Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
45739/21.2YIPRT.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
PERSI
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
CONHECIMENTO OFICIOSO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1.A integração do devedor (consumidor) no PERSI e a extinção deste consubstanciam condição de admissibilidade da ação declarativa ou executiva (atenta a natureza imperativa das normas em causa), consubstanciando a sua falta uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que determina a absolvição do R. da instância.
2. O tribunal não pode/deve conhecer, oficiosamente, da mencionada exceção sem dar possibilidade às partes de se pronunciarem sobre a mesma, permitindo, nomeadamente, à entidade bancária alegar e demonstrar que deu cumprimento às obrigações impostas pelo DL nº 272/2012, de 25.10, na medida em que a questão não tenha sido suscitada pela executada/embargante.
3. Pretendendo conhecer dessa questão (sem que a mesma tenha sido suscitada e discutida nos autos), o tribunal tem, obrigatoriamente, de ouvir, previamente, as partes, por força do princípio do contraditório.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 18.6.2021, o Banco BPI, SA apresentou requerimento de injunção contra Maria, pedindo a notificação da requerida no sentido de lhe ser paga a quantia de €5.299,16, sendo €4.791,49 de capital, €341,03 de juros à taxa …, €13,64 de outras quantias, e €153 de taxa de justiça.
Fundamenta o pedido no não pagamento pela requerida do saldo em dívida no cartão de crédito.
Apresentada oposição, foram os autos remetidos à distribuição.
Realizou-se julgamento, e em 7.3.2022, foi proferida sentença que julgou verificada a exceção dilatória inominada prevista no artigo 18º, nº 1 alínea b) do DL nº 272/2012, de 25 de outubro e, em consequência, absolveu a R. Maria … da instância.
Não se conformando com o teor da decisão, apelou o A., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença proferida na Ação Especial Cumprimento de Obrigações - DL 269/98 (superior Alçada 1ª Instância) à margem identificada, em que obteve a seguinte decisão: “No caso sub judice, verifica-se que o A. não juntou aos autos qualquer documento que comprove que deu cumprimento ao regime previsto no DL nº 272/2012, ou seja, não provou que integrou a R. no PERSI, não provou que comunicou a integração no PERSI, nem a extinção do mesmo. Nesta medida, e pelo já supra exposto, estamos perante uma exceção dilatória inominada, insuprível e de conhecimento oficioso, e que implica a absolvição da R. da instância (artigos 576º, nº 2, 577º, 578º, 278º, nº 1 alínea a) e 279º do CPC).”
B. Nos termos do artigo 631º do Código de Processo Civil, podem recorrer da sentença os que direta e efetivamente forem prejudicados pela decisão.
C. Na realidade, o processo teve origem em requerimento de injunção interposto pelo aqui Recorrente em 13 de maio de 2021 para cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de cartão de crédito celebrado no exercício da sua atividade, e a pedido da Recorrida.
D. Na sequência da celebração do referido contrato e através da utilização do cartão, foram efetuados movimentos a débito e a crédito.
E. Sucede que, a Contratante não procedeu ao pagamento do montante em dívida, conforme especificado no extrato que lhe havia sido remetido.
F. Em sede de audiência, no dia 07 de março de 2022 ficaram provados os seguintes factos, cfr. se verifica pela Sentença proferida pelo Tribunal:
2. No exercício da sua atividade, o A. e a R. celebraram acordo por escrito, em 02/07/2019, mediante o qual o primeiro se obrigou a conceder crédito à R., através de cartão de pagamento, associado a uma conta-cartão, que permitia aceder ao crédito concedido pelo A. para efetuar pagamentos, adiantamentos de numerário a crédito (Cash Advance) ao Balcão e nos caixas automáticos (ATM), e/ou transferências (para a conta depósitos à ordem) de dinheiro, até ao limite acordado previamente, no caso, € 5.000,00, conforme documento de fls. 21 e seguintes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
3. A R. obrigou-se a pagar ao A. o valor indicado no extrato da conta-cartão, designado como valor a debitar ou mínimo a pagar, no prazo de 20 dias imediatos à data de emissão do extrato.
4. A R. fez uso do crédito que lhe foi concedido por força do contrato referido em 2., tendo feito transferências para a sua conta à ordem que geria para fazer os seus pagamentos.
5. A R. não procedeu ao pagamento de valores devidos pela utilização do crédito concedido por força do acordo referido em 2., em montante que não se apurou.
G. Com efeito, entendeu o Douto Tribunal na sentença proferida: “Na verdade, o não cumprimento do procedimento previsto no DL nº 272/2012, de 25 de outubro, implica o incumprimento de norma imperativa que constitui uma condição objetiva de procedibilidade da própria pretensão, cuja falta conduz à absolvição da instância (não se reportando ao mérito da causa), não sendo tal vício sanável (como decorre da letra da lei - artigo 18º do DL nº 272/2012) e, como tal, enquadra-se no regime das exceções dilatórias. No caso sub judice, verifica-se que o A. não juntou aos autos qualquer documento que comprove que deu cumprimento ao regime previsto no DL nº 272/2012, ou seja, não provou que integrou a R. no PERSI, não provou que comunicou a integração no PERSI, nem a extinção do mesmo. Nesta medida, e pelo já supra exposto, estamos perante uma exceção dilatória inominada, insuprível e de conhecimento  oficioso, e que implica a absolvição da R. da instância (artigos 576º, nº 2, 577º, 578º, 278º, nº 1 alínea a) e 279º do CPC). As custas são a cargo do A. (artigo 527º do CPC).
H. Todavia, não é possível ao aqui Recorrente perfilhar da decisão proferida.
I. Nunca o Juiz convidou o aqui Recorrente ao aperfeiçoamento da petição inicial ou à junção de prova aos autos da integração da Ré em PERSI.
J. Nem tampouco em sede de audiência foi a questão em análise suscitada.
K. A decisão proferida viola claramente os princípios de oficiosidade e cooperação, nos termos dos artigos 6º e 7º do Cód. Proc. Civil, bem como o principio do inquisitório previsto no artigo 411.º do Cód. Proc. Civil.
L. Ora, estes princípios privilegiam a decisão de fundo em detrimento das questões formais da causa.
M. Por outro lado, o princípio da economia processual vem impor que o resultado processual deva ser atingido com a maior economia de meios.
N. E, portanto, é ilógico ao aqui Recorrente a decisão de absolvição da Ré da instância, quando é dever do Tribunal, nos termos do artigo 411º do Cód. Proc. Civil “realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”
O. Também o previsto no nº 3 do artigo 3º do Cód. Proc. Civil deve ser cumprido ao longo de todo o processo pelo Juiz, não lhe sendo lícito decidir questões de mérito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
P. O que não se verificou nos presentes autos, uma vez que não foi dada a possibilidade ao aqui Recorrente de comprovar o cumprimento da integração da Recorrida em PERSI.
Q. Mais considera o Recorrente que da mera leitura da petição inicial, bem como da prova produzida sede em Audiência, não facultava ao Tribunal o direito de concluir que a obrigação a que o Recorrente está adstrito em integrar a devedora em PERSI foi incumprida.
R. Resultando somente dos autos de que ali não foi feita referência a essa realidade.
S. No mais, o facto da então Requerida não ter suscitado a questão do cumprimento ou não cumprimento do PERSI apenas poderia levar o Tribunal a concluir pelo completo descarte da questão pela mesma!
T. Com efeito, o PERSI é um processo obrigatório ope legis que determina que apenas quando este se encontra extinto pode o credor, neste caso o Banco BPI, propor ação judicial com vista à satisfação do seu crédito, nos termos da al. b), nº 1 do artigo 18.º do DL nº 133/2009.
U. Conforme se verifica pelo Documento nº 1 ora junto, em 16 de julho de 2020 foi remetida à Recorrida, pela primeira vez, de forma automática, carta de comunicação do início do PERSI, onde é solicitado à devedora que no prazo máximo de 10 dias contacte o Balcão prestando as informações necessárias para avaliação da sua capacidade financeira.
V. Efetivamente, também foi enviada à Recorrida, em 15 de outubro de 2020, de forma automática, carta de comunicação de extinção do PERSI, por terem decorrido 91 dias após o seu início do PERSI, cfr. Documento nº 2 ora junto.
W. Concluindo-se então, pela junção das cartas de integração e extinção do PERSI que o aqui Recorrente cumpriu ao que está obrigado pelos Decreto-Lei nº 227/2012 pelo artigo 7º. do DL 133/2009.
Termina pedindo que a sentença recorrida seja revogada.
Não se mostram juntas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1do CPC), as questões a decidir prendem-se com a questão de saber se a decisão recorrida viola os princípios da oficiosidade e cooperação, da economia processual, e do contraditório.
Cumpre decidir, corridos que foram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido deu como provada a seguinte factualidade:
1. O A. dedica-se, além do mais, ao financiamento de crédito.
2. No exercício da sua atividade, o A. e a R. celebraram acordo por escrito, em 02/07/2019, mediante o qual o primeiro se obrigou a conceder crédito à R., através de cartão de pagamento, associado a uma conta-cartão, que permitia aceder ao crédito concedido pelo A. para efetuar pagamentos, adiantamentos de numerário a crédito (Cash Advance) ao Balcão e nos caixas automáticos (ATM), e/ou transferências (para a conta depósitos à ordem) de dinheiro, até ao limite acordado previamente, no caso, € 5.000,00, conforme documento de fls. 21 e seguintes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
3. A R. obrigou-se a pagar ao A. o valor indicado no extrato da conta-cartão, designado como valor a debitar ou mínimo a pagar, no prazo de 20 dias imediatos à data de emissão do extrato.
4. A R. fez uso do crédito que lhe foi concedido por força do contrato referido em 2., tendo feito transferências para a sua conta à ordem que geria para fazer os seus pagamentos.
5. A R. não procedeu ao pagamento de valores devidos pela utilização do crédito concedido por força do acordo referido em 2., em montante que não se apurou.
*
E deu como não provado:
1. O valor do capital utilizado pela R. por força do acordo referido em 2. dos factos provados foi de € 4.791,49.
2. A R. procedeu ao pagamento ao A. dos valores devidos por força do contrato referido em 2. dos factos provados.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
QUESTÃO PRÉVIA.
Com as suas alegações de recurso juntou o apelante 2 documentos alegando a impossibilidade de apresentação dos documentos anteriormente ao recurso, e a sua junção resultar do teor da decisão recorrida, que introduziu na ação um elemento de novidade.
Cumpre, antes de mais, aquilatar da possibilidade de junção de tais documentos nesta fase.
No âmbito processual, em matéria de instrução rege o princípio de que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser juntos com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (art. 423º, nº 1 do CPC), podendo ser juntos posteriormente até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mediante o pagamento de multa, exceto se a parte provar que não os pôde oferecer com o articulado (art. 423º, nº 2, do mesmo diploma legal).
Para além daquele limite temporal (20 dias antes da data em que se realize a audiência final), só pode a parte juntar documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (art. 423º, nº 3 do CPC).
Em fase de recurso, dispõe o nº 1 do art. 651º do CPC que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Dispõe, por seu turno, o art. 425º que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Da conjugação destes artigos resulta que a junção de documentos em fase de recurso só é admissível em 2 situações, a saber: a) por se ter tornado necessária a junção em virtude do julgamento proferido na 1ª instância; b) por não ter sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em 1ª instância.
Os documentos juntos pelo apelante datam de 16.7.2020 e 15.10.2020, anteriores, pois, à data de propositura da injunção (18.6.2021), e são por si emitidos, pelo que poderiam ter sido juntos no momento processual próprio, nada tendo o apelante alegado no sentido de tal não lhe ter sido possível.
Não tem, pois, aplicação o disposto no art. 425º do CPC.
Afigura-se-nos, porém, que já tem aplicação a 2ª parte do nº 1, do art. 651º, do CPC.
Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, no Manual de Processo Civil, 2ª ed. rev. e atualiz., pág. 534, escrevem em relação à junção de documento com as alegações por a mesma se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância, que “O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida”.
Conforme se escreve no Ac. do STJ de 26.9.2012, P. 174/08..2TTVFX.L1.S1 (Gonçalves Rocha), em www.dgsi.pt, “…, os casos em que a sua junção se torna necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância são apenas aqueles em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida. Acentua a doutrina e a jurisprudência que esta necessidade só surge na altura da apresentação da alegação de recurso em virtude da sentença se ter baseado em meio probatório não oferecido pelas partes ou de ter resultado da aplicação ou interpretação de regra de direito com que as partes, razoavelmente, não contavam, vendo-se neste sentido os elementos doutrinários e jurisprudenciais citados no acórdão recorrido, argumentação também seguida no acórdão deste Supremo Tribunal de 28/2/2002, revista nº 296/02-6ª e disponível nos sumários de 2/2002. Por isso, o acórdão deste Tribunal de 14/5/2002, revista 420/02-1ª secção, disponível em sumários de 5/2002, realça que a necessidade dessa junção com as alegações, não se tratando de documento superveniente, foi criada, pela primeira vez, pela sentença da primeira instância.”.
Ainda neste sentido, sumaria-se no Ac. do STJ de 30.4.2019, P. 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2 (Catarina Serra), em www.dgsi.pt, que “I. Da leitura articulada dos artigos 651º, nº 1, 425º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excecional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância. … IV. No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma direta e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento.”.
Como melhor se explicará, no caso sub judice era imprevisível que a decisão recorrida aplicasse o instituto que aplicou, na medida em que, ao longo do processo, nunca foi colocada a questão da sua aplicação, nem alegados factos com vista a tal.
Nesta conformidade, admitem-se os documentos juntos com as alegações.
Sem custas, atento o fundamento da junção.
*
Entrando na apreciação do objeto do recurso, não podemos deixar de dar razão ao apelante.
Conforme resulta do relatório supra, o Banco BPI, SA apresentou requerimento de injunção contra Maria, pedindo a notificação desta no sentido de lhe ser paga a quantia de €5.299,16, fundamentando o pedido no não pagamento por aquela do saldo em dívida no cartão de crédito.
A Requerida apresentou contestação alegando não ter conhecimento do valor em dívida, e nunca ter utilizado os cartões de crédito que lhe foram remetidos.
Foi designado dia para realização de audiência de julgamento, na qual se produziu prova e alegações, nenhum despacho tendo sido proferido no sentido das partes se pronunciarem sobre a (eventual) aplicação do DL 272/2012, de 25.10, vindo a ser proferida sentença que julgou verificada a exceção dilatória inominada prevista no art. 18º, nº 1, al. b) do mencionado diploma legal, porquanto “…, o não cumprimento do procedimento previsto no DL nº 272/2012, de 25 de outubro, implica o incumprimento de norma imperativa que constitui uma condição objetiva de procedibilidade da própria pretensão, cuja falta conduz à absolvição da instância (não se reportando ao mérito da causa), não sendo tal vício sanável (como decorre da letra da lei - artigo 18º do DL nº 272/2012) e, como tal, enquadra-se no regime das exceções dilatórias. No caso sub judice, verifica-se que o A. não juntou aos autos qualquer documento que comprove que deu cumprimento ao regime previsto no DL nº 272/2012, ou seja, não provou que integrou a R. no PERSI, não provou que comunicou a integração no PERSI, nem a extinção do mesmo.”.
O DL nº 227/2012, de 25.10 [1], veio estabelecer os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito no acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento de contratos de crédito [2], através de Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), e na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios daqueles contratos, através do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações Incumprimento (PERSI).
O mencionado diploma legal é fruto da crise económica vivida à época, por força da qual se verificou um generalizado incumprimento dos contratos que envolviam a concessão de crédito, como resulta do respetivo preâmbulo.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 9.2.2017, P. 194/13.5TBCMN-A.G1.S1 (Fernanda Isabel Pereira), em www.dgsi.pt, o diploma legal em causa “… além de instituir o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) para os devedores em vias de incumprimento de contratos de créditos, teve o propósito de obviar a que as instituições bancárias, confrontadas com situações de incumprimento desses contratos, possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos relativamente a devedores enquadráveis no conceito legal de «consumidor», na aceção que lhe é dada pela Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril), salvaguardando, através dos mecanismos nele criados, a posição dos contraentes mais fracos e menos protegidos, particularmente, numa época de acentuada crise económica e financeira”.
No que, ora, importa, estabelece o art. 12º que “as instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito”, procedimento que constitui uma tentativa de composição extrajudicial, e por mútuo acordo, da situação de incumprimento, e que se desenrola em várias fases, conforme pormenorizado pelo tribunal recorrido [3].
Este procedimento extingue-se verificada alguma das situações referidas no nº 1 do art. 17º, podendo, ainda, a instituição de crédito extingui-lo sempre que ocorra uma das situações previstas no nº 2 do mesmo artigo.
No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste, a instituição de crédito está impedida de resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento, de intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, de ceder a terceiro parte ou a totalidade do crédito, ou de transmitir a terceiro a sua posição contratual (nº 1 do art. 18º).
Atento o regime legal consagrado, sufragamos o entendimento do tribunal recorrido (na esteira de jurisprudência uniforme nesta matéria) que em causa estão normas imperativas de cumprimento obrigatório pela instituição bancária, constituindo a integração no PERSI e a sua extinção condição de admissibilidade da ação (declarativa ou executiva), pelo que a sua falta consubstancia uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que determina a absolvição do R. da instância.
O que já não podemos sufragar é o entendimento do tribunal recorrido de que pode/deve conhecer, oficiosamente, da referida exceção sem dar possibilidade às partes de se pronunciarem sobre a mesma, permitindo, nomeadamente, à entidade bancária alegar e demonstrar que deu cumprimento às obrigações impostas pelo referido diploma legal, na medida em que a questão não tinha sido suscitada pela executada/embargante [4].
Dispõe o art. 6º do CPC, que “1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. 2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.”.
Por seu turno, dispõe o art. 7º do mesmo diploma legal, que “1 - Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. 2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. …”.
O que está subjacente aos referidos preceitos legais, são os princípios processuais da instrumentalidade dos mecanismos processuais em face do direito substantivo e da prevalência das decisões de mérito sobre as formais.
Ao abrigo dos referidos preceitos, impunha-se ao tribunal recorrido que notificasse o exequente/embargado para informar se tinha dado cumprimento ao disposto no DL nº 272/2012, de 25.10.
Em todo o caso, pretendendo conhecer dessa questão (sem que a mesma tenha sido suscitada e discutida nos autos), tinha, obrigatoriamente, de ouvir, previamente, as partes, por força do princípio do contraditório.
Dispõe o art. 3º, nº 3, do CPC que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Este preceito corresponde ao nº 3 do art. 3º do CPC61, que foi introduzido pelo DL. 329-A/95 de 12.12, pretendendo-se com tal alteração prescrever a proibição de prolação de decisões surpresa, de acordo com o respetivo preâmbulo.
Do preceito mencionado resulta que é, sempre, exigível o cumprimento do princípio do contraditório, antes do juiz conhecer das questões de facto ou de direito que se lhe colocam, mesmo que de conhecimento oficioso, só assim não sendo por manifesta desnecessidade, que o juiz deverá explicitar.
A propósito do âmbito da regra do contraditório, escreve Lebre de Freitas, em Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, 1996, pág. 96, que “A esta conceção, válida mas restritiva, substitui-se hoje uma noção mais lata de contrariedade, com origem na garantia constitucional do “rechtliches Gehör” germânico, entendida como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a plena possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontram em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo”.
Como refere Lopes do Rego, em Comentários ao CPC, pág. 32, “o entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo nº 3 do art. 3º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º); trata-se, apenas e tão somente, de, previamente, ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar” (sublinhado nosso).
Também Abrantes Geraldes em Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. I, 2ª ed. rev. e ampl., págs. 74 a 80, escreve que “com a redação definitiva do preceito [referindo-se ao art. 3º, nº 3] quis-se, designadamente, impedir que, a coberto do princípio “jus novit curia”, emergente do art. 664º [5], e do princípio da oficiosidade no conhecimento da generalidade das exceções dilatórias e das exceções perentórias, constante dos arts. 495º e 496º [6], as partes sejam confrontadas, no despacho saneador ou na sentença final, com soluções jurídicas inesperadas, por não terem sido objeto de discussão no processo. … A alteração do art. 3º e, principalmente, o aditamento do nº 3 teve em vista permitir que a contraditoriedade não seja uma mera referência programática e constitua, efetivamente, uma via tendente a melhor satisfazer os interesses que gravitam na órbita dos tribunais: a boa administração da justiça, a justa composição do litígio, a eficácia do sistema, a satisfação dos interesses dos cidadãos”.
O tribunal recorrido não deu possibilidade às partes de, previamente, se pronunciarem sobre a exceção dilatória inominada que apreciou oficiosamente, violando, assim, o disposto no art. 3º do CPC, o que importa nulidade processual com influência na decisão da causa (art. 195º, nº 1 do CPC), o que foi invocado na presente apelação, embora sem referência expressa ao instituto da nulidade, e que inquina a sentença recorrida [7].
Nesta conformidade, cumpre anular a sentença recorrida, devendo o tribunal recorrido ouvir as partes sobre a exceção em causa, ou, atendendo à documentação que o apelante juntou em sede de recurso, ouvir a apelada sobre a mesma, e proferir nova sentença tendo em conta os elementos que foram juntos aos autos, sem prejuízo de reabrir a audiência de julgamento se tal se afigurar necessário.
Em conclusão, procede a apelação.
As custas da apelação, na modalidade de custas de parte, ficam a cargo do apelante, por ser quem tirou proveito do recurso, e não existir parte vencida, atendendo ao conhecimento oficioso que determinou a decisão recorrida (art. 527º, nº 1, do CPC) [8].

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, anulando-se a sentença recorrida, devendo o tribunal recorrido diligenciar nos termos referidos.
Custas pelo apelante.
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Lisboa, 2022.09.13
Cristina Coelho
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
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[1] Diploma do qual serão todos os artigos que se irão referir sem menção expressa a outro diploma.
[2] Não de todos os contratos de crédito, mas dos concretamente referidos no nº 1 do art. 2º - integrando-se o contrato objeto dos autos nestes, como referido pelo tribunal recorrido e a apelante não põe em causa.
[3] Uma primeira fase denominada de “contactos preliminares” e “fase inicial” - arts. 13º e 14º -, a segunda fase denominada de “avaliação e proposta” – art. 15º, e a fase final denominada de “negociação” – art. 16º.
[4] Afigura-se-nos que a impossibilidade de sanação do vício se reporta à impossibilidade de a entidade bancária dar cumprimento ao disposto no DL nº 272/2012, de 25.10 na pendência da ação (cfr. o Ac. da RE de 6.10.2016, P. 4956/14.8T8ENT-A.E1 (José Manuel Galo Tomé de Carvalho), em www.dgsi.pt), e não à possibilidade de sanação da exceção por falta de alegação e prova daquele cumprimento.
[5] Atual art. 5º do CPC.
[6] Atuais arts. 578º e 579º.
[7] A nulidade verificada – omissão do contraditório -, está, assim, a coberto da sentença recorrida que decidiu sobre exceção dilatória inominada sobre a qual as partes não se pronunciaram. Alberto dos Reis, no Comentário ao CPC, Vol. 2º, pág. 507, escrevia que “a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou omissão do ato ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente”. Também Manuel de Andrade, nas Noções Elementares de Processo Civil, pág. 183, escrevia que “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial (despacho), que ordenou, autorizou ou sancionou o respetivo ato ou omissão em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente, a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. É a doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”.
[8] Com interesse, cfr. o Ac. da RL de 22.1.2019, P. nº 45824/18.8YIPRT-A.L1 (Micaela Sousa), em  https://www.pgdlisboa.pt.