Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1074/18.3T8VFX-A.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: ATRIBUIÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
RENDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. A nulidade da sentença por falta de indicação dos fundamentos de facto e de direito a que alude o art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC decorre de um vício formal da mesma, que não se confunde com a omissão ou falta de ponderação pelo tribunal de elementos considerados relevantes pela parte, omissão que leva à sua discordância com a decisão e com a solução sobre o mérito da ação.
2. A atribuição da casa de morada de família a título gratuito e por isso, sem que a mesma seja dada de arrendamento a um dos cônjuges, só pode ter lugar quando se trate de uma medida provisória determinada pelo tribunal ao abrigo do art.º 931.º n.º 7 do CPC.
3. Estando em causa um pedido de atribuição da casa de morada de família a título definitivo, nos termos do art.º 990.º do CPC, se o tribunal entender que o ex-cônjuge tem necessidade da mesma, ou que tal corresponde ao interesse dos filhos do casal, ouvidas as partes, tem de constituir um arrendamento sobre o imóvel, estabelecendo uma quantia a título de renda, como contrapartida do seu uso exclusivo, conforme previsto no art.º 1793.º do C.Civil.
4. O tribunal, na constituição do arrendamento e na determinação das suas condições ao abrigo do disposto no art.º 1793.º n.º 2 do C.Civil, e em particular na fixação da renda, não está vinculado ao valor do imóvel no mercado de arrendamento, antes não pode deixar de ter em conta as circunstâncias do caso concreto e a situação das partes, o que se impõe pela natureza do arrendamento em causa, que não pode ser visto como uma relação meramente comercial, mas antes surge num contexto de proteção do cônjuge com uma posição mais frágil e dos filhos do casal, quando existam.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.  Relatório
Vem Hermínia Maria … intentar o presente incidente de atribuição da casa de morada de família, contra Alexandre …, por apenso à ação de divórcio que correu termos, pedindo que lhe seja atribuído definitivamente o uso da casa de morada de família.
Alega, em síntese, que casou com o R. em 10 de outubro de 1987 e, que até à saída voluntária do mesmo de casa em 18 de novembro de 2017, viviam juntos na casa morada de família sita no imóvel que identifica. Desde então a Requerente permanece e habita sozinha na mesma, não dispondo de outra habitação. O R. foi viver para outra habitação alternativa de que dispõe, onde ainda hoje se encontra, tendo ainda recebido uma herança, pelo que é proprietário de um bem imóvel onde reside sem custos. A Requerente não tem outro sítio para viver, nem tão pouco dispõe de meios económicos para comprar ou tomar de arrendamento outra casa, pois não exerce qualquer profissão, pelo que não tem meios próprios de sustento, tem a 4ª classe, não tem qualquer experiência profissional e está fora do mercado de trabalho há mais de 30 anos. A situação económica do Requerido permite-lhe comprar ou arrendar casa, mas nem necessita de o fazer, pois já dispõe de outra habitação.
Foi designada e realizada tentativa de conciliação entre as partes que não se revelou possível.
O R. veio apresentar contestação pugnando pela improcedência da ação, mais pedindo que a casa de morada de família lhe seja atribuída, sendo que caso seja atribuída à Requerente deverá ser fixada uma compensação a título de renda não inferior a € 400,00 e deverá aquela ser a responsável, até à venda ou partilha da casa, pelo pagamento das despesas de água, luz, gás, condomínio e IMI.
Alega, em síntese, que a necessidade da casa de morada de família por parte da Requerente não é superior à sua, que não dispõe de outra casa, tendo ido viver para a casa da mãe, onde paga a quantia de € 250,00. Aufere um rendimento mensal liquido de 1.506,46€ e que tem diversas despesas mensais fixas que enumera, fazendo também face ao pagamento da prestação do crédito contraído para a aquisição da Casa de Morada de família, no valor de 265,77€ mensais.
Após a realização de algumas diligências probatórias prévias, procedeu-se a realização da audiência final.
Foi proferida sentença que julgou nos seguintes termos:
“decide-se atribuir o uso e fruição da casa de morada de família sita na Rua Capitão Salgueiro Maia, nº …, …, Sobralinho, propriedade da Requerente e Requerido, à Requerente, até venda ou partilha, mediante contrato de arrendamento de tal imóvel, assumindo o Requerido a qualidade de senhorio, e a Requerente a qualidade de arrendatária, por prazo certo, pelo período de cinco anos, e mediante o pagamento da renda mensal de € 375,87 (trezentos e setenta e cinco euros e oitenta e sete cêntimos), a pagar através de transferência/depósito bancário para conta bancária a indicar pelo Requerido, considerando-se em vigor tal renda desde o dia 12 de Junho de 2018.”
É com esta decisão que a Requerente não se conforma e dela vem interpor recurso pedindo a sua revogação, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A) A decisão recorrida, na parte em que determina a fixação de renda e no aludido montante de cerca de 400€, incorre efectivamente em erro quer quanto à apreciação da produzida, quer quanto ao facto de incorrer em indevida apreciação da prova produzida e em violação dos critérios legais aplicáveis, quer quanto ao facto de incumprir o dever-poder do tribunal em termos de compilação e ponderação da prova.
B) Com o que, desde logo, vai a sentença ferida de nulidade por falta/deficiência de fundamentação.
C) Vejamos:
D) O o único critério de fixação do valor da renda foi o das despesas do imóvel, mas fazer qualquer enquadramento sustentado do que realmente importa:
O valor de mercado de arrendamento imóvel (1),
O facto de se tratar de um bem comum do casal (2),
De só a Requerente necessitar dele para residir (3),
E, sobretudo, as condições financeiras de ambas as partes que revelam à saciedade que a Apelante pouco ou nada pode pagar de renda enquanto que o Apelado pode suportar as despesas do bem sem ter que exigir uma renda e tem a sua situação residencial assegurada (4).
E) Ora, sobretudo relativamente a este último ponto, deu-se como provado o seguinte:
F) A casa é bem comum do casal e o Requerido saiu de casa aquando da separação, dispondo de alternativa habitacional em casa da sua mãe, enquanto que a Requerente continuou lá a viver e não tem outra alternativa;
G) A Requerente nunca exerceu profissão remunerada, pois desde o nascimento do filho, que o casal decidiu que ele trabalharia fora e ela ficaria em casa a cuidar deste e do serviço doméstico;
H) A Requerente tem 54 anos de idade, tem a quarta classe de escolaridade, não tem cartão de condução nem conhecimentos informáticos;
I) A Requerente está fora do mercado de trabalho há 28 anos e tem procurado trabalho na área das limpezas, mas sem sucesso;
J) A Requerente está, portanto, desempregada e vive com a ajuda do filho e apenas assegura a limpeza do condomínio onde vive como contrapartida do não pagamento da prestação mensal;
K) O Requerido, por seu turno, aufere um rendimento mensal líquido no valor de cerca de € 1.800;
L) Não tem assim nenhum cabimento, desde logo, a fixação de uma renda de cerca 375,87€ face à factualidade dada como provada, pois manifestamente não tem a Requerente condições de a pagar.
M) É certo que foi, em outro apenso, fixada à Requerente pensão de alimentos do mesmo valor, mas não se afigura justo nem suficientemente fundamentada esta fixação de igual valor, até porque uma tal renda deveria significar então, e sem conceder, que o Requerido teria de pagar uma maior pensão, de contrário seria, levianamente, “Dar com uma mão e tirar com a outra”.
N) Por outro lado, não se vislumbra que a fixação de tal valor tenha tido em consideração que metade do bem pertence à Requerente/Apelante!
O) Finalmente, nenhuma ponderação é feita ou a nenhuma conclusão se chega também quanto ao valor de mercado de arrendamento do bem.
P) Ora, que este não seja único critério, todos concordamos, agora que seja manifestamente desprezado e mesmo ignorado, isso não se pode admitir, pois é um dos factores que, em conjunto com os demais, permitirá ao julgador chegar a uma conclusão justa e equitativa na decisão a tomar.
Q) O que o julgador não fez, viciando assim a sua decisão, mais ainda quando estamos num tipo de processo que, pela sua natureza, não está sujeito ao espartilho da alegação e em que o julgador tem um poder-dever acrescido ao nível da colação e apreciação da prova, que lhe permita tomar uma decisão equitativa perante os interesses das partes.
R) Com consequente prejuízo da decisão, pois na verdade o valor de mercado do arrendamento daquela casa nunca será superior a € 200!
S) Note-se, a este propósito a decisão sob recurso apenas indica que não foi alegado nem os autos contêm qualquer elemento sobre o valor de mercado de arrendamento daquela casa, em função da sua localização, dimensão, estado, etc.
T) Como tal, caberia pois ao julgador, mais ainda num processo de jurisdição voluntária em que não está limitado à alegação das partes, granjear para os autos informações nesta sede, nomeadamente através da realização da competente avaliação imobiliária, o que não foi feito.
U) Por todo exposto, é evidente que a decisão sob recurso se encontra viciada e ferida de nulidade.
V) Pelo que deve ser revogada sentença sob recurso por incorrer em violação do disposto no art.º 1793º do Código Civil e nos artigos 607º, 615º, 1409º, nº 2, 1410º e 1413º do C.P. Civil.
O Requerido veio responder ao recurso concluindo pela sua improcedência e pela manutenção da decisão recorrida.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da nulidade da sentença por falta de fundamentação, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC;
- da renda fixada em contrapartida da atribuição da casa de morada de família e do seu valor.
III. Nulidade da sentença
- da nulidade da sentença por falta de fundamentação, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC
Vem a Recorrente invocar a nulidade da sentença por falta de fundamentação nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC referindo que o valor da renda foi fixado sem que tenha sido levado em conta o valor de mercado do arrendamento do imóvel, não tendo o tribunal diligenciado pela sua obtenção, nem foi considerado que se trata de um bem comum do casal.
A Recorrente confunde os conceitos de nulidade da sentença decorrente do vício formal da mesma previsto no art.º 615.º do CPC, com a discordância com a decisão da causa e com a solução sobre o mérito da ação, pela falta de ponderação de elementos que considera relevantes.
O art.º 615.º n.º 1 do CPC estabelece que a sentença é nula quando:
“a) não contenha a assinatura do juiz;
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Quanto à previsão da al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC relativa à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, importa ter em conta que a elaboração da sentença deve respeitar determinadas exigências formais, que o legislador contempla no art.º 607.º do CPC.
O n.º 3 deste artigo impõe ao juiz que na sentença faça a discriminação autónoma dos factos que considera provados e que indique, interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. Acrescenta o n.º 4 que: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas e indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documento ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
As exigências do art.º 607.º n.º 3 do CPC com a imposição da indicação na sentença dos factos provados, bem como das normas jurídicas aplicadas e sua interpretação, incorporam a necessidade de fundamentação das decisões cujo princípio vem previsto não só no art.º 154.º do CPC mas também no art.º 205.º da CRP e cuja falta pode determinar a nulidade da sentença.
O dever de fundamentação das decisões impõe-se ao juiz, nos termos do art.º 154.º do CPC e corresponde a uma exigência constitucional, prevendo o art.º 205.º n.º 1 da CRP que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O art.º 154.º do CPC sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão”, estabelece:
1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2.A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, pois só assim podem avaliar a bondade da mesma e, se for caso disso, ponderar a sua impugnação. O dever de fundamentação assenta na necessidade de esclarecimento das partes e constitui uma fonte de legitimação da decisão judicial.
O grau de fundamentação exigível dependerá tanto da complexidade da questão sobre a qual incide a decisão, como da controvérsia revelada pelas partes sobre a situação a decidir.
Tem vindo também a ser entendido de forma pacífica, que só a absoluta falta de fundamentação pode determinar a nulidade da sentença, não se bastando tal vício com uma fundamentação menos exaustiva ou deficiente, vd neste sentido, a título de exemplo, o Acórdão do STJ de 10 de julho de 2008 no proc. 08A2179 in www.dgsi.pt
A fundamentação da sentença deve ser de facto – com a indicação dos factos provados e não provados - e de direito – com a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes. Só assim é que a mesma se revela percetível ou inteligível para os destinatários e melhor sindicável, correspondendo a um dever legal e constitucional que se impõe ao juiz nos termos das normas mencionadas.
A Recorrente invocando a nulidade da sentença por falta de fundamentação, na verdade pretende insurgir-se contra o que considera ser uma errada decisão do tribunal de 1ª instância, na discordância que revela com a mesma por não ter sido levada em consideração o valor de mercado do imóvel ou o facto de ser um bem comum das partes, elementos que tem como relevantes.
Ora, estes elementos e a sua ponderação, ou falta dela, apenas pode dar lugar à revogação ou alteração da sentença por erro da mesma, mas já não é suscetível de determinar a sua nulidade por falta de fundamentação.
No caso concreto, é claro que a sentença indica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, enunciando de forma especificada os factos que na perspetiva do tribunal resultaram provados e não provados e as normas jurídicas aplicáveis, não existindo o vício a que alude o art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC que comina a decisão com a nulidade, sendo forçoso desatender esta reclamação da Recorrente.
IV. Fundamentos de Facto
Foram os seguintes os factos considerados provados na sentença proferida, com interesse para a decisão da causa, decisão que não foi impugnada por nenhuma das partes:
1. Hermínia Maria …nasceu no dia … de 1966.
2. Alexandre Manuel …nasceu no dia … de 1965.
3. Hermínia Maria …e Alexandre Manuel contraíram casamento católico, um com o outro, com convenção antenupcial, no dia 10 de Outubro de 1987, sob o regime de comunhão geral de bens.
4. O casamento aludido em 3. foi dissolvido por decisão proferida e transitada em julgado em 22 de Janeiro de 2019 no âmbito dos autos principais.
5. Desde a constância do matrimónio até à data de Novembro de 2017, em que o Requerido saiu de casa, ambos viviam na casa de morada de família, sita na Rua Capitão Salgueiro Maia, nº…–, cuja aquisição teve por base um empréstimo bancário, contraído por ambos.
6. Até à saída da casa morada de família, em 18 de Novembro de 2017, foi o marido que sustentou a requerente.
7. Actualmente é o filho de ambos, Fábio Alexandre …, que sustenta a mãe.
8. A requerente desde os dois anos de idade do filho, Fábio Alexandre … (cf. nascido no dia 20.11.1989), que não exerce qualquer profissão, tendo pontualmente prestado alguns serviços de limpeza em condomínios.
9. Por opção do casal, e desde os dois anos de idade do filho Fábio …, a requerente dedicou-se às lides domésticas e à maternidade.
10. A requerente actualmente está desempregada, fazendo limpezas nas partes comuns do condomínio onde vive, servindo tal actividade para pagar o valor mensal do condomínio.
11. A Requerente apenas tem a 4ª classe de escolaridade, não tem qualquer experiência profissional, e está fora do mercado de trabalho há 28 anos.
12. A Requerente não tem carta de condução.
13. A requerente não tem quaisquer conhecimentos informáticos, nem qualquer experiência profissional em outra área, a não ser limpezas.
14. A Requerente tem procurado trabalho na área das limpezas mas a resposta tem sido sempre negativa.
15. O requerido foi viver para a casa da mãe em Novembro de 2017.
16. O requerido aufere um rendimento mensal liquido no valor aproximado de € 1.800,00.
17. O requerido tem as seguintes despesas mensais fixas: SMAS - 16,81€; EDP - 34,33€ Gás - 25.00€; Despesa com PPR da Requerente - 50,00€; Seguro de Vida do Credito de habitação da casa de morada de família - 76,84€; Despesa com o Credito Automóvel - 189,40€; Despesa com passe para transportar-se até ao seu local de trabalho - 59,95€; Seguro do Imóvel do Credito de habitação - 11,81€; Prestação mensal do Credito para Habitação da Casa de Morada de família - 265,77€; Despesa/pagamento mensal de parte do valor do lar onde a mãe reside - 250,00€; Despesa com o Imposto de Circulação - € 134,98; Despesa com o IMI da casa de Morada de Família, onde a Requerente mantem a residência - € 233,40; seguro do veículo - valor anual € 279,12.
18- O requerido teve despesas no dia 28.09.2018 (alimentação, produtos de higiene e domésticos) no montante de 93,12€; no dia 30.09.2018 (combustível) no montante de 40,00€; no dia 28.09.2018 (Despesas com o seu almoço no trabalho) no montante de 9.00€.
19- A requerente no ano de 2018 no Condomínio da Rua Capitão Salgueiro Maia …auferiu a quantia de € 925,00.
20- A requerente já não trabalha no Condomínio da Rua Capitão Salgueiro Maia ...
21- A requerente quando ia prestar serviços de limpeza à D. Inês … auferia € 20,00 dia (€ 5,00 por hora x 4 horas). (cf. fls. 123).
22- O requerido vive maritalmente com uma companheira, que está integrada no mercado de trabalho.
Nos termos do disposto no art.º 662.º n.º 1 do CPC, por se afigurar que tem interesse para a decisão da causa e tendo em conta os documentos juntos aos autos que constituem a certidão da escritura de compra e venda do imóvel em discussão e o documento que constitui a liquidação do IMI das Finanças, procede-se ao aditamento de dois novos factos, com o seguinte teor:
23. A fração autónoma a que alude o ponto 5 dos factos provados foi adquirido pela Requerente e pelo Requerido em 15/02/2002 pelo valor de € 88.675,00.
24. O valor patrimonial tributário de tal fração autónoma é o de € 77.800,00
V. Razões de Direito
- da renda fixada em contrapartida da atribuição da casa de morada de família e do seu valor
A Recorrente vem insurgir-se contra a sentença proferida na parte em que esta determinou a fixação de uma renda como contrapartida da atribuição da casa de morada de família, contestando também o valor que o tribunal determinou para a mesma.
Salienta-se que é a estas questões que se circunscreve o objeto do presente recurso, na medida em que a Recorrente não põe em causa a decisão na parte em que lhe atribuiu a utilização da casa de morada de família, por entender que da mesma ela tem necessidade, não tendo também o Requerido recorrido da sentença proferida.
