Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
155/15.0JDLSB.L1-9
Relator: ANTERO LUÍS
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
AGRAVANTE QUALIFICATIVA
RELAÇÃO FAMILIAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: I. Integra o conceito de “relação familiar” da alínea b) do nº 1, do artigo 177º, do Código Penal, a relação tio/sobrinho decorrente de afinidade, mesmo sendo em terceiro grau, se entre o agente e a vítima existe uma proximidade ou intimidade semelhante à dos parentes mais próximos.

II. O legislador apenas exige que exista uma relação de proximidade entre o agente e a vítima e que o mesmo se aproveite dessa situação, no duplo sentido de que o mesmo tira partido da mesma e ao mesmo tempo ser-lhe exigível um comportamento mais conforme ao direito, sendo, nessa medida, mais elevado o desvalor da acção.

III. A agravação tem na base a violação do princípio da confiança decorrente da relação de proximidade estabelecida entre o agente e a vítima, a qual deve ser aferida no caso concreto.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

Nos presentes autos de recurso acordam, em audiência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I           Relatório

Na Comarca de Lisboa Oeste, Instância Central de Cascais, Secção Criminal, Juiz 3, por acórdão de 11/02/2016, constante de fls. 743 a 760 foi o arguido,

JA..., (…) preso preventivamente desde 19/03/2015, no Estabelecimento Prisional de Caxias,

Condenado,


- pela prática de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, nº 1 e 2 e 177.º, nº1, al. b), ambos do Código Penal, numa pena de 7 [sete] anos de prisão.
 

***

Não se conformando, o arguido interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 765 a 770, com as seguintes conclusões: (transcrição)


1. A apresentação voluntária do arguido à polícia judiciária, deverá ser julgada relevante, não apenas em sede de aplicação de medida de coação (na parte respeitante ao perigo de fuga), mas também em termos de medida concreta da pena (no sentido da sua atenuação), o que, no caso em apreço, não sucedeu.
2. A pratica dos factos descritos na acusação (que o arguido confessou, na quase totalidade), permitem, quando muito, condenar o arguido pela pratica do tipo simples do art 171 n1 1 mas nunca pelos tipos do nº 2 (do art 171), nem mesmo do art 177, todos do Código Penal.
3. A menor ofendida é sobrinha da mulher do arguido, sendo, em relação a este, um afim em 3º grau e nunca parente, circunstância que afasta a aplicação do art 177 n.º 1 al. A) do CP).
4. Em parte alguma da matéria dada como provada resulta que o arguido tivesse, alguma vez, coabitado, sob tutela, curatela ou mesmo dependência hierárquica ou outra, pelo que, nunca o Tribunal poderia ter condenado o arguido pelo crime previsto no art 177 n. 1 al. B) do CP).
5. Os actos sexuais imputados ao arguido, ainda que de relevo (nunca se traduziram em cópula, coito anal nem oral, nem mesmo na introdução vaginal nem anal, de partes do corpo ou objectos), cingiram-se a meros actos preliminares de apalpação – sem penetração nem violência, acompanhados de troca de mensagens entre o recorrente e a ofendida, conduta que consubstancia, quando muito, a pratica do crime previsto no art 177 n. 1 do CP e, nada mais.
6. O Tribunal recorrido não logrou demonstrar em que medida é que, a pratica pelo arguido dos factos dados como provados, integra os tipos qualificativos do n.º 2 do art 171 e do art 177, circunstância que gera nulidade por falta de fundamentação, invalidade que vai aqui expressamente arguida
7. A aplicação de uma pena de sete anos de prisão, nas apontadas circunstâncias, afigura-se absurdamente exagerada, face até à factualidade provada e à jurisprudência dominante.
8. O arguido revelou-se arrependido e consciente do desvalor da sua conduta, não tem antecedentes criminais, estando perfeitamente inserido social, familiar e profissionalmente, tendo cumprido a medida de coação de prisão preventiva, de forma exemplar, sem incidentes.
9. O Tribunal recorrido violou os artigos 50, 70, 71, 72, 73, 74 e 75 do C.P., sendo certo que os deveria ter interpretado, condenando o arguido numa pena significativamente inferior à aplicada, interpretando assim correctamente os artigos 50, 70, 71, 72, 73 e 75 todos do Código Penal.
10. A pena aplicada ao arguido é elevadíssima, em resultado, da prova produzida, da moldura penal dos ilícitos, da idade do recorrente, da sua plena integração social, familiar e profissional da ausência de antecedentes criminais (relevantes, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 75 do CP).
11. O Tribunal recorrido violou os artigos 50, 70, 71 a 75 do Código Penal, preceitos que deveriam ter sido interpretados, mediante a aplicação ao arguido de uma pena muitíssimo mais reduzida, especialmente atenuada e suspensa da sua execução, com regime de prova.
12. Ao aplicar ao arguido ora recorrente, uma pena tão elevada, o Tribunal recorrido violou os artigos 77 e 78 do C.P., sendo certo que deveria ter interpretado tais preceitos, condenando o recorrente numa pena próxima do mínimo legal, sempre suspensa na sua execução.
13. Ao ter aplicado, no caso dos autos, uma pena tão elevada, o Tribunal recorrido violou o P. da Culpa, já que a medida da pena nunca pode ultrapassar a medida da culpa e esta deve ter-se por especialmente atenuada.
14. Ao não explicar (através de razões juridicamente válidas) porque razão é que não aplicou uma pena mais leve, o Tribunal recorrido incorreu em omissão de pronuncia, violando o art 374 do CPP, o que consubstancia uma nulidade do Acórdão (art 379 n.º 1 alínea c do CPP), preceitos que deveriam ter sido aplicados, mediante a explicação das razões que levaram à não suspensão da execução da pena.
15. Prevendo a lei a possibilidade de aplicação de uma penas mais baixas, o Tribunal violou o P. da Culpa e os artigos 40, 50, 70, 71, 72, 73 e 75 do CP, sendo certo que deveria ter interpretado tais preceitos, aplicando ao arguido uma pena mais baixa.

Razão pela qual, deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, fazendo uma correcta aplicação das normas legais invocadas e a melhor interpretação dos elementos dos autos, condene o arguido pelo tipo simples do art 171 do CP (e nunca pelos tipos agravados do art 171 n 2 e 177), numa pena inferior a cinco anos, suspensa na sua execução com regime de prova, sujeitando-se o recorrente a todo o tipo de diagnósticos e tratamentos julgados necessários pelas autoridades de saúde, com supervisão do Tribunal

 (fim de transcrição)

***

O Exmo. Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso nos termos constantes da motivação de fls. 776 a 787, rebatendo as conclusões do recorrente e manifestando-se pela improcedência do recurso.

***

Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer de fls. 804 aderindo à resposta do Ministério Público de 1ª Instância manifestando-se pela improcedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do Código de Processo Penal, tendo respondido o recorrente a fls. 807 e 808, mantendo a posição assumida nas alegações de recurso.

***

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos realizou-se a conferência, cumprindo decidir.

II          Fundamentação

           1. É pacífica a jurisprudência do STJ[1] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso que ainda seja possível conhecer.[2]

Da leitura dessas conclusões o recorrente coloca a este Tribunal as seguintes questões:

Errada qualificação jurídica dos factos dados como provados, os quais apenas integram a prática pelo arguido de um crime de abuso sexual de criança previsto e punido pelo artigo 171º do Código Penal;

Falta de fundamentação do acórdão por falta de exame crítico das provas o que acarreta a sua nulidade;

A pena de prisão é excessiva, devendo ser reduzida e suspensa na sua execução com regime de prova.

Para uma melhor compreensão das questões colocadas e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, em primeiro lugar, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados e qual a fundamentação efectuada sobre essa factualidade assente.

2. O Tribunal a quo deu como provados, os seguintes factos: (transcrição)

« 1.        MS... nasceu a 16 de Setembro de 2003, residindo com os seus pais (…).

2.           O arguido JA..., nascido em 13.10.1976, é casado com TS…, irmã do pai de MS…, há cerca de 3 anos por referência à data da dedução da acusação, residindo na Rua xxx.

3.            MS... é visita habitual da residência do arguido, passando a frequentar aquele local, com maior frequência, desde o verão de 2014, altura em que S…, filha daquele com a sua tia, nasceu, tendo mesmo, passado a pernoitar, de 15 em 15 dias, durante os fins-de-semana.

4.          Foi também a partir dessa altura que o arguido se aproximou de MS... passando a tocar-lhe em diversas partes do corpo, o que se iniciou quando, em Setembro de 2014, aquela se deslocou de férias ao Algarve, ficado numa residência onde já se encontrava o arguido, TA… e a filha de ambos, S….

5.            Durante essa semana, sempre que MS... se encontrava no quarto a adormecer a prima, o arguido acompanhava-a e, aproveitando que aquela se encontrava de calções, passava-lhe as mãos pelas pernas e, por cima da roupa, pelo rabo.

6.            O que sucedeu todos os dias dessa semana.

7.            Após essas férias, inicialmente, sempre que MS... passava os fins-de-semana em casa do arguido e quando a TA... se ausentava, aquele passava-lhe as mãos pelas pernas e pelo rabo.

8.           Posteriormente, o arguido começou a colocar as suas mãos por dentro da roupa de MS..., começou a tocar-lhe na zona genital, colocando os seus dedos por dentro da entrada da vagina, bem como a tocar-lhe no rabo e a beijar-lhe a boca, introduzindo a sua língua na boca da menor.

9.           Nessas alturas, quando o seu pénis ficava erecto, o arguido despia as calças e, permanecendo de pé, pedia a MS... para lhe mexer com a boca e com as mãos.

10.         No início MS... recusou, tendo mais tarde, começado a friccionar-lhe o pénis com as mãos.

11.         A menor somente visualizou o arguido a masturbar –se até ao fim e a  ejacular nos vídeos que este lhe enviou através da aplicação whatsapp, utilizando este para tanto o cartão telefónico com o n.º 913 810 289.

12.         Noutras ocasiões, quando TA... já havia adormecido, o arguido entrava no quarto onde MS... se encontrava deitada e pedia-lhe para se despir e abrir as pernas.

13.         De seguida, o arguido despia as calças e as cuecas e deitava-se sobre aquela, mantendo o seu pénis erecto em contacto com a zona genital daquela, roçando-o.

14.         Numa noite, em Janeiro de 2015, quando MS... se encontrava deitada com TA..., na cama do casal, o arguido ao chegar a casa deitou-se, ficando a menor, entre os dois.

15.          Encontrando-se TA... a dormir, o arguido meteu as mãos por baixo do pijama de MS... e tocou-lhe na zona genital.

16.          Estes actos ocorreram na residência do arguido, sita na R. Inácio Duarte, n.º 7, 4.º C, em Carnaxide.

17.         A determinada altura, a partir de Dezembro de 2014, o arguido pediu a MS... que lhe enviasse uma fotografia da sua vagina, tendo aquela acedido e, de seguida o arguido remeteu-lhe uma fotografia do seu pénis.

18.         Passando a partir dessa data a remeter fotografias e vídeos seus a friccionar o seu pénis até ejacular e a trocar mensagens de cariz sexual com a menor através da aplicação whatsapp, utilizando para tanto o cartão telefónico com o n.º 913 810 289.

19.          Essa troca de mensagens ocorreu até Março de 2015 e a menor colocou um código de acesso ao seu telemóvel.

20.         Nessas mensagens o arguido dizia à menor que tinha saudades dela; de “estar junto”, que gostava de a controlar, perguntava – lhe se ela estava sozinha, se poderia falar e se tinha tido vontade de tocar na sua menina, na “ cona”, e pedia-lhe para que esta lhe enviasse fotografias do seu órgão sexual.

21.          Noutras mensagens o arguido perguntou à menor pela sua prima, a Beatriz que tem 12 anos de idade, referindo que se lembrava do rabo dela e queixava-se de ser sempre ele o primeiro a estabelecer contacto com a MS… e a enviar-lhe fotografias e vídeos do seu órgão sexual.

22.         Noutras mensagens o arguido advertia MS... para ter cuidado, que a TA… (mulher do arguido e tia de MS...) andava a jogar com o seu telemóvel.

23.         MS... teve a sua primeira menstruação em Outubro de 2014 nunca tendo, antes da abordagem do arguido, tido qualquer contacto sexual com outrem.

24.         MS... considerava -se namorada do arguido e dizia que este gostava dela.

25.         O arguido encontra-se referenciado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, correndo termos o inquérito n.º 503/13.7TAABT na Comarca de Santarém – DIAP de Abrantes, em que JA... é o arguido, e a vítima é a sua filha M…, actualmente com 10 anos de idade, sendo que à data da prática dos factos tinha 6 anos.

26.         O arguido era perfeitamente sabedor da idade da sua sobrinha MS..., conhecendo-a desde a mais tenra idade e com quem convivia habitualmente no mesmo núcleo familiar, sabendo bem que tinha a especial obrigação de a proteger.

27.         Ao actuar como actuou, o arguido bem sabia que atentava contra a autodeterminação sexual da sua sobrinha MS..., nascida em 16.09.2003, pondo em perigo o livre e normal desenvolvimento da personalidade da menor na esfera sexual, uma vez que, dada a sua pouca idade, a criança ainda não terá um desenvolvimento cognitivo e emocional que permita decidir sobre o seu corpo e a sua sexualidade.

28.          O arguido aproveitou-se da situação familiar estreita que possuía com MS... para a manipular física, psicológica e sexualmente, o que logrou, sucedendo estes factos reiteradamente desde Setembro de 2014 até meados de Março de 2015, quando da detenção do arguido.

29.         O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo ser as suas condutas proibidas e punidas por lei penal.

30.          O arguido admitiu em julgamento a prática dos factos de forma praticamente integral.

                Condições pessoais e antecedentes criminais do arguido

31.          JA... é natural de Lisboa e o seu crescimento decorreu na zona de Campo de Ourique, onde a progenitora continua a viver.

32.         O pai, falecido em 2001 na sequência de problemas cardíacos, era empregado de escritório, tal como a mãe, sendo a vivência familiar, tanto a nível relacional como no plano económico, caracterizada por estabilidade e sem problemáticas específicas.

33.          O próprio processo de divórcio entre os pais, quando ele tinha cerca de 17 anos, não parece ter sido vivido pelo arguido como uma especial dificuldade, tendo continuado a manter um relacionamento gratificante com ambos os progenitores.

34.         JA... frequentou o sistema de ensino até à conclusão do 12º ano de escolaridade, por volta dos 18 anos de idade, no que foi um percurso globalmente regular, pese embora tenha registado duas retenções de ano.

35.         Nessa altura entrou na vida activa, como vigilante numa empresa de segurança, tendo ao final de 9 meses ido trabalhar para a Sociedade Portuguesa de Seguros, iniciando um percurso profissional sempre nessa área e com relativo sucesso.

36.         A nível afectivo JA... teve um primeiro relacionamento mais sério por volta dos 17 anos, com uma rapariga da sua idade com quem chegou a viver maritalmente durante cerca de um ano.

37.         Tal relação terminou quando em 2001 conheceu Helena Mortágua, com quem se viria a envolver e de quem teve uma filha cuja paternidade só terá tido conhecimento em 2015.

38.          Em 2005 conheceu a actual mulher, com quem começou a namorar em 2010 e com quem se casou em 2012.

39.         Até à emergência dos factos que conduziram à instauração dos presentes autos, não é conhecida a manutenção de relações paralelas ou de infidelidade consumada.

40.         A frequência de chats na internet direccionados para a procura de parceiro sexual, mesmo que “virtual” (fetiche), a utilização dos meios disponíveis, incluindo o telemóvel, para a troca de mensagens e imagens de teor sexual, são práticas assumidas pelo arguido como fazendo parte da sua vivência, especialmente antes do casamento.

41.          À data dos factos e da entrada em prisão preventiva, JA... vivia com TA... (cônjuge) e a filha de ambos, com um ano e meio de idade.

42.          A habitação corresponde a um apartamento localizado no xxx que o casal estava a adquirir por via de empréstimo bancário.

43.         Tanto o arguido como a mulher são pessoas profissionalmente activas e com uma vida estável e organizada a esse nível, ele enquanto gestor comercial na Seguradora “Vitória Seguros” e ela técnica oficial de contas numa empresa de transportes.

44.         A situação económica do casal era estável, assente nos respectivos vencimentos, num total de cerca de 2.500 euros por mês, sendo o estilo de vida do núcleo familiar centrado nas rotinas laborais e acompanhamento da filha menor, bem como convívio com a família alargada e alguns amigos.

45.         A relação afectiva do casal é descrita por ambos como gratificante e promissora até à emergência da presente situação processual, a qual foi vivenciada em toda a família com surpresa e consternação.

46.          O arguido é descrito como uma pessoa calma e sociável, comunicativo e apesar de “mulherengo” antes de se ter casado não apresentou comportamentos visíveis de infidelidade desde que iniciou a actual relação afectiva, segundo a mulher.

47.          Relativamente às suas características pessoais, trata-se de um indivíduo com capacidades cognitivas que o habilitam a fazer opções e a tomar decisões.

48.         Ainda assim, evidencia lacunas ao nível do pensamento crítico e consequencial, as quais se conjugam com a eventual dificuldade de contenção dos impulsos a nível sexual, tendo em conta a tendência no seu percurso anterior para estabelecer relações de carácter fortuito e superficial e meramente direccionadas para a satisfação sexual.

49.         A situação familiar do arguido foi afectada pelos presentes autos, na medida em que o cônjuge viu a sua relação com o irmão e cunhada (pais da menor) enveredar por uma linha de afastamento e quase ruptura.

50.         Por outro lado, TA... sente-se muito abalada com a emergência do presente processo e consequente prisão preventiva do marido, cujo circunstancialismo não consegue incorporar naquela que até aí era sentida como uma relação gratificante para ambos.

51.         Nesse sentido, e apesar de visitar semanalmente o arguido, por razões que justifica como relacionadas com o interesse da filha de ambos, não está para já preparada para retomar o relacionamento afectivo com o mesmo.

52.         Nesse sentido, o cenário de futuro enquadramento habitacional do arguido é apontado para casa da progenitora do mesmo.

53.         A nível profissional não se verificou até ao momento impacto negativo da presente situação de reclusão do arguido, encontrando-se a empresa onde trabalhava a aguardar o desfecho do julgamento.

54.         Paralelamente, o arguido tem amigos que trabalham no sector e que se disponibilizam a admiti-lo na empresa que gerem, a “MC …”.

55.          O arguido evidencia sentimentos de pesar e consternação, bem como ressonância emocional em relação ao sofrimento que causou em toda a família, reconhecendo o dano causado a todos, incluindo a menor.

56.         O arguido não tem antecedentes criminais registados.» (fim de transcrição)

3. Factos não provados: (transcrição)

« a)       Na ocasião referida em 15., o arguido tenha ainda despido as calças do pijama e as cuecas de MS... e, depois de tirar as suas calças, tenha roçado o seu pénis na zona genital daquela.» (fim de transcrição)

4. Em sede de motivação da decisão de facto, escreveu-se na decisão recorrida: (transcrição)

«A fixação dos factos provados e não provados teve por base a globalidade da prova produzida e a livre convicção que o Tribunal granjeou obter sobre a mesma.

A audiência de julgamento decorreu com o registo, em suporte digital, dos depoimentos e esclarecimentos nela prestados.

Tal circunstância que deve, também nesta fase do processo, revestir-se de utilidade, dispensa o relato detalhado dos depoimentos produzidos.

Todos os sujeitos processuais tiveram ampla oportunidade de discutir todos os documentos e exames periciais de que o Tribunal se serviu para fundar a sua convicção.

O arguido, prestando declarações, admitiu a prática de todos os factos que lhe vinham imputados, à excepção do episódio que teria ocorrido em sua casa, enquanto dormia na mesma cama que a mulher, TA....

Mais declarou, em suma, estar arrependido dos actos praticados, que não consegue aceitar ter praticado, tendo noção da idade da sobrinha à data dos factos.

Tendo em conta os demais elementos probatórios existentes nos autos, designadamente, as conversações constantes do relatório pericial de fls. 33 a 43, consideraram-se credíveis as declarações confessórias do arguido, pelo que se aceitaram as mesmas.

Já no que se refere ao episódio ocorrido durante a noite, na cama do arguido e da sua mulher, não nos mereceram credibilidade as declarações do arguido.

Com efeito, e pese embora não tenha resultado apurada em toda a sua extensão, a factualidade que constava do despacho de pronúncia quanto a este episódio, resultou das declarações para memória futura prestadas por MS... [cfr. fls. 403] que nesta ocasião, enquanto se encontrava deitada na cama dos seus tios, estado ambos também deitados, o seu tio lhe colocou as mãos por baixo da roupa e lhe tocou na área genital [“pipi”].

Estas declarações foram prestadas de forma que se afigurou sincera, sendo audível a consternação da testemunha no seu relato, os períodos de choro e silêncios, bem ilustrativos do sofrimento que o relato em referência lhe causava. Em nenhum momento deixa a testemunha transparecer qualquer intuito vingativo ou retaliatório contra o arguido, pelo contrário: bem se vê, face aos actos que o arguido admitiu ter praticado, que as declarações de MS... pecarão, quando muito, por defeito, relativamente ao sucedido. A corroborar a apreciação realizada, existe ainda o teor do exame pericial com o intuito de avaliar a capacidade de testemunhar de MS..., constante de fls. 553 e 554, e no qual se conclui que a mesma não apresenta nenhuma perturbação mental que impeça o discernimento do real, nem revelou confabular, revelando um discurso coerente.

A credibilidade que nos mereceram aquelas declarações não é posta em causa ou abalada pelas declarações de TA..., tia de MS..., que estando presente na ocasião, deitada na mesma cama que o marido e a sobrinha, relatou de nada ter-se apercebido, concluindo ser “impossível” que alguma coisa tivesse sucedido sem que desse conta.

Com efeito, e por um lado, atendendo ao tipo de actos que se apuraram ter ocorrido, decorre de regras de normalidade e de experiência comum, que os mesmos poderão ter ocorrido de forma subtil e silenciosa. Por outro lado, foi a própria testemunha que declarou que a sobrinha se mexia muito na cama, pelo que é perfeitamente possível que os factos tenham ocorrido [pelo menos] como relatado por MS..., sem que a testemunha se tivesse apercebido.

Assim, acolheram-se as declarações prestadas por MS... a este propósito, tendo-se dado cumprimento, quanto às mesmas, ao disposto no artigo 358.º nº 1 do Código de Processo Penal, conforme da respectiva acta consta.

Face ao que antecede, deu-se como não provado o consignado em a) dos factos não provados.

A circunstância de estar em curso um outro processo crime contra o arguido pela prática do mesmo crime em discussão nestes autos resulta de fls. 215 a 289 e 398].

No que se refere aos elementos psicológicos e volitivos imputados ao arguido, os mesmos decorriam já das declarações confessórias do arguido, resultando ainda de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas do arguido - aliás, tais factos encontram-se numa relação de quase necessidade com essas condutas.

A circunstância de o arguido ter admitido os factos de forma praticamente integral resulta das declarações do próprio em audiência de julgamento.

As condições pessoais do arguido retiraram-se do respectivo relatório social junto a fls. 707 a 713, em que se confiou, pela metodologia evidenciada e fontes consultadas e que se conjugou com as declarações da testemunha P…, amigo do arguido.

A ausência de antecedentes criminais registados apuraram-se com base no respectivo certificado de registo criminal, junto a fls. 662.» (fim de transcrição)

5. Vejamos se assiste razão ao recorrente, iniciando a análise do recurso pela nulidade do acórdão decorrente da alegada falta de fundamentação.

5.1 O recorrente suscita no seu recurso a Falta de fundamentação do acórdão por falta de exame crítico das provas o que acarreta a sua nulidade.

Vejamos.

O texto constitucional no seu artigo 205º nº 1 obriga a que as decisões dos tribunais “…que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Na densificação deste princípio constitucional o legislador ordinário, no âmbito do processo penal, estabeleceu no artigo 97º, nº 5 do Código de Processo Penal que na fundamentação devem “…ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”. Densificando ainda mais o princípio, no que à sentença respeita, o legislador consagrou, no 374º nº2 do mesmo código, que a sentença deve conter “ uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”

O legislador, em obediência ao referido princípio, cominou com a nulidade a ausência de fundamentação (artigo 379º, nº 1 al. a) do CPP).

Resulta pois que a sentença, tal como os despachos que conheçam de mérito, isto é, que não sejam de mero expediente, só cumprem o dever de fundamentação, quando os sujeitos processuais seus destinatários são esclarecidos sobre a base jurídica e fáctica das decisões sobre eles tomadas.

Porém e como vem sendo entendido pela Jurisprudência, a lei não vai ao ponto de exigir que, numa fastidiosa explanação, transformando o processo oral em escrito, se descreva todo o caminho tomado pelo juiz para decidir, todo o raciocínio lógico seguido. O que a lei diz é que não se pode abdicar de uma enunciação, ainda que sucinta mas suficiente, para persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão[3].

Na verdade, só há nulidade da sentença, por falta de fundamentação, quando a mesma não seja perceptível e compreensível para o comum dos cidadãos, segundo as regras da experiência comum e da lógica aplicáveis ao caso, não se percebendo como o Tribunal formou a sua convicção, isto é, o que justificou a prova ou não prova dos factos em discussão e qual a fundamentação que efectuou para aferir da culpabilidade ou não culpabilidade do arguido ou havendo omissão de algum dos itens referidos no nº2 do artigo 374º, nº 2 do CPP. [4]

O que importa, no que respeita ao cumprimento do dever de fundamentação, são os factos essenciais à caracterização do ilícito, os relevantes para a medida da pena e não qualquer facto inócuo sejam eles da acusação ou da defesa. O que interessa, em síntese, é que o tribunal aprecie os factos relevantes para a decisão a proferir.[5] 

Ora, tendo em conta estes ensinamentos dúvidas não existem que o Tribunal a quo fez uma análise crítica, ainda que perfunctória, da prova produzida elencando quais as provas produzidas (depoimento do arguido a sua confissão quase integral, da ofendida e das testemunhas) e ainda a prova documental constante dos autos. Depois, em relação a cada uma das provas, analisa-a de forma bastante e adequada, sendo perfeitamente compreensível o que valora em cada uma delas e qual o juízo que faz da mesma e quais os motivos de tal juízo.

Não era exigível uma maior análise crítica, pois nada mais havia para analisar, tanto mais que o arguido, “admitiu em julgamento a prática dos factos de forma praticamente integral” (facto 30 dos factos provados).

Admitimos que o recorrente possa não estar de acordo com a valoração que o Tribunal a quo fez da prova produzida. Porém, divergência de convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal formou, por força do princípio da livre apreciação da prova do artigo 127º do Código de Processo Penal, não se confunde com qualquer vício da decisão ou com a sua falta de fundamentação.[6] 

Tendo em conta o que fica dito e a leitura da decisão em crise, facilmente se conclui que a mesma está devidamente fundamentada cumprindo as exigências legais constantes do artigo 374º do CPP.

Improcede pois a nulidade invocada pelo recorrente.

 

5.2 Vejamos agora a alegada errada qualificação jurídica dos factos dados como provados, os quais apenas integram a prática pelo arguido de um crime de abuso sexual de criança previsto e punido pelo artigo 171º do Código Penal.

O arguido foi condenado como autor material de um crime de abuso sexual de criança agravado p.p. pelos artigos 171º, nº 1 e 2 e 177º, alínea b), ambos do Código Penal.

Convirá dizer que o recorrente admite ter cometido “acto sexual de relevo”, para efeitos do artigo 171º, e nessa medida, não analisaremos os comportamentos do arguido na perspectiva do tipo base mas apenas da sua agravação, que é aquela com a qual o arguido não concorda.

Diremos, antecipando a conclusão, que tendo em conta os factos provados, não vislumbramos como poderia o arguido ser condenado pelo crime de abuso sexual de criança simples.

Desde logo estão verificados os requisitos previstos no nº 2 do artigo 171º, como claramente se alcança do ponto 8 dos factos provados, no qual se deu como provado que o arguido “começou a tocar-lhe na zona genital, colocando os seus dedos por dentro da vagina”, isto é, o arguido fez “introdução vaginal (…) de partes do corpo”, (os dedos) tal como exige o preceito.[7]

De igual modo está verificada a agravante da alínea b) do nº 1, do artigo 177º do Código Penal, na qual se exige que o agente tenha, ao que aos autos interessa, com a vítima uma “relação familiar”.

Que tipo de “relação familiar” é esta que o legislador exige?

O arguido entende que não é familiar, por a vítima ser sobrinha de sua mulher e, em relação a si apenas “afim em 3º grau e nunca um parente”.

A anterior redacção do preceito especificava a relação familiar abrangida pela agravação, incluindo na mesma, ao que aqui interessa, o “parente ou afim até ao segundo grau do agente” (anterior redacção do artigo 177º, nº 1 alínea a) do Código Penal).

Hoje o legislador apenas refere em termos latos “relação familiar” sem a especificar. Esta alteração visou alargar o âmbito da agravação prevista na norma e daí a utilização do conceito relação familiar, quando entre o agente e a vítima exista uma proximidade ou intimidade semelhante à dos parentes, nela se incluindo a relação tio/sobrinho decorrente de afinidade, mesmo sendo em terceiro grau por afinidade na colateral, como é o caso dos autos.[8] O que o legislador exige é que exista uma relação de proximidade entre o agente e a vítima e que o mesmo se aproveite dessa situação, no duplo sentido de que o mesmo tira partido da mesma e ao mesmo tempo lhe era exigível um comportamento mais conforme ao direito, sendo, nessa medida, mais elevado o desvalor da acção. Daí a agravação, quase como que violação do princípio da confiança decorrente da relação de proximidade.

É exactamente o que acontece no caso presente quando resultam provados factos demonstrativos de convívio familiar, incluindo férias, fins-de-semana e pernoitas em casa do arguido por parte da vítima, chegando ao ponto de partilhar a cama do arguido e de sua mulher. Estamos pois em presença de uma relação familiar para efeitos do preceito.

Em resumo e pelas razões aduzidas, entendemos estar correcta a qualificação jurídica efectuada pelo Tribunal a quo, a qual nenhuma censura nos merece.

5.3 O recorrente alega ainda que a pena de prisão é excessiva, devendo ser reduzida e suspensa na sua execução com regime de prova.

O recorrente fundamenta esta sua conclusão no facto de o arguido ter confessado e estar arrependido e ainda nos demais factos pessoais, concluindo pela violação dos artigos 40º, 50º, 70º, 71º, 72º, 73º e 75º do Código Penal.

Vejamos em primeiro lugar a medida da pena e posteriormente, justificando-se, apreciaremos a alegada suspensão na sua execução.

O legislador estatui como parâmetros de determinação da pena que a mesma deve ser fixada - “(…) dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” visando a aplicação das penas “(…) a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” e levando ainda em conta “(…) todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (…)” considerando, nomeadamente, os factores de determinação da pena a que se referem as várias alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal (artigos 71º, nº1 e nº2 e 40º, nº1 e nº2, ambos do Código Penal.

O legislado dá ainda primazia às penas não detentivas desde que a mesma realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 70º Código Processo Penal).

A densificação jurisprudencial dos critérios legais tem sido feita, pelos tribunais superiores, de modo a considerar e ponderar o equilíbrio entre “exigências de prevenção geral”, a “tutela dos respectivos bens jurídicos” e a “socialização do agente”. Da multiplicidade de decisões do nosso Supremo Tribunal permitimo-nos citar, por sintetizar na perfeição a ponderação dos referidos equilíbrios, o sumário do acórdão de 31-01-2012, “Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente[9] , ou como diz o Ac. STJ de 22-09-2004, “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todo exigível”.[10][11]

Como refere a Prof.ª Anabela Rodrigues "A pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada... É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica".[12] 

Como refere o Supremo Tribunal de Justiça, os factores a ponderar na medida da pena, “(…) devem desde logo ser relevantes do ponto de vista da culpa e da prevenção, têm de ser avaliados em função do seu peso especifico e da sua recíproca influência na quantificação da pena. Esta há-de ser o resultado de todos esses factores numa avaliação complexa, tendo em vista, sempre, as necessidades de prevenção e a medida da culpa.”[13]

Ainda neste sentido da ponderação da prevenção geral, especial e da culpa em sede de medida concreta da pena, escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/2005, “As circunstâncias e os critérios do artigo 71° do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.”[14]

No caso em apreço o crime praticado pelo arguido é punível com pena de prisão de 4 anos a 13 anos e 4 meses de prisão.

Tendo em conta o que ficou dito sobre os critérios legais e ensinamentos jurisprudenciais, ponderam-se para a determinação concreta da pena, as seguintes circunstâncias:

-o dolo directo e intenso com que o arguido actuou;

-o elevado grau de ilicitude do facto manifestado no número de factos praticados (persistência do acto criminoso) e o modo como foram executados, alguns dos quais praticados com familiares muito próximos, um dos quais inclusive com a mulher na mesma cama, o que é revelador do descontrolo emocional do arguido e a sua incapacidade para controlar as suas pulsões sexuais;

-as condições pessoais do arguido (situação familiar e económica normal e beneficiando de apoio familiar);

-a ausência de antecedentes criminais e a admissão dos factos quase de forma integral, o que revela uma admissão da culpa e arrependimento.

Assim, fazendo apelo aos critérios legais de determinação da medida da pena consagrados no artigo 71.º do Código Penal, designadamente, os acima elencados, entendemos que a medida concreta da pena aplicada ao recorrente nos presentes autos é um pouco desproporcional à gravidade dos factos e à culpa do arguido e ainda um pouco excessiva no que respeita às finalidades que a mesma visa alcançar, devendo ser reduzida para 6 (seis) anos de prisão, assim se realizando de forma mais justa e equilibrada a necessidade de prevenir futuros crimes sendo, ao mesmo tempo, suficiente para proteger as expectativas que a comunidade tem na validade das normas e, nessa medida, ainda capaz e suficiente para realizar o efeito geral de intimidação.

Esta pena parece-nos mais justa, proporcional e equilibrada mantendo-se dentro dos limites da culpa.

Procede assim parcialmente o recurso do arguido, alterando-se a pena para os referidos 6 anos de prisão, ficando, nessa medida, prejudicada a questão da suspensão da pena, por a pena aplicada ser superior a 5 anos de prisão (art. 50º, nº 1, do CP).

Assim, sem mais considerandos, por desnecessários, procede parcialmente o presente recurso.

III         Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em conceder provimento parcial ao recurso e, em consequência, alterar a decisão recorrida e,

-condenar o arguido JA..., pela prática de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, nº 1 e 2 e 177.º, nº1, al. b), ambos do Código Penal, na pena de seis (6) anos de prisão.

Sem custas atento o vencimento parcial - artigo 513.º, n.º 1, do CPP.

Notifique nos termos legais.

(o presente acórdão, integrado por vinte páginas, foi processado em computador pelo relator, seu segundo signatário e integralmente revisto por si e pelo Exmos. Juízes Desembargadores Presidente e Adjunto – artigo  94.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal).

Lisboa, 12 de Maio de 2016.

Antero Luís

João Abrunhosa

_______________________________________________________
[1]   Neste sentido e por todo, ac. do STJ de 20/09/2006 Proferido no Proc. Nº O6P2267.
[2]   Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995
[3]  No que respeita à sentença, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-01-2007 [Cons. Armindo Monteiro], processo 3193/06 – 3.ª Secção, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
[4] Neste sentido e por todos veja-se acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05/06/2006 proferido no Proc. Nº 389/06-1 I - Com a fundamentação da sentença, referida no artº 374° nº 2 do CPP, há-de ser possível perceber, como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal.
II – Na verdade, a sentença, para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova, há-de conter, também, «os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico, sobre provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido» - Ac. STJ de 13.02.92, CJ, Tomo I, pág. 36 e Ac. TC de 2.12.98, DR na Série de 5.03.99.
Ac. STJ de 23-04-2008, CJ (STJ), 2008, T2, pág.205: O cumprimento do dever de fundamentação deve ser claro e transparente, permitindo acompanhar de forma linear o raciocínio sentenciado, não sendo exigível que o mesmo explane todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenvolveu a dinâmica dos factos em determinada situação e muito menos que equacione todas complexidades suscitadas pelos sujeitos processuais.
[5] Neste sentido acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/03/2014, proferido no Proc. Nº 811/12.4JACBR.C1 in www.dgsi.pt

[6]   Veja-se, neste sentido, acs. do STJ de 17/03/2004 Proc. 03P2612 e 13/07/2005 no Proc. 05P2122, em que foi relator o Conselheiro Henriques Gaspar.
[7] Neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição actualizada, pág. 512.
[8] Neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque obra citada, pág. 507.
[9]   Proc. Nº 8/11.0PBRGR.L1.S1
[10]   Proc. n.º 1636/04 - 3.ª:
[11]   No mesmo sentido Prof. Figueiredo Dias (“O Código Penal Português de 1982 e a sua reforma”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Fasc. 2-4, Dezembro de 1993, págs. 186-187).
[12]   In A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade", Coimbra Editora, pág. 570-571.
[13]  Acórdão de 26.09.2013, Proc. nº 641/11.0JDLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt
[14]  Proferido no Proc. 04P4107, in www.dgsi.pt