Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
984/08.0TBMFR.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: INTERVENÇÃO PROVOCADA
FALTA DE CITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - Proferido despacho, que transitou em julgado, determinando a necessidade de intervenção dos comproprietários, o facto de alguns não terem sido chamados a intervir e de não terem sido citados gera nulidade de conhecimento oficioso, que determina a anulação do processado posterior às outras citações.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


 F…, GG… e Condomínio do Prédio da Rua …, nº…, Ericeira, representado pelo seu administrador MRR… intentaram a presente acção declarativa com processo sumário contra P…, alegando, em síntese, que o 1º autor e a 2ª autora são comproprietários, na proporção de 1/28 cada, de uma fracção autónoma do prédio a que se refere o condomínio ora autor, situada na cave e destinada a garagem para estacionamento na modalidade de espaços abertos, encontrando-se os lugares destinados a cada comproprietário marcados no pavimento e tendo o ora réu, também comproprietário da mesma fracção, fechado os espaços que lhe estão atribuídos e construído uma garagem fechada no interior da fracção, o que fez contra deliberações tomadas em assembleias de condóminos, que mandataram o administrador a recorrer à via judicial, se necessário, para compelir o réu a remover a obra pois, se todos os comproprietários da fracção fechassem os espaços que lhes estão destinados, a circulação na garagem tornar-se-ia impossível e a instalação eléctrica, toda a canalização e caleiras de drenagem das águas do prédio ficariam inacessíveis constituindo grave perigo.

Concluíram pedindo a condenação do réu a demolir a construção da garagem fechada que efectuou no interior da referida fracção, repondo a situação anterior.

O réu contestou impugnando os factos relativos às condições da fracção e ao invocado prejuízo causado pela obra em causa e alegando, em síntese, que dos três autores apenas o 1º autor tem legitimidade para intentar a acção e representa só 1/28 da fracção, que não há impedimento legal para a obra realizada, mesmo porque só foram usados materiais amovíveis, que existem outros espaços vedados por outros comproprietários, que sempre discordou das deliberações que não permitiam o fecho dos espaços pois estamos no âmbito da gestão da compropriedade e não dos espaços comuns do condomínio, que fez as obras autorizado por comproprietários que representam 17/28 da titularidade da fracção.

Concluiu pedindo a improcedência da acção. 

Os autores replicaram, opondo-se à excepção de ilegitimidade e alegando que para fechar o espaço de garagem o réu precisava de autorização de todos os demais comproprietários e não apenas daqueles que indica, alguns dos quais não constam como titulares inscritos no registo.

Após os articulados foi proferido despacho que considerou necessária a intervenção de todos os comproprietários da fracção e convidou os autores a deduzir o respectivo incidente.

Na sequência desse convite, os autores deduziram incidente de intervenção provocada de: 1. J…; 2. HH…; 3. B…; 4. C…; 5. K…; 6. I…; 7. E…; 8. A…; 9. D…; 10. L…; 11. M…; 12. N…; 13. O….

Admitido o incidente e ordenada a citação dos chamados, foram os mesmos citados, com excepção de D… e de O…, que se verificou terem falecido, respectivamente, em 4/05/2011 e 14/07/2006, tendo-se procedido à habilitação dos seus herdeiros, ficando habilitados, em representação de D…, DA…, DB…, DC…, DD…, DE…, DF…, DG… e DH… e, em representação de O…, OA…, OB…, OC… e OD….  

Os chamados nada vieram dizer aos autos e foi então proferido despacho saneador que, entendendo haver falta de personalidade judiciária do autor condomínio relativamente ao pedido formulado, absolveu o réu da instância relativamente ao pedido deste autor e considerou não se verificarem outras excepções dilatórias relativamente às demais partes, a que se seguiu sentença, que conheceu logo de mérito, julgando a acção procedente e, com fundamento na aplicação do artigo 1407º do CC, condenou o réu a demolir a construção que ergueu na fracção autónoma dos autos, repondo a situação anterior.
                                                     
Inconformado, o réu interpôs recurso e alegou, formulando alegações com as seguintes questões:

-Tendo o apelante fechado o espaço que lhe está destinado, numa fracção autónoma que pertence a vários comproprietários, com a aprovação de dez comproprietários em que se inclui a sua própria autorização, teve a aprovação de 18/28, que representa mais de metade do valor das quotas.
-A maioria das quotas é o único critério que deve ser atendido para efeitos do artigo 1407º nº1 do CC e não o critério da maioria numérica ou pessoal a que a sentença recorrida também atendeu.
-O artigo 1407º nº1 do CC, ao remeter para o artigo 985º da administração das sociedades tem em vista apenas as situações em que os comproprietários estão representados por administradores, o que não acontece no caso em apreço.
-A maioria das quotas não pode ficar condicionada à maioria pessoal dos consortes, pelo que a sentença recorrida violou os artigos 1407º nº1 e 985º do CC.
-Deve ser revogada a sentença e julgar-se improcedente a acção.
                                                         
Os recorridos apresentaram contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

A questão a decidir é a de saber se existe fundamento legal para a demolição da obra realizada pelo réu.
                                                           
FACTOS.

1.Encontra-se descrito sob o n°… da Conservatória do Registo Predial de Mafra, freguesia de Ericeira, a fracção autónoma “A”, correspondente à Cave do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua …, n.°…, Ericeira;
2.Pela Insc. G-2 de 27.03.1989, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 1/28 a favor de A…, casado com AA…, por compra;
3.Pela Insc. G-3 de 12.07.1989, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 1/28 a favor de B…, casado com BB…, por compra;
4.Pela Insc. G-4 de 28.07.1991, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 2/28 a favor de C…, casado com CC…, por compra;
5.Pela Insc. G-5 de 16.08.1993, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 2/28 a favor de D…, casado com DD…, por compra;
6.Pela Insc. G-6 de 18.04.1995, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 2/28 a favor de D…, por compra;
7.Pela Insc. G-7 de 23.06.1997, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 5/28 a favor de E…, casado no regime de bens da comunhão geral, com a aqui 2.a A., por compra;
8.Pela Insc. G-8 de 20.08.1997, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 2/28 a favor de D…, casado com DD…, por compra;
9.Pela Insc. G-9 de 06.01.1997, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 1/28 a favor de F…, aqui 1.° A., casado com FF…, por compra;
10.Pela Insc. G-17 de 23.112004, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 2/28 a favor do aqui R., por compra a DP… e marido, JP…;
11.Pela Insc. G-11 de 06.01.1997, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 1/28 a favor de G…, casado com GG…, por compra;
12.Pela Insc. G-12 de 06.01.1997, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 2/28 a favor de H…, casada com HH…, por compra;
13.Pela Insc. G-13 de 22.01.1999, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 1/28 a favor de I…, casado com II…, por compra;
14.Pela Insc. G-16 de 30.06.2003, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 1/28 a favor de ISR…, MSR…, TSR… e PSR…, por sucessão em comum e sem determinação de partes por dissolução da comunhão conjugal e sucessão de ASR…;
15.Pela Insc. G-15 de 28.12.2000, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 1/28 a favor de J…, casada com JJ…, por compra;
16.Pela Insc. G-17 de 06.01.1997, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 1/28 a favor de F…, casado com FF…, por compra;
17.Pela Insc. G-18 de 25.01.2006, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 1/28 a favor de IRS… por partilha da herança de ASR…;
18.Pela Insc. G-19 de 16.01.2007, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição de 1/28 a favor de K…, casada com KK…, por compra a ISR…;
19.L… é titular de 1/28 da propriedade sobre a fracção melhor identificada em 1.;
20.M… é titular de 1/28 da propriedade sobre a fracção melhor identificada em 1.;
21.N… é titular de 1/28 da propriedade sobre a fracção melhor identificada em 1.;
22.O… era no ano de 2005 titular de 1/28 de propriedade sobre a fracção melhor identificada em 1.;
23.Na fracção identificada em 1., os lugares destinados a cada comproprietário está devidamente marcado no pavimento;
24.A 29.08.2005, G… na qualidade de comproprietário subscreveu o documento de fls. 36 no qual declarou não se opor a que o R. procedesse ao fecho do espaço que lhe estava destinado na fracção descrita em 1.;
25.A 30.12.2007, M… na qualidade de comproprietário subscreveu o documento de fls. 43 no qual declarou não se opor a que o R. procedesse ao fecho do espaço que lhe estava destinado na fracção descrita em 1.;
26.A 18.03.2005, HH… na qualidade de comproprietário subscreveu o documento de fls. 44 no qual declarou não se opor a que o R. procedesse ao fecho do espaço que lhe estava destinado na fracção descrita em 1.;
27.A 30.12.2007, N… na qualidade de comproprietário subscreveu o documento de fls. 45 no qual declarou não se opor a que o R. procedesse ao fecho do espaço que lhe estava destinado na fracção descrita em 1.;
28.A 18.03.2005, C… na qualidade de comproprietário subscreveu o documento de fls. 46 no qual declarou não se opor a que o R. procedesse ao fecho do espaço que lhe estava destinado na fracção descrita em 1.;
29.A 10.10.2005, E… na qualidade de comproprietário subscreveu o documento de fls. 47 no qual declarou não se opor a que o R. procedesse ao fecho do espaço que lhe estava destinado na fracção descrita em 1.;
30.A 17.03.2005, I… na qualidade de comproprietário subscreveu o documento de fls. 48 no qual declarou não se opor a que o R. procedesse ao fecho do espaço que lhe estava destinado na fracção descrita em 1.;
31.A 18.03.2005, O… na qualidade de comproprietário subscreveu o documento de fls. 49 no qual declarou não se opor a que o R. procedesse ao fecho do espaço que lhe estava destinado na fracção descrita em 1.;
32.A 30.08.2005, ISR… na qualidade de comproprietária subscreveu o documento de fls. 50 no qual declarou não se opor a que o R. procedesse ao fecho do espaço que lhe estava destinado na fracção descrita em 1.;
33.Em finais de 2007, o ora R. fechou os espaços que lhe estavam destinados na fracção melhor descrita em 1..
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A estes factos, haverá desde logo que fazer as seguintes rectificações, resultantes da consulta da certidão do registo predial relativa à fracção autónoma em causa e que consta a fls 10 e seguintes:
No ponto 7 dos factos o comproprietário não é casado com a autora, mas sim com EE….
No ponto 11 dos factos deverá ter-se em consideração que o comproprietário aí mencionado, G…, é casado com a ora autora GG….
O ponto 16 dos factos está incorrecto, pois o autor F… não é titular da aquisição de 1/28 a que se refere a inscrição G-17 (esta inscrição diz respeito ao réu, como se vê do ponto 10 dos factos).
                                                          
ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

Os autores intentaram a presente acção pedindo a demolição de uma obra realizada pelo réu numa fracção autónoma que pertence a vários comproprietários e que é utilizada como garagem num prédio.

Esta garagem, que consta no registo predial como fracção autónoma, não é, assim, parte comum no prédio, encontrando-se ilidida a presunção do artigo 1421º nº2 d) do CC.

Alegaram, então, os autores, entre outros factos, que foi aberto um precedente com esta obra, que, para além de poder levar à impossibilidade de circulação na garagem, poderá levar à impossibilidade de acesso a instalações eléctricas e canalizações do prédio – instalações e canalizações estas que são partes comuns do condomínio nos termos da presunção do artigo 1421º nº1 d) do CC, apesar de a fracção autónoma onde se situam, pertencente a vários comproprietários, não ser parte comum – sendo ainda apresentadas na petição inicial deliberações da assembleia de condóminos que se opõem à construção do réu e mandatando o administrador para propor a respectiva acção judicial – para o que este tem legitimidade nos termos do artigo 1437º do CC.

Foi, porém, proferido despacho que entendeu ser necessária a intervenção de todos os comproprietários da fracção autónoma em causa, perspectivando uma apreciação da acção no âmbito dos artigos 1403º e seguintes do CC e da compropriedade de que todos são titulares nessa fracção.

Por outro lado, veio a ser entendido na sentença recorrida, na perspectiva da compropriedade da fracção autónoma, que a construção efectuada pelo réu é um acto de administração ordinária sujeito às regras de maioria do artigo 1407º do CC, tendo sido ainda entendido que, do duplo critério aí imposto, o réu não obteve a maioria numérica, razão pela qual teria de ser demolida a obra, o que foi feito sem discriminar quais as operações que levaram a tal conclusão e sendo certo que, nos termos do nº3 deste artigo 1407º, para proceder o pedido dos autores de demolição da obra do réu com fundamento no artigo 1407º nºs 1 e 3, os autores é que teriam de demonstrar que, na sua oposição à obra, obtiveram a dupla maioria legal.

Todavia, a posição das partes nos articulados, poderá levar a que seja equacionada a natureza da construção em causa eventualmente não como acto de administração, de gestão normal da coisa, destinado à sua utilização normal e sem atingir a sua substância (sujeito ao critério da dupla maioria legal previsto nos artigos 985º e 1407º do CC, formada por quem deduz oposição à obra, ou, na impossibilidade de formação da maioria legal, a ser decidido com recurso à equidade, tudo de acordo com os números 1, 2 e 3 do referido artigo 1407º), mas sim como um acto que excede a gestão normal da coisa, que já constitui alteração à sua substância, para o que não será aplicável o artigo 1407º e já será exigível o consentimento unânime dos comproprietários (cfr P. Lima e A. Varela, CC anotado, volume III, página 363).

Foram alegados na petição inicial alguns factos (futuras dificuldades de circulação na garagem – e consequente prejuízo no uso da coisa – dificuldades de acesso a canalizações e instalações eléctricas), que são controvertidos, pois foram impugnados pelo réu; por seu lado, este alegou também factos, como a natureza amovível da construção e a existência de outros espaços da fracção que também foram vedados sem prejuízo para os restantes interessados.

Caso não seja demonstrado pelos autores que obtiveram a maioria segundo o duplo critério do referido artigo 1407º, todos estes factos, a provarem-se, poderão relevar para a apreciação da natureza da construção em causa, sendo, nesse caso, de ponderar a eventual necessidade de serem apurados, se necessário com recurso aos mecanismos do artigo 590º nº4 a 6, atendendo ainda ao artigo 596º, ambos do NCPC (artigos estes já aplicáveis aos autos por via do artigo 5º nº4 da Lei 41/2013 de 26/6), uma vez que tal apreciação faria parte do objecto do litígio e a sua demonstração integraria a enunciação dos temas de prova.

Acontece, porém que, na sequência do despacho que determinou a intervenção de todos os comproprietários (e que transitou em julgado), foram chamados a intervir nos autos os comproprietários da fracção, mas, dos factos provados verifica-se que nem todos os comproprietários foram chamados e citados.

Assim, desde logo não foi chamado nem citado o marido da autora GG…, o comproprietário G…, em nome de quem está registada a aquisição de 1/28 da fracção autónoma em causa e que deu autorização à construção do réu (pontos 11 e 24 dos factos provados).

Não foi chamada nem citada a comproprietária H…, em nome de quem está registada a aquisição de 2/28, tendo sido pedida e admitida a intervenção do seu cônjuge HH… (ponto 12 dos factos provados).

Não foram chamadas nem citadas as comproprietárias EE… e II, casadas no regime de comunhão geral de bens com os comproprietários E… e I… (pontos 7 e 13 dos factos provados e certidão de fls 10 e sgts).

A falta de citação destas partes, cuja intervenção foi determinada por despacho transitado em julgado constitui nulidade prevista nos artigos 194º a), 195º nº1 a), 197º a) e 202º do CPC antes das alterações introduzidas pela Lei 41/2013 de 26/6, a que correspondem os actuais artigos 187º a), 188º nº1 a), 190º a) e 196º.

Nos termos do artigo 197º a) (actual artigo 190º), a omissão em causa tem como consequência a anulação do processado posterior às citações, o que inclui a totalidade do despacho recorrido, só podendo haver lugar ao saneamento dos autos e à ponderação das questões acima enunciadas depois de efectuadas todas as citações em falta e atendendo aos eventuais articulados que estas partes possam vir a apresentar.
                                                         
DECISÃO.

Pelo exposto, decide-se anular o processado posterior às citações dos comproprietários, incluindo o despacho recorrido, que assim deverá ser substituído por convite aos autores para fazer intervir
nos autos os interessados acima referidos. 
                                                                  
Custas pela parte vencida a final.


Lisboa,2016-04-28                                                                           

                                                                    
Maria Teresa Pardal                                                                   
Carlos Marinho
Maria Manuela Gome
Decisão Texto Integral: