Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
67893/13.7YIPRT.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUMIDA
SOCIEDADE COMERCIAL
CONSULTADORIA FINANCEIRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I–Não se aplica o instituto da prescrição presuntiva previsto no artigo 317º, alínea c), do Código Civil, às relações mantidas entre sociedades comerciais, sob a forma de sociedade anónima, que mantém obrigatoriamente escrita organizada e certificada por técnicos especializados, ainda que a respectiva prestação seja executada através de profissionais liberais.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


Intentou WW CONSULTING – CONSULTORES FINANCEIROS S. A., com sede  em Lisboa, processo de injunção, o qual passou posteriormente a tramitar como acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário e, actualmente sob a forma de processo comum, contra A. com sede no Cadaval.
Alega, para o efeito, que:

No exercício da sua actividade, foram encomendados pela Ré à A. e, por esta fornecidos, os serviços de consultoria financeira no âmbito do processo de reestruturação societária do grupo Agriloja e, na angariação de capitais para suportar o plano de expansão, constantes dos descritivos das facturas que indica, emitidas entre 29/04/2001 e 31/05/2010 e, prestados à Ré, no valor total de € 36.0000,00, a pronto pagamento.

A Ré recebeu a prestação de serviços encomendada, não pagando no prazo convencionado entre as duas partes (pronto pagamento).
Interpelada novamente para efectuar o pagamento, a Ré nada pagou então e, até ao presente momento.

Assim, na presente data encontra-se em dívida, o valor do capital de e 36.000,00, a que acrescem juros à taxa legal para as operações comerciais desde a data do vencimento, no valor total de € 8.622,24, conforme descrimina.

Ao valor em dívida, acrescem os juros vincendos à taxa legal para as operações comerciais sobre o capital em dívida de € 36.000,00 até integral pagamento.

Conclui pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe o montante de € 44.775,24, correspondendo € 36.000,00 a capital devido por falta de pagamento decorrente de prestação de serviços da sua actividade, titulados pelas facturas que identifica, de € 8.622,24 a título de juros de mora e, de € 153,00 de taxa de justiça paga.

Regularmente notificada, veio a Ré deduzir oposição, alegando, para o efeito e no que releva, que:

As facturas reclamadas pela A. foram integralmente liquidadas pela Ré.

A A. é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de consultoria financeira.

Uma vez que os créditos peticionados nas facturas invocadas se venceram há mais de dois anos e, os serviços prestados pela A. à Ré foram-no no exercício de profissão liberal, os mesmos encontram-se prescritos nos termos do artigo 317.º alínea c) do C. Civil, prescrição essa que invoca e cujo decretamento requer.

Conclui, pedindo que seja a excepção peremptória da prescrição presuntiva julgada procedente, por provada, com as legais consequências e, seja a A. condenada no pagamento das custas processuais, de parte e mais legal.

Regularmente notificada da oposição deduzida e, para, querendo, se pronunciar quanto à excepção arguida, veio a A. apresentar réplica, pugnando pela improcedência da excepção de prescrição suscitada.

Regularmente notificada da réplica, veio Ré exercer o contraditório quanto ao pedido de litigância de má fé, impugnando expressamente toda a factualidade aduzida pela A. para justificar uma inexistente actuação da Ré contrária à lei, à moral e/ou aos bons costumes, devendo a Ré também ser absolvida de tal pedido.
Procedeu-se ao saneamento dos autos conforme fls. 49 a 51.

Realizou-se audiência de julgamento.

Foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenou a Ré a pagar à A. a quantia de € 36.000,00 (trinta e seis mil euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal prevista para os juros comerciais nos termos conjugados do disposto no artigo 559.º do C. C. e, do disposto no artigo 102.º do Código Comercial, desde a data de vencimento de cada factura até integral pagamento e, que até 6 de Maio de 2013 perfazem o montante de € 8.622,24 (oito mil, seiscentos e vinte e dois euros e vinte e quatro cêntimos), absolvendo-se a Ré do pedido de condenação como litigante de má fé deduzido pela A. (cfr. fls.153 a 161).

A R. apresentou recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 238).

Juntas as competentes alegações, a fls. 176 a 202, formulou a apelante as seguintes conclusões:

a) Vem a R./ ora Recorrente recorrer da douta Sentença de fls…., na parte em que a Meritíssima Juiz a quo decidiu julgar a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, decidiu condenar a Ré a pagar à A. a quantia de € 36.000,00 (trinta e seis mil euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal prevista para os juros comerciais nos termos conjugados do disposto no artigo 559.º do C. C. e, do disposto no artigo 102.º do Código Comercial, desde a data de vencimento de cada factura até integral pagamento e, que até 06/05/2013 perfazem o montante de € 8.622,24 (oito mil, seiscentos e vinte e dois euros e vinte e quatro cêntimos), por com a mesma não se conformar, versando o presente recurso sobre matéria de direito e matéria de facto.

b)Recorre a R./ ora Recorrente, também, da parte da sentença que a condenou nas custas do processo, nos termos do artº 527º do CPC.
c)No que respeita à matéria de direito, entende a Recorrente que o Tribunal a quo muito mal andou porquanto julgou não verificada a excepção peremptória de prescrição presuntiva alegada pela R./ ora Recorrente.
d)Ou seja, o Tribunal a quo decidiu, em suma, que não é aplicável aos presentes autos o disposto no artº 317º, alínea c) do Código Civil, não operando, assim, a inversão do ónus da prova nos termos do artº 350º, nº 1 e 344º, nº 1, ambos do Código Civil. E que, segundo o Tribunal a quo, a Ré não logrou fazer prova do pagamento alegado!
e)Porém, o Tribunal a quo não explica porque não validou os documentos juntos pela R./ora Recorrente no seu requerimento de fls…. (refª 19249834), comprovativos do pagamento das facturas peticionadas…
f)Salvo o devido respeito, não tem qualquer razão o Tribunal a quo.

g)E não o tem duplamente, ou seja:
Entende a R./ ora Recorrente que o argumento utilizado pelo Tribunal a quo para não dar como provado que o crédito da A./ Recorrida não é emergente de serviços prestados no exercício de profissões liberais e para, daí, não fazer aplicar o disposto no artº 317º, alínea c) do Código Civil, não é, de todo, aceitável (atento o objecto social da A./Recorrida, que é a prestação de serviços de consultoria financeira, cfr. certidão permanente de fls….);
E, ainda que se aceitasse tal argumento, sem conceder, nunca poderia o Tribunal a quo  ignorar, como o fez, que a R./ ora Recorrente, no seguimento do despacho de fls….,proferido na audiência de julgamento de 19 de Março de 2015, ao abrigo do disposto no artº 436º, nºs 1 e 2 do CPC, juntou os documentos que atestam os pagamentos das facturas em causa nestes autos.

h)Assim, e tendo em conta, essencialmente, estes argumentos, entende a R./ ora Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em manifesto e clamoroso erro de julgamento e violou, clara e concretamente, não só mas também o disposto na alínea c), do artº 317º do Código Civil, o princípio da apreciação da prova e o disposto no artº 607º, nº 4 do CPC.
i)Face ao peticionado nestes autos e a toda a prova produzida, não consegue a R./Recorrente, com honestidade intelectual, perceber e, por isso, aceitar a decisão expressa no ponto 3. dos FACTOS PROVADOS e no ponto 1. (e único) dos NÃO PROVADOS. FACTOS
j)Para mais quando a sentença que condena a R./ Recorrente no pagamento das facturas peticionadas nestes autos nada refere quanto ao facto de a R./ Recorrente ter comprovado o pagamento das referidas facturas.
k)Caso assim não fosse, teria o Tribunal a quo, obrigatoriamente, de se pronunciar sobre a junção de tais comprovativos, fundamentando, a título meramente exemplificativo, que os mesmos haviam servido para pagar quaisquer outras facturas.
l)No entanto, o Tribunal a quo não o podia nem pode fazer, porquanto não existem quaisquer outras facturas indicadas nos autos, alegadas ou documentadas (porque, pura e simplesmente, não existem), mas apenas as peticionadas.
m)Pese embora seja entendimento da Recorrente que, com base na prova existente nos autos, a decisão do Tribunal a quo deveria ter sido diversa, pelo que existe uma má interpretação do direito aplicável ao caso concreto, não deixam de existir, também, factos incorrectamente julgados de acordo com os meios probatórios disponíveis, pelo que também se recorre da matéria de facto, devendo necessariamente ser reapreciada a prova gravada.
n)Lamentavelmente, a Meritíssima Juiz a quo não teve o cuidado necessário e essencial na análise da prova testemunhal, documental e, consequentemente, na elaboração da sentença.
o)São vários os meios probatórios que permitiam à Meritíssima Juiz de Primeira Instância ter decidido de forma diferente, nomeadamente que a Recorrida efectivamente cumpriu a sua obrigação e pagou à Recorrente as facturas peticionadas.
p)A Recorrente entende que o Tribunal a quo decidiu erradamente quando, na fundamentação de facto, na resposta aos factos relevantes provados, deu como provado o facto 3.
q)Quanto a este facto dado como não provado, o Tribunal a quo sedimentou a sua convicção na circunstância de não ter sido efectuada prova de tais factos pela R./Recorrente.
r)E, pensamos que para alicerçar esta sua opinião, o Tribunal a quo socorreu-se da jurisprudência do Acórdão proferido por este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa (processo nº 843/08.7TJLSB.L1-7, de 10/12/2010), mas que trata da aplicação do regime, e não dos pressupostos da sua aplicação, ou seja, não se vê como este último argumento do Tribunal a quo tenha qualquer fundamento da jurisprudência referida.
s)Neste particular ponto, e conforme consta da oposição à injunção apresentada, a opinião da R./ Recorrente é diametralmente oposta, sendo que segue o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2006, processo 06A1764, em que foi relator o Conselheiro Nuno Cameira, disponível em www.dgsi.pt, processo em que ambas as partes eram sociedades comerciais.
t)Mais, não se compreende como pode o Tribunal a quo referir, na sentença, que o crédito da A./ Recorrida emerge de contrato de prestação de serviços e, não do exercício da actividade de profissionais liberais, quando o objecto social da A./ Recorrida é, apenas e só, a prestação de serviços de consultoria financeira?!
u)Ou não será a consultoria financeira um serviço prestado no exercício de profissões liberais?! É óbvio que sim!
v)Aliás, se assim não se entender, está encontrado o meio legal de defraudar a lei, na  medida em que, caso a mesma actividade seja prestada por uma pessoa singular, aplica-se-lhe o regime previsto na norma ora em crise (artº 317º, alínea c), do Código Civil); caso essa mesmíssima actividade seja prestada por uma pessoa colectiva, então tal norma já não se lhe será aplicável.
w)Não estaremos, com tal interpretação, a violar o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado? Parece-nos bem que sim!
x)Por outro lado, não consegue a R./ Recorrente perceber qual o entendimento do Tribunal a quo relativamente à excepção da prescrição presuntiva invocada.
y)Na verdade, e caso não a tivesse aceite, teria, obrigatoriamente, de a julgar improcedente em sede de despacho saneador. Porém, tal não aconteceu, tendo relegado o conhecimento da mesma para momento posterior.
z)Tendo a A./ Recorrida, em cumprimento do disposto no nº 1, do artº 313º, do Código Civil, requerido o depoimento de parte do legal representante da R./ Recorrente e, na sequência do mesmo, foi proferido o seguinte despacho pela Meritíssima Juiz a quo:
Uma vez que do depoimento do Legal Representante da Ré não emergiu qualquer declaração confessória, não se procede à redacção da assentada a que alude o artigo 463ºdo C.P.C.” (cfr. acta de audiência final de 19 de Março de 2015).

aa) Ou seja, não constando dos temas da prova qualquer matéria relativamente à prestação dos serviços em causa, e tendo o Tribunal a quo, ao longo de todo o julgamento, sempre referido que a única matéria em discussão apenas se subsumia ao pagamento ou não pagamento das facturas em causa e, consequentemente, à confissão do seu não pagamento pelo legal representante da R./ ora Recorrente, não é minimamente admissível, legal e/ ou processualmente, a decisão agora proferida.

bb) Logo, mal andou o Tribunal a quo ao não julgar verificada a alegada excepção peremptória de prescrição presuntiva, violando assim o disposto na alínea c), do artº 317º e o nº 1, do artº 313º, ambos do Código Civil.

cc)Ainda assim, e admitindo, por mera hipótese académica e dever de ofício, sem conceder, que aos presentes autos não é aplicável o regime nos artºs 312º e seguintes do Código Civil, em concreto na alínea c), do artº 317º, fica por explicar o motivo pelo qual o Tribunal a quo não se pronunciou acerca dos já referidos comprovativos de pagamento das facturas peticionadas nestes autos.

dd)Analisados todos os depoimentos prestados, dúvidas não restam de que as facturas em causa foram pagar e, atenta a documentação junta aos autos, tal está clara e inequivocamente provado.

ee)Analisado o depoimento de parte do legal representante da R./ ora Recorrente, depoimento prestado no dia 19/03/2015 e que foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no douto Tribunal a quo, sob juramento, não teve quaisquer dúvidas em afirmar peremptóriamente que as facturas em discussão nestes autos foram pagar.

ff)Mais, de acordo com o extracto de conta corrente, disse-o claramente, as facturas pagas foram as que têm os números 1364 e 1382.

gg)E o que consta da petição inicial?
a)Afactura n.º1364/2010 de 29/04/2010, com vencimento em 29/04/2010,no valor de €18.000,00.
b)A factura n.º 1382/2010 de 31/05/2010,com vencimento em 31/05/2010 no valor de € 18.000,00.

hh)Mas então porque não foi valorado o depoimento de parte produzido pelo legal representante da R./ Recorrente?!
ii) Porque não existe, ao longo de toda a sentença, qualquer referência a este depoimento, com excepção do já indicado despacho proferido no seu final?!

jj)No entanto, relativamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas e legal representante da A./ Recorrida, o tratamento foi antagónico face ao sucedido com a R./Recorrida, ao ponto do Tribunal a quo ter referido o seguinte relativamente às testemunhas Susana Isabel Fernandes Rodrigues Rua (directora financeira) e Filomena Isabel da Conceição Nunes (Técnica Oficial de Contas):
Ora, os depoimentos destas testemunhas foram credíveis,  porquanto as mesmas limitaram-se a relatar aquilo de que tinham  conhecimento, sendo ambas muito assertivas e seguras quanto aos factos a que foram questionadas, numa postura reveladora de sinceridade e isenção.

kk)Segundo a directora financeira da A./ Recorrida, a testemunha Fernandes Rodrigues Rua, depoimento prestado no dia 19/03/2015  através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no douto Tribunal a quo, a R./ Recorrente não pagou as facturas peticionadas nos autos, mas uma outra, alegadamente anterior, no valor de € 30.000,00 + IVA, factura que foi paga em duas tranches, através de transferência bancária para o BPI em Julho e Agosto de 2010.

ll)Desde logo, uma dúvida se levanta: quando teve início a prestação dos serviços? A A./ Recorrida não o esclareceu e, pensamos, tal teria sido essencial para demonstrar que as facturas dos autos não foram as primeiras a ser emitidas….

mm)Depois, outra dúvida surge: se o contrato previa a facturação em quatro prestações mensais equivalentes, a iniciar na data da aceitação da proposta (cfr. página 7 do contrato), e com prazo de vencimento de 15 dias (cfr. página 8 do contrato), então porque foi, alegadamente, emitida uma factura referente a duas prestações?!

nn)Mas mais: onde está a alegada factura emitida e que, segundo esta testemunha, foi paga pela R./ Recorrente? É que nos autos não existe qualquer registo da mesma, tão pouco do seu número, data de emissão e data de vencimento….

oo)Será que esta alegada factura existe mesmo?! É que, na contabilidade da R./Recorrente, ela nunca existiu….

pp)Ora, salvo melhor opinião, a partir do momento que a R./ Recorrente alega o pagamento das facturas peticionadas nestes autos e junta comprovativos de tais pagamentos, competiria à A./ Recorrida demonstrar, quiçá documentalmente, que tal não corresponde à verdade.

qq)No entanto, a A./ Recorrente não o fez, limitando-se a proferir vagas e vãs alegações poéticas e prosaicas, que nada de novo trouxe aos autos!

rr)Assim, e face ao depoimento da testemunha e ao atrás exposto, poderia o Tribunal quo adjectivar tal depoimento de assertivo e seguro? Obviamente que não!!! a

ss)Ao Tribunal a quo não deveriam ter passado em claro as questões acima enunciadas, sendo certo que esse ónus de prova competia, integralmente, à A./ Recorrida.

tt)Acresce, ainda, que esta testemunha referiu que houve e-mails da A./ Recorrida para a R./ Recorrente a solicitar o pagamento das facturas dos autos.

uu)No entanto, mais uma vez perguntamos: onde estão tais e-mails?! O único que foi junto aos autos foi impugnado pela R./ Recorrente, nos termos do disposto no nº 1, do artº 444º do CPC e do artº 374º do Código Civil, não tendo a A./Recorrida não demonstrou a sua genuinidade, sendo certo que a pessoa que, alegadamente, o produziu não prestou qualquer depoimento, apesar de ter sido arrolada como testemunha pela A./ Recorrida.

vv)Ou seja, também estes alegados e-mails não existem nos autos, tal como a alegada factura cujos pagamentos comprovados, alegadamente, serviram para pagar.

ww)Relativamente à técnica oficial de contas, a testemunha Conceição Nunes, depoimento prestado no dia 19/03/2015 através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no douto Tribunal a quo, não temos dúvidas em dizer que a mesma mentiu descaradamente perante o Tribunal a quo.

xx)Conforme consta do seu depoimento, esta testemunha referiu à Meritíssima Juiz a quo que, relativamente à contabilidade da A./ Recorrente, as coisas sempre bateram todas certo.

yy)No entanto, isso é falso, sendo informação pública e notória que a A./ Recorrente, após 2006, teve necessidade de apresentar declarações de IRC rectificativas, devido ao facto de não ter declarado lucros obtidos.

zz)A este propósito, leia-se a notícia publicada pelo diário digital “Dinheiro Vivo”(www.dinheirovivo.pt), em 13/04/2013.

aaa)E existem outros casos, também públicos e notórios, envolvendo situações contabilísticas menos claras envolvendo a A./ Recorrida, nomeadamente valores incongruentes com os apresentados perante o Tribunal Constitucional por um instituto público, mas que o Tribunal a quo preferiu, não se percebe porquê, ignorar.

bbb)De resto, as questões elencadas ao depoimento da directora financeira também são integralmente aplicáveis a esta testemunha e, invariavelmente, ficam sem resposta.

ccc)É óbvio que a contabilidade da A./ Recorrida tem falhas, e uma delas, acredita a R./ Recorrida, reside no facto de, para além das facturas peticionadas nestes autos, que foram pagas pela R./ Recorrida, não ter emitido quaisquer outras. E, também por isso, não foram pagas!

ddd)Mas, do modo como foi proposta a acção, peticionando, concretamente, as facturas em apreço nestes autos, à R./ Recorrida bastava-lhe alegar o seu pagamento, sendo certo que também o demonstrou!

eee)Aqui chegados, facilmente se vislumbra que outra deveria ter sido a decisão do Tribunal a quo, que deveria ter julgado improcedente a acção e absolvido a R., ora Recorrente, do peticionado pela A./ Recorrida.

fff)Face à prova – testemunhal e documental – produzida, não poderia ter o Tribunal a quo dado como provado que: Interpelada para efectuar o pagamento das facturas referidas em 1), a Ré nada pagou então e até ao presente momento.
 
ggg)E consequentemente, nunca poderia o Tribunal a quo ter dado como não provado que a A. Ré procedeu ao pagamento das facturas nº 1364/2010 de 29 de Abril de 2010, com vencimento em 29 de Abril de 2010, no valor de € 15.000,00, acrescida de IVA no valor de € 3.000,00, e nº 1382/2010, de 31 de Maio de 2010, com vencimento em 31 de Maio de 2010, no valor de € 15.000,00, acrescido de IVA no valor de € 3.000,00.

hhh)Ficou claramente demonstrado pelo depoimento de parte do legal representante da R./ Recorrente, bem como pelos comprovativos de pagamento juntos aos autos, pelo que deveria ter sido considerado provado pelo Tribunal a quo que procedeu ao pagamento das facturas nº 1364/2010 de 29 de Abril de 2010, com vencimento em 29 de Abril de 2010, no valor de € 15.000,00, acrescida de IVA no valor de € 3.000,00, e nº 1382/2010, de 31 de Maio de 2010, com vencimento em 31 de Maio de 2010, no valor de € 15.000,00, acrescido de IVA no valor de € 3.000,00.

iii)Face a todo exposto, deve ser dado como:

-PROVADO: A Ré procedeu ao pagamento das facturas nº 1364/2010 de 29 de Abril de 2010, com vencimento em 29 de Abril de 2010, no valor de € 15.000,00, acrescida de IVA no valor de € 3.000,00, e nº 1382/2010, de 31 de Maio de 2010, com vencimento em 31 de Maio de 2010, no valor de € 15.000,00, acrescido de IVA no valor de € 3.000,00.
-NÃO PROVADO: A Ré não procedeu ao pagamento das facturas referidas em 1. dos factos provados.

jjj)Em suma, ao julgar improcedente a acção, condenando a Recorrente no pagamento à Recorrida das facturas nºs 1364/2010 e 1382/2010, o respeitável Tribunal a quo e, consequentemente, a Sentença, ora apelada, violou o disposto nos artºs artº 317º, alínea c), 350º, nº 1, 344º, nº 1 e 374º, todos do Código Civil, bem como o princípio da apreciação da prova, o disposto nos artºs 444º, 445º, nº 2 e 607º, nº 4, todos do CPC, e o princípio da igualdade, plasmado no artº 13º da Constituição da República Portuguesa.
Contra-alegou a A., pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.

II–FACTOS PROVADOS.

Foi dado como provado em 1ª instância :

1.No exercício da sua actividade, forma encomendados pela Ré à A. e, por esta fornecidos os serviços de consultoria financeira no âmbito do processo de reestruturação societária do grupo Agriloja e, na angariação de capitais para suportar o plano de expansão, constantes dos descritivos das seguintes facturas e, prestados à Ré, a pronto pagamento:
a)Factura n.º 1364/2010 de 29-04-2010, com vencimento em 29-04-20010, no valor de € 15.000,00, acrescida de I. V. A. no valor de € 3.000,00, e
b)Factura n.º 1382/2010 de 31-05-2010, com vencimento em 31-05-2010, no valor de € 15.000,00, acrescido de I. V. A. no valor de € 3.000,000.

2.A Ré recebeu a prestação de serviços encomendada, não a pagando no prazo convencionado entre as duas partes.

3.Interpelada para efectuar o pagamento das facturas referidas em 1), a Ré nada pagou então e até ao presente momento.
4. A presente acção deu entrada em juízo no dia 6 de Maio de 2013.
 
III–QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:

1–Prescrição presuntiva. Crédito de empresa de consultaria financeira (sociedade anónima) sobre outra sociedade da mesma natureza.
2–Impugnação da decisão de facto. Ausência de prova do pagamento integral dos serviços prestados.
3–Obrigação de pagamento do montante inscrito nas facturas.

Passemos à sua análise :
1–Prescrição presuntiva. Crédito de empresa de consultoria financeira (sociedade anónima) sobre outra sociedade da mesma natureza.

Dispõe o artigo 317º, alínea c), do Código Civil:
“Prescrevem no prazo de dois anos:
(…)Os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes”.

Sustenta Ré, sociedade anónima, que o crédito invocado pela sociedade de consultaria financeira, ora A., encontra-se abrangido no âmbito da previsão da supra transcrita disposição legal.

Vejamos:

O instituto da prescrição presuntiva assenta fundamentalmente na presunção de que terá havido cumprimento da prestação, atendendo a que se trata de obrigações a pagar num prazo curto, em que não é habitual a exigência de quitação ou a manutenção por muito tempo, em poder do pagante, do respectivo documento comprovativo[1].

São estas as razões essenciais subjacentes ao instituto.

Ultrapassado o prazo legal, a lei presume o pagamento da dívida e dispensa do devedor da produção da prova respectiva, tomando em especial consideração a sensível e compreensível dificuldade em demonstrá-lo[2].

A prescrição presuntiva limita-se, portanto, a restringir a liberação do devedor ao ónus de prova de cumprimento.

Compete ao interessado na prescrição presuntiva alegar, expressa e inequivocamente, que efectuou o pagamento, ficando, nestes termos, dispensado de o provar e cabendo à parte contrária o encargo de demonstrar que a prestação não foi, afinal, realizada[3].

Na situação sub judice, encontramo-nos perante uma relação jurídica firmada entre duas sociedades comerciais, sob a forma de sociedades anónimas, com escrita organizada e certificada pelas entidades competentes.

Assim, e neste caso, o pressuposto e o fundamento geral que justificariam a aplicação do instituto da prescrição presuntiva não se verificam.

Não é crível nem pensável que uma sociedade anónima que desenvolve regularmente o seu giro comercial não disponha dos meios documentais que facilmente demonstram as operações em que intervém perante terceiros e que deixe de arquivar e registar os pagamentos a que procede.

Não pode ser de outra maneira, obviamente.

A obrigação de manter a respectiva escrita devidamente organizada e certificada por técnicos especializados constitui uma obrigação legal imperativa da sociedade anónima.

Tudo tem que estar devidamente organizado, registado e discriminado.

Logo, não faz qualquer sentido a aplicação do instituto da prescrição presuntiva às relações mantidas entre sociedades comerciais, com a escrita organizada, ainda que a respectiva prestação seja executada através de profissionais liberais.
Neste mesmo sentido tem-se pronunciado a jurisprudência maioritária.

Vide, a este propósito:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2014 (relator Salreta Pereira), publicado in www.dgsi.pt., onde se salientou que: “Impondo a lei ao autor, profissional liberal, a emissão de recibo, com cobrança de IVA, e à Ré, sociedade anónima, contabilidade organizada, sujeita a certificação por revisor oficial de contas, tratando-se de um valor avultado, não tem a mínima lógica permitir à Ré que invoque uma presunção legal de cumprimento por dificuldades na respectiva prova”.

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Outubro de 2010 (relator Gouveia Barros), publicado in www.dgsi.pt[4], onde se conclui que o crédito de uma sociedade sobre outra, emergente de um contrato de prestação de serviços entre ambas celebrado, não cabe na previsão da alínea c) do artigo 317º do Código Civil, ainda que tal prestação seja feita através de profissional liberal.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Novembro de 2013 (relator Vítor Amaral), publicado in www.dgsi.pt, onde se concluiu que o crédito de uma sociedade comercial sobre outra emergente de um contrato de prestação de serviço em que reciprocamente se vinculam, não cabe na previsão da alínea c) do artigo 317º do Código Civil, ainda que tal prestação seja feita com a intervenção de profissional liberal.

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Dezembro de 2013 (relator Vítor Amaral), publicado in www.dgsi.pt, onde se salienta que: “…a presença daquela sociedade num dos lados da relação contratual de prestação de serviços – o lado devedor – já afasta tais motivações e finalidade, por os pagamentos terem, neste âmbito, de ser documentados (com documento de quitação ou equivalente), com tais documentos a serem objecto de incorporação na contabilidade societária respectiva e aí permanecerem por largo lapso de tempo, posta a exigência de contabilidade para tal sociedade, donde que, nesse contexto, não ocorra dificuldade de prova do pagamento do devedor”.

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Outubro de 2005 (relatora Fátima Galante), publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se: ”a alínea c) do artigo 317º reporta-se a serviços prestados no exercício de profissões liberais, isto é, de actividade lucrativa por conta própria, que não seja de natureza comercial ou industrial, emergente da sua matriz humanista e intelectual, não conciliável com práticas comerciais ou industriais”.

Em sentido oposto, vide:

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Setembro de 2006 (relator Nuno Cameira), publicado in www.dgsi.pt.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Março de 2015 (relator Henrique Araújo), publicado in www.dgsi.pt.

Pelo que se conclui, em conformidade com o decidido em 1ª instância, pela inaplicabilidade à situação sub judice do regime consignado no artigo 317º, alínea c) do Código Civil, improcedendo a excepção de prescrição presuntiva suscitada pela Ré. 

2–Impugnação da decisão de facto. Ausência de prova do pagamento integral dos serviços prestados.

A apelante impugnou a decisão de facto no que concerne à prova do pagamento das facturas que servem de base ao crédito de que a A. se arroga, entendendo que deverá dar como provado que tal pagamento foi por si realizado.

Este Tribunal ouviu atentamente – como lhe competia – o registo da produção de prova testemunhal, tendo analisado a demais documentação junta ao processo.

Está, assim, em condições para valorar o juízo de facto emitido em 1ª instância.

Vejamos:
O ónus de prova do pagamento impende sobre a Ré – dado que não beneficia em seu favor, nos termos apontados, da excepção de prescrição presuntiva.
E o certo é que a Ré não provou haver efectivamente realizado tal pagamento.

Neste sentido,
Não juntou qualquer documento de quitação.
Não arrolou qualquer testemunha que tivesse sido ouvida em audiência.
Limitou-se à junção do documento de fls. 130 a 131 que constitui uma cópia das transferências bancárias realizadas pela sociedade Ré.
Do mesmo constam dois movimentos de transferência bancária que poderão revestir interesse para a decisão:
O movimento datado de 16 de Julho de 2010 para WW Consulting no montante de € 18.000,00.
O movimento datado de 10 de Agosto de 2010 para WW Consulting no montante de € 18.000,00.
As facturas em causa (nºs 1364/210 e 1382/2010) têm como data de vencimento o dia 29 de Abril de 2010 e o dia 31 de Maio de 2010 (cfr. fls. 99 e 100)
O documento junto a fls. 89 a 98 consubstancia a proposta apresentada pela A. à Ré, relativamente à execução da sua prestação.

Aí se refere que:
A remuneração fixa será facturada em quatro prestações mensais equivalentes a iniciar na data da aceitação da proposta”.
Em 24 de Outubro de 2011 foi enviado o e-mail cuja cópia se encontra a fls. 101 dirigido a Nuno Carvalho, legal representante da Ré, donde consta:
“…de acordo com as Condições de Remuneração descritas na nossa proposta de trabalho, foram expedidas 4 facturas de honorários respeitantes à componente fixa da nossa remuneração, das quais encontram-se pendentes de pagamento (as facturas supra identificadas)…”.

Não há notícia de que tal missiva haja merecido qualquer tipo de resposta, como seria mister.

As testemunhas arroladas pela A. e inquiridas em audiência de julgamento confirmaram que, no âmbito deste relacionamento comercial mantido entre as duas sociedades, foram emitidas diversas facturas.

A testemunha Susana R..., directora financeira desde 2006, afirmou expressamente que o valor total a pagar ascendia a € 60.000,00, dividido em quatro prestações de igual valor, ou seja, € 15.000,00, acrescido de IVA.

Assegurou que a Ré não procedeu ao pagamento das duas últimas facturas que foram apresentadas nesta acção. Confirmou igualmente o teor do e-mail supra mencionado, através do qual a A. exigiu da Ré o respectivo pagamento.

A testemunha Filomena I...C...N..., técnica oficial de contas da A., desde o ano de 2001 (data da constituição da empresa), afirmou que foram emitidas três facturas: a primeira no montante de € 36.000,00 + IVA; a segunda no montante de € 15.000,00 + IVA; a terceira no montante de € 15.000,00 + IVA. Garantiu que ”só está paga a primeira factura”. Assegurou a testemunha que “tem acesso aos extractos bancários das contas da empresa e que não é possível que este valor (o das facturas cujo não pagamento se acusa) tenha entrado por caixa”.

Ou seja, ambas as testemunhas convergiram no sentido de afirmarem, com plena certeza e segurança e sem serem verdadeiramente colocadas em causa nas instâncias a que o ilustre mandatário judicial da Ré procedeu, que não houve pagamento integral dos serviços contratadas, encontrando-se por pagar o valor inscrito nas duas facturas juntas aos presentes autos, que inclui o IVA.

O depoimento de parte prestado pelo legal representante da Ré foi evasivo limitando-se a remeter para um print que pediu aos serviços da empresa, nada tendo referido a propósito dos contornos do negócio, designadamente ao valor global acordado, a forma de pagamento, o número de prestações acordadas.

Era normal que, competindo afinal à Ré o ónus de provar o pagamento, houvesse diligenciado pelo conhecimento dos contornos do negócio e pelo apuramento dos valores efectivamente definidos para a sua realização.

Não o fez e nenhuma outra prova foi produzida por parte de quem tinha o encargo de demonstrar o pagamento das facturas – sendo certo que, em momento algum, foi sugerido o cumprimento defeituoso da prestação cumprida pela ora A.

Perante os elementos probatórios que os autos apresentam, não é possível, com rigor e seriedade, afirmar que a Ré logrou provar o pagamento dos montantes pecuniários que lhe são exigidos.

Pelo que nada há a alterar na decisão de facto proferida.

3 – Obrigação de pagamento do montante inscrito nas facturas.
Não havendo a Ré provado o pagamento integral dos montantes correspondentes à sua prestação no contrato que firmou, é a mesma responsável pelos valores em falta, acrescidos dos competentes juros de mora, nos termos gerais dos artigos 1154º, 406º, nº 1, 798º, 805º, todos do Código Civil.
A apelação improcede, por conseguinte.

IV-DECISÃO :

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar  improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Ré apelante.


Lisboa, 26 de Abril de 2016.
 

( Luís Espírito Santo ). 
( Gouveia Barros ).   
( Conceição Saavedra ).
                 

[1]Por todos, vide Mário Júlio Almeida e Costa in “Direito das Obrigações”, pag. 795 e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Setembro de 2015 (relatora Teresa Prazeres Pais), publicado in www.dgsi.pt.
[2]Cf. Vaz Serra in RLJ, 109º, 246.
[3]Em sentido diverso, o instituto da prescrição extintiva funda-se na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei, deixando, por isso mesmo, de ser merecedor de protecção jurídica.
Domientibus non sucurrit jus.
Assenta basicamente nos seguintes vectores ;
1º-A defesa da certeza e segurança jurídica que tende a beneficiar as situações de facto que se constituíram e prolongaram por determinado tempo, gerando no interessado a firme e fundada expectativa na sua consolidação.
2º-A necessidade de obviar às dificuldades de prova por parte dos devedores, surpreendidos com a reacção excessivamente tardia do credor.
3º-O propósito de incentivar os titulares dos direitos a serem lestos no respectivo exercício, não deixando, pela sua injustificada e excessiva demora, adensar a ideia de que abdicaram deles.
[4]O relator do aresto subscreve como 1º Adjunto o presente acórdão.