminus.
Com a Reforma dos recursos, aquele ónus – que transitou, qua tale, para o Código de Processo Civil vigente - tornou-se mais exigente: não basta a localização dos depoimentos no registo, pela simples indicação do seu início e do seu fim: reclama-se a indicação, precisa, exacta, das passagens da gravação – o mesmo é dizer dos depoimentos – que, no ver do recorrente, inculcam, para os pontos de facto que reputada mal julgados, uma decisão diferente ou distinta da que foi achada pelo decisor de facto da 1ª instância[1 Ac. desta Relação de 17.12.14, www.dgsi.pt.].
De outro aspecto, o ónus daquela indicação não pode considerar-se cumprido pela simples transcrição – integral ou não – dos depoimentos produzidos e registados, por meios técnicos sonoros, na audiência final.
Realmente, toda a interpretação da lei deve começar pela análise da sua letra, pela tentativa de compreensão do seu significado: a letra da lei é a base textual da sua interpretação (artº 9 nº 1, 1ª parte, do Código Civil). Considerada na sua dimensão semântica – i.e., no significado das palavras utilizadas na lei, no contexto da sua estrutura - à expressão sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, não pode, de todo, atribuir-se o sentido de a transcrição dos depoimentos constituir uma alternativa à indicação precisa da sua localização no registo sonoro.
A letra da lei tem um valor que não pode ser ignorado pelo intérprete e que impõe dois limites: um decorrente das presunções de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e de que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados; outro, que decorre da proibição de consideração, pelo intérprete, de um significado que, não tenha na letra da lei, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (artº 9 nºs 1 e 2 do Código Civil): o significado que não encontre uma correspondência mínima na letra da lei, está para além do seu significado provável e não pode, por isso, qualificar-se como interpretação. A conclusão de que o ónus do impugnante da matéria de facto que se discute se considera cumprido, alternativamente, pela indicação precisa das passagens da gravação ou pela transcrição dos depoimentos não é, de todo, compatível com letra da lei.
No mesmo sentido concorre o elemento teleológico, i.e., a finalidade da lei, elemento através do qual procura determinar-se quais são os objectivos que lei pode prosseguir e que, portanto, impõe a procura, pelo intérprete da ratio legis – determinante para a fixação do significado da lei interpretanda - e a sua utilização na determinação do espírito da lei.
Porque se formulou a exigência da especificação, exacta, pelo recorrente das passagens da gravação em que funda a impugnação? Para que o recorrido e o tribunal ad quem, que há-de julgar o recurso, fiquem habilitados a conhecer nitidamente, os troços ou os segmentos da prova pessoal susceptíveis de inculcar o error in iudicando que o recorrente assaca à decisão da questão de facto. A parte contrária necessita de o saber para exercer o seu direito ao contraditório e porque lhe incumbe, na resposta ao recurso, indicar os depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente; o tribunal ad quem carece de o saber para poder reapreciar, com segurança e reflexão, o julgamento cuja exactidão se impugna (artº 640 nº 2, b) do nCPC).
E a exigência de que a indicação seja exacta, precisa, específica, visa, nitidamente – sobretudo nos casos, como é patentemente, o do recurso, de depoimentos particularmente extensos – permitir, tanto à parte contrária, como ao Tribunal ad quem – uma audição, fácil e célere, das passagens da gravação em que se funda a impugnação, de modo a avaliar, de forma ágil, se os troços do registo apontados pelo recorrente são ou não adequados a inculcar o error in iudicando invocado pelo impugnante, sem prejuízo, todavia, da actuação, pelo tribunal superior dos seus poderes de investigação oficiosa, portanto da faculdade de proceder à audição de quaisquer outros segmentos do registo, do mesmo ou de outros depoimentos.
A possibilidade de o tribunal de recurso conhecer de matéria de facto, pressupõe, evidentemente, que lhe sejam garantidas, pelo menos, as mesmas condições que estão asseguradas ao tribunal recorrido, problema que assume particular acuidade no que se refere à oralidade e a um seu corolário – a imediação, entendida como a relação de proximidade entre o tribunal e os participantes do processo, de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que terá como base da sua decisão – que contribuem, decisivamente, para a boa apreciação da matéria de facto.
O sistema actual de registo da prova – gravação das provas produzidas oralmente na audiência – é o que minimiza, por comparação com a leitura, fria e inexpressiva da transcrição, os inconvenientes da assunção, pelo tribunal de recurso, dessa prova, sem a actuação, em toda a sua extensão, dos princípios da oralidade e da imediação. E são estes princípios que saem optimizados através da interpretação de harmonia com a qual o indicado ónus de impugnação do recorrente se cumpre com a indicação precisa das passagens da gravação e não através da transcrição, integral ou não, da prova produzida oralmente na audiência.
De resto, esta conclusão é indelevelmente inculcada pelo elemento sistemático da interpretação, que impõe que nenhuma norma seja interpretada isoladamente de outras com as quais apresenta uma conexão sistemática e que, de entre os vários significados literais possíveis, vincula a que se prefira aquele que for compatível com o significado de outras normas, dado que só assim se dá expressão à unidade do sistema jurídico (artº 9 nº 1 do Código Civil). Nos casos em que o recorrente impugne a decisão da matéria de facto, incumbe ao recorrido especificar os meios de prova que contrariam as conclusões do recorrente e, caso os depoimentos tenham sido gravados, indicar com precisão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere relevantes (artº 640 nº 2 b) do nCPC). Quer dizer: no tocante ao ónus de impugnação do recorrido – a cujo incumprimento não se associa qualquer efeito cominatório – é patente que não existe qualquer alternatividade entre a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda e a transcrição dos excertos correspondentes: aquele ónus satisfaz-se sempre através da indicação das passagens do registo sonoro e, cumulativamente, caso aquela parte queira, através da transcrição dos excertos correspondentes dos depoimentos. O elemento sistemático da interpretação impõe, pois, a adstrição do recorrente a um ónus exactamente igual.
Interpretação diversa conflituaria asperamente, aliás, com um princípio estruturante do processo: o da igualdade das partes de harmonia com o qual ambas as partes devem possuir os mesmos poderes, direitos, deveres e ónus, devendo cada uma delas situar-se numa posição de plena igualdade perante a outra e ambas ser iguais perante o tribunal (artº 4 do nCPC). Por si só, este princípio excluiria um resultado interpretativo, segundo o qual uma das partes, no tocante a um mesmo objecto - a impugnação da decisão da matéria de facto – estaria adstrita a um ónus de conteúdo ou dimensão diferente do da outra, como sucederia, decerto, se o cumprimento daquele ónus da impugnação se considerasse satisfeito, no tocante ao recorrente, pela junção da transcrição dos depoimentos, sem necessidade de indicação precisa das passagens da gravação, e no tocante ao recorrido, tal indicação lhe fosse exigível, não se satisfazendo com a apresentação da assentada.
Tudo vincula, pois, à conclusão que a transcrição parcial dos depoimentos não constitui alternativa à indicação, com precisão das passagens da gravação e, portanto, que o ónus de impugnação apontado só se considera satisfeito se o recorrente, indicar, com exactidão, as passagens relevantes da gravação e proceder, se assim o entender, à transcrição dos segmentos que considere significantes[2 Ac. da RG de 30.01.14, www.dgsi.pt, e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 126 e 127.].
Face a este enunciado, é patente que a recorrente, dado que não procedeu à indicação exacta, precisa, das passagens da gravação em que fundamenta o recurso relativamente à decisão da questão de facto, tendo-se limitado a indicar o início e o terminus dos depoimentos e a proceder à transcrição parcial dos depoimentos, não cumpriu o apontado ónus da impugnação da decisão daquela matéria.
A lei é terminante na declaração de que o incumprimento pelo recorrente do referido ónus importa a imediata rejeição, nessa parte, do recurso.
Pode, porém, perguntar-se se, face ao não cumprimento daquele especial ónus de impugnação, a rejeição do recurso é irremissível ou se não deve, neste domínio, actuar-se o princípio da cooperação intersubjectiva, na vertente do dever prevenção, que vincula o tribunal, e, consequentemente, preceder a decisão de rejeição do recurso, na parte afectada, por um despacho de convite, dirigido ao apelante, de aperfeiçoamento da sua alegação, evitando, assim, que o êxito do recurso possa ser irremediavelmente comprometido por uso inadequado do processo.
A letra da lei inculca nitidamente uma resposta negativa. De outro aspecto, o convite ao aperfeiçoamento da alegação, além de resolver num novo alargamento do prazo do seu oferecimento alegação, contraria abertamente a razão que levou a lei a adstringir às partes àquele ónus: a de desmotivar impugnações temerárias e infundadas da decisão da matéria de facto.
Deve, por isso, concluir-se que não há, neste plano, espaço, para um tal despacho de convite ao aperfeiçoamento das alegações[3 Neste sentido, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 170, nota 331, Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 80, e Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 141 e 142, e os Acs. do STJ de 23.11.11, CJ, STJ, XIX, III, pág. 126, da RP de 24.02.14 e de 24.03.14, www.dgsi.pt., e da RC de 18.02.14, www.dgsi.pt.].
Nestas condições, é meramente consequencial a rejeição, nessa parte, do recurso[4 Ac. da RL de 02.11.00, www.dgsi.pt, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 55, e Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, cit., pág. 105, Cfr. No sentido da legitimidade constitucional do nº 2 do artº 690-A na redacção do Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro – que impunha ao recorrente, também sob pena de rejeição do recurso, o ónus de proceder à transcrição, em escrito dactilografado, das passagens da gravação em que fundamenta o erro na apreciação da prova - o Ac. do TC nº 122/02, DR, II Série, de 29 de Maio de 2003.].
Rejeição de que decorre, como corolário que não pode ser recusado, esta consequência: os factos materiais, à luz dos quais deve ser aferida a correcção da decisão jurídica do objecto da causa são os que foram apurados na instância recorrida.”(sic) 
Em face do exposto, e sem necessidade de outros considerandos, dada a clareza do desenvolvimento dos argumentos expendidos pelo douto acórdão citado, por, in casu, ter sido inobservado o ónus de indicação das exactas passagens da gravação em que a Ré funda o recurso, rejeita-se, de imediato, o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto, dependente da apreciação da prova testemunhal.
E rejeita-se igualmente o recurso, na parte relativa à impugnação da matéria de facto dependente da apreciação da prova documental, dado que, nas conclusões, a recorrente, apesar de concretizar o sentido em que os factos impugnados deveriam ter sido valorados, não indica os meios probatórios idóneos para esse efeito, limitando-se a remeter para a alegação.
Ora, por um lado, “é uniforme a jurisprudência segundo a qual o objecto do recurso sobre o qual o tribunal tem de se pronunciar é integrado, em regra, apenas pelas questões suscitadas e que, atento o art. 685º-A do CPC, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem” (sic António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, pp. 64).
Exemplificando, diz-se, designadamente, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 2004 (in www.dgsi.pt), fazendo alusão aos correspondentes preceitos do diploma em apreço, antes da alteração introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24/08:
O art. 690.º do C.P.Civil estabelece a obrigatoriedade de serem elaboradas conclusões das alegações de recurso, sob pena deste não ser conhecido.
Após o estabelecimento da gravação da prova e da consequente possibilidade da matéria de facto poder ser alterada em recurso, foi acrescentado o art. 690.º-A, que determinou que, sob pena de rejeição, o recorrente que impugne aquela matéria deverá especificar os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios que levam a decisão diversa da recorrida.
A história do preceito e a sua inserção sistemática levam-nos a concluir que a referida especificação deverá obrigatoriamente constar das conclusões do recurso.
Nem significa tal exigência um excesso de formalismo.
É que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa um julgamento ex novo e global dessa matéria, mas sim a possibilidade do tribunal de 2.ª instância fiscalizar os erros concretos do julgamento já realizado. Dupla jurisdição não quer dizer forçosamente repetição. É o que o legislador pretendeu assinalar no preâmbulo do DL 35/95 de 15.02, citado pelo Acórdão recorrido, quando aí consignou que o duplo grau de jurisdição visava "apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso".
Ora, o exercício desta faculdade fiscalizadora sobre pontos concretos da decisão da matéria de facto só é possível, não com o arrazoado da alegação, mas sim com a rigorosa delimitação desses pontos nas conclusões do recurso. Bem como dos meios de prova que lhes respeitam.
(…)
Por outro lado, o legislador, ao acrescentar, com o art. 690.º-A, o elenco dos ónus a cargo do recorrente, não podia deixar de ter presente a solução que determinara para a falta ou a imperfeição das conclusões e que é o convite à sua apresentação ou reformulação – art. 690.º, n.º 4. Se nada disse a esse respeito no n.º 1 do art. 690.º-A, foi porque quis solução diferente.”(sic)
E o acórdão do STJ de 04-07-2013 (Processo 1727/.01 TBSTS.L.P1)  - “IV - A delimitação concreta dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados e demais ónus impostos pelo art. 685.º-B do CPC, há-de ser efectuada no corpo da alegação; nas conclusões bastará fazer referência muito sintética aos pontos de facto impugnados, e às razões porque se pretende a sua alteração, sem necessidade de transcrever (ou copiar) o que a respeito se escreveu no corpo da alegação sobre a matéria.” (sic, veja-se ainda, seguindo o mesmo entendimento, o Acórdão da Relação de Évora de 7 de Dezembro de 2012 (in www.dgsi.pt ).
No caso em apreço, a Recorrente, nas suas conclusões, não indica, em síntese, os concretos meios probatórios que em seu entender levariam a decisão diversa da recorrida relativamente a cada um factos que especifica, de modo a identificar e delimitar com precisão e clareza o objecto do recurso no que toca à pretendida impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Pelo exposto, rejeita-se in totum o recurso na parte em que incide sobre a matéria de facto.
2.1.Defende o Autor que deve ser tido por não escrito, por conclusivo, o segmento final da resposta dada pelo Tribunal recorrido ao facto elencado sob o nº 69., a saber “por lapso imputável aos serviços da Ré”.
Para o efeito, argumenta que a “existência de um lapso no pagamento ao A. da prestação que nessa resposta está em causa, depende de uma questão de direito decidenda, que é a de saber se tal prestação era devida. Sendo devida, o seu pagamento não enferma de qualquer lapso antes corresponde ao cumprimento de uma obrigação da R. pelo que, ao responder, conclusivamente, no sentido da existência de um lapso, o Tribunal a quo está a antecipar – situando-se aparentemente no plano dos factos – a decisão de matéria de direito, o que não é legítimo.” (sic)
Discordamos do Autor. O que o facto nos diz – e tal situa-se no âmbito de facto e não de Direito – é que a Ré procedeu ao aludido pagamento por lapso, dado que não pretendia pagar, mas pagou. E isso nada tem que ver com a questão de a prestação ser ou não devida.
É aliás, o que resulta da fundamentação da resposta em causa:”…o Tribunal considerou o depoimento das testemunhas MA e NC que pelas funções que exercem na ré demonstraram conhecimento fundamentado e circunstanciado sobre os factos em causa, não sendo os seus depoimentos beliscados pela sua dependência funcional da ré. No que concerne ao IHT explicitaram ambas as testemunhas que enquanto membro do Conselho de Gestão o autor não teria direito a auferir pelo que nesta fase aquele passou a ser pago sob o nome de complemento.” (sic)
Improcede, nesta parte o recurso.
3.Cumpre agora decidir se a sentença recorrida errou ao considerar que as funções de vogal do Conselho de Gestão exercidas pelo Autor tinham carácter reversível e se, em consequência, foi violado pela Ré o princípio da irredutibilidade da retribuição e da irreversibilidade da carreira, ao não considerar a retribuição auferida pelo Autor no exercício dessas funções, posteriormente à cessação das mesmas.
O Autor argumenta que não firmou com a Ré qualquer acordo de comissão de serviço para o exercício de funções no Conselho de Gestão, sendo certo que foi designado enquanto trabalhador subordinado (pois não se trata de um órgão social), para exercer ali funções executivas, com aumento da retribuição, sendo o consenso contratual formado sobre uma verba global, cuja natureza retributiva se presume, devendo ser sobre essa verba global que se computam os seus direitos, ou seja, estabeleceram que as quantias de 1.900.000$00 (9.177,16€) e 1.400.000$00 (6.983,17€) constituíam a contrapartida devida pela Ré ao Autor pelo exercício do cargo de vogal do Conselho de Gestão, em cada mês, a primeira, e em cada ano, a segunda.
Acrescenta que, se a Ré pretendia que as funções de vogal do Conselho de Gestão, que passou a desempenhar a partir de 16-06-1998, beneficiando do competente estatuto remuneratório e profissional, fossem exercidas em regime que possibilitasse a sua reversibilidade em virtude da especial relação de confiança inerente ao seu desempenho, teria de celebrar validamente um acordo de comissão de serviço (o que não fez), tanto mais que a lei impõe que, na falta de redução a escrito, se considere como permanente o exercício do cargo ou das funções exercidas.
Esta conclusão, segundo afirma, não é prejudicada pelo facto de a Ré lhe ter transmitido que as condições remuneratórias como vogal do Conselho de Gestão eram apenas “enquanto exercer as referidas funções”, porque se trata de matéria subtraída à disponibilidade das partes.
São os seguintes os factos com interesse para a decisão
- em 14 de Dezembro de 1992, o Autor foi admitido ao serviço e sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré, para prestar funções de direcção departamental com a categoria de Director e a remuneração correspondente ao nível 18 do ACTV das Instituições de Crédito Agrícola Mútuo (ICAM);
- entre Autor e Ré não foi outorgado qualquer instrumento contratual adicional, designadamente um contrato de comissão de serviço laboral;
- desde a data da sua admissão e até 15 de Junho de 1998, o Autor exerceu funções como Director do DFOA (Departamento de Fiscalização, Orientação e Acompanhamento);
- o Conselho de Gestão era um órgão colegial designado pelo Conselho de  Administração da Caixa Central e responsável perante este, no âmbito da delegação de poderes pelo mesmo conferida;
- um dos poderes que o Conselho de Administração podia delegar no Conselho de Gestão era o poder disciplinar;
- em 16 de Junho de 1998, o Conselho de Administração da Ré decidiu designar como vogal do Conselho de Gestão, entre outros, o ora Autor;
- da deliberação de nomeação consta que o Conselho de Administração deliberou “Designar como membro do Conselho de Gestão, por mandato que se inicia na presente data e termina no próximo dia 30 e um de Dezembro do ano dois mil, renovável automaticamente por períodos de um ano, salvo comunicação do Conselho de Administração com, pelo menos, noventa dias de antecedência.” (sic)
- desde 16 de Junho de 1998 até 8 de Abril de 2002, o Autor assumiu o cargo de Membro do Conselho de Gestão da Ré;
- o exercício de funções de membro do Conselho de Gestão está dependente – quer quanto à respectiva remuneração quer quanto a todos os demais aspectos do respectivo estatuto – de deliberação do Conselho de Administração;
- em 16 de Junho de 1998 o Autor recebeu da Ré o original da carta datada de 15 de Junho de 1998, na qual o A. escreveu: «Recebi o original»–«98/06/16»–«Luís Pereira da Silva» e nos termos da qual
Na sequência da sua designação para, a partir de 16/6/98, integrar, na qualidade de vogal, o Conselho de Gestão da Caixa Central informa-se que, enquanto exercer as referidas funções, ser-lhe-á atribuído:
1) Remuneração bruta mensal alterada para: um milhão e novecentos mil escudos (1.900.000$00) a pagar 14 vezes no ano;
2) Viatura para uso pessoal e de serviço, com valor de aquisição até 9.000 contos. Opção de compra ao fim de três anos, por 10% daquele valor.
2.1. Encargos com seguros suportados pela Caixa Central e despesas de manutenção e componentes partilhadas nos termos das normas internas em vigor.
3) Acréscimo de um milhão e quatrocentos mil escudos (1.400.000$00), por ano, ao valor utilizável no âmbito de despesas pessoais através de cartão de crédito.
Considerando a aquisição de nova viatura, cessarão na data da sua disponibilização os acréscimos que lhe tinham sido atribuídos para despesas pessoais por cartão de crédito, em consequência de não ter sido feita, em tempo próprio, a troca da viatura que até aqui lhe tem estado afecta”;
- desde 9 de Abril até 21 de Junho de 2002 o Autor exerceu as funções de membro do Conselho de Administração Provisório da Ré, por nomeação do Banco de Portugal;
- enquanto Membro do Conselho de Administração Provisório da Ré, a remuneração do Autor foi fixada pelo Banco de Portugal em montante igual ao que vinha auferindo como membro do Conselho de Gestão;
- desde 22 de Junho de 2002 até 30 de Junho de 2002, o Autor retomou as funções de membro do Conselho de Gestão;
- o Autor deixou de exercer funções no Conselho de Gestão da Ré em Junho de 2002, mas a respectiva parcela remuneratória foi-lhe mantida até 31 de Dezembro de 2002;
- à data do despedimento, o Autor mantinha o nível de retribuição 18 do ACTV e recebia:
a) - vencimento base 2.458,30 €;
b) - complemento remuneratório 278,57 €;
c) - diuturnidades no montante 73,70 €;
d) - retribuição especial por I.H.T. 1.324,98 €;
e) - abono de valor compensatório 889,38 €;
f) - subsídio infantil 22,63 €;
g) - subsídio de almoço por dia de trabalho 8,16 €.
Quanto à questão da determinação do vencimento do Autor e em particular quanto à questão das suas funções como vogal do Conselho de Gestão, e contrariamente ao sustentado pelo recorrente, a sentença recorrida teceu os seguintes considerandos
Quanto a estas funções, cumpre ainda dizer que as mesmas encontram suporte no artigo 23º, nº 1, dos Estatutos da Ré, o qual refere expressamente que o Conselho de Administração pode delegar os poderes de representação, de gestão, de decisão do crédito e de aplicação dos recursos, de organização e disciplina dos serviços num Conselho de Gestão por ele designado e perante ele responsável.
Vale isto por dizer que as funções de Vogal no referido Conselho de Gestão correspondem a funções delegadas, sem preenchimento de qualquer categoria, de carácter temporário enquanto a delegação/nomeação se mantiver – razão por que não assiste razão ao Autor quando pretende retirar daquele exercício o direito, em definitivo, à categoria ou pelo menos à correspondente retribuição, por se não poder afirmar que foi encarregue de prestar funções tipificadoras de outra categoria (que nem existe) superiormente remunerada.
Consequentemente, tendo a Ré, em 2003, retomado o pagamento da retribuição inerente ao cargo de Director, que nessa data, por força do novo ACTV/2003, se cifrava em €2.335,20, nada há a censurar.” (sic)
Vejamos
A determinação do estatuto jurídico do trabalhador depende da actividade que foi contratada e que constitui, não só o seu compromisso perante a entidade patronal, como também demarca os direitos e garantias do prestador de trabalho. É a chamada categoria. “É ela que define o posicionamento do trabalhador na hierarquia salarial, é ela que o situa no sistema de carreiras profissionais, é também ela que funciona como referencial para se saber o que pode e o que não pode a entidade empregadora exigir ao trabalhador.”(sic Monteiro Fernandes Direito do Trabalho, 16ª edição, pág. 168)
In casu, o Autor iniciou funções como vogal do Conselho de Gestão em Junho de 1998, portanto, na vigência do Dec. Lei 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT), e em data posterior à vigência do Dec. Lei 404/91 de 27 de Outubro (que instituiu a figura da comissão de serviço no âmbito do Direito Laboral).
Nos termos do art. 22º nº1 da LCT, “O trabalhador deve, em princípio, exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado” (sic)
Por reflectir a posição contratual do trabalhador, a categoria é objecto de protecção legal e convencional, maxime estando vedado ao empregador baixar a categoria do trabalhador (cfr. art. 21º nº1 d) e 23º da LCT), proibição essa que é a expressão do principio da irreversibilidade da carreira (nos termos do qual, uma vez atribuída ou reconhecida uma categoria, o trabalhador não pode dela ser retirado, devendo ser-lhe atribuídas funções inerentes à mesma), com o qual o princípio da irredutibilidade da retribuição, em causa nestes autos, está intimamente ligado.
Com relevo, conta-se também a proibição da mudança unilateral e definitiva de categoria, ainda que não se traduza exactamente num abaixamento da mesma (cfr. art. 22º  nº1 e nº2 - “Salva estipulação em contrário, a entidade patronal pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar temporariamente o trabalhador de serviços não compreendidos no objecto do contrato, desde que tal mudança não implique diminuição na retribuição, nem modificação substancial da posição do trabalhador.” (sic) – da LCT).
O Dec. Lei 404/91 de 16 de Outubro introduziu no Direito Privado o regime jurídico, já admitido pontualmente no Direito do Trabalho por força dos Instrumentos de Regulamentação Colectiva e no âmbito de empresas públicas (cfr. art. 32º do Dec.Lei 260/76 de 8 de Abril), mas que provinha principalmente do regime da função pública, da prestação de trabalho subordinado em regime de comissão de serviço, como desvio ao princípio da irreversibilidade da categoria, no que respeita aos chamados cargos de direcção e chefia.
Explica-se, sugestivamente, no respectivo preâmbulo que “O exercício de funções que pressuponham uma especial relação de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador, não apresenta, no quadro do actual regime jurídico do contrato individual de trabalho, qualquer especialidade relativamente ao dos demais trabalhadores.
Hoje em dia, porém, reconhece-se que a necessidade de assegurar níveis cada vez mais elevados de qualidade, responsabilidade e dinamismo na gestão das organizações empresariais implica soluções adequadas à salvaguarda da elevada e constante lealdade, dedicação e competência em que se traduz a confiança que o exercício de certos cargos exige.
Por outro lado, sendo estes atributos de natureza marcadamente interpessoal, o seu desaparecimento concorre, normalmente, para o desenvolvimento de situações degradadas de relacionamento no trabalho, com consequências prejudiciais para ambas as partes, e para outros trabalhadores, dada a especial responsabilidade dos cargos em causa.
A prevenção de tais consequências, negativas quer do ponto de vista dos interesses individuais quer para a função social que a empresa desenvolve, justifica a adopção de um regime excepcional de recrutamento para o desempenho dos referidos cargos…” (sic)
É compreensível a flexibilização da contratação laboral inerente às “comissões de serviço”: elas permitem, desde logo, que o empregador ocupe, através de nomeações transitórias, postos de trabalho que exigem uma relação especial de confiança, do mesmo passo que facultam ao trabalhador o exercício de funções a que, de outro modo, dificilmente lograria ascender.
Como afirma Luís Monteiro – in Regime Jurídico do Trabalho em Comissão de Serviço, Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea, pág. 508, 509 – “A importância – dir-se-á mesmo necessidade – da figura decorre do confronto entre princípios gerais do direito do trabalho, concretamente a segurança e emprego (Constituição da República Portuguesa art. 53º) a irreversibilidade da carreira profissional (Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo DL nº 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT), art 21º nº1, al. a)], por um lado, e as especiais exigências de confiança que determinados cargos ou núcleos de funções supõem, por outro. A prevalência daqueles princípios imporia a permanência dos trabalhadores nos mencionados cargos mesmo após o desaparecimento do laço fiduciário que justificara a nomeação, solução inaceitável à luz da valoração da confiança como elemento decisivo de determinadas relações laborais.
(…)
A disciplina legal da comissão de serviço veio submeter um leque mais alargado de relações jurídicas às regras da transitoriedade da função e da reversibilidade do título profissional. O exercício de determinadas funções só se mantém enquanto perdurar a relação de confiança que as caracteriza. Após a quebra desta – porque se altera a composição do capital social da sociedade, porque muda o elenco da sua administração, porque simplesmente se revê o juízo sobre as capacidades de determinado trabalhador – é possível por termo ao desempenho funcional e, eventualmente, à própria relação de trabalho.” (sic)
E ainda Monteiro Fernandes, para quem, o que caracteriza a comissão de serviço “[é] a transitoriedade da função e a reversibilidade do respectivo título profissional. O trabalhador detém uma categoria básica ou “de origem”, relativamente à qual funciona em pleno a tutela estabilizadora já indicada; exerce, contudo, por tempo pré-determinado ou não, uma função diversa da que aquela categoria reflecte, acedendo a um título profissional e a um estatuto laboral (nomeadamente remuneratório) que, como essa função, podem cessar a qualquer momento. Dá-se, então o retorno à categoria de base e ao correspondente estatuto (com eventual descida na valorização relativa das funções e no montante da retribuição)” (sic ob citada, pág. 189), tudo em reverso da tutela da categoria profissional (art. 21º, n.º 1, al. c) da LCT) e do carácter duradouro do contrato de trabalho.
