Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
155421/14.5YIPRT.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: AUDIÊNCIA PRÉVIA
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Entendendo o juiz a quo que está em condições de conhecer, no despacho saneador, de excepção dilatória e excepção peremptória invocadas, sendo que o conhecimento da excepção peremptória de prescrição é um conhecimento de mérito, tem de dar cumprimento ao disposto no art. 591º nº 1 b) do CPC, convocando audiência prévia.
Não o fazendo, incorre na nulidade prevista no art. 195º nº 1 do CPC - prática de um acto que a lei não admita, ou seja, dispensar a realização da audiência prévia quando tal dispensa não é viável legalmente, atentas as circunstâncias.
Tal irregularidade influi no exame da causa, desde logo porque impede as partes de discutirem a questão que subjaz a ambas as excepções.
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


Relatório:


R... SA, instaurou procedimento de injunção contra Associação ... Funchal, transmutado na presente acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária nos termos do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro (na actual redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20.11), peticionando a condenação daquela no montante de 4.2584,19, acrescido de juros de mora no valor de €15.l54.91.

Alegou, para tanto e em síntese, que tem por objecto a indústria e comércio de alimentos e outros produtos para animais, e no exercício dessa actividade comercial, forneceu à Ré, por ordem e sua solicitação desta, diversos bens discriminados nas respectivas facturas juntas aos autos, que foram entregues à Ré e esta, apesar de as ter recebido e aceite, não pagou os valores por aquelas titulados.

A Ré foi citada e veio deduzir oposição, alegando por excepção a nulidade do procedimento e a prescrição presuntiva, pedindo a final a procedência das aludidas excepções invocadas.

O processo seguiu os seus termos, realizando-se o julgamento e vindo a ser proferida sentença que julgou a acção procedente condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 57.739,10, acrescida de juros vincendos.

Foram dados como provados os seguintes factos:
1. A Autora, no âmbito da sua actividade comercial forneceu à Ré, e por ordem e solicitação desta, diversos bens.
2. Os bens fornecidos à Ré encontram-se discriminados nas facturas enumeradas a fls. 291 verso, 292, 292 verso, 293, 293 verso.
3. As facturas foram entregues à Ré, que as recebeu.
4. Em 28 de Julho de 2014 a Autora remeteu à Ré, que a recebeu, a missiva denominada “interpelação para pagamento", junta aos autos com a oposição/contestação - doc. 3.
5. Em 30 de Julho de 2014 a Ré, em resposta à missiva referida no facto anterior, remeteu à Autora a missiva denominada "interpelação para pagamento", junta aos autos com a oposição/contestação - doc. 4.
6. O fornecimento dos produtos da Autora foi destinado pela Ré a alimentar os cavalos e os de associados que praticam actividades hípicas.
  
Inconformada, recorre a Ré, concluindo que:
O presente recurso de apelação vem interposto da douta sentença datada de 14/12/2016, que julgou a acção totalmente procedente e em consequência decidiu condenar a Ré Associação ... a pagar à Autora R ... SA o valor de €57.739,10 (cinquenta e sete mil, setecentos e trinta e nove euros e dez cêntimos), acrescido dos juros vincendos, calculados às diversas taxas dos juros comerciais fixadas em cada momento, sobre o capital de € 42.584,19, até efectivo e integral pagamento e ainda condenar a Ré Associação ... a pagar as custas da acção.
O presente recurso de apelação vem igualmente interposto do despacho datado de 11 de Maio de 2015, com referência 39828460, que dispenou a realização da audiência prévia nos termos do 593° nº 1 do CPC em sede do qual foi também proferido despacho saneador que indeferiu as excepções de nulidade e prescrição presuntiva das facturas peticionadas pela Autora nos termos do disposto no art. 317° al. b) do Código Civil.
O presente recurso versa sobre a matéria de facto dada como provada e não provada em audiência de julgamento, versa sobre direito, bem assim versa sobre a reapreciação de prova gravada e da prova documental junta aos autos.
Com o devido respeito, considera a Apelante que manifesta-se na sentença de que ora se recorre um erro notório na apreciação da prova, violando assim o princípio da livre apreciação de prova nos termos consignados a art. 607° nº 5 e 640° nº 1 aI. b) do Novo Código de Processo Civil. A decisão sob censura violou entre outros, os seguintes preceitos legais: Artigos 607.° nº 4 do NCPC e 436.°, nº 1 do CC
Considera ainda a Apelante que o despacho recorrido, datado de 11/05/2015 ao dispensar a audiência prévia violou o art. 593°/1 e 591° al. b) do CPC, e ainda o despacho saneador, constante do mesmo despacho datado de 11/05/2015 violou o disposto nos arts. 317° al. b) do Código Civil e art. 13° do Código Comercial, bem assim não vai de encontro com o pensamento doutrinário e jurisprudêncial sobre essa questão.
Com efeito, a Autora aqui Apelada, instaurou procedimento de injunção contra a Ré, aqui Apelante, transmutado na presente acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária, peticionando a condenação da Ré ora Apelante no montante de €  42.584,19, acrescido de juros de mora no valor de € 15.154,91, alegando, para tanto e em síntese, que tem por objecto a indústria e comércio de alimentos e outros produtos para animais, e no exercício dessa actividade comercial, forneceu à Ré, por ordem e solicitação desta, diversos bens discriminados nas respectivas facturas juntas aos autos, que foram entregues à Ré e esta, apesar de as ter recebido e aceite, não pagou os valores por aquelas titulados.
A Ré foi citada e deduziu oposição, alegando por excepção a nulidade do procedimento e a prescrição presuntiva, pedindo a final a procedência das aludidas excepções invocadas.
 Foi proferido despacho em 11 de maio de 2015, em sede do qual o tribunal a quo decidiu dispensar a realização da audiência prévia nos termos do art. 593° nº 1 e, de seguida, proferido despacho saneador nos termos do art. 595° do CPC.
Entende a Apelante que o despacho proferido em 11/05/2015 violou o disposto a arts. 591° nº 1 al. b) e 593°/1 ambos do CPC e ainda o disposto nos arts. 317° al. b) do Código Civil e art. 13° do Código Comercial, bem assim não vai de encontro com o pensamento doutrinário e jurisprudêncial sobre essa questão, porque senão vejamos:
Resulta de forma clara e inequívoca que a realização da audiência prévia apenas está dispensada apenas nos casos previstos no nº 1 als. d) e) e f) do art. 191° do CPC.  Ora, uma vez que a Ré invocou uma excepção dilatória em sede de oposição à injunção que  cumpria ao MM Juiz apreciar, não poderia o tribunal a quo  dispensar a realização da audiência prévia, porquanto de acordo com a al. b) do mencionado artigo, é sempre realizada audiência prévia com vista a "Facultar  às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias".
Tendo o tribunal a quo conhecido da excepção dilatória através de saneador, proferido no mesmo despacho em que dispensou a realização da audiência prévia, a Ré por requerimento datado de 19/05/2015 apresentou reclamação, requerendo a realização da audiência prévia e indicando os meios de prova necessários para conhecer-se das excepções invocadas, onde se inclui a excepção dilatória, contudo, por despacho proferido a 11/06/2015, decidiu o tribunal indeferir o peticionado.
A Ré em 12/06/2015 requereu novamente a realização da audiência prévia, informando que havia intentado recurso do despacho proferido a 11 de Junho de 2015, pelo que o mesmo não havia transitado em julgado, devendo por isso ser realizada a referida audiência e aditados os temas de prova que destinavam à decisão das excepções por si invocadas. Contudo, novamente, entendeu o tribunal a quo, por despacho datado de 08/07/2015 voltou a indeferir.
Entende, assim, a Apelante que ao ter dispensado a audiência prévia quando havia uma excepção dilatória que cumpria ao MM. Juiz decidir, foi violado o disposto a art. 593°/1 e 591 ° nº 1 al b). Ficando a Ré de "mãos e pés atados" pois que, por um lado, não foi realizada audiencia prévia a fim de facultar as partes a discussão de facto e de direito no caso da excepção dilatória invocada, conforme se impunha, pois que o tribunal decidiu acerca das excepções invocadas em sede de despacho saneador que foi o mesmo que decidiu pela dispensa da audiência.
Por outro lado, do despacho saneador referido, de  11/05/2015, que indeferiu as excepções invocadas pela Ré no seu articulado de oposição à injunção, e por forma a evitar que se criasse caso julgado, foi interposto recurso de apelação pela Ré, em 11 de Junho de 2015, tendo o tribunal a quo decidido, em sede de despacho datado de 21/09/2015 que o mesmo era extemporâneo devendo ser consideradas estas questões se e quando o Ré apresentasse recurso da decisão final.

Assim e no que se refere à alegada exceção dilatória (Nulidade do procedimento):
Dispõe o art. 1.° do diploma preambular do DL nº  269/98, de 1 de setembro, com a redação do DL n.º  303/2007, de 24 de agosto, que "... aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma.".
ln casu,  ao procedimento foi dado o valor de € 57.892,10. De sorte, a injunção apenas pode ser aplicada quando esteja em causa uma dívida igualou inferior a € 15.000,00 ou uma dívida que resulte de obrigações emergentes de uma transação comercial, sendo que, neste caso, não existe qualquer limite ao valor.
A AHM, ora Apelante, não é uma empresa nem realiza transações comerciais, assim, com o devido respeito, entende a Apelante que o procedimento de injunção, enquanto processo com tramitação própria, é insusceptível de utilização no caso sub judice.
Destarte, é incontroverso que a pretensão da Requerente ora Apelada de tutela jurídica aferida por um pedido de € 57.892,10 (correspondente à antiga forma ordinária), fazendo uso de um meio processual construído com base na antiga ação sumaríssima, diminui substancialmente as garantias de defesa da Requerida ora Apelante, v.g. reduz o prazo de defesa de 30 para 15 dias, excluí dilações e não permite o acesso imediato aos documentos que são identificados no requerimento inicial.

Porque assim, deveria o tribunal a quo ter conhecido da nulidade de todo o processo e absolvido a Ré AHM da instância - al. b) do nº 1 do art. 278.° e aI. b) do art. 577.°, ambos do novo CPC. Devendo a mesma ser conhecida e decretada por este Venerando Tribunal da Relação, entendendo a Apelante estarem disponíveis todos os elementos necessários a tal.
No que se refere à exceção perentória (Prescrição presuntiva): A Autora aqui Apelada, instaurou procedimento de injunção contra a Ré, aqui Apelante, transmutado na presente acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária nos termos do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, peticionando a condenação da Ré ora Apelante no montante de 42.584,19, acrescido de juros de mora no valor de €15.154.91.
Alegou, para tanto e em síntese, que tem por objecto a indústria e comércio de alimentos e outros produtos para animais, e no exercício dessa actividade comercial, forneceu à Ré, por ordem e solicitação desta, diversos bens discriminados nas respectivas facturas juntas aos autos, que foram entregues à Ré e esta, apesar de as ter recebido e aceite, não pagou os valores por aquelas titulados.
Com efeito, a AHM, ora Apelante, não é uma empresa nem realiza transações comerciais, sendo, sim, uma Associação sem fins lucrativos.
A Autora só em 28 de Julho de 2014, para grande surpresa da Ré, enviou uma carta de interpelação para pagamento das quantias peticionadas nos presentes autos, sem que nunca o haja feito antes, sendo que ao recepcionar essa missiva, a Ré ora Apelante, por carta datada de 30/07/2014, endereçada à respondeu que tudo o que havia sido requisitado pela AHM, ora Apelante havia sido pago por esta, invocando a prescrição presuntiva.
A Apelante não vende consumíveis e material desportivo, e não tem para este efeito qualquer loja aberta ao público, não vende rações e forragens, tem cavalos a penso exclusivamente para os seus sócios e não tem o objeto alegado pela Apelada no requerimento de injunção.
A Apelante é uma "associação sem fins lucrativos, continua a designar-se por "Associação ..." e terá natureza desportiva, cultural e recreativa." Vide estatutos juntos aos autos.
"A Associação ..., não tem por fim o lucro económico dos associados e tem por objectivo cultivar os desportos equestres por todas as formas, promover o seu desenvolvimento e propagar o gosto e o interesse pela equitação e pelo hipismo." - Vide estatutos juntos aos autos.
A Apelante está enquadrada como sujeito passivo "Residente que não exerce, a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola" e declarou não auferir qualquer valor susceptível de tributação em sede de IRC e está isenta do IVA porque, de acordo com o nº 8 do art. 9.° do CIVA, estão isentas do pagamento daquele imposto as prestações de serviços efetuadas por organismos sem finalidade lucrativa que explorem estabelecimentos ou instalações destinados à prática de atividades artísticas, desportivas, recreativas e de educação física a pessoas que pratiquem essas atividades.
Na declaração de registo de atividade da Ré junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, sem prejulzo do seu objeto estatutário referido no artigo 26.° deste articulado, constam as seguintes atividades: "organismos reguladores das atividades desportivas" e "ensinos desportivo e recreativo".
Por tudo o que se vem de dizer é lícito concluir que a Associação ..., ora Apelante, não é uma empresa, não é comerciante, não exerce uma indústria e o fornecimento dos produtos da Apelada não se destinou ao exercício industrial da Apelante e o fornecimento dos produtos da R... não foram destinados a comércio por banda da Apelante, antes foram destinados a alimentar os seus cavalos e os de associados que praticam atividades hípicas (conforme aliás consta dos factos provados - vide facto 6).
V Contudo, por despacho saneador datado de 11 de maio de 2015, a excepção de prescrição presuntiva invocada pela Ré foi indeferida, pois entendeu a M. Juiz a quo que os bens adquiridos pela Ré destinam-se à sua actividade, o que, pelo disposto no art. 3° alínea b) do Decreto-Lei 32/2003 de 17 de Fevereiro, determina que o fornecimento dos bens à Ré enquadram-se como um acto de comércio não se aplicando a prescrição presuntiva, pelo que, salvo melhor opinião andou mal o tribunal a quo ao decidir nestes termos.
No despacho recorrido, a M. Juiz a quo baseia-se no art. 3.° dos estatutos da Ré, que refere que a Ré procura manter uma organização de aluguer de cavalos, conforme estatutos que acompanham o presente recurso, mas o art. 3.° dos estatutos da Ré refere muitos outros fins relacionados com a organização não lucrativa. Embora se refira ao aluguer de cavalos esta atividade nunca foi implementada no sentido do conceito técnico de aluguer, pois a Ré não aluga e nunca alugou de forma profissional cavalos, entenda-se, não pode um associado ou não associado, solicitar à Ré o aluguer de cavalos e levá-los para fora das instalações da Recorrente.
A qualificação de comerciante, ou não comerciante, para efeitos do disposto no art. 317° al. b) do Código civil deverá ser aferida pelo disposto no art. 13° do Código Comercial e não pelo Decreto-Iei 32/2003. Determinando o art. 13° do Código Comercial que são comerciantes "1º As pessoas, que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste profissão; As sociedades comerciais. "
Ora, é comerciante que pratica actos profissionais de carácter permanente e com fins lucrativos, o que não é o caso da Apelante.
Com efeito, a interpretação seguida no despacho ora recorrido para além de não ser conforme ao disposto no art. 317° al. b) do Código Civil e art. 13° do Código Comercial, também contraria o entendimento jurisprudêncial sobre esta questão.
No despacho recorrido a prescrição presuntiva é de imediato afastada pelo disposto no art. 3° dos estatutos da Ré, contudo, não resulta demonstrado que o produto adquirido à Autora se destine ao exercício industrial da Ré.
O entendimento subjacente no despacho saneador ora recorrido, subsume a aquisição dos produtos enunciados nas facturas a uma actividade comercial/industrial, pondo de parte que tal aquisição fosse para consumo próprio da Recorrente. Contudo, os produtos adquiridos pela Ré foram destinados a alimentar os seus cavalos e os de associados que praticam actividades hípicas, pelo que não existe qualquer actividade comercial ou industrial subjacente à aquisição desses produtos!!
 Mais, a Meritissima Juiz a quo, baseando-se no art. 3°, alínea b) do DL 32/2003, de 17 de Fevereiro, define empresa como "qualquer organização que desenvolva uma actividade económica  ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular", aplicando esta norma ao presente caso. Contudo e com o devido respeito por opinião diversa, mas considera a Recorrente que não há margens para dúvidas de que a Apelante não é uma empresa.
Aliás, os modelos que normalmente geram a maior confusão entre si são, geralmente, o de cooperativa e associação. E não é por menos: os dois baseiam-se nos mesmos princípios - são sociedades de pessoas sem fins lucrativos - e necessitam, para serem criados, da aprovação de estatuto em assembleia geral de associados e eleição de diretoria e conselho fiscal. Mas, até entre estes, as semelhanças param por aí.
Enquanto as associações têm uma finalidade mais política, de desenvolvimento do setor e defesa de interesses de classe, as cooperativas têm uma finalidade económica, de comercialização de produtos e serviços de determinado grupo.
Ou seja, a associação está vinculada a uma atividade social e a cooperativa é indicada para levar adiante uma atividade comercial. Já a empresa tem outro caráter: uma organização de pessoas e bens que tem por objecto o exercício de uma actividade económica, em economia de mercado e visa lucro. ou seja, o fim ultimo da reunião dos sócios, com os respectivos contributos para o exercício da actividade comum, terá de consistir na obtenção de um enriquecimento patrimonial, de um lucro, e não de outras vantagens ideais ou mesmo materiais.
Assim, facilmente se verifica que a Recorrente não é uma empresa, não é comerciante, não exerce uma actividade comercial, é apenas e tão só uma Associação sem fins lucrativos, designada por "Associação ..." e tem uma natureza desportiva, cultural e recreativa.
Por outro lado. uma vez que os produtos adquiridos não se destinam a uma actividade industrial da Apelante. tendo a Apelante adquirido tais bens enquanto consumidora, não existem razão para a excusão da aplicação da prescrição presuntiva de 2 anos, prevista a art. 317. aI. b) do Código Civil, porquanto:
A Apelante adquiriu bens á Apelada apenas e tão-somente para consumo. Conforme aliás facto que resultou provado a ponto 6 da sentença de que ora se recorre "6. O fornecimento dos produtos da Autora foi destinado pela Ré a alimentar os cavalos e os de associados que praticam actividades hípicas".
A Apelante não vende e nunca vendeu aqueles bens, pois não é comerciante, não exerce qualquer actividade comercial ou industrial.
Estipula o art. 317º b) do CC, quanto à prescrição presuntiva que, prescrevem no prazo de dois anos "b) Os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor. "
Ora, se por um lado, de acordo com todo o exposto se pode cocluir que a Apelante não é comerciante, de acordo com o artigo supra citado, podemos também concluir que, ainda que a Recorrente fosse considerada comerciante, o que não se concede, se os bens por si adquiridos, não se destinassem ao seu comércio (o que sucede, uma vez que foram para consumo) também se poderia aplicar o referido artigo, no presente caso, no que se refere à prescrição presuntiva, pois o próprio artigo faz essa ressalva, "a  quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio".
Assim, não sendo a Recorrente comerciante e não se destinando os bens adquiridos a comércio, mas sim a consumo, andou mal o tribunal a quo, ao improceder as excepções invocadas pela Ré em sede de oposição à Injunção devendo ser declarada a prescrição presuntiva, por força do disposto a art. 317º al. b do Código Civil.
Pelo que pugna-se pela prolação de acórdão que, emanado dos Venerandos Juízes Desembargadores. julgue procedente a apelação, revogue a decisão recorrida. e, em consequência. determine as excepções invocadas, julgando improcedente a acção e absolvendo a Ré do pedido e da instância.
Ou,  em alternativa, caso assim não se entenda,
No que se refere à sentença proferida a 14/12/2016 de que ora se recorre, entende a Apelante que manifesta-se na sentença recorrida um erro notório na apreciação da prova, considerando os Apelantes que o Mmo. Juiz "a quo" , não fez uma correcta apreciação da matéria de facto dada como provada e não provada, da matéria de facto produzida em audiência de julgamento, existindo na sentença ora recorrida a violação do princípio da livre apreciação de prova nos termos consignados a art. 607º nº 5 e 640º nº 1 a. b) do Novo Código de Processo Civil.
Pois que conjugando-se a matéria de facto dada como provada e a prova documental e testemunhal produzida e gravada em audiência, detecta-se um erro notório na apreciação da prova, ou seja, houve um erro de julgamento da matéria de facto provada e não provada, tendo sido indevidamente interpretada e valorada a prova documental e testemunhal produzida, porque senão vejamos:
Relativamente ao facto 2 "os bens fornecidos à Ré encontram-se discriminados nas seguintes facturas ... ", ao facto 3 "as facturas foram entregues à Ré que as recebeu", o tribunal teve em conta os documentos juntos e o depoimento "espontâneo, sincero e objectivo da testemunha M..., directora financeira da Autora, que corroborou a existência do saldo em dívida por parte da Ré titulado pelas aludidas facturas"
Quanto à prova documental, nada existe nos autos que prove que as facturas foram entregues à Ré. Nem sequer na única interpelação que a Autora fez à Ré para pagamento (já em 2014) se se dignou a juntar as referidas facturas dando conhecimento das mesmas à Ré.
A Ré nunca admitiu que os bens fornecidos pela Autora eram exactamente os constantes daquela factura. A Ré apenas admitiu que houve fornecimentos e que esses fornecimentos estavam todos pagos até á data.
Quanto à prova testemunhal, a referida testemunha M... apenas começou a prestar serviços para a Autora aqui Apelada em 2014. Não tem conhecimento dos fornecimentos realizados pela Autora entre os anos de 2006 e 2011, não sabe se aqueles bens foram ou não entregues à Ré, não sabe se as facturas foram ou não entregues à Ré e também desconhece se houve qualquer interpelação da Autora à Ré para pagamento das facturas que ora peticiona.
A referida testemunha, desconhece a maneira como eram efectuadas as entregas pela Autora e os respectivos pagamentos por parte dos clientes, apenas começou a trabalhar como directora financeira para a Autora em 2014.
Do depoimento da testemunha ora enunciada, conjugado com a falta de prova documental que demonstre que os bens fornecidos pela Autora à Ré eram os constantes daquelas facturas e que todas as facturas foram apresentadas pela Autora a Ré para pagamento, verifica-se que não é possível dar como provado os
pontos 2 e 3.                                                                                                                 Repare-se que as faturas juntas aos autos são meras cópas que nem resultam estar assinadas pela Ré. A Autora não juntou qualquer documento que demonstre que as mesmas foram de facto apresentadas à Ré para pagamento.
Aliás a própria autora faltou à verdade em sede de requerimento incicial (injunção), ao alegar que: "As facturas foram entregues à requerida, que  as recebeu. As facturas foram, aliás, assinadas pela requerida, em confirmação da recepção e da conformidade das mercadorias. As facturas encontram-se vencidas. Apesar de diversas vezes interpelada para proceder ao pagamento das facturas em dívida, a requerida nada pagou." (negrito nosso)
Se a Autora não só entregou as facturas à Ré, como inclusivamente as assinou, porque não resultam nos autos quaisquer facturas assinadas pela Ré?? A Autora sabe e tem consciência de que a única interpelação que houve pela Autora à Ré para pagamento foi em 2014 - de facturas respeitantes ao período entre 2006 a 2011 que nem foram anexas à comunicação para pagamento!
A verdade é que não houve interpelações anteriores para pagamento, e não houve porque tudo o que foi fornecido pela Autora á Ré foi pago. Ou a Autora só se lembrou em 2014 que forneceu à Ré em 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2010 os bens constantes daquelas facturas e a Ré ainda não os pagou?? E porque razão haveria a Autora de continuar a fornecer à Ré durante seis anos sem que a Ré lhe pagasse??
A Autora o que fez foi aproveitar-se do facto de a Ré não ter contabilidade organizada e do facto de durante muito tempo haver uma desorganização contabilística por parte da Ré, o que era do conhecimento do Autora, tanto que Administrador da R... foi tesoureiro da Associação ... Pelo que a presente acção não passa de um aproveitamento por parte da Autora, bem sabendo que a Ré nada lhe deve.
Tudo isto veio a ser corroborado pelo depoimento prestado por P..., que entre os anos 2010 e 2011 foi vice-presidente da Ré, ora apelante, contudo não foi tido em conta pelo tribunal a quo, que teve em conta o depoimento prestado por essa testemunha para efeitos de fundamentar a "desorganização contabilística e a falta de cumprimento generalizado dos compromissos da Ré", mas já não o teve em conta para o demais, conforme deveria.
Pelo que não se percebe como pode o tribunal a quo dar como provado que as copias das facturas juntas aos autos foram pela Autora, á Ré, que as recebeu. Muito menos se percebe como é que a Ré é condenada no pagamento de juros moratórios se nem sequer resultou provado que as facturas hajam de facto sido entregues e, a ter sido, quando foram.
Entendem assim os Apelantes que os pontos 2 e 3 dos factos provados deverão ser dados como não provados, tendo em conta o depoimento prestado pela directora financeira da Autora, bem assim pela ausência de prova documental que sustente aqueles factos.
Razão pela qual deverá ser declarada nula a sentença recorrida, art. 615° nº 1 al. b), c) e e) do CPC, e ser substituída por outra que julgue a matéria de facto nos termos anteriormente expostos - 662°/1 e 665°/1 ambos do CPC.
Consequências jurídicas em caso de ser dado como não provado os pontos 2 e 3 dos factos provados da sentença recorrida:  Com efeito, não sendo dado como provados os pontos 2 e 3 dos factos provados, verifica-se que nunca poderia a Ré ser condenada no pagamento da quantia de € 57.739,10, como foi.
Desde logo porque não resultam quaisquer valores em divida por parte da Ré à Autora. Depois porque como a obrigação de pagamento da R. configuraria uma obrigação a prazo ou a termo, assente no decurso do prazo de vencimento das facturas, o envio destas e a sua recepção. constituía uma condição essencial.
A Autora no seu requerimento inicial alega que a Ré ano só recebeu as facturas como as assinou "em confirmação da recepção  e da conformidade das mercadorias", porém, a Autora não logrou fazer prova, quer do envio das facturas à Ré, quer da sua recepção, por parte desta. Assim sendo, tal estado de situação configura mora da credora, que não da devedora.
Em consequência, não poderia a Ré, ora Apelante, ser condenada a liquidar o valor das ditas facturas, nem no pagamento de juros de mora, decorrentes da falta de pagamento, daquelas.
- Repare-se que além do capital, a Ré peticiona a título de juros a quantia de €15.154,91 (quinze mil cento e cinquenta e quatro euros e noventa e um cêntimos) e para que seja devido o pagamento dos juros antes de mais é necessário a interpelação para pagamento, designadamanete com a apresentação da respectiva factura (de onde resulte o valor a pagar, a data de vencimento, etc ... ).
A Autora não conseguiu provar a entrega das facturas à Ré nem o recebimento das mesmas por parte desta, não existem interpelações para pagamento à excepção da missiva dirigida à Ré em 2014 (da qual não constam quaisquer facturas), pelo que nunca poderia a Ré ser condenada no pagamento daquela quantia quer a título de capital, quer a título de juros moratórios! Pois não se sabe em que data supostamente a Ré se constituiu em mora, nem se sabe como chegou a Autora ao cálculo de tal montante.
Aliás, das próprias facturas resulta que o pagamento alegadamente seria em 60 dias, mas quando se verifica a data de vencimento, verifica-se que a mesma vence-se 30 dias depois.
Face ao exposto, e à falta de prova quer documental quer testemunhal acerca da apresentação das facturas pela Autora à Ré, nunca poderia a Ré ter sido condenada no pagamento da quantia total de € 57.739,10, muito menos ser a Ré condenada no pagamento da quantia de €15.154,91 a titulo de juros moratórios, que só se conta a partir da data em que a parte se consttui em mora, o que pressupõe a apresentação das facturas pela ourtra parte.                                                                                              
Tratando-se de responsabilidade contratual, o devedor incorre em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, ou, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo, no termo do prazo acordado pelas partes (art°. 805°, nºs 1 e 2, al. a) do Código Civil). A mora no cumprimento da prestação constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor pelo não cumprimento atempado (art°. 804° do Código Civil).
Constitui condição essencial para se aferir da obrigação de pagamento e da mora do devedor, que o credor tenha remetido as facturas ao devedor e que este as tenha recebido.
 Ora, não se tendo provado que a Autora, após ter emitido as facturas em causa, as tivesse remetido à Ré e que esta as tivesse recebido e quando as terá recebido, e tendo as cópias das aludidas facturas sido juntas aos autos apenas por requerimento datado de 09/02/2015, e sem confirmação ou assinatura de recebimento por parte da Autora, sempre teria o tribunal de considerar que a Ré teve possibilidade de aceder às mesmas somente a partir daquela data.
Para além disso, tendo sido proferida sentença condenatória em 14/12/2016, quanto muito seria aplicável "in casu", o disposto no nº. 1 do art°. 805° do Código Civil, porquanto com a prolação da sentença foi a Ré judicialmente interpelada para cumprir, pelo que se constituiu em mora somente a partir daquela data.
Em recurso para reapreciação da matéria de facto obtida em audiência com prova gravada, deve o Tribunal da Relação proceder a uma valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo tribunal "a quo", para fundamentar as respostas, devendo servir-se não apenas dos elementos fornecidos pelas partes, mas também de todos os elementos constantes dos autos.
Constando dos autos - por transcrição dos depoimentos gravados em audiência de discussão e julgamento - a prova em que se fundamentou a decisão da matéria de facto, pode esta decisão ser alterada pela Relação- Ac. Relação de Lisboa - 4.10.01- o que doutamente se requer.
Se é certo que a percepção dos depoimentos é melhor conseguida com a imediação das provas, também é certo que, caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto, não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo, ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas, a reapreciação das provas gravadas pelo Tribunal da Relação pode, neste caso, abalar a convicção colhida pelo Meritíssimo Juiz" a quo", o que se entende ser de Justiça.
O   tribunal a quo não poderia ter dado como provados os factos 2 e 3 da sentença recorrida. Pelo que pugna-se pela prolação de acórdão que, emanado dos Venerandos Juízes Desembargadores, julgue procedente a apelação, revogue a decisão recorrida, e, em consequência, determine a alteração dos referidos pontos 2 e 3 nos termos sobreditos, julgando improcedente a acção e absolvendo o
Réu do pedido.                                                                                                                Ou, em alternativa, não sendo este o entendimento de V. Exas.,
Pugna-se pela prolação de acórdão que, emanado dos Venerandos Juízes Desembargadores, julgue parcialmente procedente a apelação e revogue a decisão recorrida, no que concerne à contagem dos juros de mora devidos pela  Ré, ora Apelante.
Caso se entenda que o recurso apresentado pela Ré a 11 de Junho de 2015, com referência 19880815, que foi alvo de despacho em sede do qual foi decidido apreciar o mesmo "se e quando o Réu apresentar recurso da decisão final", deve subir de forma autónoma, não podendo ser apreciado em sede do presente recurso, desde já se requer a subida do mesmo.
 
Cumpre apreciar.
O presente recurso incide, em primeiro lugar na invocada nulidade resultante da dispensa de audiência prévia pelo Mº juiz a quo, no despacho em que conheceu da excepção dilatória invocada pela ora recorrente.
Em seguida, a apelante alega que o procedimento de injunção não decia ter sido admitido.
O terceiro ponto tem a ver com a excepção peremptória de prescrição presuntiva, que a recorrente entende que devia ter procedido.
No plano da factualidade dada como provada, entende a apelante que os nºs 2 e 3 da decisão factual não deviam ter sido dados como provados.
Finalmente, insurge-se contra a data de início da contagem dos juros.
Analisando o recurso pela ordem indicada, começaremos por abordar a questão da dispensa de audiência prévia.
Nos termos do art. 593º nº 1 do CPC, “nas acções que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do qart. 591º.”
A alínea d) do art. 591º reporta-se aos casos em que vai ser proferido despacho saneador.
Contudo, nem em todos os casos de despacho saneador tal dispensa será admissível.
Como se salientou no acórdão desta Relação de Lisboa de 13/11/2014, “a referência à dispensa de audiência prévia para prolação do saneador (...) restringe-se ao saneador  com o conteúdo previsto na alínea a) do nº 1 do art. 595º, não se estendendo à alínea b) do mesmo artigo”.
O art. 595º nº 1 a) do CPC alude ao saneador que conheça das excepções dilatórias e nulidades processuais. A alínea b) desse nº 1 reporta-se aos casos de conhecimento imediato do mérito da causa ou apreciação das excepções peremptórias.
Na esteira de Lebre de Freitas – Código de Processo Civil Anotado, pág. 171 – sempre que o tribunal está em condições de pôr termo à causa (seja por procedência de excepção dilatória, seja por julgamento integral do mérito) ou de, sem pôr termo à causa, conhecer do mérito parcial (julgamento de um pedido cumulado contra a mesma parte ou de uma excepção peremptória), deve facultar às partes a discussão de facto e de direito, cumprindo o art. 591º nº 1 b) do CPC e garantindo o contraditório. 
No caso dos autos, o ora recorrente tinha invocado uma excepção dilatória – inviabilidade de aplicação do procedimento de injunção em caso em apreço – e uma excepção peremptória – prescrição presuntiva.
O Mº juiz a quo proferiu então despacho nos seguintes termos:
“Findos os articulados e não tendo sido proferido despacho pré-saneador, de acordo com o disposto no art. 591º nº 1 do CPC, competiria proceder à convocação de uma audiência prévia destinada a algum ou alguns dos fins previstos nesta norma.
Contudo, nos termos previstos no art. 593º nº 1 do CPC, a realização de audiência prévia pode ser dispensada quando se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do nº 1 do art. 591º (...)
Face ao exposto, atentos os fins a que se destinava a audiência prévia, dispenso a realização da mesma, pelo que passo a proferir o seguinte (...) Despacho Saneador”.

No despacho saneador e além do mais, o Mº juiz julgou improcedentes as aludidas excepções.
Veio então a Ré requerer a realização de audiência prévia, alegando que entre a matéria de facto controvertida deverá ser apreciada a questão da determinação do objecto social da Ré. Pediu o aditamento de cinco questões aos temas de prova.
Em resposta, o Mº juiz considerou inócua a matéria de facto que a Ré pretendia ver aditada, uma vez que já haviam sido decididas as excepções invocadas, em sede de saneador. Assim, a única solução para a Ré seria recorrer do despacho saneador nos termos do art. 644º nº 1 b) e nº 3 do CPC, mas não reclamar do mesmo. Daí que, caso se realizasse a audiência prévia como solicitado pela Ré, nela não se poderiam discutir as excepções já decididas no saneador.
De notar que o despacho a dispensar a audiência prévia é, materialmente o mesmo, que em seguida profere o saneador.
Ou seja, suscita-se a situação de se dispensar a audiência prévia e se proferir de imediato saneador e depois, quando requerida a realização de audiência prévia e inclusão de factos  nos temas de prova, se decidir que tais questões não poderão ser debatidas na audiência prévia pois já foram decididas no saneador.
O problema é que a decisão versando as excepções e muito em especial a da prescrição presuntiva, assenta em parâmetros fácticos bem mais limitados que aqueles que a Ré pretendia discutir e levar aos temas de prova – e que tinha alegado no respectivo articulado. De resto, a própria Autora alegara diversa factualidade que também não informou a decisão sobre tais excepções e que a levou, por isso mesmo, apesar de as excepções contra si deduzidas terem sido julgadas improcedentes, a suscitar a ampliação do objecto do recurso.
A justificação dada pelo Mº juiz a quo para dispensar a audiência prévia é apenas a de que iria de imediato proferir despacho saneador nos termos do art. 595º do CPC – ver 222/223 do despacho de 11/05/2015. Ou seja, baseou-se nos fundamentos da dispensa previstos no art. 593º nº 1 do CPC.
Contudo, não se levou em atenção o art. 591 nº 1 b) que se reporta à audiência prévia com o fim facultar às partes a discussão de facto e de direito, “nos casos em que ao juiz cumpra apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente do mérito da causa”.
E foi isto que se passou, a saber, o Mº juiz conheceu da excepção dilatória bem como da excepção peremptória de prescrição invocadas pela Ré – sendo que o conhecimento de uma excepção peremptória é um conhecimento sobre o mérito.
Ora, como vimos, o art. 593º nº 1 não inclui a situação da alínea b) do nº 1 do art. 591º como um dos casos em que o juiz pode dispensar a audiência prévia.
No acórdão da Relação do Porto de 24/09/2015, em situação que não deixa de ter alguma similitude com o caso que ora nos ocupa, decidiu-se que:
“ (...) quando se julgue habilitado a conhecer imediatamente do mérito da causa, mediante resposta total ou parcial ao pedido ou pedidos nela deduzidos, o juiz deve convocar a audiência prévia para esse fim.
(...) No novo código o juiz não pode julgar de mérito no despacho saneador sem primeiro facultar a discussão, em audiência, às partes.
“Acha-se hoje estabilizado o entendimento de que conhece sobre o mérito da causa, independentemente da solução adoptada implicar ou não o termo do processo, o despacho que aprecie qualquer excepção peremptória (...)
“Assim, de acordo com o exposto, teria de ser designada audiência prévia para concretização da finalidade prevista no art. 591º nº 1 b) do Código de Processo, não contrariando esse entendimento o facto de as partes haverem discutido nos articulados a excepção da caducidade e de o sr. Juiz haver anunciado, previamente,a possibilidade do seu conhecimento imediato.                                                                       
“Pese embora esse circunstancialismo, não tendo as partes sido ouvidas, nem sequer advertidas acerca da eventual dispensa de audiência prévia, podiam legitimamente esperar que pudessem fazer valer nesse acto, através da garantia do princípio da oralidade, os seus derradeiros argumentos. Na medida em que viram defraudada essa expectativa que a lei lhes assegurava, não pode deixar de constituir decisão-surpresa a que conheceu do mérito da causa à revelia do estabelecido no mencionado art. 591º nº 1 b) (...)”.

Acrescente-se que, no caso dos autos, a defesa da Ré assentou essencialmente nas aludidas excepções, sobretudo na invocação da prescrição presuntiva dos créditos reclamados pela Autora.

Para tal, foram alegados pelas partes diversos factos, respeitantes à natureza comercial ou à prática de actos de comércio pela Ré e destinarem-se os produtos vendidos pela Autora a tais actividades comerciais. A Ré negou tal natureza comercial nos artigos 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º,36º, 37º e 38º da oposição, juntando os respectivos Estatutos.

Respondendo a tais excepções, a Autora invoca diversos factos, constantes dos artigos 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º e 19º com vista a demonstrar a natureza comercial da actividade prosseguida pela Ré, além de invocar a confissão de não pagamento por parte da Ré nos artigos 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º e 46º do mesmo articulado.

No despacho saneador não se levaram em conta quaisquer dos factos alegados pelas partes mas tão só o nº 4 do art. 3º dos Estatutos com o seguinte teor:
Procurar manter uma organização de aluguer de cavalos”.
Sendo que a Ré, nos termos do art. 1º dos Estatutos se afirma como uma associação sem fins lucrativos com natureza desportiva, cultural e recreativa. E o corpo do focado artigo 3º diz que:
“A Associação ... não tem por fim o lucro económico dos associados e tem por objectivo cultivar os desportos equestres por todas as formas, promover o seu desenvolvimento e propagar o gosto e o interesse pela equitação e pelo hipismo.”

Na medida em que, no saneador, decidiu pela improcedência das excepções invocadas pela Ré, o Mº juiz apenas enunciou como tema de prova o apurar se a Ré pagou os montantes constantes das facturas à Autora.

Na sentença recorrida, afirma-se mesmo que “a Ré não logrou provar o pagamento das facturas emitidas em seu nome por parte da Autora (...) reconduzindo a sua prova, essencialmente, ao facto alegado de não exercer actividade comercial, quando tal questão já foi apreciada em sede de despacho saneador, não interessando, de todo, para a decisão do mérito da causa (...)”.

Sem entrarmos na apreciação da validade da decisão sobre as excepções tomada no despacho saneador e na decisão de procedência da acção tomada após julgamento, não podemos deixar de mencionar a possibilidade de outros artigos dos estatutos  - por exemplo o art. 13º nºs 6 e 8 - poderem levar a uma interpretação não coincidente com a do Mº juiz na questão da actividade comercial desenvolvida pela Ré, ou pelo menos, suscitar dúvidas sobre a mesma. E isto quando ambas as partes mencionaram, em abono das suas posições, diversos factos que poderiam ter esclarecido com clareza ese problema.

Seja como for, e como já mencionámos repetidamente, entendendo o Mº juiz a quo que estava em condições de conhecer, no despacho saneador, da excepção dilatória e da excepção peremptória invocadas pela Ré, sendo que o conhecimento da excepção peremptória de prescrição é um conhecimento de mérito, teria de dar cumprimento ao disposto no art. 591º nº 1 b) do CPC, convocando audiência prévia.

Não o tendo feito, incorreu na nulidade prevista no art. 195º nº 1 do CPC - prática de um acto que a lei não admita, ou seja, dispensar a realização da audiência prévia quando tal dispensa não é viável legalmente, atentas as circunstâncias.

Tal irregularidade influiu no exame da causa, desde logo porque impediu as partes de discutirem e quiçá esclarecerem a questão que subjaz a ambas as excepções, obrigando-as a terem de retomar o assunto apenas em sede de recurso da sentença final, a Ré, quer nas contra-alegações da Autora com a ampliação do objecto do recurso.

Termos em que se declara a nulidade da decisão que dispensou a convocação de audiência prévia, com anulação de todos os actos praticados subsequentemente a tal decisão e que dela dependam.
Devendo ser proferido despacho a designar data para a audiência prévia, nos termos do art. 591º nº 1 do CPC.

Custas pela recorrida.



LISBOA, 19/10/2017



António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Decisão Texto Integral: