Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14649/17.9T8SNT-A.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
SÓCIO
PROCEDIMENTO CAUTELAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Nos termos do art. 380º, nº1 do C.P.C., “qualquer sócio” pode requerer a suspensão das deliberações sociais, nos moldes aí enunciados, o que significa que essa qualidade é pressuposto da instauração do referido procedimento cautelar especificado, incumbindo ao demandante o ónus de alegação e prova de que é acionista da sociedade anónima cuja deliberação está em causa.

2. O que, arrogando-se os requerentes serem titulares de um conjunto de ações ao portador, passa pela alegação e prova de que são possuidores dessas ações e do negócio causal à detenção dos títulos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

  
I.RELATÓRIO:
*

Ação
Procedimento cautelar de suspensão de deliberação social.
///////////////////////////////////////////

Requerentes/apelantes
José de O. S. e
Ricardo S. de O. S..
////////////////////////////////////////////
Requerida/apelada
L. Cabeleireiros, S.A.
///////////////////////////////////////////
Pedido
Suspensão das deliberações aprovadas na Assembleia Geral da requerida de dia 29.06.2017, constantes da ata junta como doc. 5.


Causa de pedir
Os requerentes são acionistas da requerida e, em conjunto, são portadores de ações ao portador representativas de 22,25% do capital social da requerida.

No dia 29.06.2017 a Assembleia Geral da requerida, integrada por S., SGPS, S.A., identificada como acionista única, deliberou a destituição e substituição dos requerentes enquanto Administradores da requerida.

Tal assembleia não foi alvo de qualquer convocatória, nem os requerentes estiveram presentes na reunião, que é assim nula nos termos do artº 56.°, nº 1, al. a), do C.S.C..; pese embora a indicação constante da ata de que estava presente “a acionista única das dez mil ações representativas do capital social” da requerida, a sociedade S. SGPS, SA, os requerentes são portadores dos referidos títulos pelo que a aprovação dos referidos pontos da ordem de trabalhos dessa assembleia estava dependente da presença dos requerentes, o que não aconteceu.

Por outro lado, a nomeação dos membros dos órgãos sociais da requerida, como das outras sociedades do grupo, depende de prévia deliberação do Conselho de Administração da sociedade S., SGPS, S.A., aprovada pela maioria dos seus membros em exercício de funções. O Conselho de Administração da referida sociedade, em reunião de 27.06.2017, aprovou a destituição e substituição por cooptação dos requerentes das funções de administradores da mesma. Não aprovou a nomeação de novos administradores da requerida. Essa deliberação foi também objeto de procedimento cautelar de suspensão da sua execução.

A nomeação dos dois administradores foi efetuada sem prévia aprovação do Conselho de Administração da SGPS o que foi efetuado com o conhecimento do presidente da mesa da Assembleia Geral da Requerida, que é também membro do Conselho de Administração da SGPS.

A destituição e subsequente nomeação de novos administradores constituem reação à oposição dos requerentes à realização de pagamentos por parte das empresas do grupo à sociedade búlgara I... LTD, constituída pelos administradores MB... e JS... e que, para este efeito, é manifestamente uma “interposta pessoa” destes administradores, em violação do disposto no art. 397º, 2 do C.S.C., permitindo a continuação da delapidação do património da requerida.

Oposição
A título de questão prévia, pugna pela suspensão do procedimento até decisão do procedimento cautelar instaurado conta S., SGPS, S.A..

Os requerentes não são acionistas da requerida, ao contrário do que invocam; são acionistas da S., SGPS, S.A. sendo o negócio composto atualmente por 10 salões de cabeleireiro, numa estrutura societária em que a S. SGPS SA, é detida pelo 1º requerente, pai de JS..., com 23,8% do capital, o 2º requerente, irmão de JS..., com 12,3%, JS... com 25,3% e MB... com 38,6%.
Detendo a S. SGPS SA, a 100%, cada uma das sociedades dominadas (E... SA, LC... SA, LN... SA e V... SA); a partir de 13-08-2013 e na sequência da transmissão das ações, a totalidade do capital social da requerida passou a ser detida pela S. SGPS SA, titular das 10 000 (dez mil) ações.
Aquando da constituição da SGPS, os acionistas das sociedades que então integravam o grupo, endossaram a totalidade das ações de que eram portadores à SGPS, que passou a ser a única acionista de cada uma das mesmas.
O contrato com a sociedade Búlgara foi realizado com o conhecimento e acordo dos requerentes.
A providência cautelar constitui manifestação da guerra societária que os requerentes desencadearam aos demais acionistas, visando alcançar uma posição de negociação mais vantajosa e o controlo do grupo.
Os requerentes usam meio processual inadequado uma vez que as deliberações impugnadas já foram executadas e litigam com abuso de direito e má-fé.
Alega ainda a falsidade do documento nº4 apresentado pelos requerentes, alusivo aos estatutos da requerida, juntando a “versão verdadeira” desses estatutos; o mesmo acontece com os estatutos das demais sociedades, incluindo a S. SGPS SA, sendo que na “versão verdadeira”, o órgão de administração é composto por um máximo de quatro administradores, não sendo estabelecido um número mínimo de membros do Conselho de Administração; os requerentes pretendem socorrer-se do art. 17º, dos Estatutos da requerida, numa redação que não foi a aprovada pelos seus acionistas.

Resposta
Os requerentes mantêm a posição assumida no requerimento incial, propugnando pelo indeferimento do incidente de falsidade.

Julgamento
O pedido de suspensão do procedimento foi indeferido.
Procedeu-se a julgamento e proferiu-se decisão, em 09-10-2017, que concluiu nos seguintes termos:

“Decide-se assim, nos termos e pelos fundamentos expostos:
a)- Julgar improcedente, por não verificação de um pressuposto essencial do mesmo, o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberação social e, em consequência, absolver a Requerida do pedido;
b)- Julgar improcedente, por não provado, o pedido de condenação dos Requerentes como litigantes de má-fé.
Custas a cargo dos Requerente, fixando-se o valor da causa em conformidade com o indicado no requerimento inicial (art.s 305.° e 306.° do CPC).
Registe e notifique”.

Recurso
Não se conformando os requerentes apelaram formulando as seguintes conclusões:
“1ªO Tribunal a quo, na sentença proferida no presente procedimento cautelar, entendeu não determinar providência requerida por considerar que os Requerentes são parte ilegítima na mesma vez que, não obstante ter dado como indiciariamente provado que os Requerentes são portadores de ações da Requerida (cfr. factos dados como indiciariamente provados sob os nºs 5 e 6), tal consubstancia uma mera detenção e não uma prova da titularidade dessas mesmas ações,
Não pode a Recorrente conformar-se com tal entendimento!
Com efeito, tendo em consideração o normativo legal aplicável, nomeadamente regime jurídico de transmissão das ações ao portador, os estatutos da Requerida e a matéria de facto dada como provada, outra não poderia ter sido a conclusão senão a de que os Requerentes são parte legítima nos presentes autos.
O artigo 52.°, nº 1, do Código dos Valores Mobiliários (na versão anterior à que lhe foi dada pela Lei nº 15/2017, de 3 de maio, e em vigor à data da emissão dos títulos), que permitia ainda a emissão de ações ao portador, definia que estas não permitem ao emitente (a sociedade) a faculdade de conhecer a todo o tempo a identidade dos titulares, permitindo-se assim uma livre transmissão  das ações sem que haja qualquer registo, por parte da sociedade emitente dos títulos, de quem são, a cada momento, os seus efetivos titulares.
Já nos termos do artº 104.° do CVM estabelece-se que “a demonstração da titularidade das acções é feita por intermédio de documento comprovativo do depósito em estabelecimento bancário ou ela posse das acções”.
Conforme resulta da decisão recorrida, considerou-se indiciariamente provado (i) que o capital social da Requerida é representado por ações ao portador, (ü) que os Requerentes são portadores de ações correspondentes a, respetivamente, 11,13% e 11,12% do capital social da Requerida (pontos 5º e  6.° da matéria de facto provada).
Ora, atendendo ao factualismo dado como indiciariamente provado e o normativo legal aplicável, não se compreende e muito menos se pode aceitar a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, sendo evidente que a decisão recorrida viola frontalmente o disposto no artº 104.° do CVM.
Acresce que a decisão recorrida ignora em absoluto os Estatutos da Requerida e a vontade dos seus acionistas neles expressamente prevista, já que, conforme resulta igualmente indiciariamente provado, os estatutos da sociedade Requerida, no seu artigo 14.°, nº 3, dispõem o seguinte: “A demonstração da titularidade das acções é feita por intermédio de documento comprovativo do depósito em estabelecimento bancário ou pela posse das acções (cfr. ponto nº 7 da matéria de facto dada como provada).
Ou seja, tendo em consideração o regime legal previsto no CVM, reforçado pela vontade dos acionistas expressamente prevista nos estatutos e a natureza dos títulos em causa, a demonstração da titularidade das ações é feita através da apresentação dos correspondentes títulos, sendo certo que como resulta indiciariamente provado, os mesmos estão na posse dos Requerentes.
10ªLogo, ainda para mais em sede de procedimento cautelar e perante um juízo de natureza meramente indiciária, outra não pode ser a decisão senão a de considerar os Requerentes parte legítima, na medida em que são possuidores dos títulos (ao portador) correspondentes a 22,25% do capital social da Requerida.
11ªE não se alegue - para se concluir em sentido inverso, como na decisão recorrida – que resulta provado que o 2.° Requerente transmitiu a sua participação social na Requerida a favor da S. SGPS ou, tão pouco, que as ações dos Requerentes foram objeto de averbamento de transmissão no livro de registo de ações da Requerida a favor da S. SGPS ou, ainda, que as mesmas evidenciam um endosso expresso a esta sociedade.
12ªDispõe o nº 1 do art. o 101º do CVM, que as ações ao portador se transmitem com a entrega aio título ao adquirente, sendo entendimento absolutamente unânime da Doutrina e da Jurisprudência a tradição dos títulos das ações ao portador é condição de eficácia do negócio jurídico subjacente a essa mesma transmissão.
13ªAssim, ainda que tivesse sido celebrado um qualquer negócio jurídico entre os Requerentes e a S. SGPS tendente à transmissão das ações - negócio que não foi dado como indiciariamente  provado pelo Tribunal a quo - o mesmo não seria eficaz, por falta de tradição das ações, sendo apenas gerador de obrigações entre as partes, sem poder ser imposto perante terceiros.
14ªSendo inequívoco que também a Jurisprudência dos nossos Tribunais superiores vai no sentido de que sem a tradição das ações não se toma perfeita (leia-se, não se concretiza e, consequentemente, não produz efeitos) a transmissão (independentemente da natureza do negócio jurídico causal).
15ªContudo, contrariando o entendimento da doutrina e jurisprudência, o Tribunal a quo concluiu pela transmissão das ações de que os Requerentes se arrogam titulares - com a consequente ilegitimidade dos Requerentes - sem que tenha dado sequer como indiciariamente provada a celebração de um qualquer negócio jurídico causal dessa mesma transmissão (que chega a reconhecer como essencial para a legitimação da posse) e sem a entrega dos títulos correspondentes!
16ªAliás, mesmo quando se refere na decisão recorrida que os Requerentes não provaram a existência de um acordo que estivesse na base da sua posse das ações a título de "depósito de garantia”, com características idênticas ao penhor, o Tribunal quo parte do pressuposto da necessidade de existência de um negócio jurídico (acordo) subjacente, que titulasse a posse evidenciada pelos mesmos das ações em causa.
17ªRaciocínio que, por oposição, o Tribunal quo não aplica para a própria transmissão "original" das ações dos Requerentes para a S. SGPS, na medida em que conclui pela referida transmissão sem, contudo, estar sequer indiciariamente provado o negócio jurídico subjacente a tal transmissão.
18ªSendo certo, em qualquer caso e a propósito do "depósito garantístico", que o Tribunal a quo parece lavrar em engano quando condiciona a eficácia do mesmo à existência de registo e, por outro lado, o direito de voto do "credor pignoratício" à existência de convenção e de registo em conformidade.
19ªCom efeito, como parece aliás suceder ao longo da decisão relativamente à desconsideração da posse dos títulos pelos Requerentes, o Tribunal quo parece esquecer-se que estamos perante ações ao portador e não perante títulos nominativos.
20ªRazão pela qual, tal como o endosso não consubstancia o "modo" de transmissão dos títulos em questão nos presentes autos, também o "depósito garantístico" e o direito de voto de quem beneficia do mesmo não estariam sujeitos ou dependentes de registo ou de convenção em conformidade, já que a entrega dos títulos ao portador representativos das ações é a forma típica da constituição do penhor.
21ªPelo que, caso estivéssemos perante uma situação de penhor de valores mobiliários, sempre os Requerentes seriam os credores pignoratícios, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo
22ªOu seja, (i) não consubstanciando o endosso qualquer negócio jurídico causal subjacente à  transmissão, (ii) não tendo sido, por outro lado, dado como indiciariamente provada a celebração de um qualquer negócio jurídico que fundamente a transmissão das ações dos Requerentes para a SGPS e (iii) mantendo os Requerentes os Títulos das ações da Requerida na sua posse, terá necessariamente de concluir-se que os Requerentes são acionistas da Requerida e como tal são parte legítima na presente ação.
23ªImpondo-se assim, também por esta razão, a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que considere os Requerentes como parte legítima no presente procedimento cautelar.
Termos em que deve o presente recurso ser considerado procedente, por provado, sendo assim a sentença proferida revogada e substituída por outra que considere os Requerentes parte legítima na presente demanda”.

Foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar.

II.FUNDAMENTOS DE FACTO.

O tribunal de primeira instância deu por indiciariamente provados os seguintes factos:
1. A requerida é uma sociedade que se dedica à atividade de salões de cabeleireiro, de beleza, estética e outros serviços conexos e similares, representação e venda de produtos cosméticos, de beleza e similares (cfr. certidão permanente junta como doc. 1 do requerimento inicial, a fls. 20 a 23);
2. A requerida explora o denominado cabeleireiro S., presente no centro comercial CS, em A...

3. Além da requerida, exploram os cabeleireiros S., sob domínio da sociedade S., SGPS, S.A, NIPC 508723736, as seguintes sociedades:
(i)- E..., SA, NIPC 506.473.864;
(ii)- LN..., S.A, NIPC 503.948.780; e
(iii)-V..., S.A, NIPC 505.685.027.

4. A requerida e as sociedades referidas no ponto anterior integram o Grupo S..
5. O 1º requerente é portador de títulos representativos de 1113 ações ao portador da requerida, correspondentes a 11,13% do respetivo capital social, de que apresentou cópias sob o doc. 2 do requerimento inicial, a fls. 23-v a 29.
6. O 2º requerente é portador de títulos representativos de 1112 ações ao portador da requerida, correspondentes a 11,12% do respetivo capital social, de que apresentou cópias sob o doc. 3 do requerimento inicial, a fls. 29-v a 34.
7. O artigo 14.º, número 3 dos Estatutos da requerida estipula que:
"A demonstração da titularidade das acções é feita por intermédio de documento comprovativo do depósito em estabelecimento bancário ou pela posse das acções".

8. No dia 29.06.2017 reuniu a Assembleia Geral da requerida para deliberar sobre a seguinte Ordem de Trabalhos:
"Ponto Um: Discutir e deliberar sobre a destituição do administrador José de O. S..
Ponto dois: Discutir e deliberar sobre a destituição do administrador Ricardo S. de O. S..
Ponto três: Deliberar sobre a propositura de acções judiciais pela Sociedade contra os administradores José de O. S. e Ricardo S. de O. S..
Ponto quatro: Deliberar, sendo o caso, sobre a substituição dos administradores destituídos ao abrigo dos Pontos Um e Dois da Ordem de Trabalhos, mediante eleição de novos(s) administrador(es ).".

9. Consta da ata da referida reunião da Assembleia Geral da requerida, de que foi junta cópia como doc. 5 do requerimento inicial, a fls. 38-v a 41, além do mais, o seguinte:
"Finalmente, entrando-se na discussão do quarto e último ponto da Ordem de Trabalhos, foi concedida a palavra aos administradores da Sociedade presentes, a saber, MB... e JS, os quais, constatando e declarando a falta definitiva dos administradores destituídos ao abrigo dos anteriores pontos Um e Dois da Ordem de Trabalhos, e na ausência de administradores suplentes, solicitaram que fosse submetido a deliberação da Assembleia Geral da Sociedade, a substituição dos administradores agora destituídos, mediante eleição de dois novos administradores.
Passando-se à fase de discussão, foi assim proposta a eleição, como novos membros do Conselho de Administração, com efeitos imediatos a partir da presente data, da Senhora Maria ..., casada, contribuinte fiscal numero 1... ... ...1, residente na Rua S... R..., número ..., 1...-...2 Lisboa, e do Senhor P..., solteiro, maior, contribuinte fiscal número 1... ... ...6, residente na Quinta B..., Rua M... M..., C... G..., numero ..., 2...-... Sintra, para completarem o mandato era curso, isto é, o quadriénio 2016/2019.
Colocada à votação, foi a referida proposta aprovada por unanimidade dos votos( ... )".

10.Na referida reunião, foram também aprovadas por unanimidade as propostas constantes dos pontos um e dois da ordem de trabalhos, destituição dos requerentes, dos cargos de Administradores da requerida.
11.No dia 29.06.2017, foi requerido e inscrito no registo comercial, a destituição dos requerentes como Administradores da requerida e a sua substituição por Maria... e P...

12. O artigo 14.°, número 3 dos Estatutos da requerida estipula que:
"A sociedade fica validamente obrigada pela assinatura de três administradores, salvo em actos de mero expediente e no sacar de cheques até ao montante de cinquenta mil euros, por ato ou conjunto de actos, em que é suficiente a assinatura de um administrador".
13. No Portal da Justiça, https://publicações.mj.pt, não consta publicação de convocatória para a Assembleia Geral da requerida de 29.06.2017.

14. Na ata da reunião da Assembleia Geral da requerida de 29.06.2017 consta, além mais que:
"( ... ) Encontrava-se igualmente presente a accionista única titular das dez mil acções representativas do capital social da "LC...", conforme lista de presença que também se arquiva, tendo a qualidade de accionista e a qualidade e regularidade da representação sido verificada pela presidente da Mesa.
(...)Tendo sido manifestada pelo representante da accionista única a vontade de que a Assembleia Geral se constituísse e deliberasse sem observância das formalidades prévias, a Presidente da Mesa verificou estarem reunidas as condições para que a Assembleia Geral da Sociedade funcionasse válida e legalmente, nos termos dos números 1 e 2 do artigo 54.0 do Código das Sociedades Comerciais, tendo sido aprovada, por unanimidade, a seguinte Ordem de Trabalhos".

15. A "accionista única" mencionada na referida ata é a sociedade S., SGPS, S.A., pessoa coletiva número ..., com sede na Rua ..., Porto.

16. O artigo 20.°, número 3 do Estatuto da sociedade S., SGPS, S.A. estabelece que:
"As deliberações a adoptar em sede de assembleia geral ou de conselho de administração das sociedades dominadas pela Sociedade no que respeita aos assuntos previstos no artigo 17.° e no presente artigo 20.° destes Estatutos terão de ser objecto de prévia deliberação do Conselho de Administração da Sociedade que terá de ser aprovada pela maioria dos seus membros em exercício de funções".

17.O artigo 17.°. nº 3, al. k), do Estatuto da sociedade S., SGPS, S.A. estabelece que as deliberações relativas a, entre outros, a nomeação de membros de órgãos sociais", serão aprovadas por maioria qualificada de sessenta e cinco por cento do capital social.
18.Até ao dia 27.06.2017 o Conselho de Administração da sociedade S., SGPS, S.A. era composto por JS, MB..., o 1.° requerente e o 2.° requerente.
19. No dia 27.06.2017 reuniu a Assembleia Geral da sociedade S., SGPS, S.A. que aprovou a destituição sem justa causa dos requerentes, do cargo de Administradores da sociedade S., SGPS, S.A.

20. No mesmo dia, o Conselho de Administração da sociedade S., SGPS, S.A. reuniu e deliberou sobre os seguintes pontos da Ordem de Trabalhos:
"PONTO UM: Deliberar sobre a falta definitiva dos administradores José de O. S. e Ricardo S. de O. S..
PONTO DOIS: Deliberar sobre a substituição de administradores por cooptação.
PONTO TRÊS: Deliberar sobre a designação do Presidente do Conselho de Administração." 21. Nessa reunião foi deliberado substituir os Requerentes por cooptação e designar M... como Presidente do Conselho de Administração da sociedade S., SGPS, S.A.

22.No dia 07.07.2017, os requerentes requereram a suspensão da execução das deliberações do Conselho de Administração da sociedade S., SGPS, S.A. de 27.06.2017, mediante instauração de procedimento cautelar, pendente no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - J1 sob o número de Processo 5980/17.4T8VNG.
23.A Presidente da Mesa da Assembleia Geral da requerida presente na reunião da Assembleia Geral da mesma de 29.06.2017 é também Presidente da Mesa da Assembleia Geral da sociedade S., SGPS, S.A.
24.Os requerentes apresentaram, junto da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, requerimento de invocação de falsidade com o teor constante do doc. 14 junto com o requerimento inicial, a 77-v e 78, que foi inscrito no registo como An.1 Of. 20170716, das Ap. 89 e 90/20170629.
25.A sociedade IC..., com sede em ... Plovdlv, Bulgária, emitiu quatro faturas com a descrição "Entry Fee according to Services Agreement executed as of December 28th, 2015", em nome das sociedades V..., S.A., E..., S.A., LN..., S.A. e L., S.A., respetivamente nos montantes de € 127.491,00, 81.309,00, € 226.175,00 e € 171.285,00.
26.L..., S.A. efetuou o pagamento da fatura emitida em seu nome mediante quatro ordens de pagamento do dia 10.03.2017.
27.A sociedade búlgara de nome IK..., com o número de identificação de pessoa coletiva 203845667, também conhecida como I..., tem como sócios JO... e MB....
28.S. SGPS foi anteriormente denominada ...
29.Os requerentes detêm pelo menos 35,90% do capital social da S., SGPS.
30.JS...e MB... detém o capital social remanescente.

31.A requerida transformou-se em sociedade anónima em 9 de dezembro de 2008, tendo sido emitidas 10 000 (dez mil) ações tituladas ao portador, no valor de EUR. 5,00 (cinco euros) cada, distribuídas inicialmente da seguinte forma:
1)- JS..., 2.348,40 ações;
2)- MB..., 1.483,20 ações;
3)- "S. - Cabeleireiros, S.A", 2.528 ações;
4)- "V..., S.A", 2.528 ações;
5)- O 2º requerente, 1.112,40 ações.

32.Em 30 de dezembro de 2008, JS..., transmitiu a totalidade da sua participação social na requerida, isto é, 2.348,40 ações, a favor da S. SGPS.
33.Na mesma data, MB..., transmitiu igualmente a totalidade da sua participação social na requerida, isto é, 1.483,20 ações, a favor da S. SGPS.
34.Também na mesma data, o 2º requerente, transmitiu a totalidade da sua participação social na requerida, isto é, 1.112,40 acções, a favor da S. SGPS.
35.Em data não concretamente apurada, anterior a 28.11.2013, as sociedades "S. - Cabeleireiros, S.A" e "V..., S.A" transmitiram a S. SGPS a totalidade das suas participações sociais na requerida.
36.Os títulos de ações da requerida apresentados pelo 1º requerente, de 1001 a 2000, 9201 a 9300, 9881 a 9890, 9971, 9972 e 9973, e pelo 2º requerente, 3001 a 4000, 9701 a 9800, 9921 a 9930, 9984 e 9983, foram objeto de averbamento de transmissão no Livro de Registo de Ações da requerida a favor da S. SGPS e de endosso expresso no verso de cada um, datados de 30 de dezembro de 2008, também a favor da S. SGPS.
37.As listas de presenças anexas às atas das assembleias gerais da requerida de 28.11.2013, 10.06.2014, e 18.05.2015 foram assinadas pelo requerente José de O. S., "... em representação do acionista único ...
38.As listas de presenças anexas às atas das assembleias gerais da requerida de 18.12.2015 e 28.11.2016 foram assinadas pelo requerente José de O. S., " ... em representação do acionista único S. - SGPS, S.A".
39.O relatório de gestão da requerida, relativo ao exercício de 2015, na página 8, propõe a distribuição do resultado líquido do período ao acionista único.
40.No mapa de participações financeiras remetido em 26.06.2017 à Inspeção Geral de Finanças, S. - SGPS, SA declarou ser detentora de 100% do capital social da Requerida.
41.Em cartas datadas de 02.05.2017, dirigida a Novo Banco, S.A e Banco comercial Português, S.A, os requerentes, assumindo a qualidade de administradores de S. SGPS, declararam, além do mais, que esta sociedade detém participação total e direta da requerida, entre outras.
42.Em carta datada de 12.05.2017, dirigida ao Conselho de Administração de S. - SGPS os requerentes declararam, além do mais, serem acionistas da referida sociedade que, por seu turno, é detentora da totalidade do capital da requerida, entre outras sociedades.
43.A requerida, desde que passou a ser detida a 100% pela S. SGPS, à data designada "Século das Luzes, S.A", sempre realizou as suas Assembleias Gerais sem convocatórias prévias, sem que algum dos requerentes as tivessem questionado.

44.No dia 29 de junho de 2017, o Conselho de Administração da S. SGPS decidiu:
(i)- Proferir deliberações, em sede de Assembleias Gerais das sociedades por si totalmente dominadas (incluindo a requerida), de destituição de administradores, os aqui requerentes;
(ii)- Proferir deliberações, em sede de Assembleias Gerais das sociedades por si totalmente dominadas (incluindo a requerida) de propositura pelas mesmas de ações judiciais e de outros procedimentos que se afigurassem adequados, incluindo ação de responsabilidade contra os aqui Requerentes, visando, entre outros, o ressarcimento patrimonial dos danos causados por estes àquelas sociedades enquanto seus administradores;
(iii)- Proferir deliberações, em sede de Assembleias Gerais das sociedades por si totalmente dominadas (incluindo a requerida), de eleição de novos administradores para, no mandato em curso, integrarem os Conselhos de Administração daquelas;
(iv)- Atribuir poderes a qualquer um dos administradores da S. SGPS para comparecer em Assembleias Gerais das sociedades por si totalmente dominadas (incluindo a requerida) e ali deliberarem sobre os pontos referidos nos parágrafos antecedentes.

45.Em execução dessa deliberação, S. SGPS elaborou a carta de representação, datada de 29.06.2017, de que foi junta cópia como doc. 20 da oposição, a fls.278.

46.O artigo 17.° do Estatuto da requerida, na versão que em 07.08.2017 se encontrava depositada na Conservatória do Registo Predial, tem o seguinte teor:
"A administração da sociedade, com dispensa de caução, será exercida por um Conselho de Administração composto por um mínimo de três administradores e um máximo de quatro administradores eleitos em Assembleia Geral".

III.FUNDAMENTOS DE DIREITO
1.Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do novo C.P.C., diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem [  ]. No entanto, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3.
No caso, a única questão que se coloca é a de saber se os requerentes são acionistas da requerida, como invocam no requerimento inicial ou, ao invés, como entendeu a Meritíssima Juiz, se é a sociedade S. SGPS SA quem assume essa posição, sendo que a requerida é uma sociedade sua participada.

2.“São requisitos do decretamento da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais: a) a qualidade de sócio do requerente; b) a ilicitude da deliberação, por contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato; c) a susceptibilidade de a execução da deliberação causar prejuízo apreciável” [   ].
Nos termos do art. 380º, nº1, “qualquer sócio” pode requerer a suspensão das deliberações sociais, nos moldes aí enunciados, o que significa que essa qualidade é pressuposto da instauração do referido procedimento cautelar especificado, incumbindo ao demandante o ónus de alegação e prova dessa qualidade.
No caso, considerando que a requerida é uma sociedade anónima, importa atentar da qualidade invocada pelos apelantes que referem, no requerimento inicial, serem acionistas da requerida, suportando essa afirmação, basicamente, na alegação de que são portadores de ações da requerida – cfr. os arts. 5º a 8º.
Tudo se reconduz, pois, a saber se a circunstância dos requerentes serem os detentores, fisicamente, dos títulos ao portador em causa (ações da requerida), é de molde a considerar que são titulares dessas ações – e, portanto, acionistas –, em face do art. 101º, nº1 do Cód. dos Valores Mobiliários, na redação vigente à data [  ], cujo regime os requerentes convocam em abono da sua tese, e que dispunha em sede de “[t]ransmissão, de valores mobiliários titulados ao portador”, nos seguintes termos:
“Os valores mobiliários titulados ao portador transmitem-se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado”.
Paralelamente, o art. 104.º, nº1, do mesmo código, sob a epígrafe “[e]xercício de direitos”, estipulava que “[o] exercício de direitos inerentes aos valores mobiliários titulados ao portador depende da posse do título ou de certificado passado pelo depositário, nos termos do n.º 2 do artigo 78.º”

Entendemos dar resposta negativa, secundando a posição que a jurisprudência tem maioritariamente seguido, citando-se o acórdão do STJ de 15-05-2008, assim sumariado:
“1.A transmissão das acções tituladas e escriturais, fora do mercado bolsista, só fica perfeita com a entrega (acções tituladas ao portador), a declaração de transmissão escrita no título (acções tituladas nominativas), ou o registo em conta (acções escriturais); mas estes actos – que integram e traduzem o modo – não bastam, só por si, para operar a transmissão, que exige que eles se apoiem num título válido, num negócio jurídico, o negócio causal subjacente.
2.Tal significa que a transmissão não se opera por mero efeito do contrato, nem apenas e só por efeito do modo, só se efectuando por força do contrato e do modo.
3.A compra e venda de acções não é um contrato real quoad effectum – é um contrato com efeitos imediatos meramente obrigacionais, como os contratos do mesmo tipo tendo por objecto títulos de crédito em papel, para cuja transmissão se exige a tradição, o endosso ou acto equivalente.
4.Os actos exigidos por lei, e que integram o modo, não se referem ao contrato, mas sim à transmissão da propriedade das acções: são actos essenciais para a transmissão destas, mas não contendem com a validade formal do contrato.
5.Assim, um contrato de compra e venda de acções ao portador não deixa de ser válido pelo facto de o transmitente não ter feito entrega, ao adquirente, dos títulos representativos das acções; e este pode requerer judicialmente o cumprimento do contrato, a entrega das acções” [  ] [  ] [  ].
Provou-se, ao contrário do que os apelantes repetidamente invocam nas alegações de recurso, que as acções em causa foram validamente transmitidas para a sociedade gestora de participações sociais, a S. SGPS SA, relativamente à qual a requerida é uma das participadas, como resulta da factualidade dada por assente sob os números 31 a 36.
E se é certo que, pese embora esse negócio, os requerentes se apresentam como detentores das referidas ações ao portador, também se considera, seguindo a apontada orientação, que se impunha que os requerentes alegassem e provassem o negócio causal à detenção dos títulos, o que não lograram fazer, não bastando, para o efeito que ora pretendem – aquisição da qualidade de acionistas da requerida –, a prova da mera detenção das ações.

A explicação avançada pelos requerentes para a detenção dos títulos consta do articulado de resposta às exceções, indicando os apelantes que não obstante as ações da requerida serem ao portador, “após o aumento de capital social os títulos representativos do capital social da requerida foram endossados à S. SGPS SA, à data denominada ...” (art. 46º). E ainda que:
“Porém, atendendo à existência de um clima de desconfiança generalizado e como forma de acautelar litígios futuros, os Rerquerentes, JS... e MB... acordaram que as acções da Requerida, apesar de endossadas á sociedade S. SGPS S.A., seriam distribuídas entre os quatro, ficando cada um na posse de parte, segundo o volume de negócios da Requerida e segundo as participações sociais que cada um detinha (e detém) na sociedade S. SGPS S.A.” (art. 47º).
Para além de não se ter provado tal factualidade, como a Meritíssima Juiz assinala [  ], não colhe a argumentação dos apelantes, que não é consentânea com o programa contratual que emerge das relações de facto estabelecidas entre as partes, incluindo a sociedade gestora.   

Na hipótese em apreço podemos contextualizar a dinâmica das relações entre as partes, em síntese, nos seguintes moldes:
- Em 09-12-2008 operou-se a transformação da requerida numa sociedade anónima – anteriormente constituía uma sociedade por quotas – e o negócio de transmissão da totalidade do capital social da requerida para a sociedade gestora ocorreu entre 30-12-2008 e momento, não concretamente apurado, anterior a 28-11-2013 (números 31 a 35 dos factos provados).
- Os títulos de ações da requerida apresentados pelo 1º requerente e pelo 2º requerente foram objeto de averbamento de transmissão no Livro de Registo de Ações da requerida a favor da S. SGPS e de endosso expresso no verso de cada um, datados de 30 de dezembro de 2008, também a favor da S. SGPS (número 36 dos factos provados);
- O 1º requerente esteve presente nas assembleias gerais da requerida realizadas em 28.11.2013, 10.06.2014, 18.05.2015, 18.12.2015 e 28.11.2016 subscevendo as respetivas atas “em representação do acionista único S. - SGPS, S.A” – anteriormente Século das Luzes - SGPS, S.A (números 37 e 38 dos factos provados).
- Em inúmeros atos inerentes à vida da sociedade requerida sempre esta, os requerentes e a sociedade S. - SGPS, assumiram ser esta sociedade a detentora de 100% do capital social da requerida, agindo em conformidade, quer no relacionamento entre si, quer perante terceiros (números 39 a 43 dos factos provados).
Perante este quadro, tem de concluir-se que a requerida, legitimamente, confiou que os requerentes não aduziriam, na invocação de vícios das deliberações da requerida, argumento relacionado com a detenção das referidas ações. Dito de outra forma, a conduta dos requerentes foi objectivamente adequada a provocar na requerida – ou em qualquer cidadão médio, colocado na posição desta –, a expectativa de que a qualidade de acionista, com base na mera detenção dos títulos, nunca seria invocada para o exercício de direitos sociais alusivos à requerida, porquanto essa faculdade pertencia à sociedade gestora de participações sociais da qual os requerentes são, aí sim, indiscutivelmente, acionistas.

Em suma, os requerentes sempre se posicionaram como acionistas da sociedade gestora e não da sociedade participada, pese embora a invocada detenção das ações, pelo que, nesse contexto, causa perplexidade a instauração da presente ação, pela qual os requerentes deslocam o litígio da sociedade gestora [ ], para a sociedade participada.

Concorda-se, pois, com a Meritíssima Juiz, quando refere na decisão:
Por outro lado, constata-se que os Requerentes foram administradores da Requerida e da S. SGPS, pelo menos desde 31.12.2008 até 27.06.2017.
Durante esse período não apenas não procederam ao registo da garantia que agora invocam, como não exerceram qualquer direito que seja compatível com o estatuto de accionistas que agora também invocam, pelo contrário agindo no sentido da inexistência desse estatuto.
É nomeadamente de assinalar que, no período decorrido desde 2013 até 2017, foi o 1.º Requerente quem participou nas assembleias gerais de accionistas da Requerida na qualidade de representante da accionista única S. SGPS e, nessa qualidade, assumiu que a S. SGPS era a accionista única da Requerida.
A incoerência da conduta anterior dos Requerentes relativamente à posição assumida no procedimento constitui por si só demonstração suficiente, para efeitos do presente procedimento cautelar, da ilegitimidade da posse pelos Requerentes dos títulos de acções ao portador apresentados, para exercício dos direitos sociais sobre a Requerida e, consequentemente, instauração do presente procedimento.
Nos termos do art.° 380.°, nº 1, do CPC, a qualidade de sócio constitui pressuposto de legitimidade activa do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais.
Provada, ainda que indiciariamente, que a posse dos títulos apresentados pelos Requerentes não lhes confere a qualidade de accionistas, conclui-se sem necessidade de mais considerações pela não verificação do referido pressuposto essencial do procedimento, consistente na qualidade de sócio, neste caso accionista, da Requerida”.

Improcedem, pois, as conlusões de recurso.

3.Em última ratio, a concluir-se que os requerentes são acionistas da requerida, como estes se arrogam, podendo, pois, exercer os direitos respetivos, verificando-se o primeiro pressuposto de instaração do presente procedimento cautelar, então sempre teria esta Relação que ponderar a aplicação do regime alusivo ao abuso de direito (art. 334º do Cód. Civil) que, como se sabe, configura uma exceção de direito material de conhecimento oficioso.
O abuso de direito é uma das figuras sintomáticas concretizadoras da cláusula geral da boa-fé, entendendo-se esta, em sentido objectivo, como significando que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros [  ].
E verifica-se quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem [  ].
No domínio de casos em que é aplicável a proibição do abuso do direito encontra-se o comportamento tradutor de um venire contra factum proprium, definindo-se, singelamente, como o exercício de uma posição jurídica contrária ao comportamento anteriormente assumido pelo exercente.

Os seus pressupostos passam por:
a)- Situação de confiança justificada pela boa fé, que levam uma pessoa a acreditar, estavelmente, em conduta alheia – no factum proprium – determinante de aquisição de posição jurídica;  
b)- Investimento dessa confiança como orientação de vida, desenvolvendo actividade na crença do factum proprium, actividade que se vê agora destruída pelo venire, com o correlativo injusto regresso à situação anterior;
c)- Imputação da situação criada à outra parte, por esta ter culposamente contribuído para a inobservância da forma prevista pela lei ou ter-se assistido à execução do contrato através de situações que se arrastam no tempo e pacificamente” [ ].

Na hipótese em apreço, como se disse, a vingar a tese dos requerentes, necessariamente se imporia a ponderação do referido instituto, o que não se faz por desnecessidade, atenta a conclusão a que supra se chegou.
*

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.



Lisboa, 16-01-2018


                                       
(Isabel Fonseca)                                       
(Maria Adelaide Domingos)                                       
(Ana Isabel Pessoa)