É o art.º 990.º do CPC que, no âmbito das providências relativas aos filhos e aos cônjuges, vem regular o processo especial que constitui a atribuição da casa de morada de família, que se integra na categoria de processo de jurisdição voluntária, cujas regras gerais são previstas nos art.º 986.º a 988.º do CPC.
Sob a epígrafe “Atribuição da casa de morada de família”, estabelece o art.º 990.º do CPC:
“1- Aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793.º do Código Civil, ou a transmissão do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1105.º do mesmo Código, deduz o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.
2- O juiz convoca os interessados ou ex-cônjuges para uma tentativa de conciliação a que se aplica, com as necessárias adaptações, o preceituado nos n.ºs 1, 5 e 6 do artigo 931.º, sendo, porém, o prazo de oposição o previsto no artigo 293.º.
3- Haja ou não contestação, o juiz decide depois de proceder às diligências necessárias, cabendo sempre da decisão apelação, com efeito suspensivo.
4- Se estiver pendente ou tiver corrido ação de divórcio ou separação, o pedido é deduzido por apenso.”
Foi este o pedido que a Requerente veio fazer, nos termos do art.º 990.º n.º 1 e n.º 4 do CPC, que deduziu apenso ao processo de divórcio que correu termos entre as partes e que à data da sua apresentação ainda se encontrava pendente, requerendo que lhe fosse atribuída a casa de morada de família a título definitivo, por dela ter necessidade, ainda que não se tenha referido a qualquer contrato de arrendamento, nem proposto qualquer valor a título de renda a fixar pelo tribunal.
Esta pretensão da Requerente encontra fundamento no art.º 1793.º do C.Civil  que respeita à casa de morada de família, na sequência da separação ou divórcio dos cônjuges.
Prevê o art.º 1793º do C.Civil, com a epígrafe “Casa de morada da família”:
“1.Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer essa seja comum, quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
2. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.
3. O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária.”
Esta norma vem permitir que, verificados determinados pressupostos, o tribunal possa constituir um contrato de arrendamento sobre a casa de morada de família que seja bem comum do casal ou mesmo bem próprio de um dos cônjuges. É ao abrigo desta previsão legal que qualquer membro do casal ou ex-casal pode pedir ao tribunal que lhe reconheça o direito a utilizar em exclusivo a casa de morada de família, por dela ter necessidade, mesmo que esta não seja da sua propriedade exclusiva.
Trata-se de um arrendamento constituído por decisão judicial, que fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, conforme prevê o n.º 2 do artigo mencionado, ficando na disponibilidade do tribunal definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, designadamente no que respeita ao prazo do arrendamento e ao valor da renda - neste sentido, vd. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito da Família, Vol. I, pág. 676.
Situação algo diversa desta, por ser meramente provisória e para vigorar na pendência do processo de separação judicial ou divórcio que corre termos, é aquela que vem prevista no art.º 931.º n.º 7 do CPC que permite que no âmbito do processo de separação ou divórcio sem o consentimento do outro cônjuge: “Em qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, pode fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos e quanto à utilização da casa de morada de família; para tanto o juiz pode, previamente, ordenar a realização das diligências que considerar necessárias.”
Está prevista nesta norma a adoção de uma medida meramente provisória e cautelar quanto à utilização da casa de morada de família na pendência do processo de separação ou divórcio, não aludindo aqui o legislador a qualquer contrato de arrendamento, o que se compreende precisamente em razão do carater urgente e muito provisório da medida decretada, ao contrário do que sucede na requerida atribuição da casa de morada de família que pode ser determinada a título mais definitivo, nos termos e ao abrigo dos mencionados art.º 990.º n.º 1 do CPC e 1793.º do C.Civil.
Sobre esta providência que o juiz pode tomar no âmbito do processo de divórcio, ainda que por referência ao art.º 1407.º do anterior CPC que encontra correspondência no atual art.º 931.º do CPC, diz-nos o Acórdão do STJ de 26 de abril de 2012 no proc. 33/08.9TMBRG.G1.S1 in www.dgsi.pt : “Trata-se de um incidente, com processo especialíssimo, norteado por critérios de conveniência, que apenas tem em vista a fixação de um regime provisório – in casu, sem reparo das partes, atribuído ao ex-cônjuge mulher, até à partilha dos bens comuns (nos quais se integra a casa em apreço) – quanto à sequela do divórcio relacionada com a casa de morada de família (cfr. citado art. 1407.º, no seu nº 2). Que, em princípio, não tem a ver com o processo de constituição de arrendamento da casa de morada de família regulado, como processo de jurisdição voluntária, no art. 1413.º do CPC, previsto, como efeito do divórcio, nos arts 1793.º e 1105.º do CC. (…) Sendo, portanto, questões diferentes: a da atribuição provisória da casa de morada de família durante o período da pendência do processo (art. 1407.º, nºs 2 e 4) e a relativa à atribuição da casa de morada de família depois do divórcio, regulada no art. 1793.º, caso se trate de casa própria.”.
