Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1634/05.2TMLSB-E.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: INVENTÁRIO
APELAÇÃO AUTÓNOMA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO SE ADMITE O RECURSO INTERPOSTO
Sumário: I.Quanto a ações instauradas a partir de 1 de janeiro de 2008, os recursos interpostos de decisões proferidas a partir de 01.09.2013 são regulados pelo disposto no Código de Processo Civil de 2013.

II.Para efeitos do artigo 644.º, n.ºs 1, alínea a), do CPCivil, como «incidente processado autonomamente» deve entender-se todo aquele que se encontra regulado pela lei processual civil de forma independente relativamente à ação principal, embora intrinsecamente relacionados a esta, assumindo tal natureza os denominados «incidentes da instância», regulados nos artigos 292.º a 361.º do CPCivil.

III.No que respeita ao artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPCivil, quanto à admissão de apelação autónoma do «despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meios de prova», tal normativo refere-se à peça processual, e respetivos meios de prova, considerada como própria, típica, da normal tramitação do processo ou de incidente com natureza de causa.

IV.Por outro lado, nos termos daquele preceito legal, a admissão de apelação autónoma do «despacho de (…) rejeição de algum articulado ou meio de prova» reporta-se a situações cujo articulado ou meio de prova não foi judicialmente aceite pelo Tribunal em razão de motivos de ordem meramente formal, não por motivos de natureza substanciais.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I.


RELATÓRIO.


Na sequência de divórcio, em 30.08.2013 MA veio requerer inventário para partilha de bens do ex-casal, indicando como cabeça de casal o seu ex-cônjuge, JL, o qual foi, entretanto, nomeado como tal e apresentou relação de bens.

Daquela relação constavam, além do mais, quatro contas bancárias: uma da Caixa Geral de Depósitos, duas do Banco BVA e uma outra do BES.

Em 03.02.2015 a Requerente reclamou da relação de bens apresentada.

Além do mais, requereu então que se solicitassem determinadas informações à CGD, ao BBVA, ao BPI e ao Novo Banco, antigo BES.

Em 23.02.2015 o Cabeça de Casal respondeu à reclamação, tendo com ela junto diversos documentos, requerido o depoimento de parte da Requerente e apresentado rol de testemunhas.

Em 08.10.2015 o Tribunal de 1.ª instância ordenou a notificação das referidas entidades bancárias no sentido de as mesmas prestarem as informações pedidas pela Requerente.

Os autos prosseguiram seus termos com diversas informações bancárias, requerimentos e despachos judiciais.

Em 19.06.2017, na sequência de requerimento do Cabeça de Casal e sem oposição da Requerente, o Tribunal de 1.ª instância determinou que se oficiasse ao Banco de Portugal no sentido de o mesmo informar se a Requerente foi titular de alguma conta bancária até 19.09.2005 e, em caso afirmativo, identificar a instituição bancária, bem como as respetivas contas.

Em 27.07.2017 foi junto aos autos ofício do Banco de Portugal no qual este dava conta da «existência de contas bancárias em nome da Requerente (…) até à data de 19-09-2005» com referências às seguintes entidades bancárias: Banco BPI, Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), Banco Português de Investimento, Barclays Bank, Caixa Geral de Depósitos, Financeira El Corte Inglês Portugal, S.F.C, Oney Bank – Sucursal em Portugal e Banco Credibom.

Notificado daquele ofício, em 09.09.2017 o Cabeça de Casal requereu que as entidades bancárias nele indicadas fossem notificadas para procederem «à junção aos autos dos extractos das contas bancárias tituladas pela interessada até ao dia 19/09/2005», o que foi deferido por despacho de 13.09.2017.

Após, quanto a matéria bancária, foram juntas aos autos diversas informações bancárias, apresentados vários requerimentos e proferidos alguns despachos judiciais.

Em 27.11.2019, o Tribunal de 1.ª instância determinou «a notificação das partes para, no (…) prazo de 10 dias, virem aos autos indicar os elementos/informações bancárias [ainda] em falta».

Em 09.12.2019 as partes apresentaram requerimentos nesse sentido, tendo o tribunal se pronunciado quanto a tais requerimentos por decisão de 17.04.2020, deferindo a pretensão da Requerente, quanto à solicitação de informações ao Novo Banco, e indeferindo o pedido do Cabeça de Casal relativamente a pedido de informações ao BBVA, CGD, Barclays Bank, BES e BPI.

Inconformado com tal decisão, dela recorreu o Cabeça de Casal, tendo o recurso sido julgado parcialmente procedente por acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 03.03.2022: no essencial, deferiu-se o requerimento de informações complementares ao BBVA, CGD, Barclays Bank, BES e BPI, neste caso apenas quanto a uma determinada conta bancária e ao valor do saldo até 19.09.2005.

Em data anterior à prolação daquele acórdão, em 12.06.2020 o cabeça de casal veio, além do mais:
«(…) requer[er] que seja notificada a interessada para (…) vir juntar os saldos das contas bancárias de que é titular ou co-titular à data da propositura da acção de divórcio (19/09/2005), indicados no ofício do Banco de Portugal em 278-07-2017 (ref.ª Citius 15856719) uma vez que o cabeça-de-Casal não logrou, por si, obter essa informação até à data e de que só teve conhecimento da sua existência na pendência dos presentes autos, designadamente com o ofício em causa».

