Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3106/18.6T9LSB.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/03/2019
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I- O vício de erro notório na apreciação da prova, bem como os demais enunciados no nº 2, do artigo 410º, do CPP, são vícios relativos à sentença, não tendo aplicação à decisão instrutória a que se reporta o artigo 307º, do mesmo Código;
II-E tal acontece porque dizem respeito à matéria de facto provada ou não provada, coisa que está ausente de uma decisão de instrução, a qual apenas pode concluir pela existência de matéria de facto suficientemente indiciada ou não indiciada, e que esses vícios têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência, o que naturalmente exclui o recurso a quaisquer elementos externos à decisão, ainda que constantes do processo;
III- Para a apreciação do recurso da decisão instrutória impõe-se a análise de todos os elementos indiciários constantes do processo, tanto os presentes no inquérito como os produzidos já na fase de instrução, para se concluir sobre a sua suficiência ou não com vista à prolação do despacho de pronúncia ou não pronúncia, respectivamente, pelo que, a crítica à decisão sobre a existência ou inexistência dos indícios não é admissível pela invocação do vício de erro notório na apreciação da prova tal como no nosso ordenamento jurídico se encontra configurado no nosso ordenamento jurídico, artº 410 nº 2 al. c) do CPP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão sumária, ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea b) do Código de Processo Penal revisto

I.
No processo de instrução n.º3106/18.6T9LSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa-juízo de Instrução Criminal de Lisboa-Juiz 2, a assistente AA.., devidamente identificada no autos, veio recorrer da decisão instrutória de folhas 180 a 183, relativamente ao arguido BB.., ali tendo sido decidido não pronunciar o arguido pela pratica de dois crimes de injúrias, p.p. cada um, pelo artº 181º nº 1 do C.P. por que vinha acusado na acusação particular que lhe era imputado pela assistente, ficando assim implicitamente extinto o presente procedimento criminal (vide fls. 180 a 183).
O arguido requereu a abertura da instrução atempadamente após a dedução da acusação particular pela assistente.
Inconformada então, com a decisão instrutória proferida nestes autos, através da qual o M. Juiz a quo decidiu não pronunciar o arguido BB.., pelos crimes constantes da acusação particular, determinando o arquivamento dos autos nesta parte, veio a assistente interpor recurso da mesma a folhas 188 e seguintes, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida, e em suma, apresentando as seguintes conclusões:
A) Existirem indícios suficientes da pratica pelo arguido dos dois crimes, p.p. pelo artº 181º nº 1 do Código Penal, bem como todos os seus elementos objectivos e subjectivos, face à prova contida nos autos;
B) Padecer a decisão instrutória do vicio do erro notório da apreciação da prova / artº 410 do CPP e  ter sido violado o artº 127 do m.m. diploma legal, pelo que o despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que pronuncie o arguido pela pratica de dois crimes de injúrias ambos p.p. pelo artº 181º nº 1 do CP
 O recurso foi admitido a folhas 202.
 O Digno Magistrado do Ministério Público, junto da primeira instância respondeu concluindo pela improcedência do recurso a folhas 206 e seguintes, em todas  as suas vertentes.
Neste Tribunal, a Digna Procuradora-Geral Adjunta teve vista dos autos e emitiu parecer no sentido da improcedência total do recurso, nos precisos temos exarados na 1ª instância, devendo manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Foi cumprido o artº 417º do CPP.
O arguido respondeu a folhas 219 secundando a resposta apresentada pelo MºPº
O processo seguiu os termos legais.
II.
Efectuado o exame preliminar foi considerado haver razões para a rejeição do recurso por manifesta improcedência (art.ºs 412.º, 414.º e e 420.º, n.º 1 do Código de Processo Penal) passando-se a proferir decisão sumária, ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea b) do Código de Processo Penal.        
A lei adjectiva instituiu a possibilidade de rejeição dos recursos em duas vertentes diversas, admitida que está, no nosso processo penal a cindibilidade do recurso, princípio acolhido nos arts. 403.º nº 1, 410.º n.º 1 e 412.º n.º 2:
1) Rejeição formal que se prende com a insatisfação dos requisitos prescritos no art. 412.º n.º 2;
2) Rejeição substantiva que ocorre quando é manifesta a improcedência do recurso.
A manifesta improcedência verifica-se quando, atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos tribunais superiores é patente a sem razão do recorrente.
 A figura da rejeição destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, com vista a obviar ao reconhecido pendor para o abuso de recursos.
Aliás anote-se que mesmo no Tribunal Constitucional, As “decisões sumárias”, proferidas nos termos do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, (na redacção da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro), vêm gradualmente assumindo maior relevância na jurisprudência do Tribunal Constitucional, no que respeita quer aos pressupostos do recurso de constitucionalidade quer a julgamentos de mérito quando é manifesta a falta de fundamento do recurso (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/).
A possibilidade de rejeição liminar, em caso de improcedência manifesta, tem em vista moralizar o uso do recurso (…) (Ac. STJ de 16 de Novembro de 2000, proc. n.º 2353-3; SASTJ, n.º 45, 61).
Em caso de rejeição do recurso, a decisão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão - art. 420.º, n.º 2 do C.P.Penal.
As questões suscitadas e a apreciar no presente recurso reconduzem-se às seguintes pretensões da assistente/recorrente:
A) Existirem indícios suficientes da pratica pelo arguido de dois crimes, p.p. pelo artº 181 nº 1 do Código Penal, bem como todos os seus elementos objectivos e subjectivos;
B)Deve a decisão instrutória ser substituída por outra que pronuncie o arguido pela sua prática existindo erro notório na apreciação da prova ( artº 410º do CPP) e tendo sido violado o artº 127 do CPP.

Vejamos então:
Remete-se na íntegra para o despacho recorrido, que consubstancia uma decisão instrutória, mais precisamente de não pronúncia, a qual se encontra junta a folhas 180 até 183, que se dá aqui por inteiramente reproduzida.

- Importa então descortinar se a matéria indiciária constante dos autos é de molde a fundar a prolação de despacho de pronúncia do arguido  BB relativamente aos 2 crimes p.p. pelo artº 181º nº 1 do CP (por a ele se circunscrever o presente recurso) e, consequentemente, para o prosseguimento do processo para julgamento com a pronuncia do arguido por estes crimes, conforme é pretensão da assistente.
Pretende assim a assistente e ora recorrente, contrariamente ao decidido no despacho recorrido, que se verifica a existência de suficientes indícios do cometimento pelo arguido dos crimes supra referidos ( artº181º nº 1 a do CP) que lhe foi imputado, donde que o despacho de não pronúncia,  deveria ser no sentido da pronúncia daquele, e consequentemente revogado neste sentido.
Decidindo, diremos:
O actual Código de Processo Penal, no seu n.º 2 do art.º 283.º considera "suficientes os indícios sempre que deles resultar a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança".
A definição do que deve entender-se por "suficientes indícios" contida neste preceito, bem como no art.º 308.° n°1 do código de Processo Penal, é idêntica à que, no âmbito do Código de Processo Penal de 1929 havia sido colhida pela Jurisprudência e pela Doutrina, que "por indícios suficientes entendem-se vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o arguido responsável por ele”.
No entanto, para a pronúncia, não é preciso uma certeza da existência da infracção, mas os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes, para que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade relevante do que lhe é imputado – vide os Ac. do S.T.J. de 01 /03/61, BMJ 105, 439; Ac. da Relação de Coimbra de 26/06/63, "J.R." 3º, 777; Ac. da Relação de Lisboa de 28/02/64, id., 1º, 117; Ac. da Relação do Porto, de 24/03/76, C.J., 1976, Tomo I, pag. 131 e Ac. da Relação de Coimbra de 31/03/93, C.J., 1993, Tomo II, pag. 65, Ac TRG de 3.05.2004.
Tendo presentes estas formulações jurisprudenciais e doutrinais, e analisando detalhadamente os presentes autos, da prova recolhida não se apuraram indícios suficientes que nos permitam concluir com uma certa dose de certeza que o arguido tenha tido a conduta perfilhada e querida pela assistente, e que dai lhe advenham as consequências queridas por esta.
No decurso da instrução, o Mmo Juiz a quo procedeu a todas as diligências que entendeu necessárias e que, diga-se culminaram com uma análise rigorosa e bem fundada da factualidade apurada nos presentes autos na perspectiva do direito penal.
Começamos por consignar que a decisão instrutória se apresenta quer no aspecto técnico, quer material, elaborada de forma exaustiva na avaliação dos indícios justificativos dos argumentos que articula, como na escolha da factualidade pertinente e possível para a decisão, e, por último, na leitura jurídica desses mesmos factos.
Logo, quer a selecção das provas indiciárias, quer a apreciação que delas é feita, bem como a respectiva ilacção e a sua subsunção jurídica, mostram-se porquanto desmerecedoras de reparo.
Antecipamos, pois, que a posição expressa na decisão instrutória é aquela que, indubitavelmente, no presente caso se impõe.
Adere-se à decisão de não pronúncia pelos mesmos fundamentos, nos mais amplos termos consentidos pelo artigo 425.º n.º 5 do Código de Processo Penal.
Dispensando-nos por isso de repetir a argumentação de avaliação de prova supra transcrita.
(vide aqui os, AC TRG de 15.02.2012 in www.dgsi.pt e AC TRE de 03.07.2012in,https://www.google.pt/url)
De facto no recurso da decisão instrutória de não pronúncia do que se trata, é precisamente de sindicar o juízo sobre as provas (indiciárias) efectuado pelo juiz de instrução, ou seja, de julgar o texto em confronto com, ou em conjunto com todos os indícios recolhidos na fase instrutória do processo (em sentido amplo de inquérito e instrução), para se decidir sobre a possibilidade de entre o mais existir uma probabilidade grande de condenação futura, exceptuando naturalmente os casos em que inexistam factos que possibilitem sequer, uma pronúncia de um qualquer crime. O actual Código de Processo Penal, no artº 283º, nº 2, considera “suficientes os indícios sempre que deles resultar a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”. O despacho de pronúncia terá que ser, assim, devidamente ponderado, pois a simples sujeição de uma pessoa a julgamento, mesmo que venha a ser absolvida, quase sempre lhe acarreta consequências gravosas.
Assim, deve ter-se presente a necessidade de evitar esses “incómodos” e, por isso, quer a doutrina quer a jurisprudência, tem entendido que indícios suficientes são aqueles onde a possibilidade de condenação seja mais forte que a absolvição (cfr. Figueiredo Dias, in Direito processual Penal, ed. 1974, pag. 133 e Ac. R.C., de 4.04.89, in BMJ, 386, pág. 528).
Esta decisão instrutória deve ser precedida por um juízo de prognose, devendo apenas ser remetidos para julgamento os casos em que seja manifesta uma futura decisão condenatória - cfr. Ac. Rel. Porto, de 20/10/93, CJ, TIV, pg.261. Como se diz no Ac. do S. T. J. in C.J., ano XVI, t.2, pg. 19: nas decisões "não devem constar factos inócuos..., nem factos que alterem a responsabilidade do arguido, se não constarem da acusação", mas, conforme reza no Ac. do S. T. J. de 03/04/91, proc. nº 41612, "a lei apenas exige a motivação ou fundamentação, no sentido de permitir ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz", ou ainda como refere Marques Ferreira, in Jornadas de Direito Processual Penal, 229-230: "os motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados, nem os meios de prova, mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido...".
E não, que se julgue o texto separado das provas, como por vezes amiúde acontece.
Em consequência, face aos indícios probatórios recolhidos quer em sede de inquérito quer em sede de instrução, não resulta dos autos uma possibilidade razoável de, ao arguido BB.. poder vir a ser aplicada uma pena, antes sendo fortemente provável que o mesmo viesse a ser absolvido, dos dois crimes atrás referido ( artº 181º nº 1 do CP), razão pela qual bem decidiu o Tribunal  “ a quo”.
Veja-se a este propósito, e seguindo a lição de Castanheira Neves, in Sumários de Processo Criminal (1967-68), Coimbra, 1968, página 39, 53 e 54, não deve defender-se para a acusação «a mesma exigência de prova e de convicção probatória, a mesma exigência de “verdade” requerida pelo julgamento final». «Deverá sim exigir-se aquele tão alto grau de probabilidade prática quanto possa oferecer a aplicação esgotante e exacta dos meios utilizáveis para o esclarecimento da situação – um tão alto grau de probabilidade que faça desaparecer a dúvida (ou logre impor uma convicção)».
Assim, para a suficiência dos indícios não deve bastar uma maior possibilidade de condenação do que de absolvição. Só uma forte ou alta possibilidade pode justificar a dedução da acusação ou a prolação do despacho de pronúncia. Não apenas por ser esta a solução que melhor se adapta à particular estrutura do processo penal, como também por ser a única que consegue a imprescindível harmonização entre o critério normativo presente no juízo de afirmação da suficiência dos indícios e as exigências do princípio da presunção de inocência do arguido.
Por todas estas razões, afirmar a suficiência dos indícios deve pressupor a formação de uma verdadeira convicção de probabilidade de futura condenação. Não logrando atingir essa convicção, o Ministério Público deve arquivar o inquérito e o juiz de instrução deve lavrar despacho de não pronúncia (vide, o conceito de indícios suficientes no processo penal português, Jorge Silveira, acessível in www.odireitoonline.com/o-conceito-de-indicios-suficientes)
Vide também a este propósito, neste sentido e sobre este tema, o AC do TRL de 16.11.2010 e AC TRC de 10.09.2008, ambos acessíveis em www.dgsi.pt
Assim, o que distingue fundamentalmente o juízo de probabilidade do juízo de certeza é a confiança que nele podemos depositar e não o grau de exigência que nele está pressuposta.
O juízo de probabilidade não dispensa o juízo de certeza porque, para condenar uma pessoa, o conceito de justiça num Estado de Direito exige que a convicção se forme com base na produção concentrada das provas numa audiência, com respeito pelos princípios da publicidade, do contraditório, da oralidade e da imediação.
Garantias essas que evidentemente não é possível satisfazer no final da fase preparatória.
Assim, “in casu” não pode deixar de se concluir pela inexistência de indícios fortes ou relevantes ou suficientes fortes do estrito ponto de vista jurídico também relativamente a um determinado crime, da prática, pelo arguido BB dos  dois crimes, p.p. pelo 181º nº 1 do C.P., pelo que, face ao estado dos autos, só pode confirmar-se o despacho recorrido, secundando o mesmo, no sentido da não submissão do arguido a julgamento, pois que se afigura prognosticável que, em tal sede, sempre viria a ser absolvido, conforme ali se deixa bem expresso.
Ora, tendo presente a referida disposição legal / artº 181º nº 1 do CP e os elencados elementos típicos, temos que aqueles apurados factos ínsitos nos autos, não são susceptíveis de configurar os apontados ilícitos, com a certeza necessária neste estádio dos autos.
Àquela posição e com aqueles fundamentos adere este Tribunal “ad quem” pelo que aqui se subscrevem os mesmos nos seus precisos termos – artigo 425.º n.º 5 ex vi artigo 400.º n.º 1 ambos do Código Penal.
Acresce ainda que tem sido entendimento dos tribunais superiores, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, que «um acórdão da Relação que confirma um despacho de não pronúncia da 1.ª instância é um acórdão absolutório» para os efeitos do preceituado na alínea d), do n.º1, do artigo 400.º, do Código Processo Penal (Acórdãos do S.T.J. de 11.10.2001, CJ, 2001, Tomo III, pág. 196; de 6.02.2002, Proc. nº3133/01-3ª e de 8.07.2003, Proc. n.º 2304/03 - 5.ª Secção).
Na formação da convicção do juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, referindo-se a relevância que têm para a formação da convicção do julgador «elementos intraduzíveis e subtis», que vão agitando o espírito de quem julga (no mesmo sentido Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, vol. III, pág. 211).                                        
E convém referir que tendo o juiz formado a sua convicção com provas não proibidas por lei prevalece a convicção que da prova teve, àquela que formulou o Recorrente.
Esta reveste-se naturalmente, de contornos, no caso, irrelevantes.
Neste contexto, e mesmo estando em causa “não a formação de uma convicção para além de toda a dúvida razoável sobre a existência de um facto e de quem foi o seu agente, mas apenas um juízo de probabilidade, em prognose, sobre se as provas reunidas, se mantidas quando confrontadas na audiência, fazem ou não supor a probabilidade da condenação” (Henriques Gaspar, As exigências da investigação no processo penal durante a fase de instrução, in Que futuro para o direito processo penal, 2009, p. 101), concluímos que bem decidiu o Tribunal “ a quo” ao não pronunciar o arguido “in casu”, conforme era pretensão da assistente.
A tal acresce, e seguindo de perto e transcrevendo o esclarecedor Ac do TRL de 31/10/2017 in www.dgsi.pt, que, como está já mais que estratificado, que o vicio contido no artº 410º  nº 2 do CPP, o do erro notório da apreciação da prova indiciado pela assistente é inoperante nesta fase processual. A tal respeito veja-se: - Como é sabido e como resulta expressis verbis do art.° 410°, n° 2, corpo, do CPP, os vícios nele referidos - entre os quais se conta o erro notório na apreciação da prova (cfr. a al. c) do mesmo preceito) - «têm de resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento» (Ac. do STJ de 19/12/1990 proferido no Proc. n° 41 327, apud MAIA GONÇALVES in Código de Processo Penal Anotado e comentado, 11° ed., 1999, p. 743).
Na verdade, «qualquer dos vícios constantes do art.° 410°, n° 2, do Código de Processo Penal tem de resultar do  texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência» (Ac. do STJ de 5/11/1997, proferido no Proc. n° 366/97). «As regras da experiência comum não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece e respeitam à apreciação de qualquer das hipóteses previstas no n° 2 do art.° 410°» (GERMANO MARQUES DA SILVA in Curso de Processo Penal, vol. III, 2° ed., 2000, p. 339).
Por outro lado, «erro notório na apreciação da prova é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta» (GERMANO MARQUES DA SILVA in Curso... cit., vol. cit., p. 341). É claro que - por se tratar de requisito comum a todos os vícios previstos nas diversas alíneas do cit. art.° 410°-2 do CPP -, «só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal» (Ac. do STJ de 15/4/1998 (in BMJ n° 476, p. 82), isto é, «quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos» - Ac. do STJ de 10/3/1999 proferido no Proc. n° 162/99 (apud MAIA GONÇALVES in Código de Processo Penal Anotado e comentado, 11 ed., 1999, pp. 744-745) -, ou seja, «quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum» - Ac. do STJ de 11/10/1995 (in BMJ n° 450, p. 110); Segundo o Ac. do STJ de 25/2/1999 (in BMJ n° 484, p. 288)
O vício de erro notório na apreciação da prova, bem como os demais enunciados no nº 2, do artigo 410º, do CPP, são vícios relativos à sentença, não tendo aplicação à decisão instrutória a que se reporta o artigo 307º, do mesmo Código vide  os AC TRL de 31/10/2017, Acs. da Relação do Porto de 15/02/2012, Proc. nº 918/10.2TAPVZ.P1 e de 18/04/2012, Proc. nº 4454/10.9TAVNG.P1; Ac. R. de Évora de 03/07/2012, Proc. nº 4016/08.0TDLSB.E1,  todos disponíveis em www.dgsi.pt.
E, assim é, porque dizem respeito à matéria de facto provada (e/ou não provada) o que inexiste numa decisão instrução, que apenas pode concluir pela existência de matéria de facto suficientemente indiciada ou não indiciada, o que se declara, acrescendo que esses vícios têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência, o que exclui o recurso a quaisquer elementos externos à decisão, ainda que constantes do processo, para a sua detecção e o certo é que a apreciação do recurso da decisão instrutória impõe a análise de todos os elementos indiciários constantes do processo, tanto os presentes no inquérito como os produzidos já na fase de instrução, para se concluir sobre a sua suficiência ou não com vista à prolação do despacho de pronúncia ou não pronúncia, respectivamente, pelo que a crítica à decisão sobre a existência ou inexistência dos indícios não é admissível pela invocação do vício de erro notório na apreciação da prova tal como no nosso ordenamento jurídico se encontra configurado, conforme anota Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal - Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, pág. 909.
E, que este é o entendimento consentâneo com a lei, extrai-se também de a verificação de qualquer dos vícios enunciados no artigo 410º ter como consequência (quando não for possível decidir da causa) o “reenvio do processo para novo julgamento”, nos termos dos artigos 426º e 426º-A, do Código de Processo Penal, o que pressupõe que os vícios tenham derivado de um julgamento anterior e não de diligências realizadas em fase de instrução que culmina numa decisão instrutória que reveste a forma de um despacho.
Improcede assim este invocado segmento do recurso.
Também quanto ao invocado vício da violação do artº 127º do CPP invocado pela recorrente, dir-se-á que e sinteticamente que se, esclarece no artigo 283º, nº 2, do mesmo diploma legal, que se consideram suficientes os indícios “sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”. Está em causa a apreciação de todos os elementos de prova produzidos no inquérito e na instrução e a respectiva integração e enquadramento jurídico, em ordem a aferir da sua suficiência ou não para fundamentar a sujeição a julgamento da arguida. Nessa aferição o tribunal aprecia a prova (indiciária, obviamente) segundo as regras da experiência e a sua livre convicção - artigo 127º, do CPP. Ora não nos parece que tal tenha acontecido de modo algum e que se tenha subvertido, do modo pretendido pela arguida o principio da livre apreciação da prova, o que declara sem considerar ser necessário aduzir aqui qualquer outro tipo de considerações (e veja-se aqui e no desenvolvimento deste entendimento, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 439/2002, de 23 de Outubro, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, considerou que “a interpretação normativa dos artigos citados (286º nº 1, 298º e 308º nº1, do CPP) que exclui o princípio in dubio pro reo da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia reduz desproporcionada e injustificadamente as garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência do arguido, previstas no art. 32º nº 2, da Constituição” – e no mesmo sentido da aplicação deste princípio em qualquer fase do processo, nomeadamente no inquérito e na instrução, se perfilam, entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 04/01/2006, Proc. nº 0513975 e de 22/10/2008, Proc. nº 0814910, bem como os desta Relação e Secção de 02/05/2006, Proc. nº 849/2006-5 e 16/11/2010, Proc. nº 3555/09.TDLSB.L1-5, todos consultáveis em www.dgsi.pt.), até porque regra geral tal principio da livre apreciação da prova e do in dúbio pro reo, funcionará sempre a favor do arguido e não contra ele….., pelo que não se entende bem aqui a pretensão da recorrente e tal à mingua de outros argumentos utilizados, o que se declara
Ora, tendo presente, como ficou referido, que o juízo que se exige em sede de pronúncia - probabilidade séria e razoável de condenação que deve resultar dos factos indiciários - o juízo formulado pelo tribunal a quo, sobre os indícios, foi correcto e criterioso, ponderando judiciosamente as provas produzidas em inquérito e na instrução, e por isso, para além do que ficou dito, o subscrevemos na sua fundamentação, entendendo também não haver indiciação suficiente da prática pelo arguido dos factos que lhe eram imputados no requerimento de abertura de instrução e que perfectibilizam a pratica de dois crimes p.p. pelo arº 181º nº 1 do CP.
Inexiste pois qualquer fundamento para alterar a decisão recorrida.
Julga-se assim manifestamente improcedente, e em todas as suas vertentes o recurso interposto pela assistente, o que se declara.
III.
1.º Pelo exposto rejeita-se em substância o recurso por manifestamente improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
2.º Custas, se devidas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s e demais encargos legais.
Lisboa, 3 de Abril de 2019 (elaborado em computador e integralmente revisto pela Juíza desembargadora signatária nos termos do disposto no artº 94º nº 2 do C.P.P.)

Filipa Costa Lourenço