No caso o pedido de atribuição da casa de morada de família não foi requerido no processo de divórcio, não correspondendo por isso ao decretamento de uma medida cautelar meramente provisória para vigorar na pendência do mesmo, conforme possibilidade prevista no art.º 931.º n.º 7 do CPC, foi antes um pedido apresentado por apenso àquele, nos termos estabelecidos no art.º 990.º n.º 1 e n.º 5 do CPC.
Neste caso do art.º 990.º do CPC, no qual não pode deixar de considerar-se integrado o pedido apresentado pela Requerente de atribuição da casa de morada de família a título definitivo, como ela expressamente requer no seu requerimento inicial, a atribuição da casa de morada de família está condicionada à constituição de um arrendamento.
A atribuição da casa de morada de família a título gratuito e por isso, sem que a mesma seja dada de arrendamento, só pode ter lugar quando se trate de uma medida provisória determinada pelo tribunal ao abrigo do art.º 931.º n.º 7 do CPC. Estando em causa este pedido a título definitivo, o tribunal, ouvidas as partes, tem de constituir um arrendamento sobre o imóvel, estabelecendo uma quantia a título de renda, como contrapartida do seu uso exclusivo por um dos ex-cônjuges, nos termos previsto no art.º 1793.º do C.Civil.
Não pode assim a Recorrente pretender que lhe seja atribuída a casa de morada de família, sem que seja estabelecida uma renda e constituído um arrendamento, que como elemento essencial e típico do contrato tem a fixação de uma renda, não podendo atender-se à sua pretensão de revogação da sentença recorrida na parte em que estabeleceu a contrapartida de pagamento de uma renda mensal pela atribuição da casa de morada de família.
Isto mesmo decidiu, em avaliação de situação semelhante, o Acórdão do TRL de 22 de fevereiro de 2018 no proc. 1224/14.9T8SNT-D.L1-6 in www.dgsi.pt , onde se refere: “Esta configuração normativa conferida à decisão recorrida, proferida no âmbito do processo regulado nos artigos 990º do CPC e 1793º do CC, só por si, inviabiliza a pretensão formulada pela Recorrente, neste recurso, de atribuição do direito de utilização da casa de morada de família, sem a sujeição dessa atribuição às regras do arrendamento e, naturalmente, ao pagamento de uma contrapartida pecuniária mensal, a titulo de renda. (…) Após o trânsito em julgado da sentença de divórcio, os ex-cônjuges só podem aspirar à atribuição definitiva do direito de utilização da casa de morada de família, segundo as regras do arrendamento, a título oneroso, ou seja, através da fixação de uma compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem comum do extinto casal (artigos 990º do CPC e 1793º do CC).”
A questão que se impõe, é então avaliar a adequação do valor da renda fixada pelo tribunal, que a Recorrente contesta, o que passa por saber que elementos e fatores é que o tribunal deve ponderar para a definição do valor da renda, enquanto elemento essencial do arrendamento que foi constituído ao abrigo do disposto no art.º 1793.º n.º 2 do C.Civil.
A constituição de um contrato de arrendamento pelo tribunal com a fixação de uma renda, constitui uma compensação atribuída ao ex-cônjuge pela utilização exclusiva da casa de morada de família pelo outro, quando esta constitui um bem próprio daquele ou comum de ambos.
A propósito dos critérios que devem nortear a decisão do tribunal sobre o valor da renda a estabelecer, refere-se na sentença recorrida, em avaliação com a qual estamos de acordo e que se transcreve:
“No que respeita à fixação do montante da renda, as opiniões dividem-se:
Segundo um entendimento, a ponderação das necessidades económicas de cada um dos ex-cônjuges e do interesse dos filhos do casal têm relevo na atribuição da casa de morada de família, mas já não na fixação da respectiva renda. O que significa, que o tribunal não tem de ter em conta a situação patrimonial do interessado, podendo dar de arrendamento nas condições mais vantajosas de renda, pois que “só toma de arrendamento quem quer” - cfr., neste sentido, por todos, na Jurisprudência, os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 26/02/1982, in “Colectânea de Jurisprudência”, Tomo 2, p. 151, e de 09/11/1993, in “Colectânea de Jurisprudência”, Tomo 5, p. 120.
Segundo outro entendimento, o tribunal pode e deve fixar a renda mais ajustada à situação em causa, não tendo de atender unicamente aos valores que resultariam das regras normais do mercado - cfr., neste sentido, por todos, na Jurisprudência, Acórdão da Relação de Lisboa, de 16/11/1993, in “Colectânea de Jurisprudência”, Tomo 5, p. 123; Acórdão da Relação do Porto, de 16/12/1991, in “Colectânea de Jurisprudência”, Tomo 5, p. 210; e de 14/03/1995, in “Colectânea de Jurisprudência”, Tomo 2, p. 199; Acórdãos do STJ, de 07/10/2003 e de 26/04/2012; e Acórdão da Relação de Lisboa, de 09/02/2017, estes três acessíveis in www.dgsi.pt; e, na Doutrina, Nuno de Salter Cid, in “A Protecção da Casa de Morada de Família no Direito Português”, pág. 345; e Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “Curso de Direito da Família”, vol. I, Coimbra Editora, 4ª edição, pag. 676.
Considero e defendo que este último entendimento é, como refere Salter Cid (in ob. e pag. citadas), o único que é compatível com o espírito da lei. “Na verdade, enunciados expressamente como factores atendíveis “as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal” conforme disposto no artº 1793º nº 1 do CC e estabelecendo-se no nº 2 desta norma que o tribunal pode definir as condições do contrato de arrendamento, não faria sentido que “o próprio tribunal viesse inviabilizar, na prática, o objectivo da lei, mediante fixação de um montante de renda incomportável para o ex-cônjuge beneficiado com o arrendamento – em atenção à sua maior necessidade, ao interesse dos filhos, e, bem assim, a outros factores atendíveis; este deverá pagar uma renda de acordo com o valor do mercado se, e só se, o montante em causa for compatível com a sua situação patrimonial.”.
Por outro lado, estando em sede de processo de jurisdição voluntária, o tribunal não fica vinculado ao montante que foi indicado pelas partes para a fixação da renda, podendo livremente fixar o montante que apurar como adequado em face da prova. O juiz rege-se nesta sede por valores de equidade e não do pedido - cfr. art. 987º do Cód. Proc. Civil.”
Não podemos deixar de nos rever nesta uma última posição, que aliás se crê maioritária quer na doutrina, quer na jurisprudência, que entende que na determinação das condições do arrendamento pelo tribunal ao abrigo do disposto no art.º 1793.º n.º 2 do C.Civil, e em particular na fixação da renda, o juiz não está vinculado ao valor do imóvel no mercado de arrendamento, antes não pode deixar de ter em conta as circunstâncias do caso concreto e a situação das partes – neste sentido vd. apenas a título de exemplo o Acórdão do TRL de 9 de fevereiro de 2017 no proc. 8740/12.5TBCSC.L1-2 in www.dgsi.pt
Isso é imposto pela natureza do arrendamento em causa, que não pode ser visto como uma relação meramente comercial, mas antes surge num contexto de proteção do cônjuge com uma posição mais frágil e dos filhos do casal, quando existam, como resulta do art.º 1793.º n.º 1 C.Civil.
No caso, a Requerente não avançou com qualquer valor a título de renda, só referindo agora em sede de recurso que o valor de arrendamento do imóvel não é superior a € 200,00; já o Requerido indicou como pretendido o valor da renda de € 400,00.
A sentença recorrida fixou a renda a prestar pela Requerente no montante de € 375,87 mensais, valor a que chegou por corresponder às despesas mensais fixas que o imóvel acarreta, com o pagamento do crédito contraído para a sua aquisição, seguros associados e IMI, que têm estado a ser suportadas pelo Requerido, valor que não pode deixar de considerar-se excessivo, como se verá, tendo em conta outras circunstâncias concretas que não terão sido devidamente ponderadas.
É verdade que não temos nos autos a indicação do valor de mercado do arrendamento imóvel, como refere a Recorrente, pretendendo aqui assacar uma responsabilidade ao tribunal pelo facto de não ter diligenciado pela sua obtenção.
O facto de estarmos perante um processo de jurisdição voluntária que permite ao tribunal investigar livremente os factos e coligir as provas e informações que tenha por convenientes, conforme estabelece o art.º 986.º n.º 2 do CPC, naturalmente que não desonera as partes do ónus de alegar e provar os factos que tenham por convenientes para a boa decisão da causa, podendo para o efeito requerer ao tribunal as diligências probatórias que entendam.
No caso, o tribunal terá feito um juízo sobre os elementos de facto que resultam apurados no processo, que entendeu serem suficientes para decisão, atentos os critérios a ponderar, sem necessidade de realização de outras diligências investigatórias ou probatórias, não podendo esquecer-se que neste caso o juiz não está sujeito a critérios de legalidade estrita, antes deve adotar a solução que considere mais conveniente a cada caso, como estabelece o art.º 907.º do CPC.