Por outro lado, em 30.04.2021 o cabeça de casal veio apresentar articulado relativo a despesas por si feitas quanto a imóveis comuns do ex-casal nos anos de 2015 a 2020, bem como veio igualmente pedir compensação pela ocupação pela Requerente do imóvel do Alto do Lagoal, em Caxias, entre 25.05.2009 e abril de 2021, assim como veio pedir ainda uma compensação monetária a fim de que sejam realizadas obras necessárias naquele imóvel e igualmente obras de reposição do mesmo imóvel em conformidade com a respetiva licença de habitação, termos em que concluiu nos seguintes termos:
«(…) devem ser reconhecidos, para o fim de serem compensados no momento da partilha e a serem apreciados na conferência de interessados a realizar nos presentes autos, os seguintes créditos do requerente sobre a requerida:
a)-o montante de 20.727,65€, correspondentes a metade dos valores suportados exclusivamente pelo requerente e devidos pelos encargos com o IMI, contratos de água, electricidade, seguro multi-riscos, condomínio, obras e despesas de manutenção com os três imóveis que integram a relação de bens, durantes os anos de 2015 a 2020, acrescido dos competentes juros de mora a contar da presente data;
b)-o montante que a requerida privou o requerente pela utilização exclusiva e gratuita do prédio sito na rua …, …, Alto do Lagoal, Caxias, concelho de Oeiras, contra a vontade deste, entre junho de 2009 e até ao momento em que faculte o pleno acesso e utilização pelo requerente do mesmo, computando-se na presente data, face a um valor locativo não inferior a 6.000,00€ mensais, um período de 142 meses (x 3.000,00€) o quantitativo de 426.000,00€;
c)-ou caso assim se não entenda, e por mera cautela, face à manifesta injustificabilidade e dos termos em que foi feita a atribuição provisória, à luz de factos supervenientes, - desde logo, a consumação do divórcio – e aquando da efectiva partilha dos bens comuns do ex-casal, o montante referido na alínea anterior, resultante do acerto de contas, nomeadamente, através da reclamação de um crédito por parte do ora requerente sobre o acervo patrimonial a partilhar;
c)-o quantitativo de 200.000,00€ que corresponde ao valor de custo estimado para a realização das obras necessárias decorrentes da falta de manutenção do imóvel referido em b) e pela destruição as obras que ali realizou e respectiva reposição em conformidade com a licença de habitação, sem prejuízo da sua actualização após conhecimento integral da situação».

Em 24.06.2020 e 14.05.2021 a Requerente pronunciou-se quanto a tais requerimentos do Cabeça de Casal de 12.06.2020 e 30.04.2021.

Em 24.01.2022 o Tribunal de 1.ª instância proferiu a seguinte decisão:
«(…)
I
(…)
Requerimento/ Resposta do Requerido/ Cabeça de Casal de 12.06.2020
Resposta da Requerente/ Reclamante de 24.06.2020
(…)

Quanto ao mais requerido pelo Cabeça de Casal, indefere-se, atendendo ao teor dos despachos anteriormente proferidos que se pronunciaram sobre as diligências probatórias requeridas pelos Interessados (artigos 1344.º, n.º 2, 1348.º, 1349.º, todos do Código de Processo Civil, na anterior redacção, e artigos 7.º, 417.º, 436.º a contrario e 1105.º, do Código de Processo Civil, na redacção actual).
(…)

V- Requerimento do Requerido/ Cabeça de Casal de 30.04.2021
Resposta da Requerente/ Reclamante de 14.05.2021

No requerimento apresentado em 30.04.2021, constituído por 103 artigos, o Cabeça de Casal veio requerer que sejam reconhecidos, para o fim de serem compensados no momento da partilha e a serem apreciados na conferência de interessados a realizar nos presentes autos, os seguintes créditos do requerente sobre a requerida:
(…)
Com o requerimento supra mencionado, o Cabeça de Casal apresentou 60 documentos, arrolou prova testemunhal, e requereu a prestação de declarações de parte, bem como depoimento de parte.
A Requerente apresentou resposta em 14.05.2021, pugnando pela inadmissibilidade do incidente suscitado pelo Cabeça de Casal.
Apreciando e decidindo.
Os presentes autos constituem um processo de inventário para partilha dos bens comuns do extinto casal, em que é Requerente MA e Requerido/ Cabeça de Casal JL.
O presente inventário encontra-se na fase do incidente de reclamação da relação de bens, sendo que as provas são indicadas com os requerimentos e respostas, efectuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas oficiosamente pelo juiz, decide-se sobre a existência dos bens e da pertinência da sua relacionação, sem prejuízo da remessa dos interessados para os meios comuns (vide artigos 1336.º, n.º 2, 1348.º, 1349.º e 1350.º, todos do Código de Processo Civil, na anterior redação, e artigos 1104.º a 1111.º, do Código de Processo Civil, na redacção actual).
Pelo que, o incidente ora suscitado pelo Cabeça de Casal, carece de fundamento legal, nesta fase processual do processo de inventário, mostrando-se impertinente e desnecessário para a decisão do incidente de reclamação contra a relação de bens. Deste modo, a resposta apresentada pela Requerente afigura-se desnecessária para a regular tramitação dos presentes autos.

Face ao exposto, sem mais considerações por entender desnecessárias, e ao abrigo das normas legais citadas, decido:
a)-Determinar o desentranhamento e a restituição aos respectivos apresentantes, dos requerimentos e documentos que os acompanham, apresentados pelo Cabeça de Casal em 30.04.2021 e pela Requerente em 14.05.2021.
b)-Condenar o Cabeça de Casal, nas custas pelo incidente a que deu causa, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, considerando o processado anómalo, em violação da regular tramitação do presente inventário (artigos 130.º e 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 7.º, do Regulamento das Custas Processuais e tabela II anexa ao referido diploma).
*

Dê conhecimento às partes do presente despacho».

Inconformado com aquela decisão de 24.01.2022, em 14.02.2022 o Cabeça de Casal dela recorreu, apresentando as seguintes conclusões:

«a)-Recorre-se do douto despacho que ordenou o desentranhamento do requerimento e documentos apresentados pelo cabeça-de-casal a 30/04/2021;
b)-Que consistiu em pedir que fossem reconhecidos créditos sobre a requerida, juntando os documentos comprovativos do por si alegando e requerendo outros meios de prova;
c)-Todavia, o Tribunal a quo, por douto despacho de 24/01/2022, entendeu não admitir o referido requerimento, ordenando que fosse o mesmo desentranhado e devolvido ao cabeça de casal, condenando-o em custas;
d)-Por considerar que se tratava de um incidente, que não tinha fundamento legal na fase processual em que se encontram os presentes autos de inventário e que é desnecessário para a decisão do incidente de reclamação contra a relação de bens;
e)-Afigura-se que a apreciação feita pelo Tribunal recorrido foi prematura, desde logo porque como se vislumbra do requerimento em causa, é muito claro que não foi intenção do cabeça- de-casal interferir com o incidente de reclamação da relação de bens pendente, uma vez que o mesmo assentou expressamente no pressuposto de que se tratam, “na realidade, de créditos entre cônjuges e não de passivo que não têm de constar da relação de bens atento o disposto no artº 1345º nº 1 CPC, que com a necessária adaptação ao caso de partilha entre cônjuges por virtude de divórcio, nos diz que apenas são relacionados os bens comuns e o passivo que onera os ex-cônjuges e não os créditos que cada um possa ter em relação ao outro, cuja cobrança terá de ser feita por compensação nas tornas, desde que relacionados com o património a partilhar.” – vd. o art. 14º do requerimento em causa;
f)-Mais referiu expressamente o cabeça-de-casal “que se afigura que é no mapa da partilha que tem de ser computado o que foi pago por cada um e feita uma compensação do que um possa ter pago a mais, abatendo-se tal valor a eventuais tornas que devem ser pagas pelo cônjuge credor.” (art. 17º);
g)-E que “tratando-se de créditos que devem ser compensados no momento da partilha é na sequência da conferência de interessados que se deve decidir sobre a existência e âmbito de tais créditos, devendo fazer-se um encontro de contas no mapa de partilha a elaborar oportunamente.” (art. 18º);
h)-“Sendo o passivo um assunto a submeter à conferência de interessados - cfr. artº 1353º nº 3 CPC - é nessa conferência que se deveria decidir sobre o mesmo nos termos do disposto nos artºs 1354º e ss do mesmo CPC, o que desde já se requer.” (art. 19º);
i)-E se ainda dúvidas houvessem, no final, o cabeça-de-casal reiterou que: “devem ser reconhecidos, para o fim de serem compensados no momento da partilha e a serem apreciados na conferência de interessados a realizar nos presentes autos, os seguintes créditos do requerente sobre a requerida…;”
j)-Não tem, assim, sentido que se queira, como fez o douto despacho a quo, enquadrar o requerimento em causa na reclamação da relação de bens apresentada, como se o CC pretendesse com o mesmo tumultuar uma fase processual específica em curso e instalar a anomia;
k)-Como se vê pelo acima citado, o objectivo do requerimento foi trazer aos autos novas realidades supervenientes ao momento da apresentação da relação de bens, que são manifestamente susceptíveis de influir na partilha e cuja impossibilidade de apresentação tempestiva naquele momento é igualmente manifesta, constituindo matéria independente da actual fase processual e a submeter e a decidir, oportunamente, na conferência de interessados, estando sujeito a uma disciplina própria;
l)-Por conseguinte, não têm reflexo no incidente da reclamação de bens pendente, nem importam a sua alteração ou o desvio do adequado iter processual; Acresce que,
m)-A relação de bens foi apresentada aos 06/01/2015;
n)-Foram relacionadas todas as despesas suportadas pelo cabeça de casal com a administração dos bens comuns do ex-casal, até à referida data;
o)-E que se encontram em discussão nos presentes autos;
p)-Todavia, as mencionadas despesas com a administração dos bens comuns do ex-casal continuaram (e continuam), naturalmente, a vencer-se desde aquela data;
q)-Continuando o cabeça de casal a suportá-las;
r)-Não obstante dizerem respeito a bens comuns de ambos;
s)-Tendo a interessada responsabilidade pelo pagamento de metade das mesmas;
t)-E devendo a relação de bens corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão (art. 611º CPC);
u)-O mesmo se dirá às questões suscitadas no requerimento em causa e mencionadas nas als. b) e c) do art. 2º da presente alegação;
v)-Face ao estado dos autos, prevê-se que a concretização da partilha judicial seja demorada;
w)-Ao longo de todos estes anos que se sucederam à prolação da referida decisão, o ora recorrente alimentou a esperança de que fosse possível proceder à partilha amigável dos bens comuns do dissolvido casal e, dessa forma, não se tornando necessário trazer para o inventário judicial determinados bens ou valores;
x)-Os presentes autos mostram, aliás, à saciedade, as diversas e sucessivas tentativas de acordo entre as partes, espelhadas na reprodução de declarações constantes das actas das diligências judiciais e nos requerimentos de suspensão de instância, subscritos por ambas as partes;
y)-Pelo que sempre, aquando da partilha dos bens comuns do ex-casal, deve haver um acerto de contas, nomeadamente, através da reclamação dos alegados créditos por parte do ora recorrente sobre o acervo patrimonial a partilhar;
z)-Consequentemente, a prova junta com o referido requerimento é relevante para os autos, por dizer respeito ao objecto do processo, tendo directa ligação com a relação material controvertida;
aa)-É somente na conferência de interessados, caso a requerida rejeite esses créditos – como rejeitou - que o juiz tomará posição sobre a existência dos mesmos, remetendo os interessados para os meios comuns, caso inexista prova documental idónea;
bb)-É unânime a jurisprudência no sentido de que as dívidas dos cônjuges, enquanto passivo, tem de ser considerado no momento da partilha;
cc)-Razão pela qual foi apresentado o requerimento em causa;
dd)-Que se afigura deveria ter sido admitido;
ee)-Crendo-se que a prova junta com o referido requerimento é relevante para os autos, por dizer respeito ao objecto do processo, tendo directa ligação com a relação material controvertida;
ff)-Nos termos do disposto no art. 443º, nº 1, do CPC, são admissíveis as junções de documentos desde que estes não sejam considerados impertinentes ou desnecessários;
gg)-Crendo-se que a prova junta pelo cabeça de casal era pertinente e necessária para a boa decisão da causa;
hh)-Pelo que se crê que o requerimento em questão mesmo não deveria ter sido entendido como um incidente desnecessário, nem impertinente;
ii)-O douto despacho recorrido, ao indeferir liminarmente o requerimento do ora recorrente de 12-06-2020, entra em flagrante contradição e faz tábua rasa do já decidido anteriormente perante idênticos pedidos de documentos/informações bancárias por si requeridas e que foi no sentido de sempre os deferir, criando a partir daí incerteza e confusão nos autos;
jj)-Sendo que o tribunal “a quo” sempre deferiu aqueles requerimentos e não entendeu até então que punham em causa o âmbito do incidente de reclamação da relação de bens, dado que a averiguação de outros e comuns valores monetários na posse da interessada, tem sido objecto dos autos, paralelamente às diligências especificamente relacionadas com a reclamação de bens;
kk)-Com o referido requerimento de 12/06/2020, o ora recorrente veio, em resumo, também esclarecer que pretendia, com a solicitação dos referidos elementos bancários, a resolução de todas as questões pendentes que venham a ser decididas quanto ao património comum do ex-casal a partilhar, na sequência dos seus requerimentos anteriores, com vista a um eventual adicionamento da relação de bens e atento o princípio da economia processual, assim o requerendo, em conformidade;
ll)-Atente-se que, na sequência dessas diligências já efectuadas por ordem do tribunal recorrido, o cabeça-de-casal solicitou o adicionamento à relação de bens de duas verbas, conforme requerimentos de 10-05-2017 e 10-05-2018, sem que houvesse objecção da interessada e que ainda não foram decididas, o que se compreende, pois é curial que o julgador relegue para o final de todas as provas, a decisão final;
mm)-Afigura-se que ao não tomar posição sobre a questão colocada pelo cabeça-de-casal nesse requerimento, ocorreu omissão de pronúncia por parte do julgador “a quo”, por se tratar de matéria que deveria conhecer;
nn)-O que gera nulidade, que se argui para os devidos e legais efeitos (arts. 608º, nº 2 e 615º, nº 1, al. d) CPC);
oo)-Sendo que se afigura que no caso sub judice não opera o comando ínsito da excepção prevista no art. 608º, nº 2 do CPC, uma vez que, com aquele requerimento, se veio explicitar o sentido em que foi formulado o anterior requerimento de 09-12-2019, e que não é aquele que o julgador “a quo” lhe atribuiu;

pp)-Consta expressamente da Acta referente à diligência de conferência de interessados realizada aos 27-11-2020:
“,,,requereram em conjunto o seguinte: Nesta altura mostram os autos que ainda falta alguma informação por parte das instituições bancárias intervenientes acidentalmente neste processo, elementos esses que foram solicitados mas que não foram totalmente esclarecidos ora, essa matéria é importante que seja consolidada em termos documentais e que só os bancos podem fornecer e a partir desse momento é que se mostra razoável a inquirição de testemunhas e os depoimentos de parte. Aliás afigura-se que em função da informação bancária de que os autos ainda carecem poderão ficar resolvidas determinadas questões em litígio sobre os dinheiros.” (sublinhado nosso). “Por outro lado antevendo-se que os depoimentos de parte, nomeadamente por faltar ainda essa informação sejam demorados face à extensa matéria sobre o qual devem recair e porque ao longo do tempo se mostra que a relação de bens e a respetiva douta reclamação também se mostram por si desatualizadas face à posição que as partes foram entretanto assumindo nos autos afigura-se que deve ser ordenado ao Cabeça de Casal e à interessada para que no prazo a fixar por este Tribunal venham informar os autos quais as questões que ainda subsistem para a consolidação da relação de bens e bem assim virem informar quais são os elementos bancários que estão em falta após o que deverá o Tribunal decidir em conformidade.” (sublinhado nosso);
qq)-Face a esse requerimento conjunto, o Mmo. Juiz “a quo” proferiu um despacho em que, nomeadamente refere, “…determino, ainda, a notificação das partes para, no mesmo prazo de 10 dias, virem aos autos indicar os elementos/informações bancárias em falta, após o qual o Tribunal determinará junto das respetivas instituições bancárias que sejam prestadas as informações em causa com a maior brevidade possível.”;
rr)-É ínsito e não só tácito que desse requerimento e do douto despacho acima transcrito concluir que as diligências até então realizadas nos autos, por um lado as decorrentes do incidente de reclamação de bens, por outros as promovidas pelo cabeça-de-casal para averiguação de outros bens comuns na posse da interessa[da], com vista à sua posterior relacionação, todos de natureza bancária, prosseguiriam, devendo as partes indicar e requerer aquelas que se revelassem necessárias a título de prova, para posterior decisão sobre essas matérias;
ss)-E tanto assim é que os autos revelam à saciedade que, desde a apresentação do requerimento do ora recorrente de 21/11/2016, concomitantemente com as diligências encetadas referentes à reclamação de bens, se pretende também conhecer, de forma expressa e não só tacitamente, com a autorização e a própria intervenção do tribunal recorrido junto das instituições bancárias em causa, os saldos das respectivas contas da interessada à data da propositura da acção de divórcio (19-05-2005) e que a relação de bens aparentemente não espelha, pois no longo lapso temporal decorrido desde a sua apresentação, os elementos bancários juntos aos autos têm revelado, indiciariamente, uma situação patrimonial diferente e que era desconhecida pelo cabeça-de-casal até então;
tt)-Ora, tais informações foram solicitadas por se afigurarem pertinentes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, por ser necessário o apuramento de todas as contas bancárias tituladas pelo ora recorrente e pela interessada na constância do seu matrimónio, para efeitos de partilha, uma vez que o cabeça-de-casal, face ao sigilo bancário e como é facto notório, não consegue obter por si;
uu)-Vejam-se, a título de exemplo, os requerimentos apresentados aos 21/11/2016, sobre o qual recaiu o despacho (de deferimento) de 23/01/2017, a 06-02-2017 e 06/03/2017 e respectivo despacho de deferimento de 13/03/2017, de 10/05/2017, os requerimentos e douto despacho transcrito na Acta de conferência de interessados de 19/06/2017, os ofícios ao Banco de Portugal de 28-06-2017 e deste de 27/07/2017, o requerimento do Cabeça de Casal datado de 8/09/2017, o Douto despacho de 13/09/2017, os sete ofícios enviados pelo Tribunal da 1ª instância aos 13-10-2017, a Acta de 27-11-2019, o requerimento de 02-11-2017 de fls. 1345vº, a Acta de 13-11-2017, os requerimentos de 27-11-2017 e de 19-02-2018, o douto despacho de 02-03-2018 e o requerimento de 10-05-2018 (este último ainda não decidido);
vv)-Ou seja, ao longo do processo e à medida que o ora Cabeça de Casal requeria mais informações acerca de contas bancárias referentes à interessada, o Tribunal a quo deferiu sempre e sucessivamente esses pedidos;
ww)-Esses despachos, com o claro propósito acima referido, transitaram, formando caso julgado formal;
xx)-Mas mesmo que assim se não entenda, o certo é que o vício aqui em causa sempre seria o da falta de poder jurisdicional de quem profere a decisão modificativa de outra anteriormente proferida, gerando a inexistência jurídica da decisão proferida em segundo lugar;
yy)-Efectivamente, da transcrição dos vários despachos mencionados resulta claro que, debruçando-se sobre a mesma questão, foi decidido de modo flagrantemente contraditório: nos despachos proferidos em primeiro lugar determinando-se o prosseguimento das diligências junto das instituições bancárias em que a recorrida tinha aberto contas, como titular ou co-titular, no despacho agora sob recurso determinando-se o seu indeferimento;
zz)-E tal aconteceu sem que nada o fizesse prever, por contrário ao que se passou até ao referido despacho, de que ora se recorre, em que se passou a entender que essas informações extravasam o objecto do incidente de reclamação contra a relação de bens;
aaa)-Discordando-se frontalmente de tal entendimento, que desconsidera o do próprio tribunal, anteriormente, que sempre considerou pertinente e útil o que o cabeça-de-casal requereu nesse sentido;
bbb)-Não só as informações pretendidas não extravasam o âmbito das inúmeras diligências efectuadas junto das instituições bancárias por ordem do tribunal “a quo” através de despachos proferidos desde janeiro de 2017 até março de 2018 - atente-se que desde então a instância tem sido sucessivamente suspensa ou sido adiadas outras diligências de provas - com vista ao apuramento dos saldos bancários do ex-casal à data da propositura da acção de divórcio (19-09-2005), como são pertinentes para a realização da partilha dos bens comuns da interessada e do cabeça-de-casal, evitando-se partilhas que não sejam conformes a realidade, neste caso concreto, eventualmente, por não se haverem relacionado todos os bens a partilhar;
ccc)-Foi exactamente no âmbito do incidente de reclamação de bens nos presentes autos e através das informações que foram sendo solicitadas pelo Tribunal recorrido e recebidas, que foi possível saber e concluir que existem contas bancárias da reclamante, cujos saldos poderão ser bens comuns do casal, nos termos legais;
ddd)-O que, naturalmente, influi na partilha dos bens a efectuar;
eee)-Sendo que o cabeça-de-casal desconhecia, à data da apresentação da relação de bens, a existência das referidas contas bancárias, como expressamente alegou (cfr. os referidos requerimentos de 19-06-2017 e de 20-01-2020, a título de exemplo);
fff)-Esses factos novos vieram ao conhecimento do recorrente apelante só depois de ter apresentado a reclamação contra a relação de bens, na sequência de diligências sugeridas por ela e efetuadas pelo tribunal, nomeadamente com o ofício do Banco de Portugal de 27/07/2017, cuja informação foi pedida pelo próprio tribunal recorrido;
ggg)-Afigura-se que o douto despacho recorrido não pode vedar ao cabeça-de-casal o direito ao exercício efetivo do contraditório, consubstanciado no direito de indicar e produzir prova sobre os factos de que teve conhecimento só depois de apresentar a relação de bens e no âmbito das diligências relacionadas com a reclamação contra a relação de bens deduzida pela interessada, para apurar se existem valores monetários pertencentes ao ex-casal, e que estavam na posse exclusiva daquela;
hhh)-A manter-se a decisão recorrida, facilmente constataríamos que as diligências já efetuadas pelo tribunal durante quase três anos, mas ainda não concluídas, para averiguar se a interessada tinha outras contas bancárias à data da propositura da acção de divórcio, não indicadas na relação de bens, deixariam de ter efeito prático no processo de inventário, deixando em aberto essa questão, prejudicando claramente uma das partes em benefício da outra, já que apenas as diligências de prova refentes à reclamação de bens passariam a ter lugar;
iii)-O certo é que foi determinado por este Tribunal, por douto despacho proferido em 19/06/2017 (ref.ª Citius 367182403), na Conferência de Interessados, com base no requerimento expresso do ora signatário ali apresentado, que determinadas instituições bancárias prestassem informações sobre as contas bancárias da interessada, por se vislumbrar que existiam outros bens comuns do ex-casal, na posse desta;
jjj)-E que não foi, aliás, objecto de impugnação por parte da interessada, nessa nessa altura, nem anteriormente e nem até ao referido requerimento do cabeça-de-casal de 09-12-2019;
kkk)-Que também nada disse sobre o requerimento de 20-01-2020;
lll)-Aliás, o adicionamento (ou a exclusão) de bens à relação de bens comuns inicialmente apresentada não está legalmente vedado às partes;
mmm)-Sendo que relativamente à conta bancária no BPI Private Banking com o nº 51419.7 em que a interessada MA foi co-titular, juntamente com o cabeça-de-casal e a mãe daquela, AM, antes da data da propositura do divórcio (19/09/2005) e, que por lapso, o BPI não informou este tribunal, o CC não logrou obter resposta a esse pedido que formulou junto daquela instituição bancária, conforme alegou oportunamente;
nnn)-Ao entender diversamente, o Tribunal a quo violou, designadamente, as normas acima identificadas (arts. 1689º, 1697º, 1730º e 1789º CC e 3º, 4º, 5º, 6º, 411º, 413º, 423º, 432º, 436º, 443º, 611º, 613º, 615º, nº 1, al. d), 628º, 1110º e 1111º CPC e 1344º 1348º, 1352º e 1353º CPC pretérito) e consequentemente deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se a sua substituição por outro que admita o requerimento e os documentos que o instruem, datado de 30/04/2021, ref.ª Citius 29091981, e também na parte em que indefere o ponto nº 2 do requerimento de 12-6-2020 (ref.ª Citius 26393157 ) por entender que extravasa o objecto do incidente de reclamação contra a relação de bens, declarando-se que o despacho impugnado não produz quaisquer efeitos e ordenando-se a sua substituição por outro que ordene que os autos de inventário prossigam os seus termos normais com a apreciação e decisão sobre aquele pedido de elementos documentais/informações, com vista ao esclarecimento da verdade, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA».

Notificada das alegações, a Requerente contra-alegou, concluindo no sentido de que o recurso não deve ser admitido e, sendo-o, deve ser rejeitado ou, quando assim não se entenda, não devem ser conhecidas as conclusões nn) a oo), devendo no mais o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Em 21.03.2022 o Recorrente pronunciou-se quanto à arguida inadmissibilidade do recurso e à suscitada rejeição deste.

Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir, sendo que por despacho do relator relegou-se para acórdão a apreciação da admissibilidade do recurso, questão de imediato se abordará.

II.

DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.

1.Do regime legal recursivo aplicável.

O inventário a que se refere o presente recurso foi instaurado em 31.08.2012.
À data vigorava o Código de Processo Civil de 1961, com as alterações, entretanto, havidas, designadamente as decorrentes dos Decretos-Leis n.ºs 329-A/95, de 12.12, 38/2003, de 08.03, e 303/2007, de 24.08.
O processo de inventário era então regulado nos artigos 1326.º a 1406.º do CPCivil, sendo que a matéria de recursos decorria dos respetivos artigos 676.º 732.º-B, na redação do referido Decreto-Lei n.º 303/2007.
Entretanto, a partir de 01.09.2013, com a Lei n.º 41/2013, de 26.06, entrou em vigor um novo Código de Processo Civil, sendo que neste a matéria de recursos consta dos artigos 627.º a 702.º e, com a Lei n.º 117/2019, de 13.09, o processo judicial de inventário passou a estar regulado nos artigos 1082.º a 1135.º, dispondo o artigo 1123.º do regime dos recursos em matéria de inventário.
No que respeita à aplicação da lei no tempo, o artigo 7.º, n.º 1, da referida Lei n.º 41/2013, de 26.06, veio dispor que «[a]os recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei».

A contrario sensu, decorre daquela norma jurídica que quanto a ações instauradas a partir de 1 de janeiro de 2008, os recursos interpostos de decisões proferidas a partir de 01.09.2013 são regulados pelo disposto no Código de Processo Civil de 2013.

O princípio da aplicação imediata da lei processual decorre igualmente do artigo 136.º do CPCivil: «[a] forma dos diversos atos processuais é regulada pela lei que vigore no momento em que são praticados».

No mesmo sentido dispõe ainda o artigo 12.º, n.º 1, 1.ª parte do Código Civil: «[a] lei só dispõe para o futuro».,

Como referem Castro Mendes e Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, volume I, edição de 2022, páginas 74 e 75, «[e]m regra, todas as leis são de aplicação imediata (art. 12.º, n.º 1, 1.ª parte, CC), pois que todas as leis entram em vigor para se aplicarem de imediato às situações que abrangem. As leis novas devem aplicar-se, todavia, com respeito do domínio regido pela lei antiga, ou seja, não devem aplicar-se de forma retroativa (artigo 12.º, n.º 1, 2.ª parte, CC). Estes princípios são válidos na teoria geral do direito e válidos precisamente nos mesmos termos, em direito processual civil».

«(…) Em processo, importa considerar não só os actos necessários ao desenvolvimento da instância, mas também os efeitos processuais de actos processuais. Quanto àqueles actos, a regra é a aplicação imediata da lei nova aos processos pendentes (art.º 12.º, n.º 1, 1.ª parte, CC), o que implica a observância do princípio tempus regir actum na sua dupla vertente: a de que os actos processuais são regidos pela lei vigente no momento da sua realização e a de que os actos praticados no domínio da lei antiga permanecem admissíveis e válidos (…)».
No caso em apreço.
Uma vez que os autos de inventário em apreço foram instaurados em 31.08.2012 e o recurso em causa foi interposto em 14.02.2022 é, pois, em função do regime processual vigente naquela última data que importa apreciar e decidir da admissibilidade do recurso em apreço. 
  
Assim.

2.Da apelação autónoma no inventário, com relevância in casu.
Nesta sede configuram-se pertinentes as normas dos artigos 1123.º, n.ºs 1 e 2, bem como 644.º, n.º 1 e 2, do CPCivil, ambos na sua versão vigente em 14.02.2022, data da interposição do recurso em apreço.
Em matéria de «admissibilidade» de recurso, o artigo 1123.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil, remete para «as disposições gerais do processo de declaração» e dispõe que «[c]abe ainda apelação autónoma (…) da decisão sobre a competência, a nomeação ou a remoção do cabeça de casal», «das decisões de saneamento do processo e de determinação dos bens a partilhar e da forma da partilha», bem como «da sentença homologatória da partilha». 
Por sua vez, o artigo 644.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil elenca taxativamente as decisões imediatamente recorríveis, enquanto, pois, apelações autónomas.  
Segundo o disposto no artigo 644.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alíneas d), do CPCivil, no que aqui releva, «cabe recurso de apelação (…) da decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo (…) a incidente processado autonomamente», bem como «do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meios de prova».
Naquele primeiro segmento normativo está em causa um «incidente processado autonomamente», isto é, aquele que é regulado pela lei processual civil de forma independente relativamente à ação principal, embora intrinsecamente relacionado com esta, assumindo tal natureza os denominados «incidentes da instância», regulados nos artigos 292.º a 361.º do CPCivil.
Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, edição de 2018, página 204, «[a] apelação autónoma apenas abarca “os incidentes processados por apenso, como ocorre com a habilitação, (…) mas que é extensiva a outros incidentes tramitados no âmbito da própria ação, desde que sejam dotados de autonomia. Tal como ocorre com os incidentes de intervenção de terceiros, (…) com o da liquidação ou com o de verificação do valor da causa, cada um deles a implicar trâmites específicos que não se confundem com os da ação em que estão integrados (…)».
Em sentido que se tem por similar,  expõe Teixeira de Sousa, in post de 20.10.2020, Jurisprudência 2020 (76), no blogippc.blogspot.com, «(…) tendo presente que qualquer incidente dispõe sempre de algum grau de autonomia, afigura-se-nos que foi intenção do legislador incluir na referida al. a) do nº 1 do art. 644º apenas os incidentes que a lei processual civil expressamente prevê e regula de forma autónoma relativamente à acção principal, nos art. 296º a 361º do CPC. Neste sentido, o Ac. do STJ de 16.06.2015, CJ, III, 123, refere que esses incidentes “são apenas aqueles a que a lei atribui tal processado independentemente do que é próprio das acções em que se possam suscitar, encontrando-se regulados nos art. 296º a 361º: verificação do valor da causa, intervenção de terceiros, liquidação” (…)».
No que respeita ao artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPCivil, quanto à admissão de apelação autónoma do «despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meios de prova», tal normativo refere-se a peça processual, e aos respetivos meios de prova, considerada como própria, típica, da normal tramitação do processo ou de incidente com natureza de causa.
Conforme artigo 147.º, n.º 1, do CPCivil, «[o]s articulados são as peças em que as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os pedidos correspondentes», sendo que como tal devem ser igualmente consideradas as peças processuais respeitantes à tramitação inerente a um incidente com natureza de causa.
Com referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Lourenço, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume II, edição de 2014, páginas 67 e 68 «[o]s requerimentos têm a natureza de articulado quando exponham os fundamentos da ação (e da defesa) (…). O mesmo se diga das peças processuais apresentadas nos incidentes com a natureza de uma causa. (…)».
«(…) O legislador equipara os simples requerimentos (não expõem os fundamentos da ação) aos articulados, em diversos institutos, fazendo-o expressamente (…). Não o faz no preceito comentado, o que é portador de significado. Não admite, pois, a norma uma interpretação extensiva, no sentido de fazer incluir no seu âmbito de aplicação os simples requerimentos (…).  Tratando-se de simples requerimento apresentado no âmbito de um incidente, terá a parte interessada que aguardar pelo seu termo para recorrer (n.º 1 al. a), e 3 [do referido artigo 644.º]. Considerando a normal maior celeridade na decisão do incidente, esta é a solução que melhor contabiliza os interesses presentes».
 
Por outro lado, a «rejeição» do «articulado» ou «meio de prova» reportam-se a situações cujo articulado ou meio de prova não foram judicialmente aceites pelo Tribunal em razão de motivos de ordem meramente formal, não por motivos de natureza substancial.

Não sendo caso de apelação autónoma, o recurso da decisão deve ser interposto com a apelação autónoma que veja a ser interposta a final ou, não havendo «recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão», conforme n.ºs 3 e 4 do artigo 644.º do CPCivil.

De outro modo, qualquer decisão era suscetível de apelação autónoma, o que não foi seguramente intenção do legislador quando de forma taxativa enumerou as situações de apelação autónoma.

Na esteira dos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 25.05.2016, processo n.º 15/14.1TBMGG-B.G1, e de 17.05.2018, processo n.º 1644/15.1T8CHV.G2, ambos in www.dgsi.pt/jtrg, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.09.2021, processo n.º 1459/18.5T8VRL-C.G1, www.dgsi.pt/jtrg,  «(…) para efeitos de subsunção da rejeição de articulado ou meio de prova na al. d), do n.º 2 do art. 644º do CPC, ou seja, para indagar se aquela concreta decisão que não admitiu o articulado ou o meio de prova requerido é ou não passível de apelação autónoma, “importa distinguir a rejeição do articulado da pretensão nele formulada, pois que apenas há rejeição do articulado quando o tribunal, sem analisar a causa – isto é, o conteúdo do articulado sobre a relação material controvertida, ou sobre a relação processual, decide sobre os pressupostos formais da sua admissibilidade”».

«Quando o tribunal rejeita o articulado ou o meio de prova, não com fundamento exclusivo na inadmissibilidade dos mesmos por claudicação dos respectivos pressupostos formais para a apresentação desse articulado ou para a apresentação/requerimento do meio de prova, mas com fundamentos substanciais, isto é apreciando o conteúdo desse articulado ou a relevância desse meio de prova sobre a relação material controvertida ou sobre a relação processual, então o caso não se subsume à al. d), do n.º 2 do art. 644º do CPC, pelo que essa decisão, nos termos do n.º 3 do art. 644º do CPC, pode ser impugnada no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1, onde se insere a sentença final” (…)».

3.Da situação vertente.
O presente recurso reporta-se aos pontos I, 2.ª parte, e V da decisão de 24.01.2022.
Naquele primeiro segmento, o Tribunal recorrido indeferiu a requerimento de 12.06.2020 do Cabeça de Casal, aqui Recorrente, «atendendo ao teor dos despachos anteriormente proferidos sobre as diligências probatórias requeridas pelos interessados».
O ponto V da decisão recorrida reporta-se a requerimento de 30.04.2021, igualmente do Cabeça de Casal, no qual este pedia que fossem reconhecidos determinados créditos que indicava, ao mesmo tempo de apontava a respetiva prova, sendo que nessa sede o Tribunal recorrido entendeu que «o incidente (…) suscitado» carecia «de fundamento legal, nesta fase processual do processo de inventário, mostrando-se impertinente e desnecessário para a decisão do incidente de reclamação contra a relação de bens», termos em determinou «o desentranhamento e a restituição aos  respetivos apresentantes, dos requerimentos e documentos que os acompanham, apresentados pelo Cabeça de casal em 30.04.2021 e pela Requerente em 14.05.2021».

Considerando o exposto quanto à admissibilidade legal da apelação autónoma e a decisão recorrido nos termos indicados é manifesto que o recurso em apreço não se configura legalmente admissível como apelação autónoma.

Por um lado, é manifesto que a decisão recorrida não respeita à «competência», «nomeação» ou «remoção do cabeça de casal», nem se refere ao «saneamento do processo (…) determinação dos bens a partilhar e (…) forma da partilha», tal como não constitui uma «sentença homologatória da partilha», termos em que se mostra inaplicável ao caso o disposto no artigo 1123.º, n.º 2. 

Por outro lado, a decisão recorrida não se refere a incidente processado autonomamente, nem a articulado típico do processo de inventário ou incidente deste com natureza de causa, sendo que quanto ao requerimento de 12.06.2020 o Tribunal recorrido indeferiu o aí requerido e, pois, apreciou do respetivo mérito, o que só por si obstava a que o respetivo recurso se integrasse no referido artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPCivil, conforme exposto.
Os autos de inventário prosseguem seus termos para apreciação e decisão da reclamação à relação de bens, sendo que os respetivos articulados típicos, legalmente previstos e admitidos nessa sede, foram apresentados pelas partes há mais de sete anos, em 2015.
O requerimento de 30.04.2021 do Cabeça de Casal não se insere de todo em todo naquela tramitação, constituindo, antes, pelo menos em parte muito substancial, uma prestação de contas de cabeça de casal, a qual tem processo próprio, conforme artigos 2093.º do CCivil e 941.º e seguintes do CPCivil.  
Neste contexto, uma vez que todos os meios de prova rejeitados pela decisão recorrido reportavam-se ao referido requerimento de 30.04.2021, também nessa parte urge entender como inadmissível a apelação autónoma.    
Em suma, a decisão recorrida é insuscetível de apelação autónoma e, em consequência, importa considerar como inadmissível o recurso interposto da decisão de 24.01.2022.
Mostram-se, assim, prejudicadas as demais questões suscitadas.
*

Quanto às custas do recurso.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, na relação jurídico-processual recursiva o Recorrente configura-se como a parte vencida, pois o presente recurso por ele interposto não é admitido.
Nestes termos, as custas do recurso devem ser suportadas pela Recorrente, incluindo naquelas tão-só as custas de parte, conforme artigos 529.º, n.º 4, e 533.º do CPCivil, assim como 26.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais.

III.DECISÃO 

Pelo exposto, não se admite o recurso interposto.
Custas, na vertente de custas de parte, pelo Recorrente.



Lisboa, 15 de setembro de 2022



Paulo Fernandes da Silva - (relator)
Pedro Martins - (1.º adjunto)
Inês Moura - (2.ª adjunta)