     O princípio é o de que a todo o tempo se pode fazer cessar a comissão de serviço, fixando a lei os direitos dos trabalhadores finda a comissão, garantindo o regresso às funções exercidas (ou outras) e a possibilidade de rescisão  do contrato por parte do trabalhador com direito a uma indemnização – art. 4º do Dec. Lei 404/91, de 16 de Outubro.
A comissão de serviço, tal como prevista, delineada e regulada no supra mencionado diploma legal traduz-se num verdadeiro contrato de trabalho. É o que resulta, nomeadamente, do disposto nos art. 4º nº1 e 2 – “1 – A todo o tempo pode qualquer das partes fazer cessar a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço.
2- A cessação da comissão de serviço está sujeita a um aviso prévio de 30 ou 60 dias, consoante a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço tenha tido uma duração até dois anos ou mais de dois anos.” (sic), sublinhado nosso – e art. 6º - “Aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho em tudo o que não contrarie o disposto no presente diploma.” (sic) – cfr., no mesmo sentido, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 16ª edição, pág. 189.
Do exposto resulta que apenas se pode falar da existência de um contrato em comissão de serviço, quando a relação contratual entre as partes seja configurável como um contrato de trabalho, nomeadamente por vigorar entre elas o vínculo da subordinação jurídica.
Quanto a este aspecto, resulta da matéria factual que o Autor passou a exercer funções de vogal do Conselho de Gestão, que são funções delegadas pelo Conselho de Administração. É também o que resulta do art. 23º nº1 dos Estatutos da Ré – “1 – O conselho de administração pode delegar os poderes de representação, de gestão, de decisão do crédito e de aplicação dos recursos, de organização e disciplina dos serviços em um ou mais dos seus membros ou em empregados qualificados ou, ainda, num conselho de gestão por ele designado e por ele responsável.” (sic)
Isto significa que as funções exercidas, nomeadamente pelo Autor, já que o Conselho de Gestão é um órgão colegial, são funções da competência do Conselho de Administração, que este autoriza sejam exercidas por outro órgão, embora mantenha a competência originária para o seu exercício, que pode avocar quando entender, estando-se em presença de uma competência simultânea ou concorrente para o exercício dos poderes que foram objecto da delegação. O exercício da competência por parte de um dos órgãos preclude o exercício da mesma por parte do outro (cfr. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, lições aos alunos do curso de Direito em 1983/84, 1984, pág. 89)
Pode acontecer, nas situações de delegação de funções, o órgão delegante imponha ao órgão delegado determinadas directrizes a observar no exercício de tais poderes, o que constitui uma clara manifestação do poder de direcção desse órgão. Desconhecemos se tal aconteceu no caso em apreço, dado que nada resulta provado acerca desta questão.
Esta delegação de competências, que claramente resulta da intenção do Conselho de Administração da Ré quando, em 22 de Junho de 1993, criou o Conselho de Gestão (cfr. ponto 145. da matéria de facto), significa que, enquanto o Conselho de Administração não avocar os poderes cujo exercício delegou, não pode exercer tais poderes.
Dados os importantes desvios a princípios estruturantes do ordenamento laboral vigente, o Dec. Lei 404/91 cuidou de identificar as relações de trabalho sobre as quais é possível incidir a comissão de serviço, com a sua enumeração taxativa. Entre o demais, prevê-se que possam ser exercidos em regime de comissão de serviço os “cargos de administração”, não tendo o legislador utilizado “nesta norma o conceito de administração em sentido orgânico estrito – “administração” enquanto órgão de um determinado tipo societário, a sociedade anónima – mas em sentido funcional – “administração” enquanto função a desempenhar pelo trabalhador em comissão de serviço. E mostra-se igualmente pacífico que o legislador jamais quis laboralizar a relação de administração exercida por administradores societários (designados pelo colectivo dos accionistas) …. O próprio Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27/8, que no essencial não alterou o regime da comissão de serviço e, portanto, admite que os trabalhadores possam exercer cargos de administração ou de direcção, não confunde tais cargos com os de administradores, gerentes ou directores societários, como resulta claramente do disposto no seu art. 379º, n.º 2. Essa destrinça fundamental entre cargos de administração exercidos em comissão de serviço e a relação de administração, tal como a configura o Código das Sociedades Comerciais, fica ainda mais evidenciada se considerarmos que, quer nos termos do art. 3º, n.º 2 do DL 404/91, quer nos termos do art. 668º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho, o cargo ou as funções de administração em comissão de serviço podem ser exercidas com carácter permanente. Ora esta situação, como é evidente, é absolutamente incompatível com o disposto no art. 391º, no 3 do CSC e, principalmente, com a norma imperativa constante do art. 403, n.º 1 deste mesmo Código que prevê que qualquer membro do conselho de administração pode ser destituído por deliberação da Assembleia geral, em qualquer momento.
A este propósito convém lembrar aqui que as sociedades comerciais estão muito longe de esgotar o universo das entidades colectivas que necessitam de ser administradas. E não havendo, na generalidade das outras categorias de pessoas colectivas limitações similares às que se verificam em sede de sociedades comerciais, bem pode suceder que seja escolhida para o cargo uma pessoa colectiva. Nesses casos, como o desempenho efectivo das funções de administração é sempre assegurado por pessoas singulares concretas, ainda que agindo em representação do verdadeiro titular no cargo, é perfeitamente admissível recrutar pessoas para o exercício dessas funções no quadro de um vínculo jus-laboral. Nessas situações compreende-se que o recrutamento do representante ou o seu destacamento para a função em causa seja enquadrada por um acordo de prestação de trabalho em regime de comissão de serviço que cessa com o final do exercício do cargo em questão, seja porque a própria representada perde a qualidade do seu titular, seja porque, simplesmente, decide mudar de representante. O mesmo pode suceder nas Sociedades Gestoras de Empresas (DL 82/98, de 2/4) e nas Sociedades Gestoras de Fundos de Investimento de capital de risco (art. 7º do DL 319/2002, de 28/12). Segundo o entendimento que temos por mais ajustado, igualmente aqui se abre excepção à regra geral das sociedades comerciais, permitindo a titularidade dos cargos por este tipo de pessoas colectivas, situação em que se susceptibilizará, uma vez mais, a outorga de um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço entre a sociedade gestora e a pessoa singular a quem comete o encargo do efectivo exercício de funções.
As situações atrás descritas e muitas outras que podíamos aqui enunciar, têm a virtude de demonstrar à saciedade, a existência de diversas hipóteses em que o exercício do cargo de administrador é compatível com a prévia celebração de um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, no âmbito e em execução do qual se processa o efectivo desempenho das correspondentes funções, conquanto possa revestir diferente natureza a relação entre a administrada e o titular do cargo.” (sic Ac. da Rel. de Lisboa de 13-12-2006 – Proc. 1947/2006, em que foi relator o ora 1º adjunto)
Este argumentário tem plena aplicação ao presente caso, considerando a estrutura da administração da Ré.
Como vimos, o Autor foi designado vogal do Conselho de Gestão, órgão que exerce funções delegadas do Conselho de Administração da Ré.
Desde logo, não resultaram provados quaisquer factos que nos permitam concluir pela existência de um qualquer vínculo de subordinação jurídica no âmbito do exercício dessas funções, sendo certo que era ao Autor que, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova (cfr. art. 342º nº1 do C.Civil), incumbia a alegação e prova desses factos. E, na verdade, considerando as funções exercidas pelo órgão – cfr. ponto 145 da matéria de facto - dificilmente poderemos falar em tal vínculo.
Por outro lado, a Ré configurou a relação contratual com o Autor como um “mandato”.É certo que o nomen iuris não vincula o tribunal, mas no caso em apreço é esta a figura jurídica que mais se assemelha à configuração dos factos, tal como ela se nos apresenta. O mandato é, como se sabe, o “contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra” (sic art. 1157º do C.Civil). Pressupõe naturalmente a existência de uma relação de confiança entre o mandante e o mandatário. Este elemento é, aliás, fundamental para o exercício do mandato, já que o mandatário exerce um poder cujo titular originário é o mandante e nos limites por este definidos.
Dado que dos factos não transparece a existência de um vínculo de subordinação jurídica e considerando que a Ré delegou no Autor, enquanto vogal do Conselho de Gestão a prática de uma diversidade de actos jurídicos,  não restam dúvidas em como estamos em presença de uma situação de mandato.
De qualquer forma, ainda que se entendesse, e não se entende, estarmos em presença de um contrato de trabalho subordinado em comissão de serviço, não procederia o argumento do Autor de que o mesmo não fora reduzido a escrito, com menção expressa do regime de comissão de serviço, com vista a obter o desiderato previsto no nº2 do art. 3º, a saber, considerando-se que o cargo ou as funções são exercidos com carácter permanente.
É verdade que, tal como resulta da matéria de facto provada, Autor e Ré não outorgaram qualquer instrumento contratual adicional, designadamente um contrato de comissão de serviço, mas, na realidade, o documento referido no ponto 145. da matéria de facto, cumpre esse objectivo.
Nos termos do art. 236º nº1 do C.Civil, “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.” E o nº2 “Sempre que declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.” (sic)
No presente caso, por um lado, a declaração negocial formulada pelo Conselho de Administração da Ré é clara, no sentido de celebrar com o ora Autor um contrato para o exercício de determinadas funções, também elas definidas expressamente na acta da respectiva reunião, datada de 06-06-1998, e durante um período determinado e delimitado temporalmente nesse documento. Por outro lado, após a deliberação do Conselho de Administração, foi enviada ao Autor uma carta onde lhe é dado conta do carácter transitório das funções que passa a desempenhar. Ou seja, o carácter transitório do novo estatuto do Autor era deste perfeitamente conhecido e público, já que resultante de uma acta do Conselho de Administração, e, no caso do Autor, foi-lhe ainda transmitido por carta, cuja recepção acusou. É certo que o Autor não assinou essa acta de onde resultam os termos do exercício das suas novas funções, mas não restam quaisquer dúvidas em como deu o seu acordo com vista ao específico efeito jurídico em causa, a saber, a possibilidade de cessação, livre e nos termos referidos nos pontos 19.A e 23. da matéria de facto, das funções a que esse novo estatuto se reporta, e subscreveu-o dado que, durante quatro anos, desempenhou tais funções, sabedor do seu carácter transitório. Aliás, o argumento do Autor não é o de que desconhecia o carácter transitório das funções que ocupava, ou que discordou com esse carácter transitório, antes que o acordo não foi reduzido a escrito, à revelia do art. 3º do Dec.Lei 404/91. Discordamos deste argumento pois a nomeação em causa resulta da acta, e cumpre o formalismo exigente e exigido pela lei, ao qual subjaz o carácter excepcional da figura jurídica da comissão de serviço e a necessidade de controle do recurso à mesma, a justificarem a condição desta formalidade ad substantiam, o que significa que a falta de redução a escrito não pode ser substituída, nos termos do disposto no art. 364º nº1 do C.Civil, por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
Não ocorre, contudo, no presente caso, o vínculo da subordinação jurídica, que impede se possa falar de um contrato de trabalho em comissão de serviço.
O Acórdão do STJ, citado pelo Autor como suporte da sua pretensão, não versa sobre caso similar ao da presente acção, dado que ali, apesar de o Autor ter desempenhado um cargo no Conselho de Administração da Ré, o que se discute é o abaixamento de categoria profissional, findas essas funções, mas por ter sido colocado a exercer funções de director comercial, quando, antes do cargo no Conselho de Administração tinha a categoria de director geral, numa situação em que não se discutia a existência de um contrato de trabalho para o exercício dessas funções.
Em face do exposto, mantém-se, quanto a esta matéria, a decisão recorrida, embora com base em fundamentação não inteiramente coincidente com a que naquela foi invocada.
4. Vejamos agora se a sentença recorrida errou ao condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de €100,620,00, que o mesmo deixou de receber pela renúncia ao mandato de Administrador do CBI.
Insurge-se a Ré contra esta condenação, alegando que nunca se obrigou para com o Autor a pagar-lhe as aludidas remunerações, sendo que quem lhe pagava, na sua qualidade de Administrador da CBI, era o CBI, embora tenha transmitido ao Autor a opinião de que ele deveria continuar a receber como Administrador daquele, tendo-lhe ademais assegurado que o exercício por este, das funções de natureza executiva, como Administrador do CBI, não prejudicaria o vínculo laboral existente que o ligava à Ré, nem as remunerações nem demais regalias em vigor, as quais continuariam a cargo da Caixa Central.
Alega ainda que as indemnizações devidas ao Administrador de uma Sociedade pela cessação antecipada do mandato são da responsabilidade da própria Sociedade.
Acrescenta que, se assim se não entender, então o Tribunal do Trabalho é incompetente, em razão da matéria, para o conhecimento da questão.
O Autor pugna pela manutenção da sentença nesta parte, alegando que o que está em causa é uma questão de interpretação da declaração negocial e do dever negocial de boa fé.
A sentença recorrida decidiu da seguinte forma
Com relevo para esta questão, encontra-se demonstrada a factualidade constante dos pontos 48 a 58, dos quais resulta com mediana clareza que o Autor apenas cessou as suas funções de Administrador do CBI, para as quais havia assumido um mandato até Março de 2004, porque a Ré lhe comunicou que a sua renúncia facilitaria a eleição de um novo Conselho de Administração, o que era do interesse da Ré - não deixando a Ré de salientar, note-se, que o cargo do Autor foi afinal exercido “por proposta da Caixa Central”, ora Ré. Mais: com vista a facilitar a renúncia, a Ré assegurou que “se renunciar às funções que tem vindo a exercer como Administrador do CBI, se considera que deve continuar a receber – até final do corrente mandato – as remunerações que tem vindo a auferir e que lhe sejam devidas por esta Instituição, no âmbito das referidas funções”.
Donde, quer por imposição do dever que os sujeitos têm de negociar e contratar de boa fé (art. 227º do Cód. Civil), quer porque, atendendo à posição de domínio da Ré sobre o CBI, a expressão usada pela Ré seria certamente entendida não como um “parecer” mas como um assegurar dessa prestação por qualquer declaratário normal colocado na posição do Autor (art. 236º, nº 1, do Cód. Civil), somos levados a concluir que a interpretação a retirar não pode ser outra que não esta, devendo a Ré cumprir em conformidade e parar de se escudar na posição do CBI, porquanto deveria ter-se assegurado dessa posição antes de induzir o Autor a efectuar a declaração de renúncia.
Consequentemente, e porque na carta de 13/08/2002 foi assegurado ao Autor, pela Ré, que o exercício do mandato no CBI não prejudicaria o vínculo laboral na Ré nem as remunerações e demais regalias em vigor, o Autor tem o direito a receber por inteiro o
montante que deixou de receber em virtude da renúncia ao mandato, no valor de capital por ele indicado de €100.620,00.” (sic)
Decidindo
Com interesse para a decisão desta questão resultaram provados os seguintes factos
- a Ré comunicou ao Conselho de Administração do CBI que a partir de Setembro de 2002 o Autor assumiria as funções de natureza executiva naquele Conselho;
- o Autor foi designado para membro do órgão de gestão do CBI porque era um quadro da Caixa Central;
- passou a ter remuneração como membro executivo;
- nesta altura a Ré dominava o Central – Banco de Investimento, S.A. (CBI) detendo a maioria do seu capital, e sendo parte num acordo parassocial que lhe assegurava o poder de designar a maioria dos membros do seu conselho de administração;
- em 13 de Agosto de 2002 a Ré enviou ao CBI carta nos seguintes termos
A renúncia do Presidente desse Conselho, ocorrida em 31 de Maio do corrente ano, exige uma reflexão ponderada acerca da composição, organização e funcionamento actuais e futuros desse Conselho.
Assim, sem prejuízo da reflexão em curso, este Conselho considera desde já oportuno reforçar a ligação existente entre a Administração do CBI e o Crédito Agrícola. Para esse efeito, vimos por este meio informar V. Exas. que o Administrador Dr. AA, que até ao presente não tem podido exercer funções executivas nessa Administração, se encontrará disponível para assumir funções de natureza executiva a partir do próximo dia 1 de Setembro de 2002” (sic);
- na mesma data, 13 de Agosto de 2002, a Ré escreveu ao Autor carta nos seguintes termos
 “Na sequência da não recondução no cargo de vogal do Conselho de Gestão da Caixa Central, com efeitos reportados a 31/12/2002, o Conselho de Administração da Caixa Central entende que o exercício das funções de Administrador do  Central – Banco de Investimento, S.A. com carácter executivo (embora sem prejuízo das demais incumbências que lhe possam ser cometidas por este Conselho) é do interesse quer do C.B.I. quer do Crédito Agrícola.
Assim, e na sequência das trocas de impressões já havidas acerca deste assunto, vimos informá-lo do teor da carta remetida ao Conselho de Administração do C.B.I. em 13 de Agosto de 2002. Naturalmente, o exercício de funções de natureza executiva no seio da Administração do C.B.I. não prejudicará o vínculo laboral existente com a caixa Central nem as remunerações e demais regalias em vigor, que continuarão a ficar a cargo desta” (sic);
- em 23 de Abril de 2003, a Ré escreveu ao Autor cartas nos seguintes termos
A Caixa Central propõe-se adquirir os activos e passivos do CBI, no âmbito de uma operação motivada pela situação patrimonial em que este Banco se encontra.
Se tal operação vier a ser aprovada pela Assembleia-geral que se realiza no próximo dia 24, é intenção da Caixa central propor a nomeação de um Conselho de Administração para o CBI, integrado por apenas três elementos.
Neste contexto a eleição de um novo Conselho de Administração na referida Assembleia Geral será facilitada se V. Exa. renunciar às funções de Administrador que tem exercido por proposta da Caixa Central” (sic)
e
Tem esta carta por intenção referir que se renunciar às funções que tem vindo a exercer como Administrador do CBI, se considera que deve continuar a receber – até final do corrente mandato – as remunerações que tem vindo a auferir e que lhe sejam devidas por esta Instituição, no âmbito do exercício das referidas funções” (sic)
- na mesma data, o Autor escreveu uma carta ao Dr. NCO, Vice-Presidente do Conselho de Administração do C.B.I., SA., nos seguintes termos
O Conselho de Gestão da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L. informou-me da sua intenção de vir a recompor e reduzir a composição do Conselho de Administração do CBI.
Com vista a contribuir para facilitar essa iniciativa, venho por este meio apresentar a renúncia ao cargo de vogal do Conselho de Administração do Central - Banco de Investimento, S.A.” (sic)
A análise da factualidade provada e ora descrita, permite concluir estar a razão do lado do Autor e ter a primeira instância decidido com acerto. De facto, e como o mesmo bem salientou nas suas contra alegações, em causa está, antes de tudo o mais, a interpretação das declarações que resultam das cartas enviadas pela Ré, quer ao CBI quer, em especial, ao Autor.
Como já referimos a propósito do decidido sob o ponto 3. “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.” (sic art. 236º nº1 do C.Civil)
Como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela, “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, mediamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real , em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº2).” (sic Código Civil anotado, 1982, vol. I, pág. 222).
Ora, no caso em apreço, não podem restar dúvidas em como a Ré se comprometeu a pagar ao Autor a retribuição que este auferia como membro do Conselho de Administração do CBI. Desde logo, tal resulta da apreensão literal do texto da carta enviada pela Ré ao Autor no dia 23 de Abril de 2003, a saber “Neste contexto a eleição de um novo Conselho de Administração na referida Assembleia Geral será facilitada se V. Exa. renunciar às funções de Administrador que tem exercido por proposta da Caixa Central
e
Tem esta carta por intenção referir que se renunciar às funções que tem vindo a exercer como Administrador do CBI, se considera que deve continuar a receber – até final do corrente mandato – as remunerações que tem vindo a auferir e que lhe sejam devidas por esta Instituição, no âmbito do exercício das referidas funções”(sic). De facto, em lado algum da carta se refere que quem vai assegurar o pagamento da remuneração é a CBI, sendo certo que a Ré não se assume como representante desta entidade. Pelo contrário, é a Ré quem manifesta que o Autor deve continuar a receber as remunerações que recebia até então e até ao terminus do mandato.
Mas é também para aí que apontam a “história” das relações entre a Ré, o Autor e a CBI, bem como a razão de ser da missiva em causa, pois cumpre não esquecer que
- o Autor foi designado membro do órgão de gestão do CBI porque era um quadro da Caixa Central, tendo sido esta a comunicar ao Conselho de Administração do CBI que o mesmo assumia ali funções de natureza executiva, e que
- a Ré detinha a maioria do capital do CBI e detinha o poder de designar a maioria dos membros do Conselho de Administração do CBI.
Ora, nestas circunstâncias, não restam quaisquer dúvidas de que a Ré não se limitou, como refere nas contra alegações, a emitir uma opinião ou um parecer no sentido de o Autor, renunciando ao cargo que ocupava no CBI, de manter as remunerações que auferia até à data prevista para o termo do mandato. Tal não foi assim entendido pelo Autor e não é essa a interpretação que um declaratário normal, colocado na sua posição, faria. A Ré havia colocado o Autor no Conselho de Administração do CBI, tinha a possibilidade de o retirar desse órgão e tinha interesse no seu afastamento, tendo-lhe sugerido/solicitado que renunciasse às funções de Administrador, para facilitar a nomeação de um novo Conselho de Administração, considerando ademais que ele deve continuar a receber, até ao final do mandato, as remunerações que vinha auferindo no âmbito do exercício das referidas funções. Não está a falar em nome da CBI, está a falar em nome próprio, na sequência da responsabilidade já antes assumida de colocação do Autor naquele Conselho de Administração. Tudo em sintonia com o seu próprio interesse. Daí o compromisso de prosseguir o pagamento da retribuição, em troca da renúncia, que, aliás, o Autor se apressou a apresentar, face à sugestão/pedido da sua entidade patronal.
Não tem qualquer cabimento chamar à colação o disposto no art. 403º nº5 do CSC -  “Se a destituição não se fundar em justa causa o administrador tem direito a indemnização pelos danos sofridos, pelo modo estipulado no contrato com ele celebrado ou nos termos gerais de direito, sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito.” -  não só porque não estamos face a uma situação de destituição, mas porque foi a própria Ré a assumir a responsabilidade do pagamento das remunerações ao Autor até ao final do referido mandato.
Argumenta ainda a Ré que, caso se entenda dever ao Autor a quantia peticionada, o tribunal do trabalho não poderia apreciar tal questão, por estarmos face a um contrato de mandato, sendo certo que estes tribunais são competentes para dirimir questões emergentes de relações de trabalho subordinado, arguindo assim a incompetência do tribunal, em razão da matéria.
O Autor contra alegou, referindo que, mesmo que essa incompetência se verificasse, estava sanada e não poderia ser arguida e conhecida oficiosamente, por força do disposto nos art. 102º nº2 e 62º nº1 do CPC e 17. 18º, 78º e 85º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.
Tem razão o Autor.
Nos termos do disposto no art. 102º do CPC de 1961, e depois de o art. 101º classificar de incompetência absoluta os casos de incompetência material, “ 1. [A] incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.
2. A violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência de discussão e julgamento.” (sic)
Os tribunais de trabalho são tribunais judiciais (cfr. art. 1º, 16º nº1, 17º nº1, 18º nº1 e 2, 64º nº1 e 2, 78º d) e 85º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei 3/99 de 13 de Janeiro), pelo que a questão cai na alçada do citado nº2 do art. 102º do CPC, sendo certo que a Ré não arguiu, até ao despacho saneador, a excepção da incompetência material, configurando-se, portanto, como extemporânea a arguição neste momento.
Improcede, pois, também nesta parte, o recurso.
5. Debrucemo-nos agora sobre o despedimento do Autor e sobre a ocorrência ou não de justa causa legitimadora do mesmo.
Os factos imputados ao Autor reportam-se ao ano de 2004, isto é, em plena vigência do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003, e rectificado nos termos da declaração de rectificação no 15/2003, de 28 de Outubro, pelo que, face ao disposto no art. 8º, nº 1 daquela Lei e 7º, nº 1 da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, tem aplicação ao caso o regime jurídico acolhido naquele Código, a que pertencem as disposições que, de ora em diante, viermos a citar sem indicação de origem.
A proibição de despedimentos sem justa causa decorre do principio constitucionalmente consagrado no art. 53º da CRP, sob a epígrafe “Segurança no emprego” e inserido no Capítulo III “Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores”, do Título I – “Direitos, liberdades e garantias”, da Parte I –“Direitos e deveres fundamentais”. Nos termos desse preceito legal, “É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa …” (sic)
No plano infra constitucional, e nos termos da lei aplicável ao presente caso, o art. 382º do CT proíbe os despedimentos sem justa causa. E o art. 396º nº1 determina que constitui justa causa de despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.” (sic)
A noção de justa causa pressupõe assim:
- um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo ou nas suas consequências - o chamado elemento subjectivo;
- a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho – o chamado elemento objectivo;
- um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral. (cfr. in Direito do Trabalho, de Maria do Rosário Palma Ramalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, pág 899 e 900).
O nº3 do art. 396º do C.Trabalho estabelece exemplos-padrão de comportamentos que podem conduzir ao despedimento com justa causa, e o nº 2 prevê critérios para a apreciação deste conceito, a saber, o grau de lesão dos interesses do empregador, o carácter das relações entre as partes, ou entre o trabalhador e os seus companheiros, e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
Não basta assim que tenha ocorrido uma violação dos deveres a que está obrigado o trabalhador. Cumpre ademais formular um juízo sobre os efeitos reais e concretos que a infracção praticada tem na relação de trabalho, pois o apuramento da “justa causa” corporiza-se essencialmente na impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho, que a jurisprudência tem interpretado, considerando as seguintes vertentes:
- a impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzida à ideia de “inexigibilidade” da manutenção vinculística;
- exige-se uma “impossibilidade prática”, com necessária referência ao vínculo laboral em concreto;
- e “imediata” no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro da relação contratual laboral.
Para integrar este elemento de impossibilidade da manutenção da relação laboral, torna-se necessário fazer um prognóstico sobre a viabilidade da relação contratual, no sentido de saber se ela mantém, ou não, a aptidão e idoneidade para prosseguir a função típica que lhe está cometida.
Nessa linha de entendimento, a jurisprudência dos tribunais superiores vem reafirmando que a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral verifica-se quando, perante um comportamento ilícito, culposo e com consequências gravosas na relação laboral, ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral. Nesse sentido, vejam-se, entre outros e na jurisprudência mais recente, os Acórdãos do STJ de 07-02-2007 – Proc 06S2839, de 22-04-2009 -  Proc 09S0153, de 29.04.2009 - Proc 08S3081, de 17-06-2009 - Proc 08S3698, de 03.6.2009 - Proc 08S3085, de 15-09-2010, Proc 254/07.1TTVLG.P1.S1, de 7-10-2010 - Proc 439/07.0TTFAR.E1.S1, de 13-10-2010, Proc 142/06.9//LRS.L1.S1, de 03-10-2012 – Proc 338/08.9 TTLSB.L1.S2, 4º secção, todos eles disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.
Esta impossibilidade prática de manutenção da relação laboral, corresponde a uma inexigibilidade, que envolve um juízo complexo que tem de ser feito caso a caso, o qual implica, “não só uma selecção dos factos e circunstâncias a atender, mas também uma série de valorações assentes em critérios de muito diferente natureza – éticos, organizacionais, técnico-económicos, gestionários – e mesmo, não raro, relacionados com pressupostos de ordem sócio-cultural e até afectiva” (cfr. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11º edição, pág. 542). Trata-se de um juízo a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico, o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, que implica frequentes e intensos contactos entre os sujeitos.
Volvendo ao presente caso, a 1ª instância fundamentou a sua decisão de considerar ilícito o despedimento, da seguinte forma
Produzida que foi a prova, o empregador não logrou demonstrar grande parte daqueles fundamentos que sustentaram o despedimento, designadamente
• que, contrariamente às instruções da Ré, o Autor sugeriu à Direcção da CCAM-CB que fizesse provisões apenas pelo montante de 54% daquele valor (resposta ao art. 152º da Base Instrutória);
• que o Autor haja sido auscultado no que respeita aos aspectos técnico-financeiros do processo da BB (resposta ao art. 161º da Base Instrutória);
• que a actuação do Autor na CCAM fosse interpretada como uma posição da Ré (resposta ao art. 171º da Base Instrutória);
• que o Autor tenha orientado a CCAM-CB nas respostas que esta entidade tinha que dar e deu à Ré e ao Banco de Portugal (resposta ao art. 173º da Base Instrutória);
• que o Autor tenha sido consultor da CCAM-CB sem autorização da Ré (resposta ao art. 174º da Base Instrutória);
• que a consultoria tenha redundado no prejuízo para a Ré e para o SICAM (resposta ao art. 175º da Base Instrutória);
• que, com a prestação de serviços à CCAM-CB, o Autor sabia que estava a defender os interesses desta instituição contra a posição e orientações da Ré (resposta ao art. 184º da Base Instrutória);
• que, ao prestar serviços para a CCAM-CB, o Autor se serviu de conhecimentos que adquiriu no exercício das funções que desempenhou para a Ré (resposta ao art. 184º da Base Instrutória). Consequentemente, o único facto que, com relevo, veio a ficar demonstrado foi que o Autor prestou efectivamente serviços de consultoria económico-financeira e fiscal para a CCAM-CB durante os meses de Janeiro a Agosto de 2004, pelos quais recebeu €900,00 mensais por via a sociedade Diatomite.
A referida actuação não constitui ilícito disciplinar, porquanto não apenas se não demonstrou (apesar de invocada) a falta de autorização para tanto como essa prestação de serviços se encontra expressamente consentida pelo art. 23º, nº 2, alínea a), do R.J.C.A.M.
Donde, no quadro das circunstâncias em que aquele comportamento se insere, desacompanhado do mais alegado, designadamente no que respeita ao aproveitamento de conhecimentos ou aconselhamento em desconformidade com as instruções e interesses da Ré, somos levados a considerar improcedentes os motivos invocados para a aplicação da sanção aplicada.
*
Consequentemente, concluímos pela inexistência de justa causa para o despedimento e, por essa via, pela ilicitude do mesmo – Cláusula 100º, nº 1, alínea c) do ACTV e arts. 382º e 429º, alínea c), ambos do Cód. do Trabalho.”
A Ré argumenta que “é pouco importante saber-se se o empregador, na acção judicial de impugnação do despedimento, logrou ou não provar grande parte dos fundamentos que estiveram na base do despedimento.

4- Pura e simplesmente, não é exigível à CCCAM que mantenha a sua confiança num seu Director que, dissimuladamente, a coberto da identidade de uma Sociedade, que domina e cuja objecto social nada tinha a ver com a actividade bancária, passa “às ocultas”, a prestar a uma das CCAMs suas associadas e membro do SICAM, serviços da sua especialidade ou seja, precisamente serviços de consultadoria económico-financeira e fiscal.
5- Ou seja, até tendo apenas em conta os factos dados como provados na 1ª Instância, verificar-se-ia justa causa de despedimento: O Autor – que tinha em todo o Crédito Agrícola o ascendente e a fama que são bem evidenciados nos factos que ficaram provados - ao aceitar prestar serviços naquelas áreas da sua especialidade, numa das CCAMs associadas da CCCAM causou à sua entidade empregadora fundado receio de que ele se servisse dos conhecimentos que lhe advinham precisamente do facto de ter sido Director do DFOA e até data muito recente membro do seu Conselho de Gestão – o mais alto órgão executivo da Caixa Central – de que, aliás, era inevitável que se servisse, tendo sido os mesmos que estiveram na base da sua contratação por aquela CCAM, como repetidamente tem dito o próprio Presidente da Direcção que o contratou.
Perante esses fundados receios, é evidente que se verificou justa causa de despedimento.” (sic alegações de recurso)
Vejamos se assim é
Antes do mais, cumpre esclarecer que concordamos tendencialmente com a Ré quando a mesma afirma que não assume muita relevância se o empregador, na acção de impugnação do despedimento, logrou ou não provar a maioria dos fundamentos que estiveram na base do despedimento. Assim pode ser efectivamente. Isso dependerá, contudo, de quais os fundamentos que não logrou provar.
Analisemos as imputações que são feitas ao Autor e que constam do relatório que subjaz à sanção disciplinar aplicada.
Imputa-se ao Autor que, à revelia da comunicação da Ré à CCAM-CB, respeitante à necessidade de reforço de provisões, tenha sugerido à CCAM-CB que fizesse provisões apenas de 54% do montante indicado pela Ré – ponto 131. A nº36. e 37 – facto que não resultou provado (cfr. resposta ao quesito 152º).
Relativamente à sociedade Grimar, Lda, o Relatório Final (factos 39 a 42) não diz que a carta de resposta da CCAM-CB à Ré tenha sido gizada pelo Autor, como refere a sentença, não imputando, aliás, o relatório, quanto a esta questão, qualquer facto ao Autor.
Quanto à questão da sociedade BB, transcreve-se o relatório da auditoria, que discorre acerca da dívida desta sociedade, que resultava de investimentos em infra estruturas, tendo sido efectuada uma reestruturação de créditos, com capitalização de juros, com reforço de garantias, que não surtiu qualquer efeito, o que levou a CCAM a optar por converter o seu crédito em capital social, no entanto, à revelia do disposto no art. 39º b) do RJCAM, dado o montante ultrapassar 20% dos seus Fundos Próprios. Passou a considerar o crédito em causa como de elevado risco, antevendo-se dificuldades na sua cobrança. Refere-se ainda que o Presidente da Direcção da CCAM-CB falou com o ora Autor sobre o problema da BB, pondo-o a par de todos os cenários possíveis, já depois de a Direcção ter tomado a decisão de transformação do crédito em capital social, mas antes de tal decisão ter sido formalizada, tendo solicitado ao Banco de Portugal autorização para reforçar as provisões para a BB, em carta escrita pelo respectivo Director da CCAM-CB, que, contudo, auscultou o ora Autor sobre os aspectos técnico-financeiros, nomeadamente quanto à questão das provisões.
Conclui a Ré que a operação BB saldou-se num prejuízo, tanto mais que se extinguiu a hipoteca dos prédios dados em garantia, sendo certo que existiam dois estudos que davam a BB como inviável e não existiam interessados na aquisição desta empresa.
Nesta acção, o que resultou provado foi que a operação BB resultou em prejuízo para a CCAM-CB, mas não resultou provado que o ora Autor tenha dado qualquer contributo para os termos desta operação.
Portanto, e tal como refere a primeira instância, com interesse, apenas resultou provado que o ora Autor, no período de 01 de Janeiro de 2004 a 31 de Agosto de 2004, esteve ligado à CCAM-CB por um contrato de prestação de serviços de consultoria económico-financeira e fiscal, auferindo uma avença de 900 € por mês, a que acrescia o correspondente IVA, avença essa recebida através da Diatomite, empresa da qual é sócio.
Cumpre, portanto, determinar se este facto, antes do mais, integrará um qualquer ilícito. E, tal como a primeira instância, entendemos que não.
 De facto, nos termos do disposto no art. 23º nº2 do Dec.Lei 24/90 de 11-01, em vigor à data dos factos, e que estabelece o regime jurídico aplicável às caixas de crédito agrícola mútuo, “[N]ão podem igualmente fazer parte da direcção ou do conselho fiscal das caixas agrícolas, nem nelas desempenhar funções ao abrigo de contrato de trabalho subordinado ou autónomo:
a) Os administradores, directores, gerentes, consultores, técnicos ou mandatários de outras instituições de crédito, nacionais ou estrangeiras, à excepção da Caixa Central (… sic)
Ou seja, a lei permite, a titulo excepcional, que qualquer trabalhador da Caixa Central possa desempenhar funções, ou como trabalhador subordinado ou como trabalhador autónomo, em qualquer das Caixas associadas daquela, considerando que, para esses trabalhadores, não se verifica qualquer incompatibilidade no exercício de funções.
Argumenta a Ré que “a excepção que consta da parte final da al. a) do nº2 do art. 23º do R.J.C.A.M., não autoriza a que os administradores, directores, gerentes, consultores, técnicos, promotores, prospectores, mediadores ou mandatários a que se refere a primeira parte do preceito, quando ligados à Caixa Central, possam exercer funções nas CCAMs, sem autorização da CCCAM.
Como o Sistema Integrado do Crédito Agrícola é o conjunto formado pela Caixa Central e pelas Caixas Agrícolas suas associadas (cfr. art. 63º, nº1) e como, nos termos do art. 65º, a representação e coordenação do sistema é da competência da Caixa Central, que pode, nos termos do nº2 do art. 77º, designar delegado seu para acompanhar a gestão de qualquer Caixa Agrícola sua associada, então há necessidade de, naquela al. a) do nº2 do art. 23º, fazer-se aquela ressalva.
De outro modo, o que poderia acontecer era que, para se dar cumprimento ao art. 77º, nº2 e ao art. 77º-A, se estivessem a violar as regras de inegibilidade e incompatibilidade previstas no art. 23º. O que seria de todo incongruente.” (sic).
Não há dúvida que o sistema integrado do crédito agrícola mútuo é representado e coordenado pela Caixa Central, à qual são atribuídos poderes de fiscalização, intervenção e orientação (cfr. art. 65º do Dec.Lei 24/90 de 11-01). E é precisamente no âmbito dos seus poderes de intervenção que a Ré pode “designar delegado seu para acompanhar a gestão de qualquer caixa agrícola sua associada quando se verificar uma situação de desequilíbrio que, pela sua extensão ou continuidade, possa afectar o regular funcionamento da mesma caixa, quando a sua solvabilidade se mostre ameaçada ou quando se verifiquem irregularidades graves.
3- Ao delegado a que se refere o número anterior compete adoptar as providências necessárias para corrigir as situações que tenham conduzido à sua nomeação, ficando dependente da sua aprovação a validade de todos os actos e contratos dentro dos limites definidos aquando da nomeação.
4- Durante o período de intervenção, compete ao delegado da Caixa Central a orientação, supervisão e disciplina dos serviços, podendo fazer-se assistir por profissionais da sua escolha.
5 - A nomeação do delegado bem como os respectivos poderes devem ser registados por averbamento à matrícula da caixa agrícola, sob pena de não produzirem efeitos relativamente a terceiros.
6- A designação do delegado da Caixa Central a que se refere o nº2 deste artigo só poderá ser feita pelo prazo máximo de 90 dias, salvo acordo da direcção da caixa agrícola na sua prorrogação.
7 – A Caixa Central informará o Banco de Portugal, no prazo de cinco dias, das decisões que tomar, nos termos deste artigo, e da respectiva fundamentação.” (sic)
A análise concertada de ambos os preceitos legais – o 23º nº2 e o 77º do Dec.Lei 24/90 de 11-01 - permite concluir que cada um dos preceitos prevê realidades jurídicas totalmente distintas. De facto, o art. 23º . no seu nº2, prevê a possibilidade de qualquer trabalhador da Caixa Central poder ser contratado por qualquer das caixas agrícolas, para o exercício de quaisquer funções, ainda que no âmbito de um contrato de trabalho subordinado. Tal não fere a qualquer título os deveres do trabalhador precisamente por estarmos em presença de um sistema integrado de crédito agrícola mútuo destinado a valorar positivamente a organização comum da Caixa Central e das caixas de crédito agrícola (cfr . preâmbulo do Dec.Lei 24/90 de 11 de Janeiro). Por seu turno, o art. 77º, refere-se aos poderes de intervenção da Caixa Central, entre eles o de poder designar um delegado para efeitos de concretizar essa intervenção. As funções desempenhadas correspondem estritamente às da necessidade da intervenção e, portanto, são definidas pela Caixa Central, enquanto que na hipótese do nº2 do art. 23º, elas serão definidas pela caixa agrícola, ao encontro das suas necessidades, que excluem tendencialmente as referidas no art. 77º nº2, de desequilíbrio que possa afectar o seu regular funcionamento, quando a sua solvabilidade se mostre ameaçada ou quando se verifiquem irregularidades graves, pois, quanto a estas, a intervenção incumbe à Caixa Central.
E é tal a importância desta atribuição da Caixa Central, em face dos riscos que visa acautelar, que a lei a rodeia de cautelas, espelhadas num formalismo específico, em ordem a conferir publicidade e credibilidade à intervenção, que é ainda supervisionada pelo Banco de Portugal (cfr. nºs 5 a 7 do art. 77º). Tal não acontece em relação à situação prevista no art. 23º nº2.
São, pois, distintas ambas as situações de interligação entre trabalhadores da Caixa Central e das caixas agrícolas.
Aliás, cumpre não esquecer que a lei impõe se presuma “que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (sic nº3 do art. 9º do C.Civil), sendo certo que, se o legislador tivesse pretendido conferir à última parte do nº do art. 23º a interpretação que o recorrente lhe dá teria simplesmente substituído a expressão “à excepção da Caixa Central” por “sem prejuízo do disposto no nº2 do art. 77º”. É que o âmbito de aplicação de ambos os preceitos é distinto.
Vejamos agora se, ainda tendo agido ao abrigo do disposto no referido art. 23º a), o Autor feriu o dever de lealdade que o liga à Ré.
Ao suprimir da regra da incompatibilidade a possibilidade de um trabalhador ser simultaneamente trabalhador da Caixa Central e de qualquer uma das caixas agrícolas, a lei afasta naturalmente a ideia de deslealdade do trabalhador que assim actue.
Aliás, não resultaram provados quaisquer factos que nos levem a concluir que o Autor exerceu as funções na CCAM-CB em colisão com os seus deveres na Ré, nomeadamente o dever de sigilo ou de reserva, e tal não é legítimo que se presuma.
Mas o presente caso assume acrescidamente contornos que afastam claramente a ideia de que o Autor violou o princípio da boa fé (cfr art. 119º nº1 da CT). Com efeito, estamos perante um trabalhador muito qualificado e com vasta experiência no interior da Ré que, desde 30 de Setembro de 2003, não tinha funções atribuídas nem na Ré, nem na sua participada CBI, nem em qualquer Caixa Agrícola ou outro organismo ligado ao Sistema de Crédito Agrícola Mútuo. Um trabalhador cujo nome deixou de fazer parte do organigrama da Ré, a quem foi desactivada a conta de correio electrónico até então disponibilizada pela Ré, que deixou de ter acesso à rede informática interna da Ré e que nem sequer entrava nas instalações desta. Deixou mesmo de ser procurador autorizado da Ré, vendo a sua assinatura ser eliminada do livro oficial de mandatários desta, o que foi comunicado a todas as instituições financeiras do país por meio do envio de uma lista com os nomes dos procuradores onde não constava o nome do Autor.
Neste contexto, e face à janela de oportunidade possibilitada pela parte final da alínea a) do nº2 do art. 23º que vimos citando, e ainda que se entendesse que o Autor praticou num qualquer acto ilícito, e não é isso que entendemos, sempre a culpa do Autor apareceria como muito reduzida, o que, a par da sua antiguidade e relevantes préstimos ao serviço da Ré, não era de molde a tornar inexigível a manutenção do contrato de trabalho.
Concluímos, pois, pela ilicitude do despedimento, por ausência de justa causa, improcedendo o recurso nesta parte.
6. Avaliemos agora se o tribunal a quo errou quando procedeu ao cálculo da indemnização substitutiva da reintegração, por ter aplicado incorrectamente o critério previsto para o efeito.
Relativamente a esta questão, insurge-se o Autor, alegando que, ainda que aceitando que o nº3 da cláusula 101º do ACTV, aplicável e aplicado na sentença recorrida, funcione como limite ao valor da indemnização que resulte da aplicação do seu nº2, discorda, no entanto, da fórmula utilizada pelo tribunal a quo na aplicação do nº2 e do nº3 desse preceito, e remete, em abono da sua tese, para o Acórdão desta Relação, proferido no Processo 86/07.7TTBRR.L1-4 em 23-11-2011. Acrescenta ainda que a sentença não usou, para efeitos do cálculo da indemnização, do valor da retribuição-base devidamente actualizado, à data da decisão judicial que fixa a indemnização. Finalmente, entende que o valor da retribuição a ter em conta é aquele que o Autor auferiu quando exerceu funções de vogal do Conselho de Gestão da Ré, pois tal remuneração, em obediência ao princípio da irredutibilidade da retribuição, não lhe podia ter sido reduzida.
A Ré defende, antes do mais, que o Autor não tem direito à indemnização em substituição da reintegração, por o despedimento ser lícito. Mas, se assim não se entender, então o valor a ter em consideração no cálculo dessa indemnização substitutiva é o da retribuição base e diuturnidades, preconizando que esse é, aliás, o valor também referido no citado Acórdão desta Relação. Entende que o Autor confunde a retribuição base com a retribuição mensal bruta, que está plasmada no ponto 23. da matéria de facto provada.
A sentença recorrida decidiu da seguinte forma
No caso, tem aplicação a referida Cláusula 101ª, a qual usa a expressão “retribuição” como base de cálculo sem nada referir sobre tal conceito, designadamente se inclui todos os items de natureza retributiva ou apenas a parte correspondente ao vencimento base. Ora, comparada esta expressão com aquela outra que vem mencionada no nº 1 (“todos os direitos”) e no corpo da alínea a) do nº 2 usada para as prestações intercalares (“prestações pecuniárias”), não podemos deixar de concluir que a expressão “retribuição” utilizada para a indemnização é aqui usada com um sentido restrito, à semelhança do Cód. do Trabalho, e que corresponde ao vencimento base.
Cumpre ainda afirmar que a desigualdade de critérios usados no Cód. Do Trabalho e no ACTV em matéria indemnizatória implica que se devam ter em conta os artigos 4º e 383º do Cód. do Trabalho, dos quais resulta que o ACTV pode afastar a aplicação da lei geral ainda que o seu conteúdo seja menos favorável para o trabalhador, no que respeita aos critérios usados na definição da indemnização.
Assim, e como primeiro desvio, há-de ser contada apenas a retribuição-base e já não as diuturnidades (estas irão apenas usadas como critério para fixar o montante máximo nos termos do nº 3), tudo à razão de
- 1 mês de retribuição por cada ano completo de serviço;
- mais o correspondente a 2 meses de retribuição por cada ano completo de serviço além de 10;
- mais 2, 3, 4 ou 5 meses de retribuição conforme o tempo de serviço for até 15, 20, 25 ou mais anos
- tudo com o limite correspondente a 45 dias de retribuição-base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade do trabalhador,
porquanto o trabalhador tem mais de 35 anos de idade e mais de 11 anos de serviço (v.g. pontos 7 e 12 da factualidade).
Aplicando, e por reporte aos 19 anos de antiguidade do Autor à data em que é proferida a presente sentença, o Autor teria o direito a receber da Ré uma indemnização no montante de €98.332,00
a) €46.707,70     €2.458,30 x 19 anos completos de antiguidade;
b) €44.249,40   (€2.458,30 x 2) por cada ano completo de antiguidade além de 10;
c) €7.374,90    (€2.458,30 x 3) por ter mais de 15 anos de serviço sem ultrapassar os 20;
Contudo, por aplicação do nº 3 da Cláusula ora em apreço, a indemnização será sempre reduzida a 45 dias de retribuição de base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, pelo que, por reporte à presente data, aquele valor ficaria reduzido a €75.960,00 (€2.458,30 + €73,70) x 1,5 x 20 anos.
O cálculo será actualizado até ao trânsito em julgado, em conformidade com o que vier a liquidar-se – Cl. 101º, nº 1.” (sic)
Decidindo
Nos termos do disposto no art. 439º do CT, “1- Em substituição da reintegração pode o trabalhador optar por uma indemnização, cabendo ao tribunal fixar o montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artigo 429º.
2- Para efeitos do número anterior, o tribunal deve atender a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
3- A indemnização prevista no nº1 não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.” (sic)
A indemnização de antiguidade por despedimento ilícito tem, por um lado, um cariz reparador, associado à ideia de obtenção pelo trabalhador de uma compensação pela perda de emprego, e por outro lado, assume uma natureza sancionatória da actuação ilícita do empregador.
Na fixação do número de dias de retribuição que servem de base ao cálculo da indemnização por antiguidade, deve ter-se em consideração o valor de retribuição e o grau de ilicitude do despedimento.
Relativamente ao cômputo da antiguidade, o legislador atendeu àquela que o trabalhador teria à data do trânsito em julgado da decisão judicial que vier a ser proferida na acção de impugnação de despedimento e não à data da sentença da 1.ª instância.
Seguindo o mesmo critério, também a retribuição a considerar para efeitos desse cálculo é aquela que o trabalhador auferiria à data do trânsito em julgado da decisão. De facto, considerando o desiderato que se pretende alcançar com a indemnização em causa e supra referido, não surpreende que o valor a atender espelhe a evolução contratual da relação jurídico-laboral do trabalhador, pois a actividade deste não surge, juridicamente, como uma pluralidade de actos mas como uma unidade lógica que se define a partir dos fins propostos pelo dador de trabalho e que exprime, não apenas uma série de actos de vontade, mas uma disposição global e contínua do agente. Daí que, como afirma Monteiro Fernandes, o tempo seja um dos factores mais influentes na fisionomia da relação de trabalho concreta e mesmo na conformação da disciplina jurídica que a tem por objecto.
Ao caso tem também aplicação o ACV das Instituições de Crédito Agrícola Mútuo publicado in BTE n° 48, 1ª Série de 29 de Dezembro de 2006.
Nos termos da cláusula 101ª desse IRC, sob a epígrafe “Consequência da nulidade das sanções”, “1 — A nulidade da sanção disciplinar implica a manutenção de todos os direitos do trabalhador, nomeadamente quanto a férias e retribuição.
2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, a nulidade da sanção disciplinar constitui a instituição na obrigação de indemnizar o trabalhador nos termos seguintes:
a) Se a sanção consistiu em despedimento e o trabalhador não optar pela reintegração na empresa, além das prestações pecuniárias que deveria ter normalmente auferido desde a data do despedimento até à data da sentença, o trabalhador tem direito:
i) Se tiver menos de 6 anos de serviço, ao correspondente a um mês de retribuição por cada ano completo, não podendo ser inferior a três meses;
ii) Se tiver 6 anos de serviço e menos de 11, ao que lhe competir por efeito da alínea i) mais o correspondente a um mês de retribuição por cada ano completo de serviço além de 5;
iii) Se tiver 11 ou mais anos de serviço, ao que lhe competir por efeito da alínea i) mais o correspondente a dois meses de retribuição por cada ano completo de serviço além de 10;
iv) Se tiver mais de 35 anos de idade e, pelo menos, 11 anos de serviço, a indemnização, calculada nos termos da alínea iii), será acrescida de dois, três, quatro ou cinco meses de retribuição, conforme o tempo de serviço for até 15, 20, 25 ou mais de 25 anos de serviço;
b) Tratando-se de sanção abusiva, e se esta tiver consistido no despedimento, a indemnização não será inferior ao dobro da prevista na alínea a);
c) Tratando-se de sanção pecuniária ou suspensão abusivas, a indemnização será igual a 10 vezes a importância daquela ou da retribuição perdida.
3 — As indemnizações previstas na alínea a) do n.º 2 não poderão, em cada caso, exceder o montante correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades
por cada ano completo ou fracção de antiguidade do trabalhador.” (sic)
 O art. 383º do CT, sob a epígrafe “Natureza imperativa”, estabelece, no seu nº1, que “O regime fixado no presente capítulo não pode ser afastado ou modificado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por contrato de trabalho, salvo o disposto nos números seguintes ou em outra disposição legal”(sic), consagrando assim a regra da imperatividade do regime geral da cessação do contrato de trabalho, que não pode ser afastado ou modificado, ainda que a benefício do trabalhador, porém com as excepções que resultam dos seus nºs 2 e 3, entre elas, e para o que ao presente caso importa, permitindo-se que os IRC regulem os critérios de definição de indemnizações e os valores destas, mas, neste caso, balizados dentro dos limites do CT.
 Como refere Romano Martinez, (in Código do Trabalho Anotado, 2ª edição revista, 2004, pág. 572), em anotação ao art. 383.º, “Os valores de indemnização só podem ser alterados dentro dos limites fixados no Código do Trabalho. Como normalmente são limites mínimos, por convenção colectiva não se podem estabelecer montantes inferiores; porém, do Código do Trabalho resultam igualmente limites máximos (art.º 439.º) que não podem ser ultrapassados. (...).” (sic)
A questão a decidir é a de determinar qual o conceito de retribuição a atender para efeitos do cálculo da indemnização em substituição da reintegração.
Improcede desde logo a pretensão do Autor de ver atendido o montante remuneratório que auferiu enquanto exerceu funções de vogal do Conselho de Gestão da Ré, pelas razões descritas no ponto 3. deste acórdão e porque não era essa a remuneração que auferia à data do seu despedimento.
Nos termos do disposto no art. 249º do CT “1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2- Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 – Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.” (sic)
    E o art. 250º estabelece que, “1 - Quando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades.
2 – Para efeitos do disposto no nº anterior, entende-se por:
a) Retribuição base - aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido;
b) Diuturnidade - a prestação pecuniária, de natureza retributiva e com vencimento periódico, devida ao trabalhador, nos termos do contrato ou do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, com fundamento na antiguidade. (sic)
      A cláusula 71.ª do ACTV define, nos seus nºs 1 a 3 o conceito de retribuição, nos seguintes termos:
     “ 1 - Só se considera retribuição aquilo a que nos termos deste acordo, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
      2 - A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
      3 - Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da instituição ao trabalhador, em dinheiro ou em espécie.” (sic)
   Finalmente na cláusula 73.º do ACTV que consigna as regras para cálculo da retribuição horária e diária, a saber,  “1. A retribuição horária é calculada segundo a seguinte fórmula:
Rm x 12 / 52 x n
sendo
Rm o valor da retribuição mensal;
n o período normal de trabalho semanal.
      2. A retribuição diária é igual a 1/30 da retribuição mensal.” (sic)
Da análise dos regimes legal e convencional decorre que, em ambos, apenas se excluem do conceito de retribuição as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, por instrumento de regulamentação colectiva, por contrato individual ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador ou uma situação de disponibilidade deste para essa prestação, prestações que tenham, pois, uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho.
A questão é que, enquanto o CT manda determinar a indemnização por antiguidade com referência à retribuição base, a mencionada cláusula 101ª, ao referir-se apenas à retribuição, sem restringir o seu conceito, remete-nos para o conceito de retribuição em sentido amplo, a que supra nos referimos.
Ao contrário do referido pela primeira instância, entendemos que a redacção do nº1 dessa cláusula não afasta esta interpretação, pois aí se refere, como regra geral referente às consequências da nulidade da sanção disciplinar, que a mesma implica a manutenção de todos os direitos do trabalhador, nomeadamente quanto à retribuição, e não se vendo como o teor da alínea a) do nº2, quando se refere às prestações pecuniárias, possa levar-nos a concluir que em causa está o conceito de retribuição em sentido restrito.
Dado que o art. 383º do CT permite que o critério de definição da indemnização seja regulado pelo IRC, e considerando que o IRC aplicável prevê como critério de definição da indemnização, entre outros, a retribuição em sentido amplo, será a este o tido em conta (no mesmo sentido o Acórdão desta Relação de 23-02-2011 - Processo 86/07.7TTBRR.L1-4, citado pelas partes, e aqui seguido de perto, face ao acerto e pertinência da sua fundamentação).
E assim sendo, e considerando que não está causa no presente recurso o carácter remuneratório das parcelas que o Autor recebia, para efeitos do cálculo da indemnização em causa, deve atender-se à retribuição-base, ao complemento remuneratório, às diuturnidades, à retribuição especial por I.H.T., ao abono de valor compensatório, ao subsídio infantil, ao subsídio de almoço por dia de trabalho, e à quantia respeitante ao plafond para despesas pessoais, valores que, à data do despedimento eram respectivamente de 2.458,30, 278,57 €, 73,70 €, 1.324,98 €, 889,38 €, 22,63 €, 179, 52 € (8,16 € x22), 614,17€ (7.370€ :12), num total de 5.841,25€, para além do valor respeitante à viatura, cuja determinação foi relegada para posterior liquidação.
Quanto ao alegado subsídio de estudo, o mesmo não foi referido na p.i., tratando-se de questão nova de que não cumpre conhecer, improcedendo, nesta parte, o recurso.
Cumpre considerar, com interesse para o cálculo da indemnização, que o Autor nasceu a 23-05-1960, o que significa que tem mais de 35 anos, e que foi admitido ao serviço da Ré em 14 de Dezembro de 1992, sendo despedido em 16 de Novembro de 2005, pelo que, a esta data contava com 12 anos, 11 meses e 2 dias de antiguidade.
Deve ainda considerar-se, para efeitos da determinação da retribuição base, sem prejuízo de futuras alterações até ao trânsito em julgado da decisão, que actualmente tem aplicação o ACT publicado in BTE nº2 de 15-01-2011. E ainda que, até à presente data, e desde o despedimento, o Autor adquiriu duas diuturnidades (cfr. art. 81º nº3 do IRC).
Proceder-se-á então da seguinte forma ao cálculo da indemnização devida ao Autor, tendo porém em consideração a antiguidade deste à data do trânsito em julgado da decisão e a retribuição, nas suas várias componentes, que receberia a essa data, caso se mantivesse ao serviço:
- 1 mês de retribuição por cada ano completo de serviço;
mais
- 2 meses de retribuição por cada ano de serviço, além de 10 anos;
mais
- 3 meses de retribuição (se considerarmos a antiguidade à presente data, mas que deve ser ajustável à data do trânsito).
Tudo com o limite correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade do trabalhador.
Relega-se para liquidação posterior a quantificação da indemnização, dado que a mesma depende da data do trânsito em julgado da sentença.
Em face do exposto, procede parcialmente o recurso do Autor.
7. Analisemos agora se o tribunal a quo errou no cálculo das retribuições intercalares
O Autor insurge-se quanto a esta matéria, desde logo pelo facto de a sentença não atender ao valor da retribuição que auferiu enquanto vogal do CBI.
Esta questão já foi decidida supra, nada mais havendo nesta sede a acrescentar, improcedendo o recurso, nesta parte.
Quanto aos demais montantes referidos no recurso, os mesmos resultam das tabelas em vigor e deverão ser atendidos até ao trânsito em julgado da decisão (cfr. art. 437º nº1 do CT), tendo em consideração naturalmente a evolução dessas retribuições até esse momento, relegando-se para momento posterior a sua liquidação.
7.1. Cumpre agora decidir se têm lugar os descontos a que se refere o art. 437º nº2 e 3 às retribuições intercalares.
Como referidos no ponto 1. a questão das deduções a que se referem os preceitos legais em causa não é de conhecimento oficioso, sendo certo que, nos presentes autos, a Ré não alegou quaisquer factos que permitam concluir que o Autor obteve, desde o despedimento, quaisquer importâncias que não obteria se não fosse o despedimento.
Revoga-se, nesta parte a sentença.
8. Analisemos agora se o tribunal a quo errou ao considerar o benefício pela utilização da viatura para fins pessoais como retribuição
A Ré, quanto a esta questão, pugna desde logo pela alteração da resposta à matéria de facto vertida no quesito 81º, sendo que, conforme decidido supra, este Tribunal não conheceu do recurso nesta parte, por incumprimento dos requisitos legais de impugnação.
Alega ainda a Ré que o Autor, da utilização da viatura no fundo não retirava qualquer vantagem pessoal, pelo que não deve ser a mesma tida como retribuição para quaisquer efeitos, dado que a vantagem que este teve foi o benefício que lhe adveio por ter adquirido a viatura por 10% do preço da aquisição.
A sentença recorrida decidiu que
Consequentemente, pelas razões supra mencionadas, entendemos que o Autor tinha uma retribuição acrescida resultante do uso do veículo – uso esse que o Autor fazia não por mera tolerância da Ré mas porque a própria Ré se vinculou a tanto ao conceder-lhe logo esse direito como contrapartida do seu trabalho, a título de prestação contratual.
Ademais, provada que estava a prestação, recaía sobre a Ré o ónus de demonstrar que se tratava de uma mera liberalidade ou acto de mera tolerância – o que não sucedeu - v.g. arts. 82º, nº 3 da LCT e 249º, nº 3, do Cód. do Trabalho/2003 e, no mesmo sentido do que agora se expôs, o ac. do STJ de 12/04/2012 proferido no âmbito do processo nº 176/1998.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
Porém, o Autor não conseguiu demonstrar o valor da vantagem patrimonial -nem os indicados €900,00 mensais nem um outro qualquer.
Porque assim é, mostra-se impossível fixar desde já o valor a pagar ao Autor, razão pela qual importará dar cumprimento ao artigo 661º, nº 2, do Código de Processo Civil, condenando-se a Ré a pagar-lhe o montante que vier a apurar-se em posterior liquidação, até ao limite dos peticionados €900,00.” (sic)
Decidindo
Como se afirma no Ac. do STJ de 30-04-2014 – Proc. 714/11.00TTPRT.P1.S1 – “Sobre a questão de saber se o uso de veículo automóvel atribuído ao trabalhador pelo empregador tem ou não natureza retributiva, este Supremo Tribunal tem seguido a orientação de que a atribuição de veículo automóvel, com despesas de manutenção a cargo do empregador, para o serviço e uso particular do trabalhador, constitui ou não retribuição, conforme se prove que o empregador ficou vinculado a efectuar essa prestação ou a referida atribuição configura um acto de mera tolerância (cf., sobre esta problemática, o Acórdão, de 5 de Março de 1997, em Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano V, tomo I, p. 290, e, ainda, os Acórdãos, de 3 de Maio de 2000, Processo n.º 342/99, de 24 de Outubro de 2001, Processo n.º 3917/2000, de 20 de Fevereiro de 2002, Processo n.º 1963/2001, de 15 de Outubro de 2003, Processo n.º 281/2003, de 19 de Outubro de 2004, Processo n.º 2601/2004, de 21 de Abril de 2010, Processo n.º 2951/04.4TTLSB.S1, e de 27 de Maio de 2010, Processo n.º 684/07.9TTSTB.S1, todos da 4.ª Secção).” (sic)
No presente caso, com interesse para a decisão resultou provado que desde a admissão na Ré que ao Autor foi disponibilizada uma viatura na qual se deslocava de e para o serviço, e usava aos fins-de-semana e nas férias, sendo que os encargos com impostos, manutenção, seguro e parte do combustível eram suportados pela Ré (cfr. pontos 73., 78., 79., 81., e 83. da matéria de facto provada)
Mais uma vez citando o aludido acórdão do STJ, com inteira pertinência ao caso, face à semelhança das situações, “Perante a matéria de facto provada, impõe-se concluir que a atribuição ao autor de veículo automóvel assume natureza retributiva, uma vez que a empregadora, ao conferir àquele o direito de utilização do veículo na sua vida particular, incluindo em fins-de-semana e férias, e ao suportar os respectivos encargos, designadamente, com a sua manutenção, seguros, portagens e combustível, ficou vinculada a efectuar, com carácter de obrigatoriedade, essa prestação.
Trata-se de uma prestação em espécie com carácter regular e periódico e um evidente valor patrimonial, que assume natureza de retribuição, nos termos dos artigos (…) 249.º do Código do Trabalho de 2003 (…), beneficiando, por isso, da garantia de irredutibilidade, prevista nos artigos (…) 122.º, alínea d), do Código do Trabalho de 2003 (…)
Aliás, assumindo aquela atribuição de veículo automóvel a natureza de uma prestação regular, será de presumir como retribuição, nos termos do preceituado nos artigos (…) 249.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003 (…). Esta presunção legal é uma presunção juris tantum, que importa desde logo a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a parte adversa a prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido (artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, n.os 1 e 2, do Código Civil); portanto, competia à recorrente provar que o uso de veículo automóvel atribuído ao autor se tratava de mera liberalidade ou de um acto de mera tolerância, ónus que não se mostra cumprido.”(sic), prova esta que a Ré nestes autos não logrou alcançar.
Em face do exposto, nesta parte, não merece censura a sentença recorrida, improcedendo o recurso.
9. Vejamos agora se o tribunal a qual errou na fixação do quantum dos danos não patrimoniais.
A sentença fixou a indemnização a este título em 10.000€.
Fundamenta-se nos seguintes termos
No que agora interessa, resultou demonstrado que toda esta situação descrita
causou ao Autor humilhação, indignação, sentimento de injustiça e perturbação do sono. E, de facto, ponderado o quadro concreto de uma pessoa que exerceu altos cargos na Ré e nas suas participadas, visto pelos seus pares como um profissional de mérito e a ter de se submeter aos actos ilícitos narrados nos autos que foram certamente do conhecimento da comunidade/grupo empresarial, somos do entendimento que os danos provocados se mostram suficientemente graves, exigindo por isso a intervenção do Direito.” (sic)
O Autor peticiona a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 40.000€, em consequência da violação do dever de ocupação efectiva por parte da Ré e em consequência da ilicitude do despedimento.
A Ré contra alega, afirmando que, com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, é incompreensível a condenação por danos morais já que o artigo 439º nº1 permite que o tribunal fixe o montante da indemnização por despedimento entre 15 e 45 dias da retribuição (base e diuturnidades), devendo o juiz atender para o efeito nomeadamente ao grau de ilicitude.
Por um lado, esta questão não pode já ser discutida em sede de recurso dado que o que está em causa é apenas o quantum da indemnização e sendo certo que o recurso da Ré não incide sobre esta matéria. Por outro lado, sempre se trataria de uma questão nova, que não foi abordada nos articulados e, portanto, também por essa via, não se poderia este tribunal pronunciar acerca da mesma.
Relativamente à pretensão do Autor, como se sabe, a mesma inscreve-se no instituto da responsabilidade civil por acto ilícito, importando a verificação de todos e cada um dos pressupostos previstos no art. 483º do Código Civil, a saber: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
No presente recurso, contudo, apenas está em causa o valor da indemnização arbitrado.
Quanto aos danos de natureza não patrimonial, o artigo 496º nº1 do C.Civil dispõe que, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Essa gravidade, como ensina Antunes Varela, deve “medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” (sic das Obrigações em Geral, 10º edição, pág. 606).
Deve assim sopesar-se as circunstâncias concretas do caso, para averiguar se o dano justifica a concessão de uma satisfação de natureza pecuniária ao lesado.
Sendo a gravidade do dano moral um conceito relativamente indeterminado, que merece um preenchimento valorativo individualizado, caso a caso, sempre por referência ao substrato factual apurado. Porém, ainda que sopesando as circunstâncias do caso concreto, a avaliação da severidade do dano deve ser efectuada, por um lado, à luz de um padrão objectivo – num quadro de exclusão, tanto quanto possível de subjectividade inerente a alguma especifica sensibilidade humana do lesado – e, por outro lado, em função da tutela do direito, devendo, pois, o dano ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação pecuniária do lesado” (sic Ac STJ de 12-03-2009 – Proc. 08B2972 in www.dgsi.pt).
Não justificam tal indemnização os simples incómodos e contrariedades.
O nº3, 1º parte desse preceito legal, manda fixar o montante da respectiva indemnização equitativamente.
O recurso à equidade deve-se ao facto de ser difícil, se não mesmo, muitas vezes, impossível a prova do montante dos danos não patrimoniais. Contudo, “o facto de a lei, através da remissão feita no artigo 496º nº3 para as circunstâncias mencionadas no artigo 494º, ter mandado atender, na fixação da indemnização, quer à culpa, quer à situação económica do lesante, revela que ela não aderiu, estritamente, à tese segundo a qual a indemnização se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude da lesão. Mas também a circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro carácter sancionatório.
A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar; no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.” (sic A. Varela, ob citada, pág. 607 e 608).
Equidade não significa arbitrariedade e a indemnização deve traduzir a justiça do caso concreto, devendo o julgador “ter em conta as regras da boa prudência, do bom sendo prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida” (sic. P.Lima e A.Varela, C.Civil anotado, vol I, pág. 501).
Como se refere no Ac. do STJ de 15.11.20011, “Em direito laboral, para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador de provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável” (Proc.º n.º 588/08.87TTVNG.P1.S1, Pereira Rodrigues, disponível em sumários de acórdãos de 2011,www.stj.pt; no mesmo sentido o Acórdão do STJ de 19 de Abril de 2012, Proc.º 1210/06.2TTLSB.L1.S, Gonçalves Rocha, este disponível em http://www.dgsi.pt/jstj).
 Com interesse para a decisão cumpre considerar os seguintes factos: o Autor é um economista reputado e experiente nas áreas ligadas à banca em geral e ao crédito agrícola em particular, é docente universitário, ininterruptamente, desde 1986, sendo actualmente Professor Auxiliar Convidado da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (cfr. pontos 8. e 9. da matéria de facto).
No quadro da Ré, o Autor exerceu funções com a categoria de Director, foi membro do Conselho de Gestão (órgão dependente directo da Administração), foi membro do Conselho Provisório da Ré durante 2 meses (em 2002), foi Director Provisório da CCAM do Algarve, foi Administrador do CBI (Central Banco de Investimento), foi Director do Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo (cfr. pontos 12., 19., 24., 27., 28. da matéria de facto).
O Autor era uma pessoa conceituada na Ré (ponto 142. da matéria de facto)
Após 30 de Junho de 2002, a Ré não atribuiu ao Autor quaisquer funções, não lhe disponibilizando mesmo gabinete, secretária ou cadeira, aliás, o Autor nem entrava nas instalações da Ré. Assim, o mesmo não tinha quaisquer funções atribuídas pela Ré ou pela sua participada CBI ou ainda em qualquer Caixa Agrícola ou outro organismo ligado ao Crédito Agrícola Mútuo (cfr. pontos 31., 32., 33., 36., 37.41. da matéria de facto).
O nome do Autor deixou de fazer parte do organigrama da Ré, foi desactivada a conta de correio electrónico que esta disponibilizava ao Autor, deixando este de ter acesso à rede informática interna daquela (cfr. pontos 38., 39. e 40. da matéria de facto).
Deixou de ser procurador autorizado da Ré, tendo a sua assinatura sido eliminada do livro oficial de mandatários desta, o que foi comunicado a todas as instituições financeiras do país por meio do envio de uma lista com os nomes dos procuradores onde não constava o nome do Autor (cfr. pontos 42. e 43. da matéria de facto).
O Autor sentiu-se humilhado perante os outros trabalhadores e colaboradores da Caixa Ré (cf. ponto 44. da matéria de facto)
Os processos de inquérito e disciplinar e o despedimento provocaram no Autor indignação. Sentiu-se e sente-se injustiçado. Teve perturbações do sono. Sentiu-se humilhado (cfr. pontos 136. a 139. da matéria de facto.)
A matéria factual permite concluir que estamos perante duas situações distintas, ainda que interligadas:
- Por um lado - e porque o direito a indemnização por danos não patrimoniais não tem que reportar-se exclusiva e necessariamente aos efeitos de despedimento ilícito, podendo também sustentar-se na violação culposa dos deveres contratuais por parte da entidade patronal durante a vigência do contrato - a violação, por banda da Ré, do dever de ocupação efectiva do Autor, sem que tenham resultado provados quaisquer factos que a justifiquem ou mesmo expliquem. Estamos a falar de um trabalhador qualificado, que ocupou dos mais altos cargos da instituição Ré, e que se vê privado de quaisquer funções ou até do acesso a um gabinete.
Ainda neste âmbito, cumpre ter em consideração que não se questiona que a Ré tenha perdido confiança no Autor e que, portanto, o tenha excluído do livro oficial de mandatários e o tenha afastado das funções de procurador oficial. Trata-se de funções cuja manutenção depende exclusivamente da vontade da Ré, pois traduzem um grau de confiança que não pode integrar qualquer obrigação da sua manutenção quando esse grau de confiança desaparece. Portanto, trata-se de factos que não têm qualquer relevância para efeitos de determinação de uma qualquer indemnização.
Já a retirada de quaisquer funções, ou mesmo de gabinete, secretária e cadeira e a omissão do nome do Autor no organigrama da Ré, são de molde a causar a humilhação por que o Autor passou, tanto mais que era pessoa conceituada no interior da instituição, embora não tenha resultado provado que, na sequência dos factos elencados tenha sido prejudicado na sua reputação.
Os factos provados permitem concluir, sem qualquer dúvida, que a Ré, quanto aos acontecimentos ocorridos antes do despedimento, agiu intencionalmente, e por forma a demonstrar ao Autor que ele já não tinha lugar no seu seio e que não o reconhecia como Director. Fê-lo através de condutas que tiveram o propósito claro de o pressionar, sujeitando-o a um tratamento que não podemos deixar de reputar como ofensivo da dignidade e que o humilhou perante os demais trabalhadores.
Finalmente, no que respeita à gravidade do dano, deverá ponderar-se que até ao despedimento o Autor foi sujeito continuamente às referidas condições durante cerca de dois anos, o que não pode deixar de considerar-se, com fundamento nos factos provados, como causador de assinalável desgaste psicológico.
- Por outro lado, a existência de um procedimento disciplinar que culminou num despedimento ilícito, ambos a causarem humilhação e perturbações no sono, tratando-se de danos que merecem a tutela do direito, atentas as circunstâncias em particular do caso, embora não se considerem especialmente graves se tomarmos em conta que são a consequência normal e típica para qualquer trabalhador que passe por um despedimento ilícito.
A indignação e o sentimento de injustiça são próprios da existência de uma situação desta natureza, não surgindo como danos suficientemente graves para serem ressarcidos.
A Ré é uma grande empresa e o Autor gozava de uma situação económica média-alta.
Em face do exposto, entendemos que a fixação da indemnização por danos não patrimoniais em 10.000€ foi equilibrada e ajustada, não merecendo censura a sentença recorrida, nesta parte.
                                                   +
VI – Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar
1. Totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré, Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L.
2. Parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor, AA, e, em consequência
2.1. Declara a nulidade parcial da sentença, na parte em que conheceu das deduções a que se refere o art. 437º nº2 e 3 do CT/2003.
2.2. Revoga a sentença na parte em que considera que a retribuição atendível para efeitos da cláusula 101ª nº2 do ACTV celebrado entre a FENACAM — Federação Nacional das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, em representação das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo e da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, por um lado, e os Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas, por outro, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 4, em 29/01/2005, é a retribuição-base, substituindo-a por outra que considera que a retribuição a atender para esses efeitos é a retribuição em sentido amplo, sendo o cálculo da indemnização em substituição da reintegração aferida com base nessa retribuição, e relegando-se o seu apuramento para liquidação posterior.
2.3. Ordena que, no cálculo das retribuições intercalares se considere as retribuições em vigor à data do trânsito em julgado da decisão, bem como as diuturnidades vencidas a essa data.
2.4. Revoga a sentença na parte em que ordena se proceda às deduções a que se refere o art. 437º nº2 e 3 do CT/2003.
3. Em tudo o mais mantém-se integralmente a sentença recorrida.
Recurso da Ré: custas a cargo da Ré.
Recurso do Autor: Custas a cargo de Autor e Ré na proporção do respectivo decaimento.
Registe.
Notifique.

Lisboa, 25 de Março de 2015

Paula Santos
Ferreira Marques (vencido conforme declaração de voto junta)
Maria João Romba
Declaração de voto

No domínio do anterior do DL 372-A/75, de 16/7, face ao preceituado no seu art. 12°, n.° 2, a jurisprudência entendia, quase unanimemente, que quaisquer rendimentos auferidos pelo trabalhador, noutras actividades, desde a data do despedimento até à data da sentença, nunca seriam deduzidos nas retribuições intercalares.
Entendia-se, assim, que o art. 12° do DL 372-A/75, de 16/07, tinha um carácter sancionatório e não meramente ressarcitório. A declaração de nulidade do despedimento tinha eficácia retroactiva, operava ex nunc, tudo se passando como se a relação laboral jamais tivesse sido interrompida (art. 289° do CC). As partes deviam, por isso, ser colocadas na posição em que estariam se não tivesse ocorrido o despedimento, "em ordem a que, na medida do possível, a situação fosse reposta in pristinum - no statu quo ante (cfr. Rui Alarcão, "A Confirmação dos Negócios Anuláveis", 1971, pág. 76).
Em suma: na vigência daquele diploma legal, a declaração de invalidade do despedimento impunha que se reconstituísse, em matéria de retribuição, a situação do trabalhador, perante a entidade empregadora, sendo para este efeito totalmente irrelevante aquilo que tivesse ocorrido quanto à situação extracontratual do trabalhador na pendência da acção judicial" (cfr. Leal Amado, Questões laborais, n. ° 1, pág. 44).
Com a entrada em vigor do DL 64-A/89, de 27/02 [LCCT], e mais tarde, com os Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, o legislador estabeleceu algumas restrições ao dever de pagar as retribuições ao trabalhador, desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal (salários intercalares ou salários de tramitação).
Tal decorre, desde logo, do preâmbulo do primeiro diploma referido, segundo o qual, a propósito do despedimento ilícito, se mantém "... a prática de impor à entidade empregadora o pagamento das retribuições vencidas até à data da sentença judicial que o declare improcedente. No entanto, estabelecem-se restrições em Junção da inércia do trabalhador e de eventuais remunerações que tenha auferido pelo exercício de actividade profissional posterior ao despedimento. Tenta-se, por isso, neste ponto, aproximar tanto quanto possível aquele montante ao prejuízo efectivamente sofrido pelo trabalhador e evitar situações de dupla fonte de rendimentos, socialmente injustificados " (negrito nosso).
Da redacção da alínea b) do n.° 2 do art. 13° do DL 64- A/89 e do seu preâmbulo resulta claramente que o legislador impõe a dedução de todas as quantias que o trabalhador angarie como rendimento do trabalho, em actividades iniciadas depois do despedimento, desde que e só na medida em que, as mesmas quantias se devam considerar benefício normal resultante de um grau médio de diligência do trabalhador, no aproveitamento das energias laborais libertadas pelo despedimento, no mercado de trabalho em que está, concretamente, inserido (cfr. Vítor Ribeiro, Revista do M°P°, n.°41, pág. 189).
O mesmo sucedeu com o CT/2003 (art. 437°) e mais tarde com o CT/2009 (art. 390).
Inserem-se, assim, na referida categoria, os rendimentos provenientes não apenas do trabalho prestado em regime de subordinação jurídica, ao abrigo de novo contrato de trabalho entretanto celebrado, mas das múltiplas modalidades que juridicamente a prestação de trabalho pode assumir: trabalho autónomo no quadro de um contrato de prestações de serviços, de um contrato de sociedade, ou de um contrato de mandato, trabalho subordinado ao abrigo de um contrato de associação em participação, entre outras.
Mas devem considerar-se afastadas deste âmbito todas as quantias que o trabalhador auferiu durante o período intercalar e que não apresentem qualquer conexão relevante com a exoneração da prestação laboral por este devida.
A sentença recorrida procedeu, assim, correctamente, ao mandar deduzir nas retribuições intercalares que o trabalhador tem direito a receber, os rendimentos do trabalho por ele eventualmente auferidos e/ou o subsídio de desemprego que eventualmente lhe foi atribuído, de forma a aproximar tanto quanto possível aquele montante ao prejuízo efectivamente sofrido pelo trabalhador e evitar situações de dupla fonte de rendimentos, socialmente injustificadas, ou situações de enriquecimento sem causa.
Em nosso entender, tal dedução, imposta por uma norma de natureza imperativa, pode ter lugar mesmo que na sentença de condenação por despedimento ilícito não tenha sido expressamente ordenada ou relegada para liquidação em execução de sentença, ainda que seja aconselhável que a sentença o faça, como chamada de atenção para os termos da lei, mesmo na hipótese de se desconhecer se o trabalhador auferiu ou não dos rendimentos referidos. Até porque, não raras vezes, entre o encerramento da discussão e a data da sentença decorrem largos dias (às vezes até meses), sempre sendo de admitir a eventualidade de o trabalhador despedido entretanto ter retomado uma actividade, por conta própria ou alheia, dela auferindo rendimentos, que não podem deixar de cair dentro da alçada dos arts. 437° do CT/2003 e 390° do CT/2009.
É, por isso, conveniente que o julgador, procedendo à liquidação das remunerações intercalares ou relegando-a para execução de sentença, advirta de que as mesmas estão sujeitas às deduções dos rendimentos do trabalho, eventualmente existentes e a liquidar, se necessário, em execução de sentença, mesmo que as partes não tenham suscitado a questão, atendendo a que o tribunal deve conhecer oficiosamente desta matéria. Além de que numa acção de impugnação de despedimento ilícito que mereça procedência, cabe ao legislador, ao chamar à colação os fundamentos de direito, explicitar as prestações devidas ao trabalhador em face da lei, e bem assim as deduções que se impõem ao abrigo do preceito acima transcrito.
Porém, se o não fizer, nem por isso tais deduções deixam de ser admissíveis, como nem podia deixar de ser, sob pena de se cair num total arbítrio, já que as mesmas se impõem por força da lei. De resto como sucede com outras deduções legais que Decaem sobre a retribuição, v.g., os descontos para a Segurança Social. Ainda que, convenhamos, as deduções em apreço careçam de ser definidas, em sede de acção ou de execução, ou até em mero convénio extrajudicial.
O princípio que é necessário ter presente é o de que se o trabalhador tiver auferido rendimentos do trabalho durante o período a que se reportam as remunerações intercalares, a lei não lhe confere direito a estas por inteiro, mas a estas subtraídas daqueles rendimentos. De modo que o trabalhador ao deduzir o pedido de tais remunerações ou ao proceder à liquidação destas em execução de sentença, deve fazê-lo de harmonia com o direito que lhe assiste, pois a lei não lhe permite formular pedidos ilegais ou deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, impondo—lhe ainda o dever de cooperar com vista à justa composição do litígio.
Daí que não nos pareça rigoroso afirmar-se, como se afirma no acórdão, que a alegação e prova do factualismo para a dedução referida caiba à entidade empregadora sob pena de assistir ao trabalhador o direito aos salários na íntegra, pois não é assim que o direito se mostra constituído. Mesmo nos casos em que a entidade empregadora não alegue e prove esses factos, o juiz não fica impedido de o fazer, já que lhe compete aplicar correctamente o direito e fixar-lhe uma indemnização em função do dano que o trabalhador efectivamente sofreu (e não em função dos factos que a entidade empregadora deixou de alegar e provar). Para nós, a alegação e prova de factos por parte da entidade empregadora em vista a diminuir o montante indemnizatório a pagar a título de retribuições, não corresponde à invocação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do trabalhador (art. 342°, n.° 2 do Cód. Civil), mas tão só ao exercício da faculdade processual da contraparte de efectuar a contraprova a respeito dos factos que tenham sido alegados pelo trabalhador sobre essa a matéria (art. 346° do Cód. Civil).
Aliás, a teoria oposta à que aqui se defende não dá resposta para as situações que não são tão raras como se poderia pensar, de a sentença ser proferida longos meses depois de realizada a audiência e encerrada a discussão, nem explica por que razão o juiz, ao verificar que a acção de impugnação não foi proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, pode, oficiosamente, fazer a dedução prevista no n.° 4 do art. 437° CT/2003 e na alínea c) do n.° 2 do art. 390° do CT/2009, isto é, pode deduzir o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até ao 30° dia anterior ao da data da propositura da acção, como é prática corrente nos nossos tribunais, mesmo que essa dedução não tenha sido requerida pelas partes e já não pode fazer, oficiosamente, a dedução das retribuições previstas
no n.° 2 do art. 417°do CT/2003 e na alínea a), do n.° 2 do art. 390° do CT/2009, sendo certo que a lei, para estes efeitos não faz qualquer distinção entre as referidas deduções.
Confirmaria, por isso, a sentença recorrida, nesta parte.



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