Não existe por isso qualquer irregularidade que possa ser apontada ao tribunal por não ter realizado uma diligência que nenhuma das partes requereu e que não teve como necessária à decisão a proferir.
Na verdade, embora os elementos do processo não nos forneçam o valor do arrendamento do imóvel, não é por isso que deixa de ter-se uma noção sobre a fração que está em causa, revelada quer pela sua identificação que consta dos factos provados, quer pelo seu valor patrimonial atual e valor de aquisição.
A sentença proferida fez corresponder o valor da renda às despesas do imóvel, sem levar em conta que estas despesas não são as que resultam da utilização do mesmo pela Requerida, mas antes as que decorrem da aquisição do imóvel por ambas as partes, referindo-se ao pagamento do crédito bancário, dos seguros a ele associados e do IMI, que só na proporção de metade constituem responsabilidade da Requerente, já que se reportam ao direito de propriedade do imóvel que é de ambas as partes.
Estas são por isso despesas próprias também do Requerido, a que o mesmo faz face por ser igualmente proprietário do prédio e como contrapartida do seu direito de propriedade, despesas que, além do mais, não estão a salvo de um encontro futuro de contas entre as partes, designadamente quando da venda ou da partilha deste bem que é um bem comum.
Também é preciso ter em conta um fator objetivo, que a decisão recorrida parece ter esquecido. É que a casa de morada de família é um bem comum do casal e não um bem próprio do Requerido, já que os então cônjuges não só eram casados sob o regime da comunhão geral de bens, como a adquiriram o imóvel em conjunto, como resulta da escritura de compra e venda junta aos autos, pelo que numa parte a Requerente está a usufruir de um bem que também é seu.
A renda estabelecida como obrigação da Requerente, referindo-se apenas a metade do bem, levaria a supor que o valor de arrendamento mensal do imóvel seria no mínimo o de € 751,74 o que é irrealista considerar, atento o valor patrimonial do mesmo e que se trata de um andar com a localização que este tem.
Finalmente, na fixação do valor de uma renda pela atribuição da utilização casa de morada de família, o tribunal não pode deixar de levar em conta as possibilidades das partes, reveladas pela sua concreta situação pessoal e profissional, devendo ser ponderada a sua idade e estado de saúde, a sua profissão, habilitações e emprego e todos os seus rendimentos, proventos e despesas reveladores da sua situação económica e financeira.
Os factos provados mostram que a Requerente tem 55 anos de idade, esteve casada com o Requerido durante mais de 30 anos, tendo-se dedicado a partir dos dois anos de idade do filho às lides domésticas e à maternidade, por opção do casal. A Requerente tem a 4ª classe, não tem carta de condução, não tem quaisquer conhecimentos informáticos, nem qualquer experiência profissional em outra área, a não ser limpezas. Atualmente não exerce qualquer profissão, tem tido dificuldade em arranjar trabalho, apenas prestando pontualmente alguns serviços de limpeza em condomínio, entre os quais no seu através dos quais paga a mensalidade do condomínio, sendo o filho que a sustenta.
Estes factos revelam uma situação de grande fragilidade por parte da Requerente, do ponto de vista económico e financeiro, não podendo esquecer-se que, em parte, as dificuldades que tem agora em arranjar trabalho também resultam da circunstância de ter estado fora do mercado de trabalho por muitos anos, por opção do casal.
Já a situação do Requerido não pode deixar de reconhecer-se como mais folgada, na medida em que não obstante as suas despesas que resultaram apuradas, o mesmo vive maritalmente com uma companheira que está integrada no mercado de trabalho, podendo presumir-se que repartem as despesas domésticas e aufere um rendimento mensal de cerca de € 1.800,00.
Assim sendo, tendo em conta o valor do imóvel, o facto de se tratar de um bem comum e a situação pessoal e financeira de cada uma das partes que ficou revelada nos autos, afigura-se adequado fixar o valor da renda a prestar pela Requerente em € 100,00 mensais, como contrapartida da utilização exclusiva do bem comum que constitui a casa de morada de família.
Impõe-se por isso revogar a sentença proferida, apenas na parte em fixou o valor da renda a prestar pela Requerente em € 375,87 mensais, que se substitui pelo montante de € 100,00 mensais, mantendo-se no demais a decisão.
VI. Decisão:
Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pela Requerente, alterando-se a decisão recorrida no que se refere ao valor da renda estabelecido, que se fixa no montante de € 100,00 (cem euros) mensais.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
Notifique.
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Lisboa, 11 de março de 2021
Inês Moura
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues