Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3421/15.0T8PDL.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DANO BIOLÓGICO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
INCAPACIDADE PERMANENTE GERAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELO RÉU E TOTALMENTE IMPROCEDENTE O RECURSO SUBORDINADO INTERPOSTO PELO AUTOR
Sumário: - O dano corporal ou dano biológico (incapacidade fisiológica ou funcional) não se confunde com o dano patrimonial, sendo que aquele está sempre presente em cada lesão da integridade físico-psíquica ou do bem saúde, enquanto que este, como dano sucessivo ou ulterior, é eventual ;

- considerando-se a força do trabalho um bem patrimonial, tem-se entendido que a incapacidade parcial permanente (IPP) é, consequentemente, de per si, um dano de natureza patrimonial indemnizável ;

- e isto, quer determine ou acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer apenas implique um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de proventos laborais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar físico e/ou psíquico para obter o mesmo resultado ;

- pois, neste caso, trata-se de indemnizar, a se, o dano corporal sofrido, e não qualquer perda efectiva de rendimento ;

- assim, caso a lesão origine, no futuro, durante o período activo do lesado, ou da sua vida, uma perda de capacidade de ganho ou um esforço acrescido no seu desempenho profissional, o ressarcimento deve operar-se em sede patrimonial ;

- em contraponto, estando em causa a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e energia, decorrente de uma maior fragilidade adquirida, a nível somático ou psíquico, sem rebate profissional, a compensação deve operar-se em sede não patrimonial ;

- provando-se que em consequência das lesões causadas pelo evento lesivo ocorrido, o Autor ficou com um défice ou incapacidade funcional permanente da sua integridade físico-psíquica fixável em 14 pontos, designada por incapacidade permanente geral (IPG), sendo que esta incapacidade acaba por ter rebate profissional pois, apesar de permitir o exercício da actividade profissional que desempenhava, exige-lhe, porém, esforços suplementares em tal desempenho, tal integra um dano futuro previsível (no sentido de que se repercutirá na qualidade da vida), o qual sempre deveria ser ressarcido, in casu, tal como decidido na sentença recorrida, em sede de dano patrimonial ;

- na ponderação do quantum ressarcitório, numa primeira abordagem, o momento e o limite a considerar  é o correspondente ao de esperança de vida activa, o qual cremos ainda dever situar-se nos 70 anos de idade ;

- sem prejuízo de, em sede de juízo de ponderação equitativa, se dever ter em atenção o factor de esperança média de vida que, à data dos factos, e no que aos homens concerne, se situava nos 77,2 anos ;

- pois, conforme supra exposto, em muitos casos tais momentos coincidem e, por outro lado, é mesmo após o cessar da vida profissional activa que mais se sente a carência de tutela às necessidades básicas do lesado, decorrentes do avançar da idade e dos efeitos deste avançar nas sequelas e limitações sofridas ;

- o apelo aos vários mecanismos matemáticos ou tabelas financeiras, que devem ser encaradas como um instrumento de trabalho, permitem a obtenção de um valor indicativo, de uma aproximação, capaz de garantir uma justiça relativa e salvaguardar alguma objectividade, susceptível de melhor sindicância, na fixação do quantum indemnizatório, devendo posteriormente operar sobre os valores obtidos, de forma primordial, o critério da equidade ;

- provando-se ter o lesado perdido o baço, que o torna mais susceptível a infecções, obrigando-o a vacinação e demais medicação para o resto da sua vivência ; sofrido um quantum doloris fixado em 5/7 e demais padecimentos físicos e morais por ocasião do seu internamento e convalescença ; ter ficado sujeito aos padecimentos e limitações que lhe advieram necessariamente das lesões; ter ficado com as respectivas sequelas, nomeadamente as cicatrizes (que lhe apontam um dano estético na casa dos 2/7) ; ter sido afectado no seu estado psíquico e emocional, nomeadamente perda de alegria e a mais notória tristeza com que segue na sua vida que haverá de ser, em parte, feita com o apoio de terceiro ; ter sido sujeito ao sofrimento físico e moral decorrente dos tratamentos, cirurgias e limitações advenientes das sequelas com que ficou ; ter ficado com uma cicatriz junto ao umbigo, que o inibe e envergonha, evitando despir-se em público ; que a responsabilidade dos demandados e responsáveis civis, ora Réus, funda-se na prática de factos dolosos, nomeadamente praticados a título de dolo directo ou seja, dotado de acrescida intensidade, inexistindo assim qualquer plausibilidade ou justificação na limitação indemnizatória prevista no artº. 494º, ex vi do nº. 3, do artº. 496º ; e que estes factos tiveram origem numa discussão verbal, no âmbito da qual o lesado adoptou um comportamento dotado de alguma censurabilidade, (puxou de uma pequena navalha que trazia no bolso, afirmando ao Réu que "eu vou-te furar o ouvido para tu ouvires melhor. Eu é que mando na minha casa, não és tu, para a próxima não te vendo vaca nenhuma”), que não pode deixar de ser valorado como uma demais circunstância do caso (cf., artº. 494º, ex vi, do artº. 496º, nº. 3, 1ª parte), afigura-se-nos que a fixada quantia de 50,000,00 € traduz um valor de reparação demasiado elevado e injustificado, tendo-se em atenção os parâmetros que vêm sendo jurisprudencialmente adoptados, pelo que se decide pela sua redução para o montante de 40.000,00 € (quarenta mil euros), que se afigura como mais condizente com os danos provados e demais circunstâncias enunciadas, sendo, igualmente, equitativo, justo e equilibrado.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I - RELATÓRIO
1LM…, residente na Estrada …, nº. …, Maia, Ribeira Grande, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra:
- RJ…, residente na Rua …, nº. …. Maia, Ribeira Grande ;
- HS…, residente na Rua …, nº. …, Maia, Ribeira Grande,
deduzindo petitório no sentido dos Réus serem solidariamente condenados a pagar-lhe:
a) 100.000,00 € (cem mil euros), a título de danos não patrimoniais ;
b) 132.900,00 € (cento e trinta e dois mil e novecentos euros), a título de danos patrimoniais ;
c) Tudo acrescido de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:
§ No dia 11 de Julho de 2013, pelas 21 h e 40m, quando os RR. estavam com o A. a beber vinho na Rua …, n.º …, iniciou-se uma discussão verbal entre o R. RP… e o A. por causa da venda de uma vaca ;
§ A discussão verbal agudizou-se tendo o A. puxado uma pequena navalha que trazia no bolso e dito ao R. RP… "Eu vou-te furar o ouvido para tu ouvires melhor. Eu é que mando na minha casa, não és tu, para a próxima não te vendo vaca nenhuma.” ;
§ De súbito o R. HM… agarrou num barrote em madeira e desferiu uma pancada na fronte da cabeça do A. que caiu no chão e desmaiou ;
§ Nesse momento, o R. RP… começou a desferir pontapés, socos e pancadas no corpo do A. enquanto o R. H… continuava a desferir pancadas com o barrote de madeira no corpo do A. ;
§ Após as agressões os RR. abandonaram o local deixando o A. prostrado no chão a necessitar de cuidados médicos urgentes, sem o levar às Urgências do Hospital ou ao Centro de Saúde e sem chamar o 112, a Polícia ou os Bombeiros Voluntários que poderiam providenciar pelos mesmos, pondo em evidente perigo a saúde e vida do A. ;
§ O A. foi encontrado no chão na via pública pelo Agente da PSP que ali fazia patrulha que chamou de seguida os Bombeiros Voluntários da Ribeira Grande que levaram o A. ao serviço de urgências do Centro de Saúde da Ribeira Grande ;
§ De onde foi transferido para o Serviço de Urgências do Hospital do Divino Espírito Santo em Ponta Delgada onde foi suturada a ferida que apresentava na fronte e submetido a laparotomia exploradora para esplenecromia por laceração esplénica, para laqueação de vaso curto gástrico sangrante, para evacuação de hematomas de grande epiplon e mesenterio e para drenagem de hemoperitoneu volumoso (cerca de 2 litros) ;
§ Ficou internado no Serviço de Cirurgia Geral e teve alta médica no dia 17 de Julho de 2013 ;
§ O Autor ficou com sequelas de tais lesões, tendo perdido força, não consegue dobrar-se, não consegue estar mais de 10 minutos de pé ;
§ Perdeu o baço e tornou-se sensível ao frio, estando dependente de antigripais, analgésicos e vacinas ;
§ Passou a padecer de crises de epilepsia e passa muitas noites sem dormir ;
§ O que lhe afecta o estado nervoso, pois tudo lhe faz mal ;
§ Ficou com cicatrizes que o desfeia, inibe e envergonha, passou a ter perturbações no trânsito intestinal e dores de cabeça ;
§ Tais agressões afectaram, ainda, irreversivelmente, o seu desempenho sexual, vendo-se afectado psicologicamente e muito preocupado pelo seu futuro ;
§ Atentas as limitações sofridas, teve de deixar de ser lavrador para passar a ser criador de gado, em virtude desta actividade não exigir esforços acentuados ;
§ Tendo visto baixar o seu rendimento anual e vendo-se obrigado a contratar pessoal para roçar os pastos.
2 – Devidamente citados, apenas o Réu RJ… veio apresentar contestação, defendendo que o presente pedido não pode ser atendido, pois foi violado o princípio da adesão obrigatória da acção cível à acção penal, nos termos do artº. 71º, do Cód. de Processo Penal.
Explicita que o ora Autor foi devidamente notificado no âmbito do processo-crime que correu os seus termos, no sentido de poder deduzir pedido civil, tendo inclusive declarado o propósito de o deduzir, mas, não o tendo feito, deixou de o poder fazer.
Cautelarmente, aduz, ainda, não ter esboçado agressões que tivessem provocado as lesões descritas, pois continua a fazer uma vida normal e sem limitações.
Conclui, no sentido da improcedência da acção, com as legais consequências daí decorrentes.
3 – Em cumprimento do despacho de fls. 35, datado de 17/03/2016, que antecipava a dispensa de realização da audiência prévia, foi o Autor notificado para, querendo, se pronunciar acerca da excepção invocada pelo Réu contestante, o que veio concretizar pelo articulado de fls. 36 e 37, no sentido da sua improcedência, alegando estar devidamente justificada a dedução de pedido de indemnização civil, em separado, em virtude de, ao tempo da acusação, os danos sofridos ainda não serem totalmente conhecidos, o que traduz a excepção ao princípio da adesão exposto na alínea d), do artº. 72º, do Cód. de Processo Penal.
Invocou, igualmente, a excepção enunciada na alínea g), do mesmo normativo.
4 – Conforme fls. 38 a 40, foi proferido saneador, julgada improcedente a excepção invocada pelo Réu, fixado valor da causa, definidos o objecto do litígio e temas da prova e apreciados os requerimentos probatórios.
5 – Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, conforma acta de fls. 106 a 108, com observância do formalismo legal.
6 - Posteriormente, em 29/09/2017, foi proferida sentença – cf., fls. 111 a 117 -, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos:
Em face do exposto julgo parcialmente procedente a ação e consequentemente:
- condeno os RR. RJ… e HS…, a pagarem, solidariamente, ao A. LM…, a título de indemnização por danos patrimoniais o montante de €11.575,20 (onze mil quinhentos e setenta e cinco euros e vinte cêntimos) e pelos danos morais o montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros), a que acrescem os juros vencidos por tais quantia, calculados à taxa legal, desde a sua citação para a ação até efetivo pagamento;
- no mais vão absolvidos os RR.
Custas pelo A. na proporção de 75%, e pelos RR. na proporção de 25%.
Registe e notifique”.
7 – Inconformado com o decidido, o Réu RJ… interpôs recurso de apelação, em 30/10/2017, por referência à sentença prolatada.
Apresentou, em conformidade, o Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
1- O tribunal “a quo” não decidiu como devia quanto à matéria de fato e de direito aplicável aos presentes autos.
2- Salvo melhor opinião, a indemnização arbitrada na sentença no montante de €11.575,20 a título de danos patrimoniais e de 50.000,00 a título de danos não patrimoniais é manifestamente excessiva, elevada, contrária à jurisprudência e ao arrepio do arts. 483º, 494º e 496º do C.C..
3- Em primeiro lugar cumpre referir que do art. 31º dos fatos dados como não provados, não resultou provado qual o rendimento real mensal que o recorrido auferia à data dos fatos.
4- Atendendo à ausência de prova, o meritíssimo juiz “a quo” lançou mão do valor do salário mínimo regional.
5- A atividade económica que o recorrido exercia, lavrador, atividade liberal, é reconhecido que muitas vezes os mesmos não conseguem obter um rendimento igual ou superior ao salário mínimo.
6- Ao recorrido competia-lhe o ónus de demonstrar o seu rendimento, o que não fez, se calhar até de propósito, atendendo que o mesmo é inferior ao salário mínimo e bem sabendo que o tribunal “a quo” tinha que decidir segundo algum juízo de equidade, o que foi o caso.
7- Salvo melhor opinião parece-nos que o tribunal “a quo” esteve mal, tanto mais que, é da experiência comum que a reforma agrícola é inferior ao salário mínimo, dado que, os descontos para a segurança social são muito inferiores aos restantes trabalhadores.
8- O tribunal “a quo” não teve em conta que até 2015 havia a possibilidade do empresário agrícola poder-se reformar aos 55 anos.
9- O tribunal “a quo” valorou a vida útil do recorrido até aos 70 anos, sendo que, o mesmo pode reforma-se aos 65 anos, data até à qual deveria ter sido computado o valor da indemnização por danos patrimoniais.
10- Face ao supra exposto entendemos que a título de danos patrimoniais deveria o tribunal “a quo” ter decidido no sentido de partir de um valor mensal de €400,00, ao grau de incapacidade de 14 pontos, a ser pago até aos 65 anos, o que daria um valor total de €3.199,84 (ra x d:1.5%= x).
11- O artigo 496º do C.C. regula em que termos os danos não patrimoniais deverão ser ressarcidos, não tendo o tribunal a quo realizado a devida interpretação e aplicação do mesmo.
12- Atendendo à matéria dada como provada e não provada nos autos o valor de €50.000,00 a título de danos não patrimoniais é manifestamente desmesurado.
13- No que toca ao quantum indemnizatório estabelece o nº3 do art. 496º do C.C. que “o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso a circunstâncias referidas no art. 494º”.
14- Cumpre referir que a indemnização por danos não patrimoniais, deve ser fixada da forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso ao grau de culpabilidade do ofensor, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso.
15- Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela “O montante de indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação da realidade da vida” (C.C. Anotado, Vol. I, pags. 501, 4ª edição).
16- Seria errado pensar-se que a afixação da indemnização, a que a equidade é chamada, está no livre arbítrio do juiz, a leitura da lei evidencia a existência de critérios a que o juiz, nessa tarefa delicada devem atender.
17- A atividade do juiz na determinação do montante da indemnização não se traduz num juízo silogístico – formal de subsunção – dado que o obriga a converter a sua valoração de critérios jurídicos de determinação numa quantificação numérica; trata-se pois de uma atividade juridicamente vinculada que constitui estruturalmente autêntica aplicação do direito.
18- O recorrente reconhece e entende que as consequências dos fatos para o lesado apresentam alguma gravidade, contudo as mesmas deverão ser relativizadas, atendendo ao período de internamento de seis dias, ao período de consolidação médico-legal das lesões de 11 de julho a 25 de agosto, à intervenção cirúrgica, à idade do recorrido - 57 anos, à atividade exercida pelo lesado e agressor e aos seus rendimentos, situações essas que não foram devidamente valoras pelo Tribunal “a quo” e que se reclama.
19- O recorrente entenderia a indemnização aplicada caso o recorrido tivesse sofrido um período de maior internamento, tivesse sido sujeito a um maior número de cirurgias, a uma maior incapacidade para o trabalho geral, que o impedisse de exercer a sua atividade profissional habitual, obtivesse um maior rendimento da sua profissão, que fosse jovem (idade), que as consequências fossem mais graves, nomeadamente, as plasmadas nos fatos dados como não provados em 20º a 34º e que o recorrente tivesse condições económicas mais elevadas.
20- O recorrido pode continuar a exercer a sua atividade Profissional habitual, ao invés de outras situações de maior gravame.
21- O pedido do recorrido não foi interposto contra uma companhia de seguros mas sim contra um cidadão, de modesta condição económica, lavrador.
22- O recorrente entende determinante, quando se pretende indemnizar danos desta natureza de forma justa e equilibrada, que sobre esta matéria deve recair uma certa uniformidade de julgados.
23- Assim, entende o recorrente que face ao exposto, à matéria dada como provada e não provada na sentença, o valor justo da indemnização deverá ser de €28.199,84, isto é, a título de danos patrimoniais a quantia de €3.199,84 e a título de danos não patrimoniais a quantia de 25.000,00
24- A sentença recorrida não tem nem visa um jus equilíbrio na determinação do valor da indemnização, face ao supra exposto, violando assim os art. 483º, 494º e 496º todos do C.C.”.
Conclui pela procedência do recurso, revogando-se a sentença da 1ª Instância e substituindo-a por outra que condene o Recorrente, solidariamente, no valor de indemnização de  28.199,84 €, sendo a título de danos patrimoniais a quantia de 3.199,84 €, e a título de danos não patrimoniais a quantia de 25.000,00 €.
8 – O Apelado/Recorrido Autor, apresentou, em 27/11/2017, contra-alegações, nas quais formulou as seguintes Conclusões:
1 – Provado que o A. auferia pelo menos o salário mínimo regional à data da agressão é este o valor de referência para o cálculo dos danos patrimoniais.
2 – Um lavrador ou trabalhador agrícola é-o normalmente para a vida toda, trabalhando na esmagadora maioria dos casos até ao fim da vida, funcionando a sua reforma como um complemento aos proveitos da sua atividade laboral.
3 – A idade de vida útil do homem é atualmente de 77,6 anos pelo que o cálculo indemnizatório deverá ser calculado até essa idade.
4 – O recorrido ficou irreversivelmente afetado para o resto da sua vida após a brutal e selvática agressão de que foi vítima e não fora ter sido encontrado pelo agente da PSP que fazia a patrulha e provavelmente teria morrido atenta a gravidade das lesões provocadas sendo que era um adulto forte, saudável e sem quaisquer queixas de saúde, o que deixou de ser, e agora com a remoção do baço um adulto em constante perigo de contrair infeções e doenças.
5 – A indemnização arbitrada a título de danos morais é insuficiente para a gravidade das lesões e consequências que infelizmente advieram para o A., pelo que não merece provimento o recurso do R. RP…”.
9 – Apresentou, igualmente, o Autor Apelado, na mesma peça processual e nos termos do artº. 633º, do Cód. de Processo Civil, recurso subordinado, tendo apresentado, como Recorrente, as seguintes CONCLUSÕES:
1 – A testemunha MC…, n.º 1 do CD da prova, esposa do A., afirmou que o A. pegava em bilhas de 50 litros e carregava sacas de ração de 100Kg sem dificuldade alguma e que agora só de arrasto porque a barriga lhe começa a arder e os pontos a repuxarem-lhe e a doerem (minuto 6:20) pelo que o n.º 25 devia ser dado como provado com a seguinte redação:
O A. pegava em bilhas de 50 litros e sacos de ração de 100 kg sem dificuldade e agora só de arrasto o consegue porque sente a barriga a arder e os pontos a repuxarem-lhe e a doerem-lhe.
2 – A esposa do A. ao minuto 16:30 disse: “O meu marido ficou muito afetado do sistema nervoso. Fala sozinho. Não está muito bom do juízo. Fala alto, desorientado. É uma dor que sente. Era muito independente. Agora precisa de ajuda. Não era pessoa disso.”
Os números 26 e 27 deviam ter sido dados como provados com a seguinte redação:
O A. era muito independente. Não precisava da ajuda de ninguém. Agora precisava de ajuda – pois já não consegue fazer o que antes fazia sozinho.”
3 – A esposa do A. disse ao minuto 19:00 que “diz que lhe dói a cabeça. Ponho-lhe gelo. Memória? Tira-me o juízo. Põe-me doida da cabeça…eu botei ali. Não está ali… eu botei ali, não está ali.
O n.º 29 devia ter sido dado como provado com a seguinte redação:
O A. perdeu a capacidade de concentração e tem muitas falhas de memória esquecendo-se com frequência do que diz ou faz.
4 – Ao minuto 20:40 disse: “desde que teve o acidente, ou foi dos coices, ou da medicação que lhe deram, a verdade é que o meu marido ficou com um problema grave. Ele não consegue ejacular. Ele fica doido. Era normal, terminava-se. Agora ele põe-me doida e põe-me doida desta cabeça, porque para se vir é um penar. Pena para se vir.
Tem o pénis sempre gelado. Parece que está numa geladeira. Vive deprimido. Um homem que é homem gosta de ter as coisas direitas. Não está bem disposto. Não vive satisfeito. Perdeu grande parte da sua alegria de viver. Faz parte da vida. O meu marido era um homem 100%. Às vezes até era demais.” (minuto 41:30)
O Tribunal devia ter dado como provado o n.º 30 com a seguinte redação:
O A. tem o pénis sempre gelado. Tem muita dificuldade em ejacular, levando por vezes semanas para o conseguir, o que o deixa fora de si.
5 – O A. era uma pessoa robusta, saudável, pleno de força, atividade e independente.
6 – Como consequência da agressão dos RR., que o deixaram em perigo de vida iminente, sério, concreto e efetivo, nunca mais foi o mesmo vendo a sua qualidade de vida irreversivelmente afetada.
7 – O A. em resultado das intervenções e tratamentos cirúrgicos a que foi submetido ficou com duas cicatrizes que muito o desfeiam, incomodam e inibem, e da perda do baço resulta a suscetibilidade a infeções e doenças e a obrigatoriedade de vacinação e toma de medicamentos diários.
8 – Quando faz mais força a barriga arde e os pontos da operação parecem querer rebentar, já não podendo pegar nas bilhas de leite de 50 kgs e sacas de ração de 100 kgs e tem dificuldades em se dobrar para cortar as unhas dos pés, calçar o peúgos, amarrar os cordões dos sapatos e até para vestir umas calças tem que se apoiar na parede.
9 – Passou a andar grande parte do ano constipado e com pieira pois não pode apanhar frio, tendo que se fazer acompanhar permanentemente de antigripais, analgésicos e vacinas.
10 – O A. passou a tomar um comprimido diário para a epilepsia e tem dificuldade em dormir do lado esquerdo, o do baço que lhe retiraram, deita-se por volta das 10 horas mas a partir da meia-noite/1:00 acorda sem conseguir voltar a adormecer o que afeta o seu sistema nervoso e o deixa completamente alterado e transtornado, a falar alto e desorientado ao ponto da esposa ter que fugir da cama com medo dele.
11 – O A. passou a ter perturbações do trânsito intestinal, o que o obriga ir à casa de banho de pouco a pouco e a padecer de dores de cabeça e alterações da memória recente, com esquecimentos frequentes do que viu, comeu, vestiu ou acabaram de lhe dizer ou ele próprio disse.
12 – O A. viu-se obrigado a ter que abandonar a atividade de produtor e vendedor de leite por não conseguir mais fazer o que dantes fazia sozinho e sem ajuda de terceiros.
13 – O A. viu afetado de forma irreversível o seu modo de vida habitual e a qualidade de vida, não só a nível laboral e social, mas também íntimo ao ver-se afetado no seu desempenho e atividade sexual, com dificuldade de ejaculação, levando por vezes semanas para o conseguir e com o pénis sempre gelado, o que deixa fora de si.
14 – O A. não obstante os seus 57 anos era à data do evento um adulto sem qualquer incapacidade ou deformidade, sendo um trabalhador incansável, pleno de força e atividade, alegre e brincalhão, forte saudável, sem queixas e até dador de sangue.
15 – As lesões, dores, incapacidades e perda de qualidade de vida do A. decorrentes da brutal agressão de que foi vítima e que puseram em evidente, sério e concreto perigo de vida o A. reclamam do direito justa reparação a título de danos não patrimoniais, os quais devia o tribunal ter quantificado em 100.000,00 €.
16 – O tribunal ao decidir como decidiu como base de cálculo dos danos patrimoniais decorrentes de perda de capacidade aquisitiva do A. o salário mínimo regional, deveria tê-lo contabilizado, não até aos 70 anos, mas até à idade de vida útil do homem, que neste momento se situa nos 77 anos, pelo que o valor dos danos patrimoniais deve ser fixado em 12.732,72 €.
17 – Ao não entender assim o Tribunal “a quo” violou, entre outros, o disposto nos arts. 483.º, 562.º, 563.º, 564.º todos do Código Civil”.
10 – Relativamente ao recurso subordinado não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
11 – Os recursos – independente e subordinado – foram admitidos por despachos datados de 18/12/2017 – cf., fls. 137 -, e 15/01/2018 – cf., fls. 140 -, como apelação, a subir  de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
12 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes Apelantes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
E, no caso concreto, estando-se perante dois recursos -  independente e subordinado -, é pelas conclusões recursórias de ambas as apelações que tal delimitação será efectuada e aferida, , não se olvidando serem as Conclusões a delimitar a esfera de actuação do tribunal ad quem.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
1. DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, o que determina a aferição:
I) Da omissão na matéria de facto provada de factos que aí deveriam constar, e que foram dados como não provados =) conclusões 1. a 4. do recurso subordinado.
o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA ;
2. Seguidamente, aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS (inicialmente ou fruto das alterações infra em apreciação), o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA - conclusões 3. a 24. do recurso independente e 5. a 16. do recurso subordinado.

Na apreciação deste, conhecer-se-á, fundamentalmente, acerca:
· Dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, aquiliana ou por factos ilícitos ;
· Da indemnização por danos patrimoniais e por danos não patrimoniais ;
· Da fixação do quantum indemnizatório ou ressarcitório.

A elencagem supra exposta contém, desde já, a enunciação de que, na ponderação dos fundamentos do recurso independente e do recurso subordinado, conhecer-se-á, em primeiro lugar, acerca deste, na vertente ou segmento da impugnação da matéria de facto e, após, acerca do recurso independente e demais segmentos do recurso subordinado, dado serem ambos fundamentalmente atinentes á definição do quantum indemnizatório.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida/apelada, foi considerado como PROVADO o seguinte:
1.
No dia 11 de Julho de 2013, pelas 21h40, quando os RR. estavam com o A. a beber vinho na Rua …, nº. …, iniciou-se uma discussão verbal entre o R. RP… e o A. por causa da venda de uma vaca;
2.
A discussão verbal agudizou-se tendo o A. puxado uma pequena navalha que trazia no bolso e dito ao R. RP… "Eu vou-te furar o ouvido para tu ouvires melhor. Eu é que mando na minha casa, não és tu, para a próxima não te vendo vaca nenhuma.”;
3.
De súbito o R. HM… agarrou num barrote em madeira e desferiu uma pancada na fronte da cabeça do A. que caiu no chão e desmaiou;
4.
Nesse momento, o R. RP… começou a desferir pontapés, socos e pancadas no corpo do A. enquanto o R. HM… continuava a desferir pancadas com o barrote de madeira no corpo do A.;
5.
Após as agressões os RR. abandonaram o local deixando o A. prostrado no chão a necessitar de cuidados médicos urgentes, sem o levarem às Urgências do Hospital ou ao Centro de Saúde e sem chamarem o 112, a Polícia ou os Bombeiros Voluntários que poderiam providenciar pelos mesmos, pondo em evidente perigo a saúde e vida do A.;
6.
O A. foi encontrado no chão na via pública pelo Agente da PSP que ali fazia patrulha que chamou de seguida os Bombeiros Voluntários da Ribeira Grande que levaram o A. ao serviço de urgências do Centro de Saúde da Ribeira Grande…de onde foi transferido para o Serviço de Urgências do Hospital do Divino Espírito Santo em Ponta Delgada onde foi suturada a ferida que apresentava na fronte e submetido a laparotomia exploradora para esplenecromia por laceração esplénica, para laqueação de vaso curto gástrico sangrante, para evacuação de hematomas de grande epiplon e mesenterio e para drenagem de hemoperitoneu volumoso (cerca de 2 litros);
7.
Ficou internado no Serviço de Cirurgia Geral e teve alta médica no dia 17 de Julho de 2013;
8.
Em resultado do que está acima em 3. a 5., o A. esteve em perigo sério, concreto e efetivo de vida, além de ter sofrido as seguintes lesões:
. cicatriz com cerca de 8 cm, linear, curva em meia lua, na pele da região frontal;
. cicatriz mediana supra umbilical, com 13 cm de comprimento, da laparotomia efetuada; e
. remoção do baço, o que o torna mais suscetível a infecções, obrigando-o a vacinação;
9.
A data da consolidação médico-legal das lesões é no dia 25.8.2013; Foi de 7 dias o período de incapacidade temporária geral do A.;
Foi de 39 dias o período de incapacidade temporária geral parcial do A.;
Foi de 46 dias o período de incapacidade temporária profissional total do A.;
O quantum doloris do A. foi fixado no grau 5/7;
A incapacidade permanente geral do A. foi fixada em 14 pontos; e
O dano estético do A. foi fixado no grau 2/7;
10.
As sequelas apontadas em 9. não são, em termos de rebate profissional, impeditivas do normal desempenho da atividade profissional do A., mas exigem dele esforço suplementar para as realizar;
11.
O A. tinha à data do evento aqui em apreço 57 anos e sem qualquer incapacidade ou deformidade, sendo um adulto alegre e brincalhão, forte, saudável e sem queixas e até dados de sangue;
12.
Era um trabalhador incansável, pleno de força e atividade…contudo, após a agressão, passou a ter dores na marcha, principalmente em pisos irregulares;
13.
Atualmente, quando faz mais força a barriga arde e os pontos da operação parecem querer rebentar; tem dificuldade ao dobrar-se para cortar as unhas dos pés, calçar as peúgas, amarrar os cordões dos sapatos e até para vestir umas calças apoia-se na parede;
14.
Passou a andar grande parte do ano, pois não pode apanhar frio, já que fica de imediato constipado e com pieira, o que antes do evento não sucedia, e isso mau grado os antigripais, analgésicos e vacinas que toma e de que não pode prescindir ao longo da vida que lhe resta;
15.
O A. toma todos os dias um comprimido para uma epilepsia e tem dificuldades em dormir do lado esquerdo, o do baço; deita-se por volta das 19h00 mas a partir da meia-noite/1h00 acorda sem conseguir voltar a adormecer, o q eu lhe afeta o sistema nervoso;
16.
A cicatriz que tem junto ao umbigo inibe-o e envergonha-o quando se despe em público, o que evita;
17.
Passou a ter perturbações do trânsito intestinal, o que obriga a ir à casa de banho de pouco a pouco; a padecer de dores de cabeça e alterações da memória recente, com esquecimentos frequentes do que viu, comeu, vestiu ou que lhe acabaram de dizer;
18.
Deixou de ter a atividade de produtor e vendedor de leite, fazendo uma pequena terra de onde tira os produtos hortícolas para casa (batatas, feijão, milho, alhos, cebolas…), desenvolvendo a sua esposa a actividade de auxiliar de ação educativa;
19.
Agora, face à dificuldade em se baixar, tem que contratar pessoal para roçar os pastos no que despende €200,00 de 6 em 6 meses;

Na mesma sentença, foi CONSIDERADA NÃO PROVADA, entre outra, a seguinte factualidade (ora em equação):

22. (e não 25., sendo evidente o lapso do Autor Apelante)
Que o A. perdeu igualmente força, não conseguindo pegar em sacos ou objetos com mais de 25 Kgs quando antes pegava em sacas de ração e bilhas de leite sem dificuldade com 75, 80 e até 100 Kgs;
26.
Que tudo lhe faz mal;
27.
Que anda alterado por já não conseguir fazer o que antes fazia sozinho sem necessitar da ajuda de alguém;
29.
Que o A. não se lembra de nada do que lhe dizem, ficou sem capacidade de concentração, quer no trabalho, quer fora dele;
30.
Que as lesões de que o A. foi vítima afetaram irreversivelmente o seu desempenho e atividade sexual, pois tem o pénis sempre gelado, não consegue ejacular, o que o deixa fora de si, descontrolado, abalado, deprimido e muito preocupado com o seu futuro, perdendo com isso grande parte da sua alegria de viver.

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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

I) Da REAPRECIAÇÃO da PROVA GRAVADA decorrente da impugnação da matéria de facto

Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
“ 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.

Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que:
“ 1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada, tendo o Recorrente/Apelante/Autor dado cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º do Cód. de Processo Civil, nomeadamente através da indicação das passagens da gravação (ainda que de forma não totalmente precisa, pois apenas indicou o início exacto das passagens, e não igualmente o seu fim) e transcrição dos enxertos do depoimento identificado, pelo que o presente Tribunal pode proceder à sua reapreciação, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.
Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.
Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado[2].
Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.
Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.
Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.
Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados[3] (sublinhado nosso).
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DA OMISSÃO NA MATÉRIA DE FACTO PROVADA DE FACTOS QUE AÍ DEVERIAM CONSTAR, E QUE FORAM DADOS COMO NÃO PROVADOS

Reclama o Apelantes/Recorrente/Autor (subordinado) que 5 factos que figuram na sentença apelada como não provados devem ser considerados provados. O que sustenta probatoriamente no teor do depoimento prestado pela testemunha MC…, mulher do Autor, alegando ter sido este prestado “com conhecimento de causa, de forma clara, totalmente isenta e escorreita”.
Os factos em equação são os seguintes:
=» FACTO 22. (e não 25., como por lapso é referenciado)
Que o A. perdeu igualmente força, não conseguindo pegar em sacos ou objetos com mais de 25 Kgs quando antes pegava em sacas de ração e bilhas de leite sem dificuldade com 75, 80 e até 100 Kgs” ;
=» FACTOS 26. e 27.
Que tudo lhe faz mal e que anda alterado por já não conseguir fazer o que antes fazia sozinho sem necessitar da ajuda de alguém” ;
=» FACTO 29.
Que o A. não se lembra de nada do que lhe dizem, ficou sem capacidade de concentração, quer no trabalho, quer fora dele” ;
=» FACTO 30.
Que as lesões de que o A. foi vítima afetaram irreversivelmente o seu desempenho e atividade sexual, pois tem o pénis sempre gelado, não consegue ejacular, o que o deixa fora de si, descontrolado, abalado, deprimido e muito preocupado com o seu futuro, perdendo com isso grande parte da sua alegria de viver”.

Relativamente à factualidade ora em apreciação e prova, nomeadamente testemunhal, capaz de a sustentar, escreveu-se o seguinte na sentença apelada:
O que está na segunda parte do ponto 11. e até ao ponto 19. resulta do depoimento das testemunhas MC… e VC…, esposa e filha que lidam com o A. desde há muito, conhecendo-o bem antes do sinistro e depois dele, tendo tido a capacidade de descrever o seu estado físico, psíquico e emocional nesse dois momento, apontando ainda para o rebate do sinistro ao nível profissional…é certo que as declarações delas, no que toca o estado actual do A. e das suas fraquezas, tiveram de ser mitigadas com as declarações das testemunhas JD…, AA… e JL…, amigos do A. desde há longa data, que vieram ao processo repor a verdade que se adivinhava quanto ao estado do A. e que, naturalmente, ficou afetado com o sinistro mas não com a profundidade que aquelas duas primeiras testemunhas quiseram fazer crer. Naturalmente o A. ficou afetado…mas tão só e apenas nos termos em que foi avançado na perícia…claro, com o rebate que isso lhe traz para a sua vida do quotidiano…também neste sentido depuseram as testemunhas do R. – LS… e JC… - que, sem negarem o evento e o rebate que ele teve para o A…sempre foram dizendo que acaba ele por levar a sua vida normal…ainda que para isso precise de se esforçar mais” (sublinhado nosso).
E, acrescenta, no que especificamente concerne à fundamentação da convicção conducente à factualidade não provada, que “os factos não provados e que estão nos pontos 20. a 34., resultaram de prova feita em sentido oposto…de alguma incongruência entre esses factos (….) e da falta de prova”.
Temos, assim, que o Tribunal a quo considerou o depoimento ora reclamado, da mulher do Autor, mas apenas de forma parcial, mitigando-o e concatenando-o, no que concerne ao actual estado do Autor, com a demais prova produzida, nomeadamente os identificados depoimentos testemunhais, considerando que quer a mulher quer a filha do Autor aludiram a um estado de afectação do marido e pai sem correspondência com a realidade, ou seja, transmitiram um estado de afectação com uma profundidade que não logrou ser convincente, tendo não só em conta a demais prova testemunhal produzida, como ainda a prova de natureza pericial. E daí a consideração de tal factualidade como não provada.
Procedeu-se à audição do depoimento prestado pela identificada MC…, bem como das demais testemunhas identificadas na fundamentação/convicção transcrita, procurando-se articular tais depoimentos e tendo-se fundamentalmente em consideração os pontos factuais postos em crise na apelação interposta.
Assim, relativamente ao depoimento da testemunha MC…, pode sufragar-se, no essencial, as transcrições feitas constar no corpo de alegações, ainda que existam alguns lapsos, e referências não totalmente coincidentes com o declarado.
Referenciou, em resumo, que o Autor, seu marido, trabalhava normalmente e era muito activo, cheio de força, não tendo quaisquer problemas de saúde, e que agora “quer fazer e não pode”, “não consegue correr e saltar”, sentindo-se em baixo. Acrescentou que deixou de conseguir pegar em pesos que indicou, arrastando-os, pois tal “repuxa-lhe os pontos e sente dor”, não se conseguindo dobrar e sentindo-se muito em baixo e triste.
Mencionou que presentemente “é desorientado”, sendo anteriormente muito independente e que agora para muita coisa precisa sempre de ajuda (a partir do minuto 16.16).
Referenciou que o mesmo queixa-se da cabeça, onde lhe põe gelo e que relativamente à memória “tira-me o juízo”, pois há coisas que não mais aparecem em casa, esquecendo-se onde as colocou. Por vezes, mesmo a falar, esquece-se sobre o que estava a dizer, pelo que “põe-me doida da cabeça”. Está muito diferente do que era, pois não tem capacidade de concentração (a partir do minuto 19.00).
Adrede, acrescentou que o mesmo “não consegue ejacular”, que “fica doido”, que “aquilo sobe-lhe ao juízo”, e que antes das agressões “era normal”, pois “terminava-se o que tinha de ser e já estava”. “Pena para ejacular”, o que a põe “doida”, sendo que o pénis está sempre “geladíssimo”, parecendo que esta “em água gelada”, sendo que anteriormente “era um homem a 100%” e às “vezes até era demais, até a chateava às vezes”. Hoje só consegue ejacular com muito sacrifício, pois “leva tempo a conseguir” (a partir do minuto 20.40 e 41.30).
Por sua vez, a testemunha JF…, arrolada pelo Autor, agricultor e seu conhecido desde criança, referiu que o mesmo anteriormente era alegre e bem disposto, mas que ficou mais fraco e que tinha mais força do que tem presentemente, sendo certo que a idade também vai chegando.
E, a testemunha AG…, igualmente arrolado pelo Autor e lavrador, mencionou que o mesmo era trabalhador e bem disposto, mas que após os factos ficou mais calado “e não tem aquela alegria”, apesar de nunca o ter ouvido queixar-se.
JR…, lavrador e ainda arrolado pelo Autor, referiu que este era uma pessoa alegre e bem disposta, “cheio de força”, mas que “já não pode como podia”, sendo muito diferente, pois já não tem tanta força, ainda que o veja a locomover-se de forma normal.
Por sua vez, a testemunha LA…, arrolado pelo Réu contestante e conhecido do Autor desde há anos, mencionou que o Autor continua a levar a sua vida normal, vendo-o a circular a pé de forma normal, enquanto que a testemunha JJ…, igualmente arrolado pelo mesmo Réu, acrescentou que o Autor faz a vida normal que fazia antes das agressões, que o vê “a andar normalmente”, conhecendo-o como sempre o conheceu, não descortinando nada de estranho.
Ora, tendo em atenção o teor dos supra expostos depoimentos e articulando-os com a convicção exposta pelo Meritíssimo Juiz a quo, temos necessariamente que concluir que a resposta por este conferida à matéria de facto ora em equação ainda cabe no âmbito da sua livre apreciação probatória. Ou seja, a decisão de considerar tal factualidade como não provada, ainda encontra sustento probatório bastante na prova testemunhal indicada, e apreciada, em articulação com as sequelas e incapacidade expostas no juízo pericial formulado, não contraditando este, minimamente, o teor daquelas respostas.
Ademais, não se pode olvidar as reticências ou objecções, já supra enunciadas, percepcionadas no depoimento da testemunha MC… (mulher do Autor), e igualmente visíveis na audição que efectuámos, sempre no sentido de acentuar, de forma claramente exagerada, tendo em atenção os resultados da prova pericial produzida, a gravidade acerca do estado de afectação do Autor marido. O que não pode deixar de macular, ainda que parcialmente, o teor do seu depoimento, potenciando a necessidade de o concatenar e compatibilizar com a demais prova produzida.   
Pelo que, concluindo-se pela enunciada pertinência nas respostas dadas, e não se olvidado que, por intermédio da imediação, o Tribunal a quo ajuizou numa posição não replicada neste Relação, podendo aperceber-se da forma como as declarações foram prestadas, as reacções ocorridas perante determinadas objecções, os esgares e olhares ocorridos durante a prestação das declarações, a artificial firmeza de determinadas declarações e a linguagem corporal adoptada, não nos é possível concluir, de forma segura e fundada, no sentido de ter ocorrido erro na apreciação relativamente aos concretos pontos factuais ora impugnados. Que, em contraponto, antes se afiguram como julgados de forma equilibrada e adequada.
O que determina, necessariamente, a sua manutenção no elenco dos factos não provados, assim improcedendo, neste segmento, a presente apelação, por referência ao recurso subordinado interposto pelo Recorrente Autor conclusões 1. a 4. do recurso subordinado.  
II) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS
A sentença apelada ajuizou, em súmula, nos seguintes termos:
§ Considerou preenchidos os pressupostos de responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana ;
§ Perante a factualidade provada, considerou os Réus exclusivos culpados pelos danos causados ao Autor ;
§ Relativamente aos danos patrimoniais, considerou-os parcialmente verificados ;
§ Relativamente ao dano patrimonial indirecto, decorrência da incapacidade sofrida, teve por base, no cálculo da perda, o valor do salário mínimo regional ;
§ Tendo adoptado uma fórmula matemática de cálculo, fixou o valor indemnizatório na quantia de 11.575,20 € ;
§ No que concerne aos danos não patrimoniais (ou morais, conforme assim apelidados), fixou-os na quantia de 50.000,00 € ;
§ O que determinou o valor total indemnizatório ou ressarcitório de 61.575,20 €.
Na apelação independente, interposta pelo Réu contestante, a sua discórdia da sentença apelada baseia-se, fundamentalmente, no seguinte:
· Relativamente aos danos patrimoniais, o Tribunal deveria ter partido de um valor mensal de 400,00 € e aplicar o grau de incapacidade de 14 pontos, a ser pago até aos 65 anos, o que daria o valor total de 3.199,84 € - Conclusões 3. a 10. ;
· Face á matéria de facto provada (e não provada), o valor justo de indemnização, a título de danos não patrimoniais, seria de 25.000,00 € - Conclusões 11. a 24..
No recurso subordinado, interposto pelo Autor, a pretensão deduzida corrobora-se no seguinte:
- A indemnização por danos não patrimoniais deve ser aumentada para o valor de 100.000,00 € - Conclusões 5. a 15. ;
- A indemnização por danos patrimoniais deve ser fixada em 12.732,72 €, pois a idade de vida útil a ponderar é de 77,6 anos, e não de 70 anos - Conclusão 16..

Analisemos.
- dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, aquiliana ou por factos ilícitos

No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, delitual ou por factos ilícitos, dispõe o nº1 do art.º 483º do Cód. Civil [4] que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Surgem, deste modo, como pressupostos da responsabilidade civil delitual, os seguintes:
- o facto voluntário;
- a ilicitude da conduta;
- o nexo de imputação do facto ao lesante (culpa);
- o dano;  
- o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Por outro lado, dispõe o nº1 do art.º 487º ” é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa”. Acrescente-se ainda, já no âmbito específico da obrigação de indemnização, dispor o art.º 562º que “quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, estando a teoria da causalidade adequada prevista de forma clara no art.º 563º.
De uma forma exegética, mas necessariamente breve, analisemos cada um dos pressupostos elencados.

O FACTO
Refere Antunes Varela [5] que o facto praticado pelo agente civilmente responsável consiste, em regra, “num acto, numa acção, ou seja, num facto positivo (apropriação ou destruição de coisa alheia, afirmação de um facto injurioso ou difamatório ( ....), que importa a violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto”.
Assim, a voluntariedade do facto tem como regra ser o mesmo objectivamente controlável ou dominável pela vontade.
Só o homem, como destinatário dos comandos emanados da lei, é capaz de violar a lei. O elemento básico da responsabilidade é o facto do agente – um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana, activa ou omissiva -  pois que só quanto a factos dessa índole têm cabimento a ideia da ilicitude, o requisito da culpa e a obrigação de reparar o dano nos termos em que a lei a impõe [6]. Este facto consiste, em regra, num acto, numa acção, ou seja, num facto positivo, facto positivo para efeitos do citado art. 483º, nº1, do Cód. Civil, mas também pode traduzir-se numa omissão, num non facere, ou seja, num facto negativo. Nestes termos, aduz o art.º 486º que “as simples omissões dão lugar á obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido”.

A ILICITUDE
Para que exista responsabilidade é ainda necessário que o facto do agente seja ilícito, em termos de violar um direito de outrem ou em termos de violar a lei que protege interesses alheios.
Entre os direitos subjectivos abrangidos no âmbito de protecção dos direitos de outrem, podemos referir os direitos de personalidade, entre os quais realçamos o direito à integridade física - cfr. nº 1 do art.º 70º -, e ainda o direito à propriedade, para que o titular de bens patrimoniais não os veja afectados pela acção de terceiros que não têm relativamente aos mesmos qualquer disponibilidade.
A ilicitude configura-se, deste modo, como a vertente objectiva da violação dos direitos, reportando-se “ao facto do agente, à sua actuação, não ao efeito (danoso) que dele promana, embora a ilicitude do facto possa provir (e provenha até as mais das vezes) do resultado ( lesão ou ameaça de lesão de certos valores tutelados pelo direito) que ele produz” [7].

 IMPUTAÇÃO DO FACTO AO LESANTE ( CULPA) 
Refere o mesmo autor [8] que “agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo”.
Assim, torna-se necessária a existência de um certo nexo psicológico entre o facto praticado e a vontade do lesante, o qual pode assumir duas formas diferenciadas: o dolo ou a mera culpa. Esta distinção releva para a fixação do montante indemnizatório pois, conforme estatui o art.º 494º, quando a responsabilidade se fundar em mera culpa, e desde que se verifiquem outros pressupostos, “poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados (....)”.
No que concerne à categoria da mera culpa ou negligência, pode esta ainda desdobrar-se em culpa ou negligência consciente, na qual o agente “prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação, e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar”, e na culpa ou negligência inconsciente, na qual o lesante não chega sequer a representar a possibilidade de verificação do facto, seja por “imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão”, mas podia e devia prevê-lo, acaso usasse a diligência que lhe era exigível [9].
Exige-se, assim, que o facto ilícito seja imputado ao agente a título de culpa, isto é, exige-se que o facto foi não só obra do agente, como também devia ele ter agido diversamente. Ter-se-á de verificar um juízo de censura ou reprovação à conduta do agente.

O DANO
O dever de indemnizar só nasce caso alguém tenha sofrido um efectivo prejuízo.
Refere Antunes Varela [10] que o dano “é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar”.
Dispõem ainda os art.º 562º e 564º n.º 1 que quem se encontra constituído na obrigação de indemnizar deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, compreendendo-se nesta não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
Tendo em atenção a natureza dos bens jurídicos violados, os danos dividem-se normalmente entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, denominando-se como danos patrimoniais indirectos aqueles que derivam da ofensa de bens não patrimoniais, tal como a vida, o que acontece com os elencados no art.º 495º e os resultantes da perda de capacidade de trabalho [11]. Por sua vez, o dano de natureza patrimonial desdobra-se ainda nas modalidades de dano emergente ou positivo e na de lucro cessante ou frustrado, traduzindo-se aquele na perda de um activo que já pertencia ao património do lesado, e este, na frustração do direito a um ganho.
Por outro lado, conforme resulta do art.º 496º, os danos de natureza não patrimonial, sendo insusceptíveis de uma avaliação pecuniária, dado atingirem bens que não integram o património do lesado, apenas podem ser alvo de uma compensação com obrigação pecuniária imposta ao agente, a qual reveste a natureza mais de uma satisfação do que de uma indemnização propriamente dita.
Em termos jurídicos, o dano pode ser definido como “a supressão ou diminuição duma situação favorável que estava protegida pelo direito”, ao qual é atribuída natureza concreta, traduzida na lesão de uma vantagem, de um interesse, e recorrendo-se “à generalidade do património apenas com fins de avaliação”. Pelo que, em desenvolvimento daquela noção, o dano deve ser entendido como “diminuição duma qualquer vantagem tutelada pelo Direito, ou de um bem, em sentido amplo, que seja protegido” [12].
Antunes Varela [13] define o dano patrimonial como o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado – ou diminui o valor de um património ou impede-o de aumentar -, sendo concebido “como uma diferença de valor patrimonial, pelo que, quando não seja possível a reparação in natura, a indemnização se deve reduzir a cobrir essa diferença mediante uma soma em dinheiro, o que o direito não considera geralmente reparação perfeita” [14].

NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O FACTO E O DANO
Nem todos os factos decorrentes da ilicitude e avaliáveis como danos são susceptíveis de merecerem serem indemnizados. É ainda necessário que os danos sejam causados e sobrevenham daquele facto ilícito, ainda que eventualmente tenham uma causa próxima com o mesmo.
Além do facto e do dano, exige-se que entre ambos exista uma relação, sendo apenas de ressarcir aqueles danos que o facto tenha ocasionado. O nexo de causalidade constitui pois, ao mesmo tempo, pressuposto e medida dos danos a ressarcir.
Conforme estipula o art.º 563º, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Deste modo, para o apuramento do nexo de causalidade naturalístico, torna-se pertinente “indagar se, na sequência do processamento naturalístico dos factos, estes funcionaram ou não como factor desencadeador ou como condição detonadora do dano”, o que se insere no puro plano factual. E, ainda, apurar ou determinar, mas já como questão de direito ou normativa, “se, no plano geral ou abstracto, a condição verificada é ou não causa adequada do dano, isto é, se dada a sua natureza geral, era de todo indiferente para a verificação do dano e só o provocou em virtude de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que hajam intercedido no caso concreto. Isto sendo sabido que a nossa lei civil adoptou (conf. art. 563º) a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, adoptada por Ennecerus Lehman, in “Recht der Shuldverhaltnisse, 14ª ed., 1954, pág. 63” [15].
Causalidade que pode mesmo ser indirecta, admitindo-se a verificação deste nexo quando “o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste” [16]. Ao aceitar-se esta causalidade indirecta admite-se assim a formulação negativa da teoria da causalidade adequada como suficiente para preencher este pressuposto da responsabilidade civil: a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de circunstâncias extraordinárias [17].

Ora, na presente apelação não se questiona o preenchimento dos enunciados pressupostos de responsabilidade civil, os quais são pacificamente aceites e têm-se por plenamente adquiridos ou assentes.
A divergência existe, antes, no que concerne á amplitude do pressuposto processual dano, quer o de natureza patrimonial, quer o de natureza não patrimonial. O que implicará uma análise mais detalhada e cuidada deste.

- da indemnização por danos patrimoniais e por danos não patrimoniais

Conforme já verificámos supra, tendo-se em atenção a natureza dos bens jurídicos violados, os danos dividem-se normalmente entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais.
No âmbito dos primeiros – patrimoniais -, considera o Réu Apelante (recurso independente) que não tendo resultado provado qual o rendimento real mensal que o Recorrido Autor auferia á data dos factos – cf., facto 31. não provado -, não deveria o Tribunal a quo ter recorrido ao valor do salário mínimo regional, ainda que tivesse que decidir segundo algum juízo de equidade. Pelo que pugna pela consideração do valor mensal de 400,00 €, sustentando-o no facto da reforma agrícola ser inferior ao salário mínimo e o facto de, até 2015, o empresário agrícola poder reformar-se aos 55 anos de idade.
Por outro lado, aduz, ainda, o Réu Apelante que o Tribunal recorrido valorou a vida útil do lesado até aos 70 anos, quando apenas a deveria valorar até aos 65 anos, data em que o mesmo se pode reformar.
Tais pretendidas alterações, determinariam a redução da indemnização arbitrada, a título de danos patrimoniais, para o valor de 3.199,84 €, tendo em atenção a fórmula utilizada na decisão apelada.
Por sua vez, o Apelante Autor (recurso subordinado) não discute o valor do salário ponderado, mas questiona a fixação da vida útil nos 70 anos de idade, antes a reclamando nos 77,6 anos, como sendo esta a vida útil média do homem.
O que determinaria, aparentemente pela aplicabilidade da mesma fórmula, a fixação do montante indemnizatório, a tal título patrimonial, na quantia total de 12.732,72 €.

Já no âmbito do dano de natureza não patrimonial (ou moral), pugna o Réu Apelante (recurso independente) pela sua redução para a quantia de 25.000,00 €, aduzindo que a fixada quantia de 50.000,00 € não corresponde aos factos provados e legais critérios do artº. 494º, ex vi do nº. 3, do artº. 496º.
Por sua vez, o Autor Apelante (recurso subordinado) reclama o seu aumento para a peticionada quantia de 100.000,00 €, o que sustenta nas lesões provadas, bem como nos factos que pretendia considerar provados (sem êxito, conforme supra decidido), tradutores de uma maior amplitude das lesões e sequelas suportadas. 

- No que concerne aos danos patrimoniais

O dano patrimonial ora em equação é o resultante da incapacidade geral permanente parcial (IPGP) sofrida pelo Autor, peticionado no valor de 125.100,00 €, e fixado na sentença apelada na quantia de 11.575,20 €.
Para a fundamentação de tal dano, resultou provado ter o Autor sofrido uma incapacidade permanente geral de 14 pontos e que as sequelas sofridas não são impeditivas do normal desempenho da sua actividade profissional, mas exigem-lhe esforço suplementar para as realizar, tendo o Autor à data da agressão sofrida 57 anos de idade – factos 9. a 11..
Por outro lado, e conforme facto não provado nº. 31., não se provou que à data do evento lesivo o Autor auferisse, no desempenho das suas funções de lavrador por conta própria, o vencimento médio mensal de 600,00 €.
Crendo-se estar perante um verdadeiro dano patrimonial indirecto, decorrente da perda de capacidade de ganho em que se consubstanciava o activo patrimonial relativo ao rendimento por si auferido, antes de mais, até pela sua pertinência para o caso sub júdice, impõe-se a apreciação e resolução da seguinte questão: é tal dano valorável ou ressarcível, ainda que não resulte que tal incapacidade parcial permanente (IPP) tenha causado ao lesado qualquer redução da sua capacidade de ganho ? E que esta se mostre compatível com o exercício da sua usual actividade profissional ?
Antes da resposta precisa e concreta à enunciada questão, vejamos de que forma se equaciona e legalmente prevê a ressarcibilidade e concreta valorização ou avaliação do dano de natureza futura ou dano futuro.
Na fixação da indemnização deve o tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis. É previsível a capacidade de adquirir. O princípio base a obedecer neste concreto é que a indemnização, correspondente ao cálculo da frustração de ganho, deverá conduzir a um capital que considere a produção de um rendimento durante todo o tempo de vida activa da vítima, adequado ao que auferiria se não fora a lesão correspondente ao grau de incapacidade e adequado a repor a perda sofrida.
Tal cálculo é uma operação sempre difícil, devendo o tribunal quando não possa apurar o seu exacto valor, julgar segundo a equidade – cf., art. 566º, n.º 3.
A ressarcibilidade dos danos futuros encontra-se expressamente prevista no art.º 564º, n.º 2 nos seguintes termos: “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.
Descodificando este preceito legal, Sousa Dinis [18] refere que o mesmo significa, logo à partida, “que os danos futuros, para serem passíveis de indemnização, têm de ser previsíveis. Se, para além desta previsibilidade, forem ainda determináveis, o tribunal pode, desde logo, atender a eles”.
Com o intuito de harmonizar as indemnizações fixadas por danos futuros, especialmente os relacionados com incapacidades permanentes, de que é maior expoente a derivada da própria morte, têm sido criados, ou adaptados, pela jurisprudência diversos critérios orientadores [19].   
Um primeiro critério foi avançado no Ac. STJ de 8 de Março de 1979. Partia da utilização das regras existentes na lei laboral para o cálculo de pensões devidas pelas incapacidades permanentes de trabalho e sua remissão. Todavia, desde logo tal critério foi colocado em causa, pois não permitia, com segurança, uma adequada e justa medida de ressarcimento. Nas palavras do Acórdão do STJ de 04/02/93 [20], tal resultava da circunstância de que, “na avaliação dos prejuízos verificados, o juiz tem de atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorrem no caso e que o tornarão sempre único e diferente”.
Um outro critério jurisprudencialmente adoptado, nomeadamente a partir do Acórdão do STJ de 09/01/79 [21], no que respeita aos danos futuros, determinava que a indemnização a pagar ao lesado deve “representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho”.
A partir do Acórdão do STJ de 19/05/81 [22], adoptou-se um outro critério tendo por base a utilização das tabelas financeiras (não já do foro laboral) usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente a dada taxa de juro anual. Visa-se que a indemnização seja calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação existente e a actual até ao final desse período [23] [24].
Parte-se do princípio de que o cálculo da frustração de ganho deverá conduzir a um capital que considere a produção de um rendimento durante todo o tempo de vida activa da vítima, adequado ao que auferiria se não fora a lesão, correspondente ao grau de incapacidade e adequado a repor a perda sofrida. Só assim se consegue, na verdade, cumprir a exigência legal de “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, conforme estatuído no citado art.º 562º.
Daqui se retira que deve ser tido em conta, na efectivação do cálculo, a idade da vítima ao tempo do acidente, o prazo de vida activa previsível, os rendimentos auferidos ao longo desta, os encargos e o grau de incapacidade.
Verifica-se, assim, nas palavras do Ilustre Conselheiro Sousa Dinis, uma tendência “dos nossos tribunais para falar de critérios e lançar mão deles, com o objectivo de tornar o mais possível justas, actuais e minimamente discrepantes as indemnizações, designadamente no que toca a danos resultantes de morte e incapacidade total ou parcial”. Acrescenta que o julgador não deve deixar de lado a equidade (o que analisaremos melhor infra) mas, “sem se escravizar ao rigor matemático, nada impede que não se possa tentar encontrar um menor múltiplo comum, isto é, algum factor que seja mais ou menos constante para a determinação da indemnização, em termos de se chegar a um certo parâmetro, a partir do qual se possa «sintonizar» a indemnização que for julgada mais adequada, intervindo então o juízo de equidade, alterando a quantia encontrada para mais ou para menos, de acordo com factores de ordem subjectiva, como a idade, a progressão na carreira, etc.” [25].
Efectivamente, a adopção de tais mecanismos tem por base ou pressuposto o reconhecimento das dificuldades com que os Tribunais se deparavam, a circunstância de serem adoptados critérios eivados de elevada subjectividade, e a percepção da necessidade de objectivar, concretizar, de adoptar critérios que permitissem a concretização de uma justiça relativa. Na procura de tal desiderato, adoptou-se em Espanha as “medidas de baremación, nos termos da Ley n.º 30/1995, de 08-11, vinculativas para os tribunais. Ainda que sem o mesmo valor vinculativo, é um tal sistema assente em barèmes que se encontra implantado em França, integrado numa Convenção destinada a regularizar sinistros de circulação automóvel adoptada depois da publicação da Loi n.º 85-677, de 5 de Julho de 1985, também apelidada de Loi Badinter.
Envolvendo a generalidade dos danos emergentes de acidentes de viação, esses sistemas revelam circunstâncias diversificadas, por forma a integrar a generalidade dos sinistros, sendo os valores antecipada e objectivamente fixados, sem embargo da ponderação de situações particulares” [26] [27].

Finalmente, cabe salientar a existência de uma ‘contracorrente’, que afasta o uso destas tabelas – ainda que como meros instrumentos de trabalho -, optando antes por ajuizar de acordo com a equidade, nos termos do art.º 566º.
Sempre se dirá, no entanto, numa visão pertinentemente temperada e equilibrada, que o recurso aos aludidos critérios e tabelas não afasta a aplicação da equidade, que sempre funciona em sede de ponderação final ajuizadora da (des)razoabilidade do valor alcançado.
Nas ajuizadas palavras do douto Acórdão do STJ de 25/06/2002 [28], devem ser afastadas as “fórmulas puristas que levem a determinar matematicamente, e de forma abstracta e mecânica, os montantes indemnizatórios”, não se podendo, deste modo, “dispensar o recurso à equidade”, a qual surge, assim, com uma função ou intervenção temperadora.
Deste modo, deverá a equidade ter sempre a última e derradeira palavra na conformação da indemnização a fixar, como valor último e modo “adequado de conformação dos valores legais às características do caso concreto”. Mas, por outro lado, não pode tal critério postergar ou ignorar a adopção de um juízo de cálculo abstracto, de um método de cálculo meramente auxiliar, de que são exemplo as citadas tabelas financeiras. Tal exigência advém da circunstância de não se poder prescindir “do que normalmente acontece (id quod plerumque accidit), no respeitante à duração da vida (a expectativa de vida dos homens no nosso País), à progressão profissional de um trabalhador (....)”, constituindo tais tabelas financeiras, como qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, “um método de cálculo de valor meramente auxiliar”. Pelo que, sendo “a fixação da indemnização a atribuir o resultado, como se disse, do julgamento de equidade, os resultados a que conduzir a aplicação das tabelas financeiras deverão ser corrigidos se o julgador os considerar desajustados relativamente ao caso concreto submetido a julgamento”, ou seja, inexistindo métodos tradutores de critérios abstractos que se mostrem infalíveis, “devem eles ser tratados como meros instrumentos de trabalho com vista à obtenção da justa indemnização, pelo que o seu uso deve ser temperado por um juízo de equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566º” [29] [30]

Aqui chegados, e no intuito de respondermos à enunciada questão – o dano resultante da IPGP é valorável ou ressarcível, ainda que não resulte que tal IPGP tenha causado ao lesado qualquer redução da sua capacidade de ganho? -, façamos uma breve resenha jurisprudencial.
O já supra enunciado douto aresto do STJ de 23/10/2008 defende que a mais esclarecida jurisprudência em matéria de avaliação de danos corporais – a italiana -, tem distinguido, “dentro do chamado dano corporal, o dano corporal em sentido estrito (o dano biológico), o dano patrimonial e o dano moral.
E, ao contrário do dano biológico, que é um dano base ou um dano central, um verdadeiro dano primário, sempre presente em cada lesão da integridade físico-psíquica, sempre lesivo do bem saúde, o dano patrimonial é um dano sucessivo ou ulterior e eventual, um dano consequência, entendendo-se em tal contexto, não todas as consequências da lesão mas só as perdas económicas, danos emergentes e lucros cessantes, causadas pela lesão.
Assim, quem pretenda obter uma indemnização a título de lucros cessantes, em consequência de lesão sofrida, terá de fazer prova do pressuposto médico-legal sem o qual não há lugar a lucro cessante, isto é, provar que da lesão resultou um determinado período de incapacidade durante o qual o lesado não esteve em condições – total ou parcialmente – de trabalhar, e, alem disso, se tal for o caso, a subsistência de sequelas permanentes que se repercutem negativamente sobre a sua capacidade de trabalho – Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, p. 271 e ss.”
Acrescenta o mesmo douto aresto constituir entendimento corrente a nível de tal Tribunal Superior que ficando o lesado “a padecer de determinada incapacidade parcial permanente (IPP) – sendo a força de trabalho um bem patrimonial, uma vez que propicia rendimentos, a incapacidade permanente parcial é, consequentemente, um dano patrimonial - tem direito a indemnização por danos futuros, danos estes a que lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis – art. 564º, nº 2 do CC.
Sendo os danos previsíveis a que a lei se reporta, essencialmente os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso da perda da capacidade produtiva por banda de quem trabalha ou o maior esforço que, por via da lesão e das suas sequelas, terá que passar a desenvolver para obter os mesmos resultados.
Sendo, pois, a incapacidade permanente, de per si, um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços.
Sendo, assim, indemnizável, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado” (sublinhado nosso).
Deste modo, aduz, os critérios a ponderar na indemnização em apreço são os seguintes:
“a) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguirá no período provável da sua vida;
b) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, implicando o relevo devido às regras de experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
c) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para o alcance da indemnização devida terão sempre mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a devida ponderação judicial com base na equidade;
d) Deve sempre ponderar-se que a indemnização será sempre paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, e, assim, considerando-se esses proveitos, deverá introduzir-se um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento abusivo do lesado à custa de outrem (o que estará contra a finalidade da indemnização arbitrada);
e) Deve ter-se preferencialmente em conta a esperança média de vida da vítima, atingindo actualmente a das mulheres os 80 anos”.

O douto aresto do mesmo Supremo Tribunal de 14/09/2010 [31] menciona que a Portaria nº. 377/2008, de 26/05, veio, no nº. 1 do seu artigo 1º, fixar “os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal»., estabelecendo no seu anexo IV umas tabelas “de compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica – dano biológico”. Tais tabelas, inspiradas nas denominadas barémes do direito francês, destinam-se mais “às fases pré ou extrajudiciais e às relações internas entre as vítimas e as empresas seguradoras (fases de negociação) - em ordem a prevenir e limitar o mais possível a pura discricionariedade em tal domínio e ao objectivo declarado de prevenção dos litígios, por isso mesmo não vinculativa em processos judiciais. O que não significa que, sem abdicarem do seu poder soberano e da sua liberdade de julgamento, não possam os tribunais servir-se de tais tabelas insertas, como critério orientador e aferidor preferencial, face ao seu grau de racionalidade, razoabilidade e actualização.
De realçar que a jurisprudência se vinha, desde há muito, debruçando sobre o modo mais equilibrado de encontrar as indemnizações, servindo-se de tabelas ou fórmulas de carácter matemático ou estatístico nem sempre coincidentes, mas todas com vista a prevenir que o arbítrio atingisse proporções irrazoáveis e, outrossim, a conseguir critérios o mais possível conformes com os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade. Mas no entendimento – sempre reiterado por este Supremo Tribunal – de que o recurso tais fórmulas matemáticas ou de cálculo financeiro para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros/lucros cessantes não poderia substituir o prudente arbítrio do julgador, ou seja, a utilização de sãos critérios de equidade, tudo em obediência ao comando do n.º 3 do art.º 566.º do CC (cfr., neste sentido, v.g., o acórdão de 14-2-2008, in www.dgsi.pt.)
Como finalidade última, propunham-se tais critérios - não obstante meramente referenciais e indiciários - propiciar a atribuição de uma indemnização adequada a ressarcir a perda (total ou parcialmente significativa) da vida útil do lesado ou vítima, através da fixação do capital necessário para permitir o levantamento de uma “pensão ao longo dos anos em que o mesmo poderia previsivelmente trabalhar, esgotando-se tal auferição no final do período. E, por outro lado, assegurar que o montante a arbitrar nunca pudesse ser o resultado de um negócio lucrativo emergente de facto ilícito.
O n.º 1 do art.º 566.º, do CC, assegurando o princípio da ressarcibilidade dos danos futuros, condiciona, contudo, a sua atendibilidade e a fixação da correspondente indemnização à respectiva previsibilidade. O dano futuro mais típico prende-se exactamente com os casos de perda ou diminuição da capacidade de trabalho ou da perda ou diminuição da capacidade de ganho.
Acrescenta o mesmo douto aresto que a Incapacidade Permanente Parcial pode centrar-se “na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro. É precisamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo que deve radicar-se (também e, por vezes, sobretudo) o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros. O que logo nos poderia remeter para a querela doutrinária acerca da distinção entre incapacidade fisiológica ou funcional, por um lado, vulgarmente designada por «deficiência» («handicap») e a incapacidade para o trabalho ou incapacidade laboral por outro. Isto apesar de uma e outra serem igualmente dignas de valorização e consequente indemnização, não obstante a chamada teoria da diferença se ajustar mais facilmente às situações em que a lesão sofrida haja sido causa de uma efectiva privação da capacidade de ganho.
Assim, a incapacidade permanente parcial (IPP) determina consequências negativas, ao nível da actividade geral do lesado, que justificam a sua contemplação, no plano dos danos patrimoniais, para além e, independentemente, de uma autónoma valoração que dela se justifique fazer-se, em sede de dano de natureza não patrimonial”.
Adrede, apelando a juízo sufragado pelo mesmo relator em decisão antecedente, acrescenta continuar a entender-se que “na incapacidade funcional ou fisiológica, vulgarmente designada por "handicap", a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade.
Trata-se, em suma, de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 - integridade psicossomática plena -, que não particularmente qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos” (sic) 
Também no acórdão de 27-5-2004, in Proc. 1720/04 – 2.ª Sec., se concluiu que «a indemnização por (perda de) lucros cessantes ou danos futuros se justifica ou porque a IPP provoca uma diminuição concreta dos proventos do lesado, ou uma sobrecarga de esforço físico daquele, que se reflecte na sua capacidade de ente produtivo. Tudo sendo certo que, face aos critérios indemnizatórios civilísticos, a atribuição da indemnização nenhum apelo faz - nem tem que fazer - às repercussões do sinistro no dia a dia profissional (laboral) do lesado . Do que se trata é antes de actividade do lesado como pessoa e não como trabalhador, podendo ocorrer - o que não é raro - que determinada lesão produza uma incapacidade fisiológica significativa sem qualquer repercussão ou sequela de ordem laboral.
No sentido de que o lesado tem direito a ser indemnizado por danos patrimoniais futuros resultantes de incapacidade permanente advinda de acidente de viação - prove-se ou não que, em consequência dessa incapacidade, haja resultado diminuição dos seus proventos do trabalho – vejam-se, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 16-12-99 , in Proc 808/99 – 1.ª Sec , de 27-9-01, in Proc 1979/01- 7.ª Sec e de 15-5-01 , in Proc 1365/01-6.ª Sec” (sublinhado nosso).
   
Por sua vez, o douto Acórdão do mesmo Alto Tribunal de 07/10/2010 [32], após defender a indemnizabilidade da IPP, quer exista quer não exista diminuição dos proventos do trabalho, acrescenta que o montante a que se chegue deverá depois ser corrigido, para mais ou para menos, de acordo com um juízo de equidade, e através da ponderação de outros factores, “entre os quais assumem, com frequência, relevância o da perda efectiva ou não dos proventos, o relativo às vantagens em receber, de imediato, o capital e, bem assim, o que resulta da normal previsibilidade quanto à evolução da taxa de juros e à inflação” (sublinhado nosso).

Adrede, o douto aresto do STJ de 07/10/2010 [33], relativamente aos danos futuros de natureza patrimonial, refere que “se é verdade que se não demonstrou que o autor tenha sofrido qualquer perda concreta no seu ordenado mensal, decorrente do exercício da sua actividade profissional, não se pode esquecer, por outro lado, que o mesmo realiza um esforço, físico e psíquico, suplementar, em relação ao que acontecia antes do acidente, para lograr obter, hipoteticamente, o mesmo resultado produtivo do seu trabalho, e, também, idêntica remuneração profissional.
E, se é certo que se não demonstrou qual a percentagem desse esforço complementar, físico e psíquico, que executa, encontra-se provado, por seu turno, que o autor é portador de uma incapacidade permanente geral parcial de 8%, elevável, no futuro, até 13%, que lhe acarreta uma diminuição, em grau moderado, do seu nível de eficiência pessoal ou profissional.
Assim sendo, é razoável concluir que o autor, por força da aludida incapacidade permanente geral parcial, tem de desenvolver um esforço, físico e psíquico, acrescido de 8%, elevável, no futuro, até 13%, para atingir o mesmo resultado produtivo da actividade mecânica que pratica e poder auferir, pelo menos, a remuneração mensal correspondente à sua categoria profissional.
Efectivamente, se o autor desenvolve um acréscimo de esforço, físico e psíquico, de mais 8%, elevável, no futuro, até 13%, do que acontecia antes do acidente, para alcançar os mesmos resultados, profissionais e remuneratórios, é inequívoco que o seu quotidiano se tornou mais absorvente e menor a sua disponibilidade para realizar outras actividades, profissionais ou não.

Por isso, é possível sustentar que a incapacidade permanente parcial, ou seja, a diminuição da capacidade de trabalho, constitui, em si mesmo, um dano patrimonial indemnizável, independentemente da perda imediata da sua retribuição salarial.
Finalmente, acrescente-se que é de todo compreensível que assim seja, porquanto, na incapacidade funcional ou fisiológica, vulgarmente, designada por “handicap”, a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade.
E é, exactamente, neste agravamento da penosidade, de carácter fisiológico, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização, por danos patrimoniais futuros. Há, pois, lugar ao estabelecimento de indemnização, por danos patrimoniais, independentemente de não se ter provado que o autor, por força de uma IPP de 8% que sofreu, elevável, no futuro, até 13%, tenha vindo ou venha a suportar qualquer diminuição dos seus proventos conjecturais futuros, isto é, uma diminuição da sua capacidade geral de ganho profissional”.
Por fim, reafirmando o já supra aludido no douto aresto de 14/09/2010, acrescenta tratar-se, “em suma, de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 [integridade psicossomática plena], e não qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos” (sublinhado nosso).

Prosseguindo o nosso périplo pela jurisprudência do nosso Tribunal Superior, o douto aresto de 16/11/2010 [34], pugnando acerca da ressarcibilidade do dano biológico, a título de dano futuro, ainda que tal não traduza a perda de rendimentos profissionais ou não imponha um acréscimo de estrito esforço físico, aduz que basta ao lesado alegar e provar “que sofreu uma concreta IPP para, sem mais, ver assegurado o seu direito a uma indemnização, não lhe sendo, por isso, exigível a alegação e consequente prova da perda de rendimentos do trabalho desenvolvidos por si.
Com efeito, é sabido que as incapacidades parciais permanentes nem sempre acarretam perda de diminuição nos rendimentos profissionais do lesado que, não obstante, continuará a ter direito a uma indemnização pelo chamado dano biológico, decorrente da afectação funcional que a incapacidade sempre lhe trará, exigindo-lhe esforços acrescidos no desempenho das suas normais actividades”.
Acrescenta que o mesmo Tribunal, relativamente à fixação do montante devido pelo ressarcimento do dano biológico, tem vindo a considerar e ponderar o seguinte:
“1. O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
2. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevante limitação funcional ( 10% de IPP genérica) - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional actual, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido.
3. O juízo de equidade das instâncias, concretizador do montante a arbitrar a título de dano biológico, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” (sublinhado nosso).
Assim, através do ressarcimento do dano biológico, e como integrantes deste, pretende-se abranger as situações de inferiorização de ordem funcional e de potencial perda de oportunidades, que vão para além do mero ressarcimento de natureza ou ordem não patrimonial. 
Pelo que, não é apenas a perda de rendimentos ou o estrito acrescido esforço físico utilizado no desempenho de uma actividade que se inserem nesta incapacidade; nela se integram ainda a perda de aptidões para o exercício de actividades profissionais designadamente aquelas - e são inúmeras - em que releva a presença, o porte, o gesto, a atitude, o semblante, o que vai implicar para o autor um esforço acrescido para conseguir um desempenho positivo, esforço esse de que não careceria antes de ficar a padecer das mencionadas notórias deformidades físicas. E, para além disto, há que contar igualmente com a já mencionada perda de oportunidades de que é flagrante exemplo a actividade que vinha exercendo, mas valendo igualmente para todas as actividades em que a apresentação e o porte humano sejam factores relevantes de admissibilidade e de permanência”.

Prevendo a ressarcibilidade do dano biológico mais na sua vertente patrimonial, aduz o douto aresto do STJ de 16/12/2010 [35] que o dano biológico deve ser perspectivado ou entendido como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado ”com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre - e, portanto, sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
No caso dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico do lesado - consubstanciado em limitação funcional ao nível dos movimentos do membro inferior - deverá compensá-lo também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido.
É que a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais – e sendo naturalmente tais restrições e limitações particularmente relevantes em jovem de 16 anos, cujas perspectivas de emprego e remuneração podem ficar plausivelmente afectadas pelas irremediáveis sequelas das lesões sofridas.
E, assim sendo, entende-se que nenhuma censura merece o acórdão recorrido, ao outorgar ao lesado uma indemnização global por danos patrimoniais de €50.000, em que estão contemplados, não apenas os rendimentos futuros perdidos como directa e imediata consequência da perda de capacidade de ganho, calculada em função das remunerações percebidas à data do acidente, mas também o «dano biológico» associado a uma IPG de 10%, envolvendo restrição ao futuro exercício de actividades profissionais que envolvam esforços físicos acentuados e um acréscimo inevitável do esforço ou penosidade na realização pelo lesado das actividades da vida corrente, pessoal e profissional” (sublinhado nosso).

Por fim, o douto aresto do STJ de 23/11/2010 [36], começou por invocar a crescente afirmação do dano corporal, também designado ou denominado por dano à saúde ou por dano biológico, em nítida diferenciação relativamente à dicotomia até aí reconhecível de dano patrimonial/dano moral.
Acrescenta que o dano corporal “refere-se tanto à actividade laboral como à actividade extra-laboral, compreendendo-se nesta última a actividade através da qual se realiza e afirma a personalidade do indivíduo.
Assim sendo, começou a ganhar força a distinção entre o dano não patrimonial, em sentido lato [dano extra-patrimonial] e o dano não patrimonial, em sentido estrito [dano moral].
Neste enquadramento, surgiu o dano corporal, como um «tertium genus», ao lado do dano patrimonial e do dano moral, distinguindo-se o dano biológico e o dano moral subjectivo, assentes na estrutura do facto gerador da diminuição da integridade bio-psíquica, constituindo o dano biológico o evento do facto lesivo da saúde e o dano moral subjectivo, tal como o dano patrimonial, o dano-consequência, em sentido estrito.
A trilogia considerada refere-se ao dano biológico ou dano-evento, consistente no compromisso do bem saúde, constitucionalmente, protegido, que se traduz na diminuição psico-somática do indivíduo, provocada pelo facto ilícito, com natural repercussão na vida de quem o sofre, e que é um dano primário e sempre, autonomamente, reparável, ao dano patrimonial ou dano-consequência, que é um dano secundário e eventual, ressarcível quando ocorra, e, finalmente, ao dano moral, igualmente, secundário e eventual, consistente na mera transitória perturbação subjectiva.
Assim sendo, a afectação da integridade físico-psíquica da vítima, transformada em patologia, constitui-se com o evento lesivo, é o dano corporal ou dano-evento, que existe independentemente das consequências de ordem patrimonial sobrevindas, ou seja, do dano-consequência, sempre que haja lesão da integridade físico-psíquica, e, uma vez reconhecida a sua existência como dano-evento, deverá sempre ser reparado.
Deste modo, o dano corporal não depende da existência e prova dos efeitos patrimoniais, estes é que se apresentam como consequência posterior do primeiro, devendo ser considerado reparável ainda que não incida na capacidade de produzir rendimentos e, também, independentemente desta última” (sublinhado nosso).
O reconhecimento da autonomia do desenhado dano-evento, dano corporal ou dano biológico, e da configuração deste como lesão da saúde, “à integridade físico-psíquica do ser humano, em toda a sua dimensão, ou seja, da sua qualificação como dano-evento, objectivamente antijurídico, violador de direitos fundamentais, constitucionalmente, protegidos, resulta, como consequência, a atribuição da sua natureza não patrimonial.
Enquanto dano inerente à integridade da pessoa, goza de autonomia categorial e conceitual, face ao dano patrimonial e ao dano moral, em cujo âmbito, num fenómeno de absorção ainda em curso de numerosas vertentes reparatórias de danos, passou a compreender-se o dano estético, o dano sexual, o dano existencial, o dano psíquico, o dano à vida de relação, o dano à capacidade laboral genérica e a dor, crónica e intensa, produtora de consequências, ao nível da capacidade de trabalho, ou de prejuízos para as actividades lúdicas, sociais e de tempos livres, em geral.
Verificando-se o dano biológico, deverá o mesmo ser reparado e, eventualmente, deverá ser ressarcido, também, o dano patrimonial resultante da redução da capacidade laboral, caso se demonstre a sua existência e o nexo de causalidade com o dano biológico.
Deste modo, o responsável pelo dano biológico, porque incidente sobre o valor humano, em toda a sua dimensão, em que o bem saúde é objecto de um autónomo direito básico absoluto, deve repará-lo, em qualquer caso, mesmo que se prove que a vítima não desenvolvia qualquer actividade produtora de rendimento.
E com isto se entende que o dano corporal não deve considerar-se confinado ao âmbito dos danos não patrimoniais, gozando de autonomia, quer face a estes, quer face aos danos patrimoniais.
Mas, tratando-se o dano biológico de um dano, importa proceder à sua integração, ou na categoria do dano patrimonial, ou na classe dos danos não patrimoniais.
A concepção que considera o dano biológico de cariz patrimonial entende que, mesmo não havendo uma repercussão negativa no salário ou na actividade profissional do lesado, não se estando perante uma incapacidade para a sua actividade profissional concreta, pode verificar-se uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis, o que integra um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute.
O entendimento que defende que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito, em sede de dano não patrimonial, considera, desde logo, que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso com o decorrer dos anos e o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia, agravando-se ou potenciando-se estes condicionalismos naturais, em consequência de uma maior fragilidade adquirida, a nível somático ou psíquico.
Assim sendo, desde que este agravamento se não repercuta, directa ou indirectamente, no estatuto remuneratório profissional ou na carreira, em si mesma, e não se traduza, necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, por parte do lesado, traduzir-se-á num dano moral.
Deste modo, o chamado dano biológico, tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado, a título de dano moral, devendo a situação ser apreciada, casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.
Ora, não parece oferecer grandes dúvidas o entendimento de que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia traduz mais um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial” (sublinhado nosso).

Já vai longa a resenha jurisprudencial a que nos propusemos, podendo-se assentar resultarem da mesma os seguintes princípios, ditames ou directivas:
· O dano corporal ou dano biológico (incapacidade fisiológica ou funcional) não se confunde com o dano patrimonial, sendo que aquele está sempre presente em cada lesão da integridade físico-psíquica ou do bem saúde, enquanto que este, como dano sucessivo ou ulterior, é eventual ;
· Considerando-se a força do trabalho um bem patrimonial, tem-se entendido que a incapacidade parcial permanente (IPP) é, consequentemente, um dano de natureza patrimonial ;
· Pelo que a incapacidade permanente (IPP) é, de per si, um dano patrimonial indemnizável ;
· E isto, quer determine ou acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer apenas implique um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de proventos laborais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar físico e/ou psíquico para obter o mesmo resultado ;
· Trata-se de indemnizar, a se, o dano corporal sofrido, e não qualquer perda efectiva de rendimento ;
· A incapacidade fisiológica ou funcional é, assim, diferenciada da incapacidade laboral ou para o trabalho, sendo ambas indemnizáveis ;
· Aquela incapacidade – fisiológica ou funcional -, vulgarmente designada por handicap, tem por objectivo indemnizar o dano corporal sofrido, tendo por referência a integridade psicossomática plena, que não particularmente qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação deste ;
· O dano biológico é assim, ressarcível, ainda que não se traduza numa perda de rendimentos profissionais ou não imponha um acréscimo de estrito esforço físico ;
· E a sua ressarcibilidade é sempre como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial ;
· Integrando ainda tal dano biológico a inferiorização de ordem funcional ou perda de capacidades e a potencial perda de oportunidades, a acrescer, e para além, do dano não patrimonial ;
· Assim, o dano biológico ou dano corporal é um dano-evento ou dano primário, enquanto o dano patrimonial ou dano moral são danos secundários ou eventuais ;
· Apesar de, num determinado entendimento, ao dano biológico ser atribuída uma natureza não patrimonial, este pode ser ressarcido em sede patrimonial ou compensado em sede não patrimonial, a título de dano patrimonial ou como dano moral ;
· Assim, caso a lesão origine, no futuro, durante o período activo do lesado, ou da sua vida, uma perda de capacidade de ganho ou um esforço acrescido no seu desempenho profissional, o ressarcimento deve operar-se em sede patrimonial ;
· Em contraponto, estando em causa a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e energia, decorrente de uma maior fragilidade adquirida, a nível somático ou psíquico, sem rebate profissional, a compensação deve operar-se em sede não patrimonial ;
· O que não pode é ser ressarcido, simultaneamente, nas duas mencionadas vertentes, sendo casuisticamente apreciado o modo de enquadramento pertinente.

Aqui chegados, a resposta à pergunta enunciada é clara e precisa: o dano resultante da IPP (ou incapacidade permanente geral parcial – IPGP)  é valorável ou ressarcível, ainda que não resulte que tal IPP tenha causado ao lesado qualquer redução da sua capacidade de ganho, podendo, inclusive, auferir presentemente a mesma quantia, ou superior, à que auferia antes do acidente.
E, foi este o entendimento sufragado na decisão apelada, considerando-o ressarcível a título de dano patrimonial, entendimento que, não sendo questionado no objecto recursório (nem no recurso independente, nem no recurso subordinado), não será questionado na presente apelação.
Ainda que, sempre se acrescenta, tendo resultado provado que as lesões sofridas pelo Autor, e as sequelas daí decorrentes, implicam um necessário esforço acrescido ou suplementar no seu desempenho profissional, ou seja, têm efectivo rebate profissional no desempenho da sua actividade de agricultor, o ressarcimento do dano biológico, bem como da incapacidade funcional permanente de que ficou a padecer, sempre seria de operar em sede patrimonial.
Com efeito, e in casu, não está em equação apenas um mero dispêndio de energia ou esforço, fruto ou consequência de uma maior fragilidade adquirida, a nível físico ou somático, destituída de quaisquer efeitos profissionais.
E, conforme aduzimos, a força do trabalho constitui um bem patrimonial, pelo que a incapacidade permanente suportada sempre constituiria um dano de natureza patrimonial susceptível de indemnização.

Em súmula, e especialmente, resulta do exposto que, em consequência das lesões causadas pelo evento lesivo provado, o Autor ficou com um défice ou incapacidade funcional permanente da sua integridade físico-psíquica fixável em 14 pontos, designada por incapacidade permanente geral (IPG), sendo que esta incapacidade acaba por ter rebate profissional pois, apesar de permitir o exercício da actividade profissional que desempenhava, exige-lhe, porém, esforços suplementares em tal desempenho.
Temos, assim, decorrente da IPG sofrida pelo Autor um dano biológico, dano à saúde ou dano corporal em sentido estrito, que funciona como dano-base ou dano central, e que, decorrente da provada limitação funcional geral, integra um dano futuro previsível (no sentido de que se repercutirá na qualidade da vida), o qual sempre deveria ser ressarcido, in casu, tal como decidido na sentença recorrida, em sede de dano patrimonial.
Com efeito, e conforme já supra defendido, a indemnizabilidade deste dano, decorrente da provada IPG (parcial), resulta da circunstância da força do trabalho ser um bem patrimonial, no sentido de que propicia rendimentos. E, estando em causa a necessidade de efectivação de esforços suplementares por parte do Autor para a obtenção do mesmo resultado, a indemnização não poderia deixar de operar com aquela natureza.

Todavia, aqui chegados, como proceder ao cálculo indemnizatório do dano em equação ?
Já supra constatámos a evolução histórica, doutrinária e jurisprudencial, da ressarcibilidade do presente dano futuro, quer reconhecendo primazia á aplicabilidade de critérios matemáticos ou financeiros, quer acentuando a nota do primado da equidade, quer utilizando ambas as metodologias ou directrizes.
Porém, para a aferição e concretização daquele cálculo indemnizatório, urge decidir qual o valor de retribuição a considerar, sendo certo que, in casu, não logrou o Autor provar auferir, á data do evento lesivo, a quantia mensal de 600,00 € - cf., facto 31. não provado.
Entendeu a decisão apelada, na ausência de valor provado, recorrer ao valor do salário mínimo regional. E, daí, efectuou os cálculos nos termos supra expostos.
Ora, o recurso ao valor da retribuição mínima garantida, afigura-se-nos pertinente e equilibrado, num fundado juízo equitativo que igualmente sufragamos, não se descortinando motivo para fazer funcionar qualquer cálculo baseado numa alegada reforma agrícola de valor inferior, sendo certo que o Autor não se encontrava reformado, nem existe notícia que o pretendesse fazer, por alegado recurso a uma possibilidade excepcional de reforma aos 55 anos.
Pelo que, no decaimento desta específica pretensão recursória do Réu Apelante, o valor a considerar é o do salário mínimo regional à data, ou seja, em 2013, que se fixava em 509,25 € (quinhentos e nove euros e vinte e cinco cêntimos) [37].

Começando-se por recorrer às tabelas ou fórmulas de carácter matemático ou estatístico, e apelando ao primeiro método abstracto e matemático referenciado no citado Acórdão do STJ de 25/06/2002, tendo por base a provada incapacidade de 14 pontos, temos que:

a) o rendimento anual líquido do seu trabalho é de 6.111,00 € - (12 meses [38] (x) 509,25 €)(=) 6.111,00(-)0,11[39] (=) 5.438,79 € ;
b) pelo que, sendo a sua incapacidade parcial de 14% (14 pontos), a  perda salarial anual corresponde ao valor de 761,43 € (5.438,79 € X 0.14) ;
c) multiplicando tal valor pelos anos de vida activa -  13 anos [40] - 761,43 € X 13, chega-se ao valor de 9.898,60 Euros.

Utilizando, agora, a regra de três simples defendida pelo Ilustre Conselheiro Sousa Dinis [41], e tendo por base uma taxa de juro de 3%, urge determinar qual o capital necessário para, ao indicado juro, se obter o rendimento anual.

Pelo que teremos a seguinte equação:
100 ................3
x ....................6.111,00 € (rendimento anual)
O que determina 6.111,00 € X 100 : 3 = 203.700.00 €.
E, considerando que a incapacidade a ponderar é de 14% (1/7,14), alcançar-se-á o valor de 28.529,00 Euros.
Todavia, tal valor deve merecer um primeiro ajustamento, “uma vez que a vítima vai receber de uma só vez aquilo que em princípio, deveria receber em fracções anuais. Para evitar uma situação de injustificado enriquecimento á custa alheia, há que proceder a um desconto” [42], destinando-se este a evitar “que o lesado fique colocado numa situação em que receba os juros mantendo-se o capital intacto” [43].
Mas quanto descontar ?
Este “vai depender do nível de vida no país, do custo de vida e até da sensibilidade do próprio juiz que genericamente, terá de calcular quando é que o capital estará totalmente amortizado” [44]. Ora, seguindo o exemplo da jurisprudência Francesa citado pelo mesmo autor, afigura-se-nos ser de descontar 1/3, ou seja, 9.509,80 €, pelo que encontramos o capital de 19.019,20 Euros

Já utilizámos dois métodos de aferição diferenciados, afigurando-se o segundo como mais elaborado. Todavia, aqui chegados, e apesar dos valores diferenciados, urge ter em atenção que o “juiz já tem uma «sintonia» aproximada da indemnização. Sobre ela vai recair um juízo de equidade, de modo a encontrar a indemnização que melhor se adeqúe ao caso concreto, tendo em conta a idade do lesado, a progressão na carreira e outros factores subjectivos que, eventualmente se provem. Convém não esquecer que o recurso à regra de três apontada é apenas uma «bússola» norteadora do julgador, para evitar grandes disparidades” [45].
Mas, vamos ainda mais longe. Utilizemos uma outra fórmula matemática, mais elaborada, que nos permitirá igualmente calcular qual a verba necessária que permita ressarcir, durante a vida laboralmente útil do lesado (no caso, durante a esperança média de vida do Autor), a perda sofrida, devendo tal quantia mostrar-se esgotada no fim do período considerado. Ou seja, permite determinar qual o capital que será necessário deter no ano inicial para obter em cada um dos anos seguintes uma prestação constante, considerando que é possível fazer uma aplicação financeira á taxa anual líquida. Deste modo, o capital será o estritamente necessário para permitir o levantamento da prestação constante ao longo de cada um dos anos, esgotando-se totalmente no final.
Mediante recurso à formula proposta no douto acórdão da Relação de Coimbra de 04.04.1995 [46] e considerando que a esperança de vida activa do lesado é de 13 anos, que a inflação a longo prazo rondará os 2% [47], e que auferia o vencimento mensal líquido de 453,23 € (descontando o valor de 11% de taxa social única, conforme supra justificámos, e fazendo o cálculo ao valor anual líquido reportado a 12 meses), temos:
C = capital a depositar no primeiro ano
P = prestação a pagar no primeiro ano
i = taxa de juro
r = taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras
k = taxa anual de crescimento de P
Considera-se que ‘r’ corresponde a um valor de 3% e que ‘k’ corresponde a um valor de 2% [48]. Enquanto que 7,14 corresponde á incapacidade de 14% (100:0,05).







Resolvida a equação, mediante substituição das variáveis pelos valores indicados, obtém-se o resultado (‘C’) de 9.241,43 Euros.

Todavia, apreciemos ainda uma outra fórmula ou tabela matemática, exposta no já citado douto Acórdão do STJ de 04/12/2007 [49], que refere ter a mesma como base ou suporte a “aplicação do programa informático Excell á fórmula utilizada pelo STJ no Acórdão de 1994.05.05, e que foi construída tendo por referência a atribuição  de 3% ao factor aí indicado como taxa de juro previsível no médio e longo prazo, taxa essa que, apesar dos anos, tem vindo a confirmar-se dada a estabilidade do euro”. Ou seja, tal fórmula tem por base aquela que acabámos de utilizar, partindo-se de uma tabela, resultado da mencionada aplicação informática, onde, de um lado, se indica a idade que ainda falta para ser atingido o fim previsível da idade de reforma e, do outro, o factor índice. E, acrescenta, “no caso de haver concorrência de culpas entre lesante e lesado, haverá no entanto que dividir as responsabilidades consoante a respectiva proporção” [50].
Assim, a aferição do montante indemnizatório parte da determinação do factor índice, com recurso à tabela, o qual deve ser multiplicado pelo rendimento anualmente auferido á data do acidente, e novamente multiplicado pela percentagem de IPP.
Assim, no nosso caso concreto temos que:
  • idade do Autor à data das agressões: 57 anos – facto 11. ;
  • anos de vida activa útil (até atingir a reforma): 13 anos (70 – 57) ;
  • rendimento anual auferido à data do acidente: 5.438,79 € =» (12 meses(x)509,25 €)(=)6.111,00(-)0,11 [1] (=) 5.438,79 € ;
  • taxa de IPP: 14%
  • grau de concorrência da vítima para a lesão: inexistente.

Pelo que, 5.438,79 x 10,63496 x 14% = 8.097,78 €.
E, aduz ainda o mesmo douto aresto, que na determinação do valor “há que atender a todos os outros factores que as ditas fórmulas não contemplam, e que se repercutirão, previsivelmente, em termos de perdas patrimoniais, e que são extremamente relevantes, indicando-se a título exemplificativo:
- o prolongamento da IPP para além da idade de reforma; (sendo importante sublinhar que entrando na base de cálculo a referência à idade de reforma aos 65 anos não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter actividade depois dela);
- o de ela não contemplar a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade e do próprio aumento de produtividade;
- o de não ter em consideração a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma nem o aumento da própria longevidade.;
- o de não contar com a inflação;
- o de não contemplar as despesas que o próprio lesado terá de suportar por tarefas que, se não fosse o acidente, ele mesmo desempenharia;
- e o facto de todo o cálculo ser feito na base de que o trabalhador ficaria sempre a auferir aquele salário e que não teria progressão na carreira, ou seja, num completo congelamento da progressão profissional.
Daí que, como dissemos, a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o “minus” indemnizatório”.
A utilização destes cálculos assume-se, reafirmamos, como simples instrumento de trabalho e já não, obviamente, como valor vinculativo da decisão a proferir quanto a esta questão.
No caso concreto afigura-se-nos ser de valorar e ponderar ainda o seguinte, em conjugação com o primaz juízo equitativo:
  • para além dos 70 anos de idade, limite apontado como de esperança de vida activa [52] [53], sempre resta, por vezes, um período de actividade profissional que não se deve descurar, muitas vezes coincidente com a própria esperança média de vida [54] ;
  • o facto do Autor, apesar dos esforços suplementares e acrescidos que lhe são exigíveis no desempenho da sua profissão, não ter logrado provar  qualquer diminuição dos seus réditos laborais, decorrente das lesões e sequelas sofridas – cf., factos 32. e 33. não provados.

    Ora, aqui chegados, concluamos, na articulação dos critérios supra expostos, o seguinte:
    a) consideramos que, numa primeira abordagem, o momento e o limite a considerar  é o correspondente ao de esperança de vida activa, o qual cremos ainda dever situar-se nos 70 anos de idade ;
    b) sem prejuízo de, nos termos supra expostos, em sede de juízo de ponderação equitativa, se dever ter em atenção o factor de esperança média de vida que, à data dos factos, e no que aos homens concerne, se situava nos 77,2 anos ;
    c) pois, conforme supra exposto, em muitos casos tais momentos coincidem e, por outro lado, é mesmo após o cessar da vida profissional activa que mais se sente a carência de tutela às necessidades básicas do lesado, decorrentes do avançar da idade e dos efeitos deste avançar nas sequelas e limitações sofridas ;
    d) conforme supra exposto, o apelo aos vários mecanismos matemáticos ou tabelas financeiras, que devem ser encaradas como um instrumento de trabalho, permitem a obtenção de um valor indicativo, de uma aproximação, capaz de garantir uma justiça relativa e salvaguardar alguma objectividade, susceptível de melhor sindicância, na fixação do quantum indemnizatório ;
    e) de acordo com os indicados modelos ou factores, os valores equacionados foram, respectivamente, de 9.898,60 Euros,  19.019,20 Euros,  9.241,43 Euros e 8.097,78 € ;
    f) donde resulta que, na ponderação dos referenciados juízos lógicos de probabilidade, assentes no princípio id quod plerumque accidit, priorizando o enunciado critério da equidade, mas partindo necessariamente da ponderação dos valores atribuídos pelos cálculos matemáticos efectuados, entende-se que o valor fixado pelo Tribunal recorrido – 11.575,20 € -, ainda se afigura como adequado e pertinente, não sendo merecedor de qualquer alteração ou censura por parte desta Relação ;
    g) com efeito, o fixado valor indemnizatório a atribuir ao Autor, a título de dano patrimonial indirecto, afigura-se equitativo e susceptível de garantir o devido ressarcimento da incapacidade permanente geral de que ficou afectado ;
    h) o que determina, nesta sede e segmento recursório, improcedência das conclusões de ambos os Apelantes (Réu contestante – recurso independente, e Autor – recurso subordinado) e consequente confirmação da sentença recorrida.
       
    - No que concerne aos danos não patrimoniais

    No que concerne aos danos não patrimoniais, qua tale, pretende o Recorrente Réu que o valor seja reduzido para a quantia de 25.000,00 €, enquanto que o Apelante Autor pugna pelo aumento do valor fixado para o montante correspondente ao pedido efectuado, ou seja, 100.000,00 €.
    A decisão apelada fixou em 50.000,00 € o valor da indemnização ressarcitória pelos danos ora em equação, considerando que os mesmos, in casu, resultavam da “circunstância de ter perdido o baço; das dores (com um quantum doloris fixado em 5/7) e demais padecimentos físicos e morais que o A. sofreu por ocasião do seu internamento e na convalescença; os padecimentos e limitações que lhe advieram necessariamente das lesões; as respetivas sequelas, nomeadamente as cicatrizes (que lhe apontam um dano estético na casa dos 2/7); o seu estado psíquico e emocional; a perda de alegria e a mais notória tristeza com que segue na sua vida que haverá de ser, em parte, feita com o apoio de terceiro…ainda que não se possa descurar o efeito da idade que a tudo se junta mitigando os efeitos que diretamente advieram do sinistro aqui em apreço”.
    Acrescentou, ainda, a mesma decisão que “o sofrimento físico e moral que o A. padeceu na altura do acidente, com os tratamentos, cirurgias e limitações advenientes das sequelas com que ficou, que exigem, em parte das tarefas que deve cumprir no seu quotidiano, o auxílio de terceiro; as consequência que para a sua saúde, imagem, desgosto e vida em relação com os demais, também com a família, tornando-a numa pessoa mais fechada e arredada da vida em sociedade que antes privilegiava, limitando-a na sua exposição corporal, designadamente nas praias que frequentava e que agora evita, ao que acresce o tempo já decorrido desde o acidente, têm relevância e reputo ponderado o montante de €50.000,00”.

    Poder-se-á considerar, com base na factualidade provada, pertinente o fixado valor indemnizatório ?
    Ou imporá antes a mesma factualidade montante compensatório inferior, atento o facto dos danos provados não o justificarem ? Ou, ainda, ao invés, os danos provados imporão, antes, a fixação de um valor indemnizatório mais amplo e generoso ?
    Analisemos.

    O presente dano consiste nos prejuízos (dor física, desgosto moral, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, liberdade, beleza, perfeição física, honra, etc) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação.
    No que aos presentes danos respeita, dispõe o art. 496.º, n.º 3 que o montante da indemnização será fixado equitativamente[55] [56] pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º do mesmo diploma (o grau de culpabilidade do agente; a situação económica deste e do lesado; e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem). Dispõe este normativo que “quando a indemnização se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
    Esta categoria geral de danos tem sido progressivamente subdividida em danos que respeitam a diversas facetas da vida humana.
    Desde logo, a dor física sofrida pelos lesados como consequência dos ferimentos e respectivos tratamentos e operações; a afectação da integridade anatómica, fisiológica ou estética [57]; o dano biológico (com carácter eventual, nos termos e condições já supra expostas) [58]; o prejuízo de distracção ou de afirmação pessoal e a perda de expectativas de duração de vida.
    Relativamente aos presentes danos, Sousa Dinis [59] refere que o julgador deverá ter em consideração, entre outros, os seguintes factores ou pressupostos: “a incapacidade, ou, se for o caso, a incapacidade temporária total geral, que diz respeito às tarefas da vida corrente, e a incapacidade temporária total especial para a actividade desenvolvida, ou seja, a projecção dessa incapacidade no exercício da actividade específica do lesado” ;
    - “a graduação do quantum doloris (....);
    - “o prejuízo estético, também graduado como a dor” ;
    - “o prejuízo de afirmação pessoal (alegria de viver) que deve ser graduado também de acordo com a escala valorativa da quantificação da dor (....)” ;
    - “ o desgosto de o lesado se ver na situação em que se encontra” ;
    - “a clausura hospitalar”.
    Invocando a jurisprudência do nosso Tribunal superior, refere o citado Acórdão do STJ de 25/06/2002 [60] que aquela “em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista. Como se decidiu recentemente neste STJ, a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar”. E, citando Antunes Varela [61], refere que o “montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras da prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. É este, como já foi observado por alguns autores, um dos domínios onde mais necessário se tornam o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir” [62] [63] [64].  
    Jurisprudencialmente, vejamos, de forma exemplificativa, quais os valores que vêem sendo recentemente fixados ao nível do nosso mais Alto Tribunal – Supremo Tribunal de Justiça – pelos seguintes doutos arestos, todos disponíveis em www.dgsi.pt :
    - de 08/02/2018 – Relator: Nuno Gomes da Silva, Processo nº. 245/12.0TAGMT.G1.S1 -, no qual se sumariou ser “adequada e proporcional a fixação da indemnização por danos não patrimoniais em €65.000,00 quando o quadro factual evidencia uma vida arruinada, com a lesada a suportar uma verdadeira “via crucis” em consequência de lesões múltiplas e gravíssimas em vários órgãos que vão perdurar e que têm tradução na atribuição de uma incapacidade permanente geral de 77,9 pontos, com um período de internamento de 10 meses, intervenções cirúrgicas várias, bem como tratamentos, sofrimento físico e psicológico intensos e constantes, este acentuado pela incapacidade de fazer vida autónoma e de estar incapacitada para o trabalho. Tudo contribuindo para um desgosto e uma penosidade muito acrescidos no suportar do normal quotidiano, decorrente da manifesta perda de qualidade de vida, e inevitavelmente das relações interpessoais. Isto numa pessoa que tinha ainda uma esperança de vida prolongada pois completara 60 anos à data do acidente.
    V - São consideráveis na avaliação desde dano o pretium doloris, o pretium pulchritudinis, o “dano distracção ou passatempo” (em francês dommage d’agrément) o “dano existencial ou de afirmação pessoal” e o dano da saúde geral, constituído pelas funestas incidências na duração da vida normal da lesado decorrentes das graves lesões” ;
    - de 17/06/2018 – Relatora: Rosa Tching, Processo nº. 418/13.9TVCDV.L1.S1 -, onde se sumariou que “resultando dos factos provados que o autor, à data do acidente de viação, tinha 30 anos de idade e era uma pessoa saudável e cheio de vida e que, em consequência do acidente, sofreu várias fracturas; esteve internado durante 14 dias, tendo sido submetido a diversas intervenções e tratamentos médicos durante cerca de 4 meses; teve um período global de cerca de 2 anos e 2 meses de gravidade decrescente de incapacidade, 9 meses dos quais com incapacidade absoluta e a necessitar de ajuda de terceira pessoa; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%; teve dores quantificáveis em 4 numa escala de gravidade crescente até 7; ficou com dificuldades de ereção no relacionamento sexual; deixou de poder praticar atividades desportivas e de lazer; perdeu um ano escolar e continua a necessitar, pontualmente, de tomar medicação anti-álgica, é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50 000,00” ;
    - de 19/04/2018 – Relator: António Joaquim Piçarra, Processo nº. 196/11.6TCGMR.G2.S1 -, no qual se defendeu que “ponderando este quadro factual, em especial, as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa da Autora), a extrema gravidade das lesões sofridas por esta, os dolorosos tratamentos a que foi sujeita, com destaque para as duas intervenções cirúrgicas, com anestesia geral, o longo período de clausura hospitalar e de tratamentos, as deslocações que teve que realizar para curativos e consultas, quer ao Porto quer a Vizela, a enorme incomodidade daí resultante, as graves e extensas sequelas anátomo-funcionais decorrentes do acidente, que se traduzem num deficit funcional permanente de elevado grau (26 pontos), correspondente a uma IPP de 49,2495% e a um dano estético de grau 4, numa escala de 1 a 7, as intensas dores sofridas (de grau 5, numa escala de 1 a 7), o desgosto e amargura de, com 43 anos de idade, se ver fisicamente limitada e sem perspectivas futuras, em termos laborais, consideramos que, não obstante a apontada limitação deste Tribunal, no que concerne à sindicância de indemnização com recurso à equidade, a indemnização de €45.000,00, a título de dano não patrimonial, foi fixada prudencialmente pelas instâncias e apresenta-se como razoável, ajustada, equilibrada e adequada às circunstâncias concretas do caso vertente” ;
    - de 12/07/2018 – Relatora: Rosa Tching, Processo nº. 1842/15.8STR.E1.S1 -, no qual é fixada a indemnização, por danos não patrimoniais, no valor de 60.000,00 €, num quadro de lesões e sequelas traduzido em repercussão nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 3/7, repercussão na actividade sexual fixável em grau 3/7, num quantum doloris fixável no grau 6/7, em que o lesado ficou portador de perturbação persistente do humor, sequelas a nível da ráquis, abdómen, membro superior direito e membro inferior esquerdo, tendo ainda sido sujeito a intervenção cirúrgica para encerramento da colostomia e reconstituição do trânsito intestinal.

    Obtidos tais parâmetros actualizados, in casu, com relevância para a determinação do quantum a arbitrar, e a acrescer à factualidade já supra enunciada, ponderada na sentença apelada, que ora não reproduziremos, urge, igualmente, ponderar o seguinte:
    - a responsabilidade dos demandados e responsáveis civis, ora Réus, funda-se na prática de factos dolosos, nomeadamente praticados a título de dolo directo ou seja, dotado de acrescida intensidade, inexistindo assim qualquer plausibilidade ou justificação na limitação indemnizatória prevista no artº. 494º, ex vi do nº. 3, do artº. 496º ;
    - por outro lado, não pode igualmente deixar-se de ponderar o facto dos actos lesivos e dolosos praticados pelos demandados terem tido origem numa discussão verbal, que, tendo-se agudizado, levou a que o ora lesado tivesse puxado de uma pequena navalha que trazia no bolso, afirmando ao Réu RP… que "eu vou-te furar o ouvido para tu ouvires melhor. Eu é que mando na minha casa, não és tu, para a próxima não te vendo vaca nenhuma” – facto 2. ;
    - ou seja, esta circunstância não poderá deixar de ser igualmente ponderada, como uma circunstância concreta do caso, traduzindo um comportamento do lesado de lamentar, e mesmo susceptível de alguma censura.
    Ponderando tal factualidade, nomeadamente, e fundamentalmente, estas duas últimas circunstâncias ou factores, bem como:
    - a amplitude das dores sentidas pelo Autor, valorizadas no quantum doloris de grau 5, numa escala crescente de 7 graus ;
    - as limitações para a sua vida diária decorrentes das lesões e sequelas sofridas,
    afigura-se-nos que a fixada quantia de 50,000,00 € traduz um valor de reparação demasiado elevado e injustificado, tendo-se em atenção os parâmetros que vêm sendo jurisprudencialmente adoptados, pelo que se decide pela sua redução para o montante de 40.000,00 € (quarenta mil euros), que se afigura como mais condizente com os danos provados e demais circunstâncias enunciadas, sendo, igualmente, equitativo, justo e equilibrado [65].

    Donde, em guisa conclusiva, decide-se o seguinte:
    I) pela parcial procedência do recurso independente apresentado pelo Apelante/Recorrente/Réu RJ… ;
    II) determinando, no que concerne á condenação solidária dos Réus RJ… e HS…, relativamente á indemnização por danos não patrimoniais (ou morais), alteração do valor fixado na sentença (50.000,00 €), que ora se reduz para a quantia de 40.000,00 € (quarenta mil euros) ;
    III) julgar, no demais, improcedente o interposto recurso independente ;
    IV) pela total improcedência do recurso subordinado interposto pelo Apelante/Recorrente/Autor LM… ;
    V) pelo que, com excepção da alteração consignada em II, confirma-se, no demais, a sentença apelada.

    ------
    Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, a tributação opera-se nos seguintes termos:
    Quanto à acção:
    - custas a cargo do Autor e Réus, na proporção, respectivamente, de 78% e 22%, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido ;
    Quanto aos recursos:
    - recurso independente:
    Custas a cargo do Recorrente/Apelante/Réu e Recorrido/Apelado/Autor na proporção, respectivamente, de 73% e 27% ;
    - recurso subordinado:
    Custas a cargo do Recorrente/Apelante/Autor, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que possa gozar.
    ***
    IV. DECISÃO

    Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
    I) Julgar parcialmente procedente o recurso (independente) de apelação interposto pelo Apelante/Recorrente/Réu RJ… ;
    II) Em consequência, no que concerne á condenação solidária dos Réus RJ… e HS…, relativamente á indemnização por danos não patrimoniais (ou morais), determina-se a alteração do valor fixado na sentença (50.000,00 €), que ora se reduz para a quantia de 40.000,00 € (quarenta mil euros) ;
    III) julgar, no demais, improcedente o interposto recurso independente ;
    IV) julgar totalmente improcedente o recurso (subordinado) interposto pelo Apelante/Recorrente/Autor LM… ;
    V) pelo que, com excepção do consignado em II), confirma-se, no demais, a sentença apelada.

    Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, a tributação opera-se nos seguintes termos:
    Quanto à acção:
    - custas a cargo do Autor e Réus, na proporção, respectivamente, de 78% e 22%, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido ;
    Quanto aos recursos:
    - recurso independente:
    Custas a cargo do Recorrente/Apelante/Réu e Recorrido/Apelado/Autor na proporção, respectivamente, de 73% e 27% ;
    - recurso subordinado:
    Custas a cargo do Recorrente/Apelante/Autor, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que possa gozar.
    -----------
                           
    Lisboa, 08 de Novembro de 2018

    Arlindo Crua - Relator

    António Moreira – 1º Adjunto
         
    Magda Geraldes – 2ª Adjunta (em substituição)


    [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
    [2] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 285.
    [3] Idem, pág. 285 a 287.
    [4] Todas as referências legais infra, salvo expressa menção em contrário, referem-se ao presente diploma.
    [5] Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª Edição, Almedina, pág. 496 e 497.
    [6] Idem, 10ª Edição, pág. 527.
    [7] Idem, pág. 502.
    [8] Ibidem, pág. 531.
    [9] Ibidem, pág. 542.
    [10] Ibidem, pág. 568.
    [11] cf., Dario M. de Almeida, Manuel dos Acidentes de Viação, pág. 82.
    [12] Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º Volume, 2001, AAFDL, pág. 293 e 300.
    [13] Ob. Cit., Vol. I, pág. 620.
    [14] Cf., o douto Acórdão do STJ de 23/04/2002 – Doc. nº SJ200204230010181, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf -, o qual defende que o dano “não pode ser concebido como uma diferença de valor patrimonial”, pois para o direito o dano “não interessa apenas no seu aspecto de «diferença», aspecto matemático ou abstracto ; mas interessa toda a individualização do objecto efectivamente lesado, a qual será a base da reparação futura”.
    [15] cf., o douto Acórdão do STJ de 18/03/2004, Relator: Ferreira de Almeida, Doc. nº SJ200403180006752, in http://www.dgsi..pt/jstj.nsf .
    [16] A. Varela, ob. cit., vol. I, pp. 579 e Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, pp. 357.
    [17] Preceitua o Acórdão do STJ de 15/04/93 – in CJSTJ, Tomo 2, pág. 5 - que « na variante positiva um facto é causa de um efeito quando é previsível que, atendendo ás circunstâncias que o agente conhecia, esse facto conduza àquele efeito.
    Na modalidade negativa de causalidade adequada, mais abrangente do que a positiva, um facto é causal de um dano sempre que é uma das várias condições da sua produção, sem a qual portanto, não teria ocorrido. Mais aproximada da teoria de equivalência das condições, na variante negativa da causalidade adequada o agente é responsável quando previu ou devia prever o facto, mas já não os seus efeitos que ficam de fora do seu circulo de previsibilidade; o facto- condição só não é causa do dano se era totalmente indiferente para a sua produção segundo as regras da experiência comum».
    [18] O Dano Corporal em Acidentes de Viação, in CJSTJ, Ano IX, Tomo 1, 2001, pág. 8, estudo que voltaremos a referenciar infra.
    [19] Refere expressamente o supra citado douto Acórdão do STJ de 18/12/2003 que tratando-se, na espécie, de um “dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora com inerente dificuldade de cálculo, naturalmente com a utilização intensa de juízos de equidade” ; por sua vez, o já citado douto Acórdão do STJ de 17/06/2008, fala de “um pedido de réditos futuros pela privação da respectiva fonte”, apelando á utilização de “critérios de probabilidade a projectar em termos de normalidade da vida”.
    [20] In CJSTJ, Ano I, Tomo 1, pág. 129.
    [21] BMJ, n.º 283, pág. 260.
    [22] BMJ, n.º 307, pág. 242.
    [23] Acerca da evolução histórica jurisprudencial para a determinação dos danos futuros, cf.., Sousa Dinis, Ob. Cit., págs. 8 e 9 ; e, ainda, de forma extremamente elucidativa, o douto Acórdão do STJ de 06/07/2000, in CJSTJ, Ano VIII, Tomo 2, pág. 146.
    [24] Ou, nas palavras do douto aresto citado na nota anterior, “a indemnização em dinheiro do dano futuro de incapacidade permanente corresponde a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, mas que (capital) se extinga no final do período provável de vida”.
    [25] Ob.Cit., pág. 9.
    [26] cf., o douto Acórdão da RL de 24/06/2003, Processo n.º 5146/2003-7, in http://www.dgsi.pt/jtrl.
    [27] Acrescentamos nós que tal desiderato parece estar igualmente presente na solução adoptada pela Portaria nº 377/2008, de 26/05, a qual veio fixar critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de indemnização razoável para indemnização do dano corporal.
    [28] In CJSTJ, Ano X, Tomo 2, pág. 132.
    [29] Idem, págs. 132 e 133.
    [30] O douto Acórdão do STJ de 25/09/2008, já supra citado, refere que no quadro dos cálculos sob os juízos de equidade devem ponderar-se, entre outros, “factores tais como a idade da vítima e as suas condições de saúde ao tempo de decesso, o seu tempo provável da sua vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade.
    Uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam sobremaneira os critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas”.
    [31] Relator: Ferreira de Almeida, Processo nº. 797/05.1 TBSTS,  in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [32] Relator: João Bernardo, Processo nº. 370/04.1 TBVGS, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [33] Relator: Hélder Roque, Processo nº. 2171/07.6 TBCBR, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [34] Relator: Salazar Casanova, Processo nº. 1612/05.1 TJVNF, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [35] Relator: Lopes do Rego, Processo nº. 270/06.0 TBLSD, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [36] Relator: Hélder Roque, Processo nº. 456/06.8 TBVGS, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [37] Por força do disposto no DLR 8/2002/A, de 10/04, correspondia ao Salário Mínimo Nacional – que era de 485,00 € -, com majoração de 5%.
    [38] Contabilizam-se 12 meses, e não 14, pois o Autor trabalhava por conta própria, como agricultor.
    [39] Valor médio a deduzir relativamente às contribuições para a segurança social pois, atento o valor da retribuição, a mesma parece ser isenta de IRS, inexistindo assim quaisquer outras deduções tributárias a efectuar. Com efeito, interessa a aferição do salário real, e não bruto – cf.  o já supra citado douto Acórdão do STJ de 19/03/2002.
    [40] Presumindo que a vítima se reformaria aos 70 anos de idade, conforme critério orientador previsto na alínea b) do nº 1 do art.º 6º da mesma Portaria nº 377/2008, de 26/05 ; conforme refere o já enunciado douto aresto do STJ de 14/09/2010, é jurisprudência quase uniforme nos tribunais superiores a “consideração, em termos de generalidade e de normalidade, da idade de 70 anos como data-limite da vida útil relevante dos lesados (….)”.
    [41] Ob. Cit., o qual refere poder ser encontrado facilmente “o capital necessário que dê ao lesado ou aos seus herdeiros o rendimento perdido, calculado a uma certa taxa de juro, através de uma regra de três simples, não «afinando» o resultado obtido pelo recurso ás tabelas financeiras (nem sempre acessíveis nem de consulta fácil), mas fazendo intervir no fim a equidade (....)”.
    [42] Assim o citado Acórdão do STJ de 26/05/2002, referenciando o mencionado estudo de Sousa Dinis.
    [43] Sousa Dinis, Ob. Cit., pág. 9.
    [44] Idem.
    [45] Ibidem.
    [46] In  CJ II, p. 23 e ss.
    [47] Espera-se, face à obrigação nacional de cumprir com os critérios de convergência constantes do art.º 1º do protocolo relativo ao art.º 109º-J do Tratado da União Europeia. Presentemente, tal objectivo vem sendo concretizado, tendo ficado, inclusive, nos últimos anos, em patamares inferiores.
    [48] nos termos explanados no já citado acórdão da Relação de Coimbra de 04.04.1995, actualizando-se os valores para o momento actual ; cf.., o douto Acórdão do STJ de 16/03/99, in CJSTJ, Tomo I, pág. 167, bem como o valor mais baixo ora actualizado constante do anexo III à já referenciada Portaria nº 377/2008, de 26/05.
    [49] Relator: Mário Cruz, Doc. nº SJ20071204038361, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [50] Transcrevendo-se a tabela consta que:
    A) ---- B)
    (anos) ---- (factor)


    1 ----- 0,97087
    2 ----- 1,91347
    3 ----- 2,82861
    4 ----- 3,71710
    5 ----- 4,57971
    6 ----- 5,41719
    7 ----- 6,23028
    8 ------ 7,01969
    9 ----- 7,78611
    10 ----- 8,53020
    11 ----- 9,25262
    12 ----- 9,95400
    13 ----- 10,63496
    14 ----- 11,29607
    15 ----- 11,93794
    16 ----- 12,56110
    17 ----- 13,16612
    18 ----- 13,75351
    19 ----- 14,32380
    20 ----- 14,87747
    21 ----- 15,41502
    22 ----- 15,93,692
    23 ----- 16,44361
    24 ----- 16,93554
    25 ----- 17,41315
    26 ----- 17,87684
    27 ----- 18,32703
    28 ----- 18,76411
    29 ----- 19,18845
    30 ----- 19,60044
    31 ----- 20,00043
    32 ----- 20,38877
    33 ----- 20,76579
    34 ----- 21,13184
    35 ----- 21,48722
    36 ----- 21,83225
    37 ----- 22,16724
    38 ----- 22,49246
    39 ----- 22,80822
    40 ----- 23,11477
    41 ----- 23,41240
    42 ----- 23,70136
    43 ----- 23,98190
    44 ----- 24,25427
    45 ------ 24,51871
    46 ----- 24,77545
    47 ------ 25,02471
    48 ----- 25,26671
    49 ----- 25,50166
    50 ----- 25,72976

    [51] Conforme já supra referenciámos, é o valor médio a deduzir relativamente às contribuições para a segurança social pois, atento o valor da retribuição, a mesma parece ser isenta de IRS, inexistindo assim quaisquer outras deduções tributárias a efectuar. Com efeito, interessa a aferição do salário real, e não bruto – cf.  o já supra citado douto Acórdão do STJ de 19/03/2002.
    [52] Pondera-se o presente valor em decorrência do aumento de esperança média de vida, que tem tendência para aumentar – cf., entre vários, o douto Acórdão do STJ de 06/03/2007, Doc. nº SJ20070306001896, Relator: Silva Salazar, e o já citado douto aresto do mesmo Tribunal de 07/10/2010, ambos in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf -, e nas aludidas dificuldades de financiamento do sistema de segurança social, conducente a que as pessoas, de forma a garantirem as suas reformas ou pensões tenham que trabalhar mais anos, o que foi reforçado pela introdução de outros factores de ponderação, nomeadamente o denominado índice de sustentabilidade do sistema de segurança social.
    Para os homens a esperança de vida à nascença, por referência ao ano de 2013, é de 77,2 anos – cf., http://www.pordata.pt/Portugal/Esperanca+de+vida+a+nascenca+total+e+por+sexo-418 .
    [53] Colocando sérias reservas à consideração de uma determinada idade como limite da vida activa, devendo-se antes ponderar a esperança média de vida pois, atingida aquela, “isso não significa que a pessoa não pudesse continuar a trabalhar, ou que, simplesmente, não continue a viver ainda por muitos anos, tendo, nessa medida, direito a perceber um rendimento como se tivesse trabalhado até àquela idade normal para a reforma”, cf.., o douto Acórdão do STJ de 19/02/2004 – Doc. n.º SJ200402190042826, in http://www.dgsi.pt/jstj.
    [54] O douto aresto do STJ de 16/12/2010, já citado, defende inclusive que o factor a ter em consideração é o da esperança média de vida, e não apenas o da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade de reforma. Acrescenta justificar-se tal consideração “já que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito”.
    [55] A equidade constitui assim fonte, mediata, de direito- art. 4.º do C. Civil..
    [56] O recurso à equidade justifica-se, desde logo, por ser difícil, se não mesmo por vezes impossível, a prova do montante de tais danos, assim se afastando “a estrita aplicabilidade das regras porque se rege a obrigação de indemnização” – Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, 1, pág. 491 e segs.. 
    [57] O dano estético, no entanto, poderá também ser avaliado enquanto dano patrimonial, se tiver reflexo económico na vida da pessoa afectada, como seria, p. ex., o caso de um modelo ou actor.
    [58] Neste sentido, vide acórdão da Relação do Porto de 07.04.1997, in CJ, II, p. 204.
    [59] Ob. Cit., pág. 7.
    [60] Pág. 134.
    [61] Ob. Cit., págs. 599-600, nota 4.
    [62] Refere o Acórdão do STJ de 23/09/98 – Processo n.º 553/98, 1ª Secção -, que “o julgador ao atribuir esta compensação não está subordinado a critérios normativos fixados na lei. O que aqui tem força são razões de conveniência, de oportunidade, de justiça concreta em que a equidade se funda”.
    [63] O douto Acórdão do STJ de 05/07/2007 – Doc. nº SJ200707050017346, Relator: Nuno Cameira, in http://www.dgsi.pt/jstj - elenca 5 critérios ou ponderações a aplicar na avaliação dos danos não patrimoniais, que enunciamos resumidamente:
    Primeiro: definitivamente ultrapassado o tempo das indemnizações insignificantes, excessivamente baixas, verifica-se que os tribunais estão hoje sensibilizados para a quantificação credível dos danos não patrimoniais – credível para o lesado e credível para a sociedade, respeitando a dignidade e o primado dos valores do ser, como acon­tece com a integridade física e a saúde, que o Estado garante a todos os cidadãos (art.ºs 9º, b), e 25º, nº 1, da Constitui­ção; cfr, neste exacto sentido, o acórdão deste Tribunal de 20.2.01- Revista nº 204/01-6ª); e este “movimento” contra indemnizações meramente simbólicas não deixa de estar relacionado muito directamente, além do mais, com o aumento continuado e regular dos prémios de seguro que tem ocorrido no nosso país por imposição das directivas comunitárias, aumento esse cujo objectivo fulcral (pelo menos no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil por acidentes de viação) não é o de garantir às companhias seguradoras lucros desproporcionados, mas antes o de, em primeira linha, assegurar aos lesados indemnizações adequadas.
    Segundo: As indemnizações adequadas passam com cada vez maior frequência por uma valorização mais acentuada dos bens da personalidade física, espiritual e moral atingidos pelo facto danoso, bens estes que, incindivelmente ligados à afirmação pessoal, social e profissional do indivíduo, “valem” hoje mais do que ontem; e assim, à medida que com o progresso económico e social e a globalização crescem e se tornam mais próximos toda a sorte de riscos – riscos de acidentes os mais diversos, mas também, concomitantemente, riscos de lesão do núcleo de direitos que integram o último reduto da liberdade individual, - os tribunais tendem a interpretar extensivamente as normas que tutelam os direitos de personalidade, parti­cularmente a do art.º 70º do Código Civil.
    Terceiro: É necessário, em todo o caso, agir cautelosamente; e o Supremo Tribunal, nesta matéria, tem uma responsabilidade acrescida, dada a função que lhe está cometida de contribuir para a uniformização da jurisprudência; não é conveniente, por isso, alterar de forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos; não deve perder-se de vista a realidade económica e social do país; e é vantajoso que o trajecto no sentido duma progressiva actualização das indemnizações se faça de forma gra­dual, sem rupturas e sem desconsiderar (muito pelo contrário) as decisões precedentes acerca de casos seme­lhantes. Isto porque os tribunais não podem nem devem contribuir para alimentar a noção de que neste domínio as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. A justiça tem ínsita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade; é tudo isto que no seu conjunto origina o sentimento de segurança, componente essencial duma sociedade assente em bases sólidas (uma das quais é justamente a do primado do direito). Ora, de certo modo os tribunais são os primeiros responsáveis e sobretudo os principais garantes da afirmação de tais valores: cabe-lhes contrariar com firmeza a ideia de que os factos danosos geradores de responsabilidade civil, muitas vezes tragédias pessoais e familiares de enorme dimensão material e moral, possam ser transformados em negócios altamente rendosos para pessoas menos escrupulosas. Quarto: A indemnização prevista no art.º 496º, nº 1, do CC, mais do que uma indemnização, é uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de pro­porcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos e não o de o recolocar “matematica­mente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e, nessa exacta medida, irreparáveis, é uma reparação indirecta).
    Quinto: Os componentes mais importantes do dano não patrimonial, de har­mo­nia com a síntese feita num acórdão deste Tribunal de 15.1.02 (Revª 4048/01-2ª) são os seguintes: o “dano estético” - que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação social” - dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissio­nal, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade” - em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar, e que valo­riza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e o corte na expectativa de vida; e o “pretium juventutis” - que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida; e o “pretium doloris” - que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária”.
    [64] Conforme refere o já citado douto aresto do STJ de 23/10/2008, nos parâmetros gerais a ter em conta merecem ser destacados “a progressiva melhoria da situação económica individual e global (mesmo considerando a crise sócio-económica que hoje grassa), a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente á União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito á integridade física e á qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se leve também repercutir no aumento das indemnizações”. [65] Nas palavras do já enunciado douto Acórdão do STJ de 07/10/2010, o critério de reparação dos danos não patrimoniais adoptado “sem fazer tábua rasa dos princípios hedonistas, geralmente aceites, fortalece a ideia de compensação moral do sofrimento da vítima, independentemente da classe social de que é oriunda, mas sem deixar de lhe atribuir um montante pecuniário que lhe proporcione prazeres e distracções capazes de neutralizar, tanto quanto possível, os danos não patrimoniais que suportou”.