Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
397/16.0T8VPV.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO PRÉVIA
OBTENÇÃO DO PARECER
IMPOSSIBILIDADE DE ASSEGURAR OCUPAÇÃO E FUNÇÃO COMPATÍVEL
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
ACIDENTE DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: A falta de comunicação prévia e de obtenção do parecer aludido no artigo 161º da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro, não torna ilícita a cessação do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do sinistrado prestar a sua actividade laboral, devendo o empregador que declarou a caducidade alegar e provar a dita impossibilidade e a inexistência de outro posto de trabalho que possa atribuir ao trabalhador.
(Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I. A) Autor, também designado por A. e recorrente: AAA.

Ré (R.) e recorrida: BBB, Lda.

O A. alegou que trabalhava como fiel de armazém para a ré até que foi vítima de um acidente de trabalho; após a alta clínica foi-lhe comunicado que não havia funções compatíveis com a sua incapacidade, o que não correspondia à verdade; a ré não obteve confirmação prévia oficial da referida impossibilidade. Com estes fundamentos pediu que se declare a ilicitude da declaração de caducidade do posto de trabalho, com a consequente reintegração e pagamento das retribuições entretanto vencidas e vincendas.

Não havendo acordo a R. contestou, excepcionando a caducidade do direito de impugnação do despedimento e alegando que na sequência do acidente o autor se recusava a ajudar a colega, passando os dias sem nada fazer; mediante a conclusão de inaptidão definitiva do autor a ré promoveu a cessação do contrato de trabalho. Pediu a rejeição da acção por extemporaneidade e, caso assim não se entenda, a sua improcedência, sendo a R. absolvida do pedido.

Saneados os atos e procedido ao julgamento, o Tribunal julgou “licito o despedimento”, e absolve-se a Ré de todos os pedidos.

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B) O A. não se conformou e recorreu, formulando estas conclusões:

1. A recorrida não solicitou, previamente à comunicação da caducidade do contrato de trabalho, a intervenção da Direcção Regional do Emprego e Qualificação Profissional (artigo 161.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009).

2. Sobre a recorrida recaía o ónus de comunicar os factos geradores da caducidade do contrato de trabalho, por forma a que fosse elaborado parecer obrigatório e vinculativo (artigo 161.º, nºs 1 e 4, da Lei n.º 98/2009).

3. A preterição de formalidades essenciais e obrigatórias gera a ilicitude dessa caducidade.

4. Pelo que a acção deveria ter sido julgada procedente.

5. Assim sendo, foram violados os artigos 155.º e seguinte da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.

Impetra se revogue a sentença, com as legais consequências.

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A R. não contra-alegou autonomamente, limitando-se a remeter para a sentença posta em crise.

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II

A) É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 635/4, 639/1 e 2, 608/2 e 663 do CPC. Deste modo o objecto do recurso consiste em saber se existe despedimento ilícito por falta da comunicação feita nos termos do art.º 161 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, Lei dos Acidentes de Trabalho (também designada por LAT) à autoridade administrativa do trabalho.

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São estes os factos apurados nos autos:

1) A ré é uma empresa que se dedica à actividade de comercialização de materiais de construção.

2) Em 9 de Março de 2011 o autor foi admitido ao serviço da ré mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado, pelo qual prestaria a actividade de fiel de armazém, mediante retribuição mensal de € 589,29.

3) O local de trabalho do autor era nas instalações da ré, localizadas no (…), sito na freguesia do Cabo da Praia, concelho da Praia da Vitória.

4) Em 10 de Novembro de 2014 o autor foi vítima de acidente de trabalho, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 25%, referindo-se esta à mobilidade/limitações de utilização da mão e braço direitos e sendo o autor destro.

5) Após a alta clínica o autor regressou ao trabalho, tendo-lhe sido comunicado, a 19 de Outubro de 2015, que nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do artº 343º do Código do Trabalho, vimos pela presente comunicar a caducidade do contrato de trabalho celebrado entre V.Exª. e a nossa empresa, em 09/03/2011, com efeitos na presente data. Com efeito, segundo a informação da Médica do Trabalho, V.Exª. foi considerado inapto definitivamente para o exercício das suas funções actuais e de todas as outras que impliquem a utilização do seu braço direito, sendo que a empresa não tem disponíveis quaisquer outras tarefas ou postos de trabalho que se adeqúem à sua incapacidade. Serão processadas todas as contas conforme estabelecido na lei.

6) E fê-lo sem que previamente tenha havido confirmação por parte da Direcção Regional do Emprego e Qualificação Profissional ou da Inspecção Regional do Trabalho, da impossibilidade de assegurar a ocupação e função compatível com o estado do autor.

7) Após o regresso ao trabalho o autor recusava-se a exercer várias tarefas, inclusive ajudar a colega (…) a furar documentos para posterior arquivo tarefa que, segundo o próprio, lhe causava dores.

8) Até lhe ser comunicada a caducidade do contrato de trabalho o autor passava os dias no escritório a fazer companhia aos colegas e pouco ou nada fazia, nem se disponibilizava para qualquer tarefa.

9) A ré não dispunha na altura e não dispõe actualmente de quaisquer tarefas ou postos de trabalho que se adeqúem à sua incapacidade, nem na delegação da Ilha Terceira, nem na sede em S. Miguel, onde se verificou um decréscimo no seu quadro de pessoal, motivado pela forte recessão que o sector da construção civil atravessou e ainda atravessa.

10) A 11 de Janeiro de 2016 a ré comunicou à Inspecção Regional do Trabalho a impossibilidade de assegurar ocupação e função compatível com o estado do trabalhador.

11) Como fiel de armazém da ré incumbia ao autor, designadamente, recepcionar mercadorias, arrumar mercadorias, servir os clientes, carregar os caros, usar o empilhador, entregar materiais, etc.

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De Direito

A questão, como vimos, resume-se a saber se a inobservância do disposto no art.º 161 da LAT torna ilícita a cessação do contrato

Dispõe este art.º 161.º, sob a epigrafe “Impossibilidade de assegurar ocupação compatível”, que:

“1 — Quando o empregador declare a impossibilidade de assegurar ocupação e função compatível com o estado do trabalhador, a situação deve ser avaliada e confirmada pelo serviço público competente na área do emprego e formação profissional nos termos previstos no presente capítulo.

2 — Se o serviço público competente na área do emprego e formação profissional concluir pela viabilidade da ocupação de um posto de trabalho na empresa ao serviço da qual ocorreu o acidente de trabalho ou foi contraída a doença profissional, o empregador deve colocar o trabalhador em ocupação e função compatíveis, sugerindo-lhe, se for caso disso, que solicite ao centro de emprego da área geográfica do local de trabalho os apoios previstos no artigo anterior.

3 — Caso o serviço público competente na área do emprego e formação profissional conclua pela impossibilidade da ocupação de um posto de trabalho na empresa ao serviço da qual ocorreu o acidente de trabalho ou foi contraída a doença profissional, solicita a intervenção do centro de emprego da área geográfica da residência do trabalhador, no sentido de o apoiar a encontrar soluções alternativas com vista à sua reabilitação e reintegração profissional”.

Não há dúvida de que o autor sofreu um acidente de trabalho e ficou incapacitado para o trabalho que exercia. Também é irrefragável que a R. não tem outro posto de trabalho que lhe possa atribuir, tudo conforme a sentença recorrida equacionou e bem.

Concretamente quanto à questão ora em discussão, única que subsiste, a sentença fundamentou a decisão destarte: 

“Aqui chegados cumpre questionar: mas a empresa não suscitou a intervenção da Direcção Regional do Emprego e/ou da Inspecção Regional do Trabalho, nos termos do artº 161º da Lei dos Acidentes de Trabalho (2009) e este facto não determina a nulidade do despedimento operado? Cremos que não. Perfilhamos o entendimento explanado, designadamente, em acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 26 de Março de 2015, onde se afirma, com referência ao indicado artº 161º: A previsão deste normativo insere-se no capítulo da “Reabilitação e Reintegração profissional”, do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, respeitando a medidas que devem ser tomadas no âmbito do direito de reparação consagrado neste regime, para minimizar as consequências derivadas da ocorrência de um acidente de trabalho ou da circunstância do trabalhador ter contraído doença devido ao exercício da sua profissão. As medidas previstas neste capítulo, mormente a consagrada na disposição legal citada não constitui uma condição sine qua non para que a empregadora possa invocar a verificação da situação contemplada pela alínea b) do artigo 343º do Código do Trabalho, como razão para a caducidade do contrato. Na eventualidade da empregadora fazer cessar o vínculo laboral com fundamento na caducidade do contrato de trabalho originada pela impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho, só tem que alegar e demonstrar a verificação do facto jurídico strictu sensu gerador da invocada caducidade, nos termos previstos pelo artigo 342º, nº1 do Código Civil”.

O A. insurge-se contra a sentença, mas verdadeiramente não dá um único argumento em prol do seu entendimento, limitando-se a esgrimir que a comunicação à autoridade administrativa é obrigatória, logo trata-se de formalidades essenciais, logo, pois, o seu incumprimento torna ilícita a cessação.

Há aqui um salto epistemológico de todo infundado. Porque é que o tal incumprimento há de tornar ilícita a cessação, isto é, porque é que uma falta de comunicação a uma entidade administrativa se reflecte, para não dizer mesmo é sancionada, com uma invalidade no plano do negócio jurídico bilateral (o contrato de trabalho) existente entre autor e réu? Isso é que cumpria demonstrar.

A primeira nota que se extrai do regime legal é que em lado algum a lei comina o incumprimento desta norma com a ilicitude da cessação, ao contrário do que ocorre noutros casos em que a falta de cumprimento de certas formalidades torna a cessação um despedimento ilícito (a título de exemplo cfr. os art.º 343/a, 344/1, 345/1, do CT, em que a falta de uma comunicação afasta a caducidade; e 381 a 385, que indicam os casos de ilicitude do despedimento por iniciativa do empregador).

Isto deve bastar para nos pôr de sobreaviso: não é qualquer incumprimento que é causa de ilicitude do despedimento, mas aquelas que a lei considera suficientemente graves para deverem ter tal sanção, o que não acontece aqui.

Parece que o recorrente se impressionou com o facto de não encontrar bem evidenciada a sanção correspondente à violação do preceito. Isso não basta, porém, para uma consequência tão gravosa, já que diversas normas têm garantias diferentes, desde coimas a reacções de natureza processual (alterar ou dificultar a prova a cargo do infrator). E nem a relevância da norma na protecção do sinistrado impõe conclusão diversa: continua a ser o empregador quem tem de provar que o trabalhador está incapacitado para o trabalho habitual e que não tem outro posto de trabalho que lhe possa dar.

E a R. provou-o nos autos.

Aliás, seria até porventura desproporcionado que um empregador com um único trabalhador, entretanto incapacitado, e sem mais postos de trabalho, fosse sancionado com as reacções correspondentes ao despedimento ilícito por declarar, de boa fé, a caducidade do contrato esquecendo a prévia comunicação.

Não merece, pois, censura a decisão. Contudo, nota-se que foi longe demais quando declarou “a licitude do despedimento”, já que não há despedimento, ou seja, resolução do contrato de trabalho por vontade unilateral do empregador: há uma mera caducidade (cfr. art.º 340.º, CT), caso em que a relação morre seja por impossibilidade do empregador, seja do trabalhador, seja porque foi atingido o fim visado com a celebração do contrato (art.º 343). Como decidiu o acórdão desta RL. de 13.01.2016, “I- A caducidade do contrato de trabalho pode decorrer da impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do trabalhador prestar trabalho (art.º 340.º e 343.º, alínea b) do CT de 2009). II- A impossibilidade é superveniente sempre que se verificar depois de celebrado o contrato de trabalho; é absoluta, em regra, quando o trabalhador não possa prestar o trabalho a que se obrigou (…); e é definitiva, sempre que o facto que a determinou seja previsivelmente irreversível. III- Porém, radicando a impossibilidade do trabalhador prestar trabalho num acidente de trabalho, o objecto do contrato pode modificar-se contra a vontade do empregador na medida em que a lei lhe impõe o dever de assegurar àquele ocupação em funções compatíveis com a sua desvalorização (art.º 284.º, n.º 8 do CT de 2009 e 161.º, n.º 1 da AT de 2009). IV- Verifica-se a impossibilidade absoluta do trabalhador prestar trabalho e por isso o empregador não está obrigado a ocupá-lo se o mesmo for pedreiro, sofreu um acidente de trabalho do qual resultou incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e a empresa apenas dispõe de lugares correspondentes a escriturário, técnico de construção civil, engenheiro, orçamentista, medidor/preparador, encarregado geral, arvorado e, também, pedreiro e servente, naqueles casos porque o trabalhador não dispõe das capacidades técnico-profissionais necessárias para exercer essas funções e, nestoutros, porque correspondem, no essencial, a funções que já não pode fisicamente exercer. V- Compete à empregadora o ónus de alegar e provar a inexistência na empresa de posto de trabalho compatível com a incapacidade do trabalhador (art.º 342.º, n.º 1 do CC)”.

Assim, com a rectificação quanto ao modo de cessação, declara-se improcedente o recurso.

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III.

Pelo exposto, o Tribunal julga improcedente o recurso e confirma a sentença recorrida.

Custas do recurso pelo A..

Lisboa, 12 de julho de 2017

Sérgio Almeida

Celina Nóbrega

Paula Santos