Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2425/18.6T8CSC-D.L1-7
Relator: DIOGO RAVARA
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REGIME PROVISÓRIO
ALTERAÇÃO
GUARDA ALTERNADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a única diligência de prova obrigatória que precede a prolação de decisão provisória é a audição dos Pais da Criança – arts. 28º, nºs 3 e 4; 37º, nº 3; e 38º, nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível[1].
II- A alteração da decisão provisória proferida nos termos referidos em I- não tem, por isso, necessariamente, que ser precedida de diligências de prova, pelo que quando ocorra alteração em tais condições não se verifica qualquer nulidade nos termos do disposto no art. 195º, nº 1 do Código de Processo Civil, nem a decisão é nula nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do mesmo código.
III- Não padece de nulidade por falta de fundamentação [art. 615º, al. b) do CPC] o despacho que determina a alteração do regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais se da análise conjugada da decisão alterada e da decisão recorrida que os fundamentos daquela foram acolhidos nesta.
IV- Uma tal situação verifica-se, na medida em que o despacho que fixou o regime alterado pelo despacho recorrido apontava já como a solução adequada para a criança a residência alternada, estabelecendo etapas para a transição faseada entre a situação em que a criança se encontrava naquela altura, e a solução final pretendida (com intensificação gradual das visitas ao Pai e pernoitas em causa deste).
V- Não se afigura inadequado o estabelecimento, no âmbito de uma decisão provisória, de um regime de residência alternada relativamente a uma criança de cinco anos que mantém vinculação muito positiva e uma relação próxima com ambos os progenitores, ainda que estes tenham dificuldades de relacionamento e um deles resida em Lisboa e o outro no Estoril.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A [ J …….. ], titular do nº de identificação civil […], contribuinte fiscal nº […], intentou contra B [ Y …….] , titular do nº de identificação civil […], contribuinte fiscal nº […], um processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo à filha de ambos, C [ C ………], nascida em …-…-2014.
Tal processo corre termos no Juízo de Família de Cascais sob o nº 2425/18.6TBCSC-D.
No desenvolvimento desse processo, em …-…-2019 teve lugar uma conferência de pais, no decurso da qual foi proferido o seguinte despacho:
“Considerando o teor das declarações prestadas, toda a documentação junta aos autos, a promoção que antecede, ponderando o superior interesse da C e ao abrigo do disposto no art.° 28° do R.G.P.T.C., decide-se alterar o regime provisório fixado a 08 de Março de 2019 nos seguintes termos:
1- A C residirá alternadamente com cada um dos progenitores, iniciando-se tal alternância à sexta-feira com a recolha da criança no estabelecimento de ensino.
§ No período das férias escolares, a recolha far-se-á em casa do progenitor guardião pelas 18:00 horas de sexta-feira.
2- As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da C, serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
3- A C passará alternadamente com cada um dos progenitores os dias 25 e 31 de Dezembro e o dia 1 de Janeiro, em termos a acordar entre ambos.
a) No ano 2019, a C passará o dia 25 e o dia 31 de Dezembro com a mãe e o dia 1 de Janeiro com o pai, sendo entregue em casa do progenitor com quem passará o dia 25 de Dezembro e o dia 1 de Janeiro, pelas 11:30 horas desses dias.
4- No dia do aniversário da C, esta almoçará com um dos progenitores e jantará e pernoitará com o outro, alternadamente.
a) No ano de 2019, a C almoçará com a mãe e jantará e pernoitará com o pai, indo a mãe, para o efeito, entregá-la a casa do pai nesse dia pelas 17:30 horas.
5- A criança passará com o pai o dia de aniversário deste e o dia do pai e com a mãe o dia de aniversário desta e o dia da mãe.
6- A C passará alternadamente o domingo de Páscoa com cada um dos progenitores.
a) No ano de 2020, a C passará o domingo de Páscoa com a mãe.
7- As deslocações da C para fora do território nacional dependem da autorização de ambos os progenitores.
8- As despesas escolares, bem como as despesas médicas e medicamentosas que a C gerar, na parte não comparticipada por sistema de saúde ou seguro de saúde, serão comparticipadas na proporção de 50% por cada progenitor, mediante apresentação do respectivo comprovativo.
9- A C contactará diariamente com o progenitor não guardião por via telefónica, sendo tal contacto assegurado pelo progenitor guardião entre as 18:30 horas e as 19:00 horas.
10- Os progenitores comprometem-se a comunicar entre si todas as questões relevantes da vida do filho, designadamente as escolares e de saúde.”
Inconformada com tal decisão, veio a requerida dela interpor recurso, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
I. Advém o presente Recurso da Decisão do Tribunal a quo, de 29/05/2019 que decidiu alterar o Regime Provisório do Exercício das Responsabilidades Parentais, fixado em 08 de Março de 2019, em referência à menor C, nos seguintes termos:
"Considerando o teor das declarações prestadas, toda a documentação junta aos autos, a promoção que antecede, ponderando o superior interesse da C e ao abrigo do disposto no art.° 28° do R.G.P.T.C. (...):
1- A C residirá alternadamente com cada um dos progenitores, iniciando-se tal alternância á sexta-feira com a recolha da criança no estabelecimento de ensino. (...)”
II. Decisão contra a qual se insurge a ora Recorrente, porque necessariamente atentatória da defesa do superior interesse da menor. Pois, atendendo à gravidade e alcance da mesma - por sancionar o afastamento desta criança de 4 anos da sua Mãe - se impunha que a Ilustre Magistrada fizesse preceder tal Decisão de uma averiguação, ainda que sumária, sobre a situação que, provisoriamente, regulou, o que não se verificou.
III. A Decisão ora recorrida alicerçou-se, apenas, no Requerimento Inicial apresentado pelo Requerente Pai, nas Declarações dos Progenitores proferidas na Conferência de Pais, e nas declarações da Técnica da EMAT, sem que a Recorrente tivesse tido a oportunidade de se pronunciar e assim exercer contraditório quanto ao Requerimento Inicial apresentado pelo Pai, e quanto às declarações da Técnica;
IV. A relação entre Requerente e Requerida pautou-se sempre por um registo de violência, mercê das frequentes discussões provocadas pela prepotência do Requerente, situação que se agravou sobretudo com a gravidez da Requerida, tendo o Requerente agredido a mesma em finais de Outubro de 2014, quando se encontrava então grávida de quase 7 meses e em que, após mais uma discussão, lhe apertou o pescoço até a mesma ficar sem ar, insistindo então a Requerida para que fizessem terapia de casal, passando a ser acompanhados pela Dra. M ........
V. Em Novembro de 2017 e na sequência de mais uma agressão perpetrada pelo Requerente contra a Requerida na presença da filha - apertou-lhe novamente o pescoço - a Requerida decidiu pôr termo à relação conjugal, separando-se do Requerente, permanecendo contudo ambos a residir na casa de morada de família, enquanto a mesma se organizava económica e profissionalmente e tentava que o Requerente procurasse apoio psicológico. A partir de então ou seja desde finais de 2017 acordaram na separação e na alternância na prestação dos cuidados à C;
Em Maio de 2018, mantendo-se o regime de alternância dos cuidados e convívios dos progenitores com a menor acordado no final de 2017, a C começou a dizer à Mãe que "o Pai lhe mexia nas maminhas e no pipi", o que a Requerida desvalorizou pensando tratar-se de situações relacionadas com a higiene da menor, como o banho ou idas à casa de banho. Mas, no dia 16 de Junho de 2018, após a Mãe dar banho à C levou-a para o quarto para a vestir, tendo-se a C deitado na cama com os joelhos flectidos e as pernas abertas, e com as suas mãos puxou as cuecas para o lado e disse: " Mãe quer ver o pipi da C?" "O pai gosta de ver o pipi da C".
VI. O que forçou a saída da casa de morada de família da Requerida acompanhada pela filha, ocorrida em 30 de Junho de 2018, acolhendo-se, provisoriamente, em casa de seus Tios em … , do que deu conhecimento ao Requerente, passando posteriormente a residir em Lisboa com a C, na Rua ……… n°. …….. Lisboa, conforme informou depois o CAFAP, a EMAT e a Escola.
VII. Por indicação da sua anterior mandatária, a Requerida deslocou-se com a criança ao IML, onde a C foi submetida a um exame físico, lendo-se a título de conclusões do relatório pericial de natureza sexual a que a menor foi sujeita, que: "Após discussão do caso em apreço com psicólogos forenses que desempenham actividade pericial nesta delegação do INMLCF, foi decidido não efectuar perícia complementar de Psicologia Forense, uma vez que crianças com a idade da examinanda não apresentam capacidades maturativas (emocionais, intelectuais, sociais,) para perceber os motivos da perícia ou para fazer um relato do alegado abuso sexual. Não têm ainda capacidades de compreensão e expressão verbal, insight, juízo crítico e atenção concentração que lhes permita falar espontaneamente sobre o alegado abuso ou responder de modo intencional a perguntas, sejam estas abertas ou fechadas". Pelo que tal relatório pericial se limitou a concluir não ter sido observado lesões traumáticas no corpo da menor C.
VIII. No dia 2 de Julho de 2018 a Requerida deslocou-se então à CPCJ de Cascais, tendo as Técnicas da CPCJ participado a situação descrita à Equipa de Prevenção da Policia Judiciária que decidiu abrir um Inquérito para investigar as razões para os relatos anómalos da C que corre termos na 1.a Secção do DIAP de Cascais, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, sob o n.° de Processo 6670/18.6T9LSB, e que viria a ser arquivado por falta de provas, uma vez que a Requerida não indicou então quaisquer testemunhas,
E o que veio a determinar também o arquivamento dos Autos de Promoção de Protecção a estes Apensos, conforme a Acta da Conferencia de 18/02/2018, por: "neste momento não existir qualquer situação de perigo que justifique a manutenção deste Processo de Promoção e Protecção e, consequentemente, a aplicação de qualquer medida."
Sendo que a Polícia Judiciária optou por não proceder à inquirição da menor C, tendo em conta a sua idade, e considerando também o teor do relatório pericial supra referido.
IX. Na Avaliação Psicológica efectuada pela Prof. Doutora Z …, Psicóloga Perita em Avaliação Psicológica Forense no INMLCF.IP, avaliação psicológica à C solicitada por ambos os progenitores, em Setembro de 2018, ou seja meses após, foi concluído que: "O hiato de tempo que mediou a alegada verbalização da criança à mãe e a realização da avaliação psicológica (cerca de 3 meses) numa criança desta idade pode, naturalmente, condicionar a recuperação de informação autobiográfica." (sic)
X. Na sequência da Conferência de Pais de 18 de Fevereiro de 2019, e face ao referido arquivamento dos Autos de Promoção e Protecção, foi pelo Tribunal a quo fixado o Regime Provisório constante do douto Despacho de 08/03/2019 e que, malgrado as reservas manifestadas pela Mãe, a mesma sempre cumpriu escrupulosamente e ao mesmo não se opôs.
Tendo sido desde logo fixado um Regime de Convívios alargado da menor com o Pai, de quinta a segunda-feira, bem como à terça-feira desde o final das actividades lectivas até às 20h30, e ainda de quinta para sexta-feira na semana que antecede o fim-de-semana da Mãe;
Regime nos termos do qual o Pai esteve assim com a filha a partir do dia 12 de Março: 12 dias em Março, 16 dias em Abril, e 15 dias em Maio, o que configura já uma residência alternada!
XI. Mas, ainda assim e ao contrário da Mãe, ao longo destes quase três meses ocorreram contínuos incidentes e incumprimentos por parte do Pai ao Regime Provisório fixado em 8 de Março de 2019, sendo que a C revelou também alterações do seu comportamento. Incidentes e preocupações que a Mãe expressou na Conferência de Pais de 29/05/2019 e que a M. Juiz e a I. Procuradora do MP desvalorizaram por completo, antes optando por fixar o Regime de que se recorre.
XII. Lê-se que no Despacho de 08/03/2019 que fixou o Regime Provisório destinado a vigor até à Conferência de Pais fixada para 29/05/2019, que: "Ora, na situação em apreço importa desde já sublinhar que, considerando o teor da documentação junta ao apenso B - despacho de arquivamento do inquérito crime que pendia contra o pai da C, a avaliação psicológica da criança, os relatórios do CAFAP e da EMAT -, o teor das declarações prestadas pela Sr.a Técnica da EMAT e pelos progenitores e citando a Sr.a Procuradora "A residência alternada será a solução que melhor defenderá os interesses desta criança."
XIII. De acordo com a Acta da referida diligencia, foram as Declarações prestadas pela referida Técnica - documento n.° 1 - que determinaram não só o arquivamento dos Autos de Promoção e de Protecção - Apenso B - como a prolação do Regime em Recurso;
A Requerida não teve conhecimento do teor destas declarações a não ser após ter-lhe sido entregue cópia da gravação da diligência de 18/02/2019, uma vez que a referida técnica foi ouvida no início da diligência e sem a presença dos progenitores, não lhe tendo sido assim possível exercer o devido contraditório, quanto ao seu teor que se impugna frontalmente.
Remata as suas conclusões nos seguintes termos: “(…) deve ser concedido provimento ao Recurso e revogada a Decisão recorrida e mantido o Regime Provisório de 08/03/2019 (…).”
O recorrido apresentou contra-alegações, que sintetizou nas seguintes conclusões:
1. São falsas todas e quaisquer afirmações feitas pela Recorrente relativamente a episódios de violência doméstica do Recorrido sobre si.
2. Como são falsas as afirmações e suspeitas levantadas pela Recorrente quanto a situações de possível abuso sexual do Pai na pessoa da Filha.
3. Todas as suspeitas levantadas pelo Recorrente foram devidamente investigadas, tendo-se concluído nos autos não existirem quaisquer indícios de uma possível situação de abuso sexual por parte do Recorrido.
4. Tais conclusões resultam, entre outros, dos relatórios juntos aos autos de PPP pelas equipas da EMAT e do CAFAP e pelo relatório de avaliação psicológica da Prof. Doutora Z ……. .
5. Acresce que, o processo-crime que corria termos com vista a investigação destes factos foi arquivado, tendo esse despacho transitado em julgado.
6. Os presentes autos não podem ser desassociados do Apenso B (Processo de Promoção e Protecção) e, por isso, as presentes contra-alegações de recurso têm que ser instruídas com todo o Apenso B.
7. As suspeitas e fundamentação da Recorrente, que continua a alegar uma possível situação de abuso sexual, são incompatíveis com o peticionado pela mesma em sede de recurso, ou seja, que volta a ser aplicado o regime provisório de 08 de Março de 2019, nos termos do qual a C estava com o Pai de quinta a segunda-feira.
8. Com efeito, a ser verdade que a Recorrente desconfia de uma possível situação de abuso, o único pedido compatível com tal crença seria que os contactos com o Pai apenas pudessem ocorrer com supervisão.
9. Uma vez que se o Recorrido, no entender da Recorrente, pode abusar da Menor na semana que lhe compete, certamente que esse perigo não é afastado se só puder estar com a filha nos fins-de-semana.
10. O pedido formulado pela Recorrente, de substituição do regime de semanas alternadas pelo regime de fins-de-semana alternados, só por si, revela que a Recorrente não está (nem nunca esteve) preocupada com qualquer possibilidade de a Filha ser abusada sexualmente pelo Pai, mas sim com a possibilidade de ver fixado um regime que permita amplas oportunidades de convívio entre o Pai e a Filha.
11. Ao contrário do referido pela Recorrente, o Tribunal a quo procedeu a todas as diligências de prova que se mostravam adequadas e muniu-se de todos os elementos e informações necessários à boa decisão da causa.
12. Conforme referido, na decisão de 08 de Março de 2019, em que foi estipulado o regime provisório que a Recorrente pretende voltar a ver aplicado, como na decisão de 29 de Maio de 2019, o Tribunal a quo estava na posse e considerou (como expressamente indicou), os relatórios da EMAT e do CAFAP, a avaliação psicológica feita à C, os requerimentos e documentos juntos pelas Partes, as declarações feitas pelas Partes nas diversas conferências realizadas no PPP e no RRP, as declarações prestadas pela Senhora Técnica da EMAT.
13. O Tribunal a quo tinha a possibilidade de, a qualquer momento, fixar um regime provisório nos autos. Era essa até a sua obrigação. O que fez.
14. Reiterando-se que se encontrava na posse de elementos probatórios mais do que suficientes para a fixação de tal regime.
15. A Recorrente parte de um erro de raciocínio lógico, como se o Tribunal, para estipular um regime que promovesse amplos contactos com ambos os Progenitores tivesse que continuar indefinidamente a produzir prova relativamente a uma hipotética presunção de preferência maternal, o que não existe.
16. Em momento algum foi violado o direito ao contraditório da Recorrente.
17. Ao longo de todo o processo (RRP e PPP), a Recorrente foi notificada das decisões, teve ao acesso a todos os relatórios da EMAT e do CAFAP, teve acesso à avaliação psicológica feita à Menor, teve acesso às actas das diversas conferências que foram realizadas, de onde constavam as declarações da Senhora Técnica da EMAT.
18. Antes da fixação do regime provisório, a Recorrente foi convidada pelo Tribunal para se pronunciar novamente quanto ao regime provisório que viria a ser aplicado.
19. O que fez.
20. A Recorrente conformou-se com despacho de 08 de Março de 2019, não tendo recorrido do mesmo, que transitou em julgado.
21. Não se compreende que venha agora, a reboque de um recurso da decisão proferida em 29 de Maio de 2019 manifestar a sua discordância quantos aos factos que, logo nessa sede, haviam sido dados como provados.
22. A decisão de 29 de Maio de 2019 não padece de qualquer vício de fundamentação.
23. A compreensão da mesma não pode ser desassociada da decisão proferida em 08 de Março de 2019, sendo que a decisão de 29 de Maio é, apenas, uma concretização da que antecede.
24. Das decisões proferidas (08 de Março e 29 de Maio) é perceptível a fundamentação da decisão final que estipulou a residência alternada da C.
25. Sendo que, do despacho de 08 de Março, constam, inclusive, os factos que o Tribunal a quo entendeu como provados.
26. Mais, o Tribunal a quo, remete de forma clara e inequívoca para os elementos probatórios considerados no momento de decidir: - requerimentos das partes; - declarações das partes prestadas presencialmente perante a Exma. Juíza do Tribunal a quo - promoções do MP; - relatórios da EMAT e do CAFAP; - informações relativas ao processo-crime; - avaliação psicológica à C; - declarações da Senhora Técnica da EMAT.
27. Em todo o momento a Recorrente conheceu os elementos de prova considerados e, quanto aos mesmos, pôde exercer contraditório.
28. Para o cumprimento do dever de fundamentação da decisão, não se impunha que o Tribunal a quo transcrevesse os elementos probatórios para as decisões de 08 de Março de 29 de Maio.
29. E, quanto à análise crítica e análise da prova produzida, não se pode afirmar que o Tribunal a quo não o tenha feito logo no despacho de 08 de Março de 2019.
30. Não se verifica qualquer violação do Superior Interesse da Menor, sendo que este é garantido quando se promove que a C possa ter um Pai presente na sua vida.
31. Decidiu bem o Tribunal a quo na fixação de um regime de semanas alternadas, quando resulta claramente da prova produzida nos autos que, quer o Pai, quer a Mãe, são figuras de referência da Menor.
32. Com efeito, dos relatórios juntos pela EMAT e pelo CAFAP, é evidente esta vinculação da C com a figura paterna e a necessidade que a Menor tinha de voltar a conviver de forma mais próxima com o Pai.
33. Acresce que, da prova produzida, além de resultar claro que o Pai é uma figura de referência para a C tão ou mais importante que a Mãe, resulta, ainda, que, numa situação em que se tivesse que optar por uma guarda única, a C deveria ficar entregue à guarda e cuidados do Pai (Cfr. Relatórios da EMAT e do CAFAP juntos aos autos de PPP).
34. Nenhum dos argumentos esgrimidos pela Recorrente obstaculiza à fixação de um regime de residências alternadas.
35. Como referido, a Recorrente não é figura de referência da Menor.
36. A distância entre a casa da Recorrente e a casa do Recorrido não é significativa, sendo cerca de 30 Kms que, num dia normal, de carro, serão percorridos em cerca de 35 minutos.
37. Quer a residência do Pai, quer a residência da Mãe, situam-se na Área da Grande Lisboa, sendo as vias de acesso diversas e incluindo os itinerários vias rápidas.
38. Ao contrário do alegado pela Recorrente, a C não é uma Criança de tenra idade.
39. A C tem praticamente 5 (cinco) anos de idade, não se encontrando demonstrados quaisquer factos que permitam concluir que a fixação de um regime de residências alternadas irá desestabilizar a Menor.
40. Mais, o conflito existente entre os Pais, alegado pela Recorrente, só por si, não obstaculiza a fixação pelo Tribunal a quo de um regime de residências alternadas, ficando necessariamente por demonstrar em que medida concreta seriam os Superiores Interesses da C prejudicados.
41. Finalmente, o regime de residências alternadas, no caso concreto, salvaguarda os Superiores Interesses da C, promove a atenuação do conflito e reúne o consenso de todos os intervenientes no processo à excepção da Recorrente (por motivos óbvios).
42. Com efeito, quer as Senhoras Técnicas que acompanharam o processo, como o Ministério Público, foram peremptórios na promoção deste regime como salvaguarda e protecção da C.
O Ministério Público contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
1- Os fundamentos da decisão proferida encontram-se clara e suficientemente expostos, não padecendo o regime provisório sub judice de qualquer nulidade, insuficiência, erro ou contradição tendo sido proferido de acordo com as normas legais vigentes e aplicáveis in casu e, em especial atendendo ao bem-estar da C que se encontra espelhado nos autos.
Remata afirmando que “(…) entende o Ministério Público dever ser negado provimento ao recurso e em consequência, ser mantida a douta decisão recorrida (…)”.
O recurso foi admitido, tendo a Mmª Juíza a quo sustentado a decisão recorrida, no que respeita às nulidades invocadas, nos seguintes termos:
“O despacho sob recurso não padece, na perspectiva da signatária, de qualquer nulidade.”
Recebido o processo neste Tribunal, colheram-se os vistos.
2. Questões a decidir
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[1]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do CPC).
Não obstante, a este Tribunal está vedado apreciar questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[2].
No caso em análise, considerando o teor das alegações de recurso apresentadas pela recorrente, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
a) Se o processo enferma de nulidade decorrente da omissão de diligências de prova e da preterição do direito ao contraditório – Conclusões XV, XVI e XXV.
b) Se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação e /ou omissão ou excesso de pronúncia - Conclusões XV, XVIII e XXV;
c) Se deve ser implementado um regime provisório de residência alternada, passando a C a residir, em semanas alternadas, com cada um dos progenitores ou se deve manter-se o regime provisório anteriormente fixado, mantendo-se a C a residir em casa da Mãe, e visitando o pai em fins-de-semana alternados – Conclusões XIX a XXIV.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
3. Questões prévias
3.1. Das nulidades do processo
3.1.1. Da omissão de diligências de prova
Sustentou a recorrente que o regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à C não poderia ter sido alterado nos termos em que o foi pela decisão recorrida sem que o Tribunal tivesse previamente determinado a realização de uma perícia psicológica/psiquiátrica aos progenitores, bem como a avaliação psicológica da C, e que não o tendo feito, tal configura nulidade do processo, nos termos previstos no art. 195º do CPC – conclusões XV e XXV.
No entender da recorrente deveria o Tribunal ter-se pronunciado quanto à realização de tais diligências “em sede de conferência de pais”, e que a omissão das mesmas diligências e de qualquer decisão quanto às mesmas influiu na boa decisão da causa, já que foi alterado o regime provisório do exercício das responsabilidades parentais sem que o Tribunal dispusesse dos referidos elementos de apoio à decisão.
Estabelece o art. 195º, nº 1 do CPC que não se verificando os casos previstos nos números anteriores[3], “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
No caso vertente é manifesto que a lei não prevê especificamente que a omissão das diligências referidas pela recorrente, constitua nulidade processual, pelo que só poderá estar em causa uma nulidade secundária.
Assim, serão requisitos da verificação de uma tal nulidade:
- a prática de ato que a lei não permita, ou a omissão de ato ou formalidade que a lei imponha;
- que tal ato ou omissão influa no exame ou decisão da causa
A este propósito haverá que recordar que em regra o meio processual adequado à invocação de nulidades processuais não é o recurso para o tribunal da Relação, mas a arguição de nulidades perante o Tribunal recorrido[4].
Não obstante, caso a nulidade se revele por efeito de uma decisão recorrível, então o meio próprio para a impugnar será o recurso.
Com efeito, já em 1945 ensinava ALBERTO DOS REIS[5]:
“a arguição de nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente.
Eis o que a jurisprudência consagrou nos postulados: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.
É fácil justificar esta construção. Desde que um despacho tenha mandado praticar determinado acto, por exemplo, se porventura a lei não admite a prática dêsse acto é fora de dúvida que a infracção cometida foi efeito do despacho; por outras palavras, estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei do processo. Portanto a reacção contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou; ora o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (...)”.
Na mesma linha se pronunciou MANUEL DE ANDRADE[6]: “(...) se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se»”.
Também ANTUNES VARELA[7] dizia: “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”.
Finalmente argumentou ANSELMO DE CASTRO[8]: “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora o meio idóneo para atacar impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (…), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz (art. 666.º)”.
É este também o entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores [neste sentido, cfr., por todos, ac. RL 09-05-2019 (Isoleta Almeida Costa), p. 8764/16.3T8LSB.L1-8].
No caso em apreço, não pode considerar-se que a nulidade invocada se revelou com a prolação da decisão recorrida, na medida em que da decisão de 08-03-2019 resultava já, de forma clara, que o Tribunal recorrido não configurava a realização de quaisquer diligências como condição prévia para a reavaliação do regime provisório de exercício das responsabilidades parentais relativas à C, com eventual aplicação do regime da residência alternada.
Na verdade, na fundamentação da decisão de 08-03-2019 o Tribunal a quo refere expressamente que considera que “a residência alternada será a solução que melhor defende os interesses” da C, e afirma a necessidade de “iniciar um processo de mudança” que culmine naquele objetivo, “processo esse que naturalmente será célere”. Acresce que na parte final da mesma decisão se agenda a conclusão da conferência de Pais para o dia 21-05-2019, ou seja, para cerca de dois meses e meio depois, período temporal claramente incompatível com a realização de quaisquer diligências condicionadoras da decisão a proferir nesta nova conferência.
Nesta conformidade, a nulidade em apreço deveria ter sido invocada no prazo de 10 dias contado da data em que a recorrente foi notificada da decisão de 08-03-2019.
Tendo a recorrente sido notificada desta decisão na mesma data (vd. refª 118176054), e considerando que a nulidade em questão apenas foi invocada no presente recurso, que foi interposto em 14-06-2019, forçoso é concluir pela intempestividade da arguição da nulidade em questão.
Mas ainda que assim não fosse, sempre concluiríamos no mesmo sentido, na medida em que como veremos, não estamos perante diligência imposta pela lei reguladora da tramitação desta forma de processo.
3.1.2. Da preclusão do direito ao contraditório
Sustentou a recorrente que “dos autos apenas consta a factualidade vertida na PI apresentada pelo Pai, não tendo sido exercido o contraditório por parte da Mãe” – vd. p. 30 da motivação de recurso, e conclusões XVI e XXV.
Muito embora a recorrente não seja particularmente clara no sentido de daí retirar a invocação expressa de uma qualquer nulidade processual, o certo é que a doutrina e a jurisprudência têm enfatizado que a preterição do direito ao contraditório é suscetível de gerar nulidade processual, se influir no exame ou decisão da causa, nos termos previstos no art. 195º, nº 1 do CPC.
Contudo, tal nulidade teria que ter sido invocada no prazo de 10 dias, contado da data em que a recorrente teve conhecimento da preterição do contraditório que agora invoca.
Ora, a recorrente tomou conhecimento destas circunstâncias pelo menos na data em que foi proferida a decisão provisória de 08-03-2019 pelo que, como se expôs no ponto que antecede, à data da interposição do presente recurso, aquele prazo se mostrava há muito precludido.
Termos em que se considera prejudicada a apreciação desta nulidade.
No entanto, ainda que assim não fosse, sempre concluiríamos que não se verifica a nulidade apontada, na medida em que como adiante se exporá, a única diligência instrutória prevista no RGPTC e que deve ter lugar antes da prolação de decisões provisórias é a audição dos Pais, sendo certo que a recorrente foi ouvida e nesse âmbito teve oportunidade de exercer o direito ao contraditório.
3.2. Das nulidades da decisão recorrida
Entende a recorrente que a decisão recorrida é nula, invocando para tal dois fundamentos: a falta de fundamentação, e a omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, als. b) e d) do CPC).
A falta de fundamentação, resulta, no seu entender, das circunstâncias de a decisão recorrida não indicar os fundamentos de facto em que se baseia a decisão, nem proceder à análise crítica das provas (conclusões XVIII e XXV).
A omissão de pronúncia decorre da circunstância de o Tribunal recorrido não ter tomado posição acerca da necessidade de levar a cabo perícia psicológica/psiquiátrica aos pais, bem como avaliação psicológica à C (conclusões XV e XXV).
Vejamos, então.
3.2.1. Da nulidade por falta de fundamentação
Nos termos do disposto no artigo 615º, nº1, alínea b) do CPC, a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Tal vício emerge, pois da violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no art. 208º, nº 1 da Constituição da República, e no art. 154º, do CPC.
Dispõe o nº 1 deste preceito que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
E acrescenta o nº 2 que “a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
Esta disposição que o dever de fundamentação das decisões judiciais conhece diferentes graus, consoante o tipo de decisão a proferir e a sua complexidade.
O grau máximo da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais é representado pela sentença em ação contestada (art. 607º, nºs 3 e 4 do CPC), sendo a lei processual menos exigente, por exemplo, no caso das ações não contestadas (vd. art. 567º, nº 3 do CPC), nas decisões relativas aos incidentes da instância e procedimentos cautelares (arts. 295º e 365º, nº 2 do mesmo Código[9]), e nos despachos interlocutórios em que não tenha sido deduzida oposição e a questão a proferir seja manifestamente simples (art. 154º, n.º 2 do CPC).
Aqui chegados, cumpre então aferir em que consiste o dever de fundamentação das decisões judiciais consagrado no art. 154º do CPC quanto a decisão visada revista a natureza de sentença, entendida esta como “o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa” – art. 152º, nº 2 do CPC.
No caso vertente, a decisão recorrida foi proferida no âmbito de uma providência tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, que o RGPTC qualifica como processo especial (vd. art. 3º, al. c) e epígrafe do Capítulo III).
Sobre a decisão final a proferir nesta forma de processo especial apenas rege, de modo expresso, o art. 40º do RGPTC, que qualifica tal decisão como sentença. Tal norma dispõe sobre o conteúdo da decisão, mas não sobre a sua estrutura ou forma.
Por sua vez, nem as disposições gerais constantes dos arts. 1º a 11º, nem as disposições processuais comuns constantes dos arts. 12º a 33º do mesmo diploma consagram regras especiais em matéria de fundamentação das decisões a proferir no âmbito dos processos tutelares cíveis, pelo que quanto às sentenças a proferir no âmbito destes processos rege o art. 607º do CPC, aplicável ex vi do art. 33º, nº 2 do RGPTC, sem prejuízo das adaptações decorrentes da natureza de processos de jurisdição voluntária de que estes manifestamente se revestem.
Quanto aos processos de jurisdição voluntária, o art. 986º, nº 2 do CPC consagra um princípio de livre investigação dos factos e de obtenção oficiosa de provas, e no art. 987º consagra a regra de que no julgamento o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, antes deve adotar “em cada caso a solução que junte mais conveniente e oportuna”. Tal critério decisório reflete-se, obviamente, na densificação do dever de fundamentação da sentença.
Seja como for, é de considerar que a generalidade das decisões judiciais previstas no RGPTC que se destinam a regular as situações jurídicas que constituem o objeto dos processos tutelares cíveis se sujeitam aos normativos que regem a fundamentação da sentença, a saber, os nºs 3 e 4 do art. 607º do CPC.
A primeira destas normas esclarece que por fundamentos da sentença devemos entender os factos que o Tribunal considera provados e não provados, e as razões de Direito decorrentes da indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes; sendo certo que tratando-se no caso vertente de um processo de jurisdição voluntária, o conceito de Direito aplicável é mais amplo, visto que o julgador não está sujeito a critérios de estrita legalidade, antes deve buscar a solução mais adequada ao caso (art. 987º do CPC, ex vi do art. 12º do RGPTC).
No caso vertente, a decisão recorrida não constitui a decisão final do processo, mas antes uma decisão provisória.
As decisões provisórias mostram-se reguladas no art. 28º do RGPTC, o qual se insere no capítulo II daquele diploma, o qual contém disposições comuns, bem como no art. 38º, que se enquadra no capítulo III, e tem por epígrafe processos especiais, mais precisamente na secção I que regula o procedimento tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
O referido art. 28º tem por sugestiva epígrafe decisões provisórias e cautelares, sugerindo assim que as decisões provisórias têm natureza cautelar.
A prolação de decisões provisórias é, nos termos do nº 1 do art. 28º do RGPTC apresentada como uma faculdade inserida no âmbito dos poderes de atuação oficiosa do Tribunal[10]; contudo, do disposto no art. 38º do RGPTC decorre que no contexto do procedimento tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, tal decisão é obrigatória, devendo ser proferida na conferência de pais quando ambos os progenitores compareçam, e não cheguem a acordo que seja homologado[11].
Seja como for, cremos que a decisão em apreço tem natureza cautelar, embora sui generis, na medida em que se processa nos próprios autos e a sua tramitação é a que resulta das disposições que a consagram, pelo que não está sujeita às normas do CPC que regem os procedimentos cautelares.
Não obstante, por interpretação extensiva ou analogia com o disposto no art. 295º do CPC, aplicável ex vi do art. 365º, nº 3 entendemos que às decisões provisórias em apreço se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 607º do CPC.
Tal significa que, no que diz respeito à sua fundamentação, as decisões provisórias previstas no RGPTC devem observar as regras consagradas nos nºs 3, 4 e 5 do art. 607º do CPC, embora as referidas adaptações necessárias confiram natureza sumária e por isso necessariamente sucinta e simplificada a esta fundamentação.
Assim, cremos que a fundamentação das decisões provisórias a proferir nos termos do disposto no art. 38º do RGPTC se basta com a indicação sucinta:
- dos factos relevantes para a prolação da decisão;
- dos meios de prova que sustentam tais factos (ainda que referidos de forma global ou por remissão);
- das razões de direito que sustentam a decisão.
No caso vertente, como já referimos, a decisão recorrida tem o seguinte teor:
“Considerando o teor das declarações prestadas, toda a documentação junta aos autos, a promoção que antecede, ponderando o superior interesse da C e ao abrigo do disposto no art.° 28° do R.G.P.T.C., decide-se alterar o regime provisório fixado a 08 de Março de 2019 nos seguintes termos:
1- (…)”
Uma leitura superficial desta decisão levar-nos-ia a considerar que a mesma não cumpre as exigências de fundamentação acima delineadas.
Contudo, a verdade é que a mesma tem que ser entendida à luz da promoção que a antecedeu e do regime provisório que alterou.
A promoção que antecedeu a prolação da decisão recorrida tem o seguinte teor:
“O Ministério Público, na esteira do anteriormente promovido, entende que o regime de residência que melhor defende os interesses da C é o da residência alternada semanal, com troca no equipamento escolar às sextas-feiras.
Que nas férias de verão, a C goze um período seguido de quinze dias com cada um dos progenitores, fixando-se entre as 19:00 e as 20:00 horas diariamente que a mesma contacte telefonicamente com o progenitor não guardião.”
Por seu turno, a decisão provisória que a decisão recorrida veio alterar e substituir, proferida em 08-03-2019 (refª 118087335) tem o seguinte teor:
“(…)
***
Os presentes autos são de jurisdição voluntária (cfr. art. 12° do RGPTC), com isso se significando que nas providências a tomar o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, e podendo o Tribunal investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, só sendo admissíveis as provas que o juiz considere necessárias (como decorre dos arts. 986°, n° 2 e 987°, ambos do Código de Processo Civil).
Por seu turno, resulta do art. 28°, n° 1, do RGPTC que em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o Tribunal pode decidir, provisoriamente, questões que devam ser apreciadas a final. Podendo mesmo ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo.
Assim e face ao exposto pode o Tribunal fixar um regime provisório e bem assim alterar um regime provisório previamente fixado, sempre que o julgue conveniente ou necessário à salvaguarda do superior interesse da criança ou crianças cujo exercício das responsabilidades parentais importe regular.
*
Previamente à presente decisão foi dada oportunidade aos pais para se pronunciarem sobre o regime provisório a fixar nos autos, o que ambos os progenitores fizeram.
*
O Ministério Público teve vista nos autos e promoveu a fixação de regime provisório nos termos que constam da respectiva promoção, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, pugnando pela fixação de um regime, a vigorar nos próximos dois meses, nos termos do qual a criança fique a residir com a mãe, passando fins de semana alternados com o pai de 5a a 2a feira, acrescidos de pernoita de 3a para 4a feira na semana que antecede o fim de semana da mãe.
*
Das declarações prestadas pelos progenitores e dos documentos juntos aos autos, resultam provados os seguintes factos, com interesse para a decisão provisória:
1 - C nasceu a … de … de 2014 e é filha de J ……. e de Y …….
2 - Os progenitores estão separados desde … de … de 2019, altura em que a progenitora saiu de casa, consigo levando a C.
3 - Na sequência de uma alegada situação de abuso sexual perpetrada pelo progenitor na pessoa da C e sinalizada pela progenitora junto da CPCJ, o progenitor deixou de ter contactos com a C.
4 - Proposto processo judicial de promoção e protecção, a EMAT efectuou visitas supervisionadas do pai à criança, com reuniões na escola e mediação aos pais.
5 - Submetida a avaliação psicológica com o acordo de ambos os progenitores, foi elaborado relatório que se encontra junto a fls. 35 e segs do apenso B, onde se pode ler, além do mais, que:
“7.1. Os dados da avaliação psicológica sugerem que a C apresenta uma trajetória desenvolvimental normativa nos principais marcadores do desenvolvimento infantil e um funcionamento psicológico globalmente adaptativo.
7.2. A criança não revela, durante a avaliação direcionada obtenção de informação sobre a alegação de abuso, qualquer situação que possa enquadrar-se num comportamento sexualmente abusivo e, simultaneamente, não se identificaram, a partir da avaliação psicológica, sinais e sintomas clinicamente significativos e sugestivos da vivência de situações potencialmente traumáticas, ainda que seja difícil estabelecer nexos de causalidade entre acontecimentos e a emergência de sintomatologia específica. A criança parece ter uma representação muito positiva e securizante, em termos afetivos, quer da mãe, quer do pai”.
6 - Os contactos entre a C e o pai têm ocorrido, às segundas feiras, no CAFAP, às 4aas feiras com recolha no estabelecimento de ensino e entrega em casa da mãe e aos fins de semana, de 15 em 15 dias, com recolha em casa da mãe pelas i6h30 e entrega pelas 19hoo.
7 - Os contactos da C com o pai no CAFAP decorrem de forma tranquila, mostrando-se o pai muito atencioso, envolvendo-se nas brincadeiras da criança e mantém uma postura participativa e adequada, sempre focado no momento e na filha.
8 - A C não apresenta qualquer tipo de resistência ou desconforto com a presença do pai.
9 - No fim da visita, a C demora sempre algum tempo a sair da sala, pois quer continuar a brincar com o pai.
10 - A C demonstra ter com o pai uma ligação afectiva forte, positiva e constante.
11 - Relativamente à C, o pai demostra-se adequado, afectuoso e conhecedor das características e interesses da filha.
12 - A C apresenta-se como uma criança vinculada a ambos os progenitores.
*
Em conformidade com disposto no art° 40º, n°1, do RGPTC o exercício das responsabilidades parentais será regulado de harmonia com os interesses da criança.
De igual forma, o art° 1906°, n° 7, do Código Civil estabelece que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse da criança.
Importa, assim, definir, a título provisório, ao abrigo do disposto no art° 28º do RGPTC, o regime que se afigura mais favorável e adequado a uma vivência saudável, estável e feliz por parte da C.
Ora, na situação em apreço importa desde já sublinhar que, considerando o teor da documentação junta ao apenso B - despacho de arquivamento do inquérito crime que pendia contra o pai da C, a avaliação psicológica da criança, os relatórios do CAFAP e da EMAT -, o teor das declarações prestadas pela Sra Técnica da EMAT e pelos progenitores e citando a Srª Procuradora “A residência alternada será a solução que melhor defenderá os interesses desta criança”.
Contudo, e como também bem refere a Srª Procuradora, necessário se torna iniciar um processo de mudança e, dizemos nós, mais do que de reaproximação - porque resulta manifesto nos autos que a C e o progenitor têm uma forte ligação afectiva, positiva e constante -, de alteração das rotinas da criança, processo esse que, naturalmente, será célere, considerando a adequação do progenitor e que não mais será que uma etapa para o objectivo final - a residência alternada.
Assim e face ao exposto, julgo que satisfaz o superior interesse da criança fixar, por ora, o regime que infra se consignará.
*
Nos termos dos supra citados preceitos legais e do disposto no art. 28 do RGPTC, considero conveniente para acautelar os interesses de C fixar até à próxima conferência de pais, o seguinte regime provisório quanto ao exercício das responsabilidades parentais, ficando os pais obrigados ao seu integral cumprimento, sob pena de serem ordenadas as diligências necessárias à sua execução efectiva.
***
REGIME PROVISÓRIO SOBRE O EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES
PARENTAIS:

As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança serão exercidas em conjunto e de comum acordo por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer um dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

A criança ficará a residir à guarda e cuidados da mãe.

a) A criança estará com o pai fins de semana alternados, considerando-se fim de semana o período compreendido entre o final das actividades escolares de quinta-feira e o início das actividades escolares de segunda-feira, devendo o pai, para o efeito, ir buscar a criança ao equipamento de infância na quinta-feira, aí a entregando na segunda-feira.
b) Na semana que antecede o fim de semana da mãe, o progenitor estará com a C de quinta para sexta feira, indo buscá-la e levá-la ao equipamento de infância.
c) A C passará todas as tardes de 3a feira com o pai, indo este, para o efeito, buscá-la ao equipamento de infância no final das actividades lectivas e entregando-a em casa da mãe, após o jantar, pelas 20h30.

Nas férias escolares de Páscoa, a C passará metade do respectivo período com cada um dos progenitores, mediante calendarização a acordar entre ambos.
§Em caso de falta de acordo entre os progenitores no que concerne à escolha do período de férias, caberá à mãe a escolha nos anos pares e ao pai nos anos impares.

A C passará a sexta-feira santa com um progenitor e o Domingo de Páscoa com o outro, com o outro, alternando-se no ano seguinte.
§Em caso de falta de acordo entre os progenitores caberá à mãe a escolha nos anos pares e ao pai nos anos impares.

Nos dias de aniversários dos pais e nos dias do Pai e da Mãe, a criança passará o dia com o respectivo progenitor, com pernoita, sem prejuízo das suas actividades lectivas e períodos de descanso.

No dia de aniversário da criança, esta tomará uma das principais refeições com cada um dos progenitores, sem prejuízo das suas actividades lectivas e períodos de descanso.

As deslocações da criança ao estrangeiro dependem da autorização de ambos os progenitores.

O pai pagará, a título de alimentos devidos à criança a quantia mensal de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), a entregar à mãe através de transferência bancária a realizar até ao dia 8 de cada mês, para NIB da titularidade da mãe.
10°
As despesas de educação e de saúde, na parte não comparticipada, serão suportadas por ambos os progenitores, na proporção de metade para cada um, mediante apresentação de comprovativo pelo progenitor que as realizar no prazo de 15 dias, sendo o reembolso feito em igual prazo.
11°
As despesas com as actividades extracurriculares da criança serão, igualmente, suportadas, na proporção de 50% por cada progenitor, desde que acordadas entre ambos.
Notifique com a advertência que o presente regime deve ser cumprido de imediato, independentemente de requerimentos ou recursos das partes, já que a eventuais recursos será atribuído efeito devolutivo nos termos legais.
Mais se determina que o primeiro fim de semana da C com o pai, ocorrerá entre os dias 14 e 18 de Março, sem prejuízo do contacto às terças feiras, que se iniciará no dia 12 de Março.
Para continuação da conferência de pais, designa-se o dia 21 de Maio de 2019, pelas 09h45.
Notifique.”.
Da leitura desta decisão resulta de forma clara que a mesma contém:
- um elenco de 12 factos provados, sendo que na fundamentação da mesma decisão se refere mais um, da maior importância: que foi proferido despacho de arquivamento nos autos de inquérito em que o requerido era arguido, ao qual se reporta o ponto 3- daquele elenco de factos provados.
- a indicação, ainda que genérica, dos meios de prova que motivaram a decisão sobre matéria de facto, considerando também a natureza cautelar da decisão e consequentemente, a natureza indiciária da prova – vd. parágrafo que antecede o elenco de factos acima referido, onde se mencionam as declarações prestadas pelos progenitores e os documentos juntos aos autos – bem como, mais adiante, após o elenco de factos provados, a referência ao “teor da documentação junta ao apenso B – despacho de arquivamento do inquérito crime que pendia contra o pai da C, a avaliação psicológica da criança, os relatórios da CAFAP e da EMAT – o teor das declarações prestadas pela Srª Técnica da EMAT e pelos progenitores (…)“ ; e
- a indicação dos fundamentos jurídicos da mesma decisão, com expressa invocação dos arts. 40º, nº 1 do RGPTC; 1906º, nº 7 do CC, e 28º do RGPTC e explicação das demais razões que no entender da Mmª Juíza a quo justificavam aquela decisão.
Por outro lado, na fundamentação jurídica desta decisão de 08-03-2019 a Mmª Juíza a quo sustentara o entendimento de que se deveria proceder, de forma gradual, à intensificação do regime de visitas da C ao Pai, passando de um regime inicial particularmente restritivo, que não contemplava quaisquer pernoitas, para um regime com visitas alargadas e pernoitas em fins-de-semana alternados, consagrado naquela decisão, e apontando já a residência alternada como o próximo passo desse processo.
Tal é o que se retira do seguinte trecho:
«Ora, na situação em apreço importa desde já sublinhar que, considerando o teor da documentação junta ao apenso B – despacho de arquivamento do inquérito crime que pendia contra o pai da C, a avaliação psicológica da criança, os relatórios do CAFAP e da EMAT -, o teor das declarações prestadas pela Srª Técnica da EMAT e pelos progenitores e citando a Srª Procuradora “A residência alternada será a solução que melhor defenderá os interesses desta criança”.
Contudo, e como também refere a Srª Procuradora, necessário se torna iniciar um processo de mudança e, dizemos nós, mais do que de reaproximação – porque resulta manifesto dos autos que a C e o progenitor têm forte ligação afetiva, positiva e constante -, de alteração das rotinas da criança, processo esse que, naturalmente, será célere, considerando a adequação do progenitor e que não mais será que uma etapa para o objetivo final – a residência alternada.».
E mais adiante consigna-se na mesma decisão, que o regime provisório ali estabelecido deverá vigorar “até à próxima conferência”.
Dos citados trechos decorre, pois, de forma clara, que da decisão de 08-03-2019 resultava já a intenção do Tribunal no sentido de, muito brevemente, aplicar o regime da residência alternada.
Por outro lado, consignando-se que o regime ali fixado vigoraria até à conferência de pais agendada para 21-05-2019, tal indiciava também, de forma evidente, que a menos que factos supervenientes desaconselhassem a implementação do regime da residência alternada, sendo esta apresentada como o objetivo final, seria, com toda a probabilidade decretada na conferência de pais de 21-05-2019.
É, portanto, neste contexto que devemos interpretar a decisão recorrida, proferida na audiência de pais de 21-05-2019.
Esse mesmo contexto permite-nos compreender que a fundamentação da decisão recorrida não se limita ao trecho já citado, que antecede o regime provisório estabelecido, mas engloba toda a fundamentação de facto e de direito da decisão de 08-03-2019.
Um tal acervo de fundamentação respeita de forma inequívoca, as exigências legais em matéria de fundamentação das decisões provisórias proferidas nos termos do art. 38º do RGPTC, entendidas nos termos já expostos.
Nesta conformidade, concluímos que a decisão recorrida não enferma da nulidade a que se reporta o art. 615º, nº 1, al. b) do CPC.
3.2.2.2. Da omissão de pronúncia
A recorrente sustentou igualmente que a decisão recorrida enferma do vício de omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC) – conclusões XV e XXV.
Nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
Esta nulidade configura, no fundo, uma violação do disposto no artigo 608º, nº 2, do mesmo Código, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Neste contexto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Conforme já ensinava ALBERTO DOS REIS[12], “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado.
Dito de outro modo: esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções e não quando apenas se verifica a mera omissão da ponderação das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas. Com efeito, a questão a decidir não reside na argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim nas concretas controvérsias centrais a dirimir.
Do supra exposto flui que não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam para sustentar a procedência ou improcedência da ação. Nas palavras precisas de MANUEL TOMÉ SOARES GOMES[13] “(…) já não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito.”
Pode, pois, concluir-se que não há omissão de pronúncia quando a matéria tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada, competindo ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes. O juiz não tem que analisar todos os argumentos invocados pelas partes, embora se ache vinculado a apreciar todas as questões que devem ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente.
Assim, incumbe ao juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente deve conhecer, mas não tem que se pronunciar sobre os pedidos e questões cujo conhecimento esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outros/as (art. 608º, nº 2, do CPC).
O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui. Por isso, não ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra.
No caso dos autos, entende a recorrente que a decisão recorrida padece da mencionada nulidade porque na conferência de pais (cremos que se reporta àquela que teve lugar em 29-05-2019, na qual foi proferida a decisão recorrida) o Tribunal recorrido não se pronunciou acerca da necessidade de se proceder, previamente a “perícia psicológica / psiquiátrica dos progenitores”, bem como a “avaliação psicológica da C, solicitada ao Hospital de S. Francisco Xavier”.
Parece-nos que a recorrente confunde a eventual nulidade decorrente da omissão de decisão acerca destas diligências de prova com a nulidade da decisão provisória ora recorrida.
Na verdade, uma eventual necessidade de obter tais meios de prova sempre se situaria a montante da decisão provisória sobre o exercício das responsabilidades parentais e/ou sua alteração.
O objeto desta decisão é a definição, a título provisório, do regime do exercício das responsabilidades parentais, e não a definição das diligências de prova que permitam habilitar o julgador a proferir tal decisão.
Por isso, a apontada omissão só poderia dar azo a uma nulidade do processo, nos termos do disposto no art. 195º, nº 1 do CPC, e não a uma nulidade daquela decisão provisória.
Termos em que, sem necessidade de quaisquer outras considerações, se conclui que a decisão recorrida não enferma da nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC.
4. Os factos
1. C nasceu a … de … de 2014 e é filha de J …… e de Y…… .
2. Os progenitores estão separados desde 30 de junho de 2019, altura em que a progenitora saiu de casa, consigo levando a C.
3. Na sequência de uma alegada situação de abuso sexual perpetrada pelo progenitor na pessoa da C e sinalizada pela progenitora junto da CPCJ, o progenitor deixou de ter contactos com a C.
4. Proposto processo judicial de promoção e protecção, a EMAT efetuou visitas supervisionadas do pai à criança, com reuniões na escola e mediação aos pais.
5. Submetida a avaliação psicológica com o acordo de ambos os progenitores, foi elaborado relatório que se encontra junto a fls. 35 e segs. do apenso B, onde se pode ler, além do mais, que:
“7.1. Os dados da avaliação psicológica sugerem que a C apresenta uma trajetória desenvolvimental normativa nos principais marcadores do desenvolvimento infantil e um funcionamento psicológico globalmente adaptativo.
7.2. A criança não revela, durante a avaliação direcionada obtenção de informação sobre a alegação de abuso, qualquer situação que possa enquadrar-se num comportamento sexualmente abusivo e, simultaneamente, não se identificaram, a partir da avaliação psicológica, sinais e sintomas clinicamente significativos e sugestivos da vivência de situações potencialmente traumáticas, ainda que seja difícil estabelecer nexos de causalidade entre acontecimentos e a emergência de sintomatologia específica. A criança parece ter uma representação muito positiva e securizante, em termos afetivos, quer da mãe, quer do pai”.
6. Os contactos entre a C e o pai ocorreram às segundas feiras, no CAFAP, às 4aas feiras com recolha no estabelecimento de ensino e entrega em casa da mãe e aos fins de semana, de 15 em 15 dias, com recolha em casa da mãe pelas 16h30 e entrega pelas 19h00.
7. Os contactos da C com o pai no CAFAP decorreram de forma tranquila, mostrando-se o pai muito atencioso, envolvendo