Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2656/07.4TBAMD-A.L1-1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: NOVAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: 1. A novação constitui uma modalidade de extinção das obrigações. Tem, porém como particularidade o facto da extinção da obrigação contratual decorrer da constituição de uma nova obrigação que vem ocupar o lugar da primeira.
2. São requisitos da novação: (i) a intenção de novar, expressamente declarada; (ii) que a obrigação primitiva seja válida e não se encontre extinta ao tempo em que a segunda foi contraída, e (iii) que a nova obrigação se constitua validamente.
3. Em termos de ónus probatórios, sendo a novação um facto extintivo da obrigação acionada, a intenção de novar e a expressa manifestação dessa intenção, têm que ser provadas por quem a invoca.
4. Tendo-se provado que
(a) o credor acordou com os sócios da devedora (a sociedade C- Sociedade Equipamentos Eléctricos e Eletrónicos, Limitada), entre eles, o ora oponente/apelado, que estes assumiam e liquidavam o débito incumprido, aceitando cada um dos sócios a obrigação de pagar um quarto da dívida daquela sociedade, assumindo essa obrigação individual e isoladamente, em função da capacidade financeira de cada um deles e que,
(b) no âmbito desse mesmo convénio, ficou acordado que o executado pagaria cerca de mil e seiscentos contos, em prestações mensais, no montante de cinquenta mil escudos, tendo tal quantia sido totalmente liquidada e se
(c) a obrigação inicial tiver resultado de um contrato de mútuo celebrado com a referida sociedade, tendo os sócios (e respetivas esposas) avalizado uma livrança, donde resultava para estes uma obrigação de natureza solidária, tendo o portador o direito de acionar todas essas pessoas, individualmente ou coletivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram,
5. Em face do referido acordo, objectivamente, ocorreu uma alteração da causa da prestação a que se encontravam adstritos os avalistas:
(a) Antes, o oponente era responsável pelo pagamento nessa qualidade e solidariamente, (b) Agora, passou a ser responsável, a título principal e individualmente, mas apenas pela quota-parte de responsabilidade que assumiu de novo,
(c) Em simultâneo, a anterior devedora ficou exonerada do cumprimento da obrigação por ela contraída.
6) Ou seja, ocorreu uma novação na sua dupla vertente: objetiva e subjetiva.
Decisão Texto Parcial:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
JR deduziu oposição à execução comum para pagamento de quantia certa, que contra si intentou F, S.A., pedindo a improcedência do pedido exequendo.
Para o efeito, alega, em síntese, que o exequente tinha um crédito sobre a sociedade executada C – SEE, Limitada, no valor de cerca de seis milhões e quatrocentos mil escudos.
Como a sociedade não tinha possibilidade de liquidar esse valor e ficou inativa, o exequente acordou com o executado, ora oponente, e os restantes (três) sócios da referida sociedade – JD, AS e FA –, no sentido de estes assumirem e liquidarem o aludido débito.
Por força desse acordo, celebrado no ano de 2000, cada um dos sócios assumiu a obrigação de pagar um quarto da dívida da sociedade executada, obrigação que cada um deles assumiu individual e isoladamente.
Em relação ao executado, ora oponente, ficou acordado que este pagaria cerca de mil e seiscentos contos, em prestações mensais, no montante de cinquenta mil escudos.
O executado, ora oponente, cumpriu o acordo, tendo pago o valor correspondente à quarta parte da dívida, nada devendo ao exequente.
 Ademais, se devesse qualquer quantia titulada pela mencionada livrança, a obrigação tinha prescrito em outubro de 2006, uma vez que a última prestação ocorreu em outubro de 2003 (artigo 70.º da LULL).
Admitida, liminarmente, a oposição, foi o exequente notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 817.º, n.º 2, do CPC.
Contestou o exequente, impugnando o alegado acordo de pagamento.
Reitera a existência e o conteúdo do contrato de mútuo de que emerge a dívida exequenda, a livrança, o pacto de preenchimento e a responsabilidade solidária do avalista, afirmando que “é falso que o exequente tenha acordado com o executado que caso o mesmo pagasse ¼ da dívida da referida sociedade, o mesmo não seria responsável pelo pagamento do remanescente em dívida”.
Ademais, a obrigação não se encontra prescrita, por não terem decorrido 3 anos após o vencimento da obrigação cambiária.
Concluiu pela improcedência da oposição.
Após ter sido elaborado despacho saneador com dispensa da seleção da matéria de facto, procedeu-se a julgamento.
Foi proferida sentença que julgou procedente a oposição à execução.
Inconformado, apelou o exequente, apresentando a conclusões que abaixo se transcrevem.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Conclusões da apelação:
A. Por Sentença proferida em 20/12/2012, foi a Oposição à Execução deduzida pelo Executado/Oponente JR, ora Recorrido, julgada procedente.
B. Da sentença recorrida, decorre que o Tribunal a quo considerou que as partes tiveram “ (…), a clara intenção de substituir a dívida da sociedade “C” (titulada pelo aludido contrato de mútuo e garantida pela livrança dada à execução) (…), por uma dívida, relativamente à qual, cada um deles passou a responder na medida da obrigação acordada (…). De tal modo que, o Banco Exequente, portador que era da livrança dada à execução não a accionou, optando por novar a divida, com a consequente responsabilização individual de cada um dos sócios, com o objectivo de, efectivamente, recuperar o crédito que detinha, o que, pelo menos quanto ao ora oponente, logrou alcançar.”
C. Entendeu, ainda, o Tribunal a quo que “por força do acordo novatório”, os sócios da sociedade “C” deixaram de responder perante o Banco Exequente enquanto garantes da obrigação daquela sociedade, “ (…) passando a assumir, quanto à obrigação constituída, a posição de devedores principais e em substituição da devedora principal e dos demais avalistas, verificando-se assim, uma novação subjectiva”.
D. Ora, com o devido respeito e salvo melhor opinião, não pode, pois, a Apelante concordar com a decisão Tribunal a quo, uma vez que o entendimento plasmado supra não vai ao encontro do enquadramento legal da mesma, como adiante se demonstrará.
E. Desde logo, importa referir que a livrança dada à execução teve por base um contrato de mútuo, celebrado em 03/05/1999, com a sociedade “C – SEEE, Limitada”.
F. Com a celebração de tal contrato, foi entregue a livrança dada à execução, constando apostos no verso da mesma os dizeres manuscritos de “por aval à firma subscritora”, seguido das assinaturas dos quatro sócios – na qual se inclui o ora Apelado – e respectivos cônjuges.
G. O supra referido contrato encontra-se acompanhado do documento denominado por “Convenção de Preenchimento de livrança em branco”, o qual se encontra assinado por todos os Executados, incluindo o ora Apelante.
H. Sucede, porém, que perante o incumprimento de tal contrato de mútuo e na impossibilidade da sociedade “C” em liquidar o crédito devido à Exequente, no valor de seis milhões e quatrocentos escudos, e o facto de ter ficado inactiva, os quatro sócios da referida sociedade, todos Executados, na qual se inclui o Apelado, reuniram-se com o objectivo de averiguar da possibilidade de liquidar a divida, sem recurso à via judicial.
I. Não obstante a existência de tal reunião, entendeu-se que da mesma resultou um “acordo verbal com a Exequente”, no âmbito do qual, cada um dos quatro sócios “… assumiu a obrigação de pagar um quarto da divida da sociedade executada, no valor individual de Esc. 1.600.000$00”.
J. Entendeu, assim, o Tribunal a quo que as partes – entenda-se, Exequente e os sócios Executados -, pretenderam “… fixar um montante e responsabilizar cada um dos sócios, individualmente, pelo respectivo pagamento parcelar e pela forma a acordar também individualmente”.
K. Tendo decido a final que, a causa da divida deixou de ser o “(in)cumprimento” do mútuo, a que alude no ponto 3 dos factos provados, mas antes o acordo posteriormente celebrado entre o Banco exequente e os quatro sócios da C, não se verificando, assim, qualquer assunção de dívida”.
L. E acrescenta que, nos termos daquele acordo, foi fixado o valor o valor global da dívida, as condições, individualmente acordadas, o respectivo pagamento, e os prazos de vencimento.
M. Concluindo, que a pretensão das partes consistiu em alterar a qualidade em que cada um dos referidos sócios responderia perante a ora Apelante, passando, antes, a assumir quanto à obrigação constituída, a posição de devedores principais e dos demais avalistas, verificando-se, assim, uma novação subjectiva.
N. Pelo que, o Oponente ao contrair nova obrigação perante a Exequente, cumprindo na parte que lhe competia, nada mais lhe poderia ser exigido.
O. Ora, com o devido respeito, não pode, pois, a Apelante concordar com tal decisão, uma vez que no caso em apreço não se verificou qualquer novação objectiva ou subjectiva, conforme se irá demonstrar.
P. Senão vejamos,
Q. Dispõe o artigo 858º do Código Civil (adiante CC), que se entende por novação subjectiva” A novação por substituição do credor dá-se quando um novo credor é substituído ao antigo, vinculando-se o devedor para com ele por uma nova obrigação; e a novação por substituição do devedor, quando um novo devedor, contraindo nova obrigação, é substituído ao antigo, que é exonerado pelo credor.”
R. Por sua vez, dispõe o artigo 859º do CC, sob a epígrafe “Declaração Negocial” que “A vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada”.
S. Da análise destas disposições, resulta como evidente, que haverá lugar a novação, quando se verifique, por um lado, a substituição do devedor/obrigado por um novo devedor, o que importará a extinção da obrigação primitiva e a constituição de uma nova obrigação, com a consequente exoneração do devedor por parte do credor.
T. E, por outro lado, que a vontade em contrair a nova obrigação em substituição da antiga, seja expressamente manifestada.
U. Ora, no caso em apreço, perante a impossibilidade da sociedade “C” em cumprir o contrato de mútuo supra referido, caucionado pela livrança dada à execução, a Apelante e os sócios/Executados, no qual se inclui o Apelado, encetaram negociações para uma eventual resolução da divida, pela via extrajudicial.
V. De facto, a negociação a que o Tribunal a quo, entendeu como um “acordo verbal”, não foi mais, tal como resultou da matéria provada, do que uma forma alcançada para o pagamento por parte dos sócios/Executados, no qual se inclui o Apelado, da dívida da sociedade “C”.
W. Na verdade, tal como consta da sentença recorrida “Essencial para haver novação, é que os interessados queiram realmente extinguir a obrigação primitiva por meio de contracção de uma nova obrigação.”
X. E, continua, “Se a ideia das partes é a de manter a obrigação, alterando apenas um ou alguns dos seus elementos, não há novação, mas simples modificação ou alteração da obrigação.”
Y. Ora, in casu, a obrigação primitiva, e única, ou seja, a dívida decorrente do contrato de mútuo celebrado com a sociedade “C”, manteve-se, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo. Senão vejamos,
Z. A dívida decorrente do contrato de mútuo celebrado com a “C”, tal como resultou da matéria de facto dada como provada, encontrava-se caucionada por uma livrança subscrita pela referida sociedade, e avalizada por todos os Executados, na qual se inclui o Apelado.
AA. Todavia, na sequência da reunião a que se refere a sentença recorrida, a Apelante não obstante ser portadora da livrança exequenda, optou por não a executar, no imediato, permitindo aos Executados, incluindo o Apelado, a possibilidade de regularizar a dívida sem recurso à via judicial.
BB. E, foi neste prossuposto – regularização extrajudicial da divida – que o referido contrato de mútuo foi celebrado com o Apelado.
CC. Tendo-lhe sido concedido um crédito pessoal pelo valor correspondente a um quarto da dívida, o qual seria pago de acordo com a sua disponibilidade financeira.
DD. No entanto, e não obstante a concessão de tal crédito, do referido “acordo verbal”, conforme referido pela sentença recorrida, não resultou que o mesmo consubstanciaria uma obrigação nova em substituição da antiga.
EE. Na verdade, e tal como resultou dos factos provados, nem a sociedade “C”, nem os quatro sócios/Executados (no qual se inclui o Apelado), dispunham de liquidez para proceder ao pagamento da referida dívida.
FF. Pelo que, apenas por esse motivo, foi concedido tal crédito.
GG. Não tendo resultado, do referido “acordo verbal”, nem como provado, que com a celebração do crédito pessoal – relembre-se, apenas concedido face a inexistência de liquidez – a divida da sociedade “C” se extinguiria.
HH. Do mesmo modo, do contrato de crédito concedido, não resulta a extinção da dívida da “C”.
II. Ora, de acordo com o entendimento maioritário da jurisprudência, a vontade de contrair uma nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada.
JJ. A este propósito, e citando Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado (Volume II – 4ª Edição) “Não havendo, portanto, em qualquer dos casos, declaração expressa de que se pretende novar (animus novandi), a obrigação primitiva não se extingue (…).
KK. Isto é, a vontade em novar – animus novandi – deve ser expressamente manifestada.
LL. Entendendo-se como manifestação de vontade expressa, o “Meio directo de manifestação da vontade (art.217º, n.º, 1, do CC), para efeitos de novação, nos termos do art. 859º, é a declaração que tem de revelar-se por uma atitude dos sujeitos da obrigação, que seja inequívoca, que mostre frontalmente a vontade de substituir a antiga obrigação por uma nova; uma atitude que imponha tal conclusão, sem necessidade de dedução baseada em factos que, embora com toda a probabilidade, e revelam.”. (conforme RL, 23-1-1976: CJ, 1976, 1.º -206).
MM. Logo, dúvidas não subsistem, que a obrigação inicial se manteve, não tendo ocorrido a sua extinção, porquanto não resultou como provado qualquer declaração expressa nesse sentido.
NN. Do mesmo modo, não resultou da matéria provada, nem tão pouco do já referido “acordo verbal”, que a concessão de tal crédito importaria a exoneração pela Apelante de qualquer dos Executados, nomeadamente do Apelado, a qual consubstancia um dos pressupostos para verificação da novação subjectiva.
OO. Sendo certo, que para que ocorra a exoneração de qualquer um dos executados, o que não se concede, esta dependerá sempre de declaração expressa do credor.
PP.O que, in casu, não se verificou.
QQ. Logo, com o devido respeito, não poderá o Tribunal a quo decidir pela novação, como decidiu, quando da matéria de facto dada como provada, não resulta que “ (…) tiveram as partes, por um lado, a clara intenção de substituir a divida da sociedade C (titulada pelo aludido contrato de mútuo e garantida pela livrança dada à execução) – relativamente à qual os sócios, ora executados (entre eles, o ora oponente), respondiam solidariamente, por força da qualidade de avalistas – por uma dívida, relativamente à qual, cada um deles passou a responder na medida da obrigação acordada, ou seja, na proporção de ¼, assim como cada um deles pagaria de acordo com as respectivas possibilidades.”
RR. Nem tão pouco, que, por força do “acordo novatório”, que não se admite, pretenderam alterar a qualidade em que cada um dos sócios/executados responderia perante a ora Apelante, “ (…) enquanto garantes da obrigação da C, passando a assumir, quanto à obrigação constituída, a posição de devedores principais e em substituição da devedora principal e dos demais avalistas, verificando-se, assim, uma novação subjectiva.”
SS. Atendendo ao supra exposto, mantendo-se a obrigação primitiva – divida da “C” –, e não se tendo verificado a exoneração dos Executados, no qual se inclui o Apelado, não poderia a Apelante devolver a livrança exequenda, avalizada por todos os Executados para garantia da obrigação, enquanto aquela se mantivesse e não fosse integralmente regularizada.
TT.E a verdade, é que nenhum dos Executados, nomeadamente o Apelado, conscientes desta realidade, solicitou à Apelante a entrega da livrança caução.
UU. Sendo que, tal como consta da sentença recorrida, “Como observa Antunes Varela (Obra citada, pag. 231), é evidente que a fixação da vontade das partes a esse respeito reveste o maior interesse, pois a substituição da obrigação pressupõe, em regra, a eliminação das garantias e dos acessórios da divida extinta, ao passo que na simples modificação da obrigação se mantêm todos os elementos que não foram alterados.”
VV. Pelo que, não obstante o pagamento pelo Apelado de parte da divida da “C”, a verdade é que a obrigação não se encontra totalmente liquidada, assistindo assim à Apelante o direito de executar a livrança prestada a titulo de caução, subscrita pela referida sociedade, e avalizada pelos oito executados - incluindo o Apelado - todos eles solidariamente responsáveis.
WW. Destarte, dúvidas não subsistem que, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, com o devido respeito, e salvo melhor opinião, o caso em apreço, não configura uma situação de novação objectiva ou subjectiva, porquanto não se encontram preenchidos os pressupostos para a sua verificação, nomeadamente quanto ao elemento essencial – a intenção de novar tem de resultar de declaração expressa.
XX. O que, in casu, não se verificou.
YY. Face ao exposto, a Douta Sentença recorrida, ao considerar procedente a oposição à execução deduzida pelo Apelado, é contrária à lei e desprovida de fundamento.
ZZ. Pelo que, a douta sentença deverá ser revogada e a referida oposição à execução deverá improceder. 
II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, importa decidir se dos factos provados resulta que ocorreu novação da obrigação exequenda.
B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. A exequente é portadora da livrança junta a fls.42 dos autos de execução, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, subscrita pela sociedade comercial C – SEEE, LIMITADA, constando do local destinado à assinatura do subscritor uma rubrica e duas assinaturas apostas sobre o carimbo “C, LDA. A Gerência”.
2. No seu verso, transversalmente, encontram-se apostos os dizeres manuscritos de “por aval à firma subscritora”, seguidos das assinaturas com caracteres respeitantes aos JD, AS, FA e JR (ora oponente), tudo conforme documento de fls.42, junto com o requerimento executivo, cujo teor se dá por reproduzido.
3. Entre a exequente e a executada C – SEEE, LIMITADA foi celebrado o “contrato de mútuo”, datado de 03.05.1999, o qual se mostra junto a fls.17 a 23 e o teor se dá integralmente por reproduzido.
4. O contrato referido em 3 mostra-se acompanhado do documento denominado “CONVENÇÃO DE PREENCHIMENTO DE LIVRANÇA EM BRANCO”, junto a fls.24 a 26, assinado pelos executados JD, AS, FA e JR (ora oponente), cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
5. A livrança referida em 1 foi preenchida como garantia do integral cumprimento do contrato referido em 2.
6. A exequente tinha um crédito sobre a sociedade executada C – SEEE, LIMITADA, no valor de cerca de seis milhões e quatrocentos mil escudos.
7. Como a sociedade não tinha possibilidade de liquidar esse valor e ficou inactiva, a exequente acordou com o executado, ora oponente, e os restantes (três) sócios da C – SEE LIMITADA – JD, AS e FA –, no sentido de estes assumirem e liquidarem o aludido débito.
8. Por acordo com a exequente, celebrado no ano de 2000, cada um dos sócios assumiu a obrigação de pagar um quarto da dívida da sociedade executada.
9. Tal acordo foi firmado numa reunião tida entre representantes/colaboradores da exequente e os executados João JD, AS, FA e JR (ora oponente).
10. Nos termos de tal acordo, cada um dos sócios – os executados JD, AS, FA e JR (ora oponente) –, individual, isoladamente, pagaria ao banco o equivalente a um quarto da referida dívida.
11. E em prestações, de valor ao alcance da capacidade financeira de cada um dos sócios.
12. Em relação ao executado, ora oponente, ficou acordado que este pagaria cerca de mil e seiscentos contos, em prestações mensais, no montante de cinquenta mil escudos.
13. O executado, ora oponente cumpriu o acordo, tendo pago o valor correspondente à quarta parte da dívida.
III- DO CONHECIMENTO DO RECURSO
O apelante defende nas suas conclusões que a situação descrita nos factos provados não configura uma situação de novação objetiva ou subjetiva. Mais invoca que dos factos provados não resulta a intenção de novar, sendo certo que a mesma tem de ser objeto de declaração expressa, que não se verificou.
Depreende-se da argumentação apresentada que, no seu entender, não ocorreu uma substituição da anterior obrigação por uma nova, aspeto essencial e caraterizador da novação, mas apenas e tão só uma modificação ou alteração da obrigação existente, mantendo-se, por conseguinte, a garantia prestada pelos avalistas.
Assim sendo, a questão essencial a dirimir consiste no apuramento da intenção das partes: quiseram ou não, com os atos descritos nos pontos 7 a 12 dos factos provados, extinguir a obrigação constituída com base no contrato de mútuo e garantia prestada (aval por parte dos sócios da devedora e seus cônjuges)?
Antes de entrarmos numa análise mais detalhada com vista a dar uma concreta resposta à pergunta colocada, importa enquadrar, ainda que sucintamente, até porque também a sentença recorrida fez esse percurso analítico de forma adequada e suficiente, os pressupostos da novação.
Conforme decorre do artigo 523.º do Código Civil, a satisfação do credor, por novação, produz a extinção, relativamente a ele, das obrigações de todos os devedores.
A novação constitui assim uma modalidade de extinção das obrigações. Tem, porém como particularidade o facto da extinção da obrigação contratual decorrer da constituição de uma nova obrigação que vem ocupar o lugar da primeira.
São, então, requisitos da novação: (i) a intenção de novar, expressamente declarada; (ii) que a obrigação primitiva seja válida e não se encontre extinta ao tempo em que a segunda foi contraída, e (iii) que a nova obrigação se constitua validamente.[1]
Em termos de ónus probatórios, sendo a novação um facto extintivo da obrigação acionada, a intenção de novar e a expressa manifestação dessa intenção, têm que ser provadas por quem a invoca, tal como resulta do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil.
Nos termos da lei, a novação reveste duas modalidades: a novação objetiva e a novação subjetiva.
A primeira dá-se quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga (artigo 857.º do Código Civil). Essa substituição tanto pode ocorrer por haver substituição do objeto da obrigação, como pela mudança da causa da mesma prestação.
A segunda, a novação por substituição do credor ou do devedor, relevando no caso a novação por substituição do devedor, ocorre quando um novo devedor, contraindo nova obrigação é substituído ao antigo, que é exonerado pelo credor (artigo 858.º Código Civil).
Extinta a antiga obrigação por novação, ficam igualmente extintas, na falta de reserva expressa, as garantias que asseguravam o seu cumprimento, mesmo as resultantes da lei, e dizendo a garantia respeito a terceiro, é necessária também a reserva expressa deste (artigo 861.º do Código Civil).
A novação envolve, assim, um contrato a um tempo constitutivo e extintivo de obrigações, na primeira vertente relativamente à obrigação nova e, na segunda, quanto à obrigação originária.
No que concerne à vontade de novar, a mesma tem de ser (bilateral) e expressamente manifestada, não se bastando com uma manifestação apenas tácita.
É expressa a declaração negocial feita por meio de palavras, escrito ou outro meio direto de manifestação da vontade (artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil).
Releva, assim, na interpretação negocial a intenção das partes o chamado animus novandi, elemento essencial à novação, decorrendo da sua ausência que a primitiva obrigação não se extingue.
Essa vontade expressamente manifestada é, em rigor, aquela que é traduzida de modo expresso (como se disse, por palavras, escrito, ou qualquer meio direto de manifestação de vontade), o que leva a excluir, desde logo, as declarações tácitas (aquelas que são deduzidas de factos que, com toda a probabilidade as revelam – cfr. artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil).
Não havendo declaração expressa de que se quer novar (substituir a obrigação antiga por uma nova), a obrigação antiga não se extingue, presumindo-se haver uma datio pro solvendo, nos termos do n.º 2 do artigo 840.º do Código Civil: a dívida antiga só se extingue pela satisfação da dívida de novo contraída. Assim, embora se tenha criado uma nova obrigação, persiste, ao lado dela, a obrigação antiga, funcionando a primeira como modo de facilitar a satisfação do crédito.
Provando-se a intenção de novar, verifica-se uma dação em cumprimento (datio in solutum) ao lado da novação da dívida.[2]
Como distinguir as situações, ou seja, como saber se houve intenção de novar?
A indagação da vontade das partes passará sempre pela interpretação e integração da vontade negocial.
Conforme se refere num aresto do STJ[3], a intenção de novar, expressamente manifestada, pressupõe uma “declaração compreensível na óptica de um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real.”
Na verdade, toda a declaração, tanto a declaração expressa, como a declaração tácita, é passível de interpretação.
Como escreve Manuel de Andrade, “A declaração expressa não é incompatível com a necessidade de interpretação. Como aliás sucede também com todo o texto legal, requer sempre qualquer actividade interpretativa; o que pode é ser esta uma tarefa de elementar simplicidade, em vez de exigir um laborioso esforço mental (…).”[4]
A este respeito, e como é sabido, o artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, preceitua que: “A declaração negocial vale com um sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
A doutrina da impressão do destinatário, visando salvaguardar o princípio da proteção da confiança, tende a proteger o destinatário, pelo que o sentido a conferir à declaração é aquele que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante.
A lei, contudo, não se basta com o entendimento subjetivo do declaratário, dando antes relevância ao sentido que apreenderia o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, ou seja, a pessoa com capacidade, razoabilidade, conhecimento e diligência medianos, que a lei toma como padrão. Nesse sentido, o que releva na interpretação da vontade do declarante é o sentido objetivo que resulta da declaração, independentemente da cognoscibilidade da verdadeira intenção do declarante.
No caso em apreciação, resultou provado (cfr. pontos 6 a 13 dos factos provados) que o ora apelante acordou com os sócios da devedora (a sociedade C- Sociedade Equipamentos Eléctricos e Eletrónicos, Limitada), entre eles, o ora oponente/apelado, que estes assumiam e liquidavam o débito incumprido, aceitando cada um dos sócios a obrigação de pagar um quarto da dívida daquela sociedade, assumindo essa obrigação individual e isoladamente, em função da capacidade financeira de cada um deles.
No âmbito desse convénio, ficou acordado que o oponente pagaria cerca de mil e seiscentos contos, em prestações mensais, no montante de cinquenta mil escudos, tendo tal quantia sido totalmente liquidada.
A obrigação inicial resultava de um contrato de mútuo celebrado com a referida sociedade, tendo os sócios (e respetivas esposas) avalizado uma livrança, donde resultava para estes uma obrigação de natureza solidária (artigos 47.º, I e II, e 77.º, da LULL), ou seja, os avalistas de uma livrança eram todos solidariamente responsáveis para com o portador. O portador tinha, pois, o direito de acionar todas essas pessoas, individualmente ou coletivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram.
Em face do referido acordo, objetivamente ocorreu uma alteração da causa da prestação a que se encontravam adstritos os avalistas. Antes, o oponente era responsável pelo pagamento nessa qualidade e solidariamente, agora, passou a ser responsável, a título principal e individualmente, mas apenas pela quota-parte de responsabilidade que assumiu de novo.
Em simultâneo, a anterior devedora ficou exonerada do cumprimento da obrigação por ela contraída.
Ou seja, ocorreu uma novação na sua dupla vertente: objetiva e subjetiva.
Na interpretação da vontade das partes plasmada neste acordo, e considerando os seus termos quanto à alteração da causa da obrigação e à redefinição das obrigações dos anteriores garantes, transformados agora em devedores principais, com exoneração da anterior devedora, é inquestionável que para um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, que a alteração da causa da obrigação e substituição da devedora principal por novos devedores que assumiram essa mesma qualidade, revelando tal comportamento negocial, de forma objetiva, a intenção de novar.
É que incidindo a alteração não sobre elementos acessórios do negócio, mas sobre elementos essenciais como sejam a causa debendi, os sujeitos da obrigação, objetivamente, aos olhos de um declaratário normal, não ocorre apenas uma alteração do negócio existente, mas sim a firmação de um novo, em substituição do anterior.
Conclusão que se afigura ainda mais segura se levarmos em conta que o exequente estava munido de uma garantia, que funcionava como título executivo, precisamente e também contra os referidos sócios. Ao aceitar um novo acordo, através do qual acordou receber de cada um deles apenas uma quota-parte do crédito, e na medida das suas possibilidades, responsabilizando-se os mesmos em termos pessoais e individuais, absteve-se de executar a garantia, e esse comportamento, à luz das regras interpretativas inseridas no artigo 236.º do Código Civil, tem de ser interpretado no sentido de ter acordado que a nova obrigação extinguia a anterior. Daí decorrendo, em face do disposto no artigo 861.º do Código Civil, a extinção da garantia prestada pelo executado.
Sublinhe-se que, a nosso ver, não se trata de inferir através de factos concludentes a vontade do declarante, situação que caberia no campo da declaração tácita, inaplicável nesta sede.
O que ocorre é antes uma interpretação da vontade das partes, plasmada nos concretos termos do negócio celebrado, à luz das regras da interpretação da vontade das partes.
Conclui-se, pois, que dos factos provados resulta, e em termos interpretativos, a vontade negocial de novar, o que determina que se considere que o executado cumpriu ó ónus probatório que sobre si recaía.
Chegados a esta conclusão, importa apenas referir que a argumentação do apelante não procede, sendo de sublinhar que a não solicitação da devolução da livrança pode ter múltiplas causas, que aliás também não foram trazidas aos autos, pelo que tal circunstância revela-se inócua para a apreciação da vontade das partes.
Em face do exposto, e tendo ficado provado que o oponente JR cumpriu a sua quota-parte da obrigação, nada deve ao exequente, pelo que a execução tem de ser declarada extinta.
De qualquer modo, sempre se dirá, que mesmo que assim não fosse entendido, ou seja, caso se entenda que, em face dos factos provados, não se pode interpretar a vontade negocial como sendo uma vontade de novar, mas tão e apenas de substituição do negócio, surgindo o acordo verbal e o ali estabelecido como uma forma de apenas facilitar o cumprimento (portanto como uma datio pro solvendo), subsistindo a anterior obrigação até se encontrar totalmente satisfeita (ou reduzida na medida dessa satisfação), por não ter sido manifestamente expressa como exige a lei, a sorte da execução seria mesma.
É que o comportamento do exequente, à luz dos factos provados, ao pretender cobrar do executado, que já lhe pagou a quota-parte da dívida que assumiu pagar nas condições acordadas, pretendo agora fazer “renascer” uma obrigação solidária que anteriormente não acionou e renegociou de forma a obter melhor satisfação dos seus interesses, excede manifestamente e de forma clamorosa as regas da boa-fé no cumprimento dos contratos (artigo 762.º do Código Civil), e corresponde a um abuso de direito na vertente de venire contra factum proprium, enquadrando-se tal conduta na previsão do artigo 334.º do Código Civil.
Estipula este preceito que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Na raiz da ilegitimidade (melhor dizendo, da ilicitude[5]) da conduta está um comportamento contraditório com um outro assumido anteriormente, vulgarmente referenciado como um venire contra factum proprium, apesar de também poder assumir outras vertentes que para o caso não relevam.
A salvaguarda do princípio da confiança, da boa-fé e a desproporcionalidade que resulta do exercício do direito em face das consequências para terceiros, determina que, por razões de ordem pública, se considere ilegítimo o exercício do direito.
Embora e à partida, o instituto do abuso de direito não suprima direitos, ao incidir sobre o seu exercício, pode condicioná-los, podendo chegar à supressão, se tal se afigurar necessário.
Releva na aferição dos seus pressupostos de aplicação, sobretudo na vertente do venire contra factum proprium, analisar as circunstâncias e o contexto em que ocorreu a definição do direito a exercer, porque só assim se poderá concluir se ocorreu violação grave do princípio da confiança, que a par do princípio da boa-fé, são os pilares que suportam a ponderação global e objetiva da existência duma situação abusiva repudiada pelo sistema jurídico.
Conforme refere Menezes Cordeiro “a confiança permite um critério de decisão: um comportamento não pode ser contraditado quando ele seja de molde a suscitar a confiança das pessoas.”
Atento o acima referido quanto ao comportamento do exequente, afigura-se-nos inequívoco que o exequente, tal como se refere na sentença recorrida, ao fazer “letra morta” do acordo alcançado e ao acionar os avalistas como se tal acordo não tivesse existido, viola de forma clamorosa o princípio da confiança, exercendo o direito de forma abusiva e contrária à boa-fé.
Em face do exposto, também por este prisma, improcedem todas as conclusões da apelação.
Dado o decaimento, as custas ficam a cargo do apelante, sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.
IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Lisboa, 19 de dezembro de 2013
 (Maria Adelaide Domingos)
(Eurico José Marques dos Reis)
(Ana Grácio)
[1] Cfr. ALMEIDA COSTA, “Direito das Obrigações”, Almedina, 7.ª ed., p. 997-998 e ANTUNES VARELA, “Das Obrigações em Geral”, II, Coimbra Editora, 3.ª ed., p. 193 e seguintes.
[2] Cfr. ANTUNES VARELA, ob. cit., p. 196 e 197 e PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, Vol. II, Coimbra Editora, 4.ª ed., revista e atualizada, reimp., p. 122-123.
[3] Ac. STJ, de 09.03.2004, proc. 04B072, disponível em www.dgsi.pt.
[4] MANUEL DE ANDRADE, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, Coimbra Editora, 1987, p. 133-134.
[5] MENEZES CORDEIRO, “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, T. IV, Almedina, 2007, p. 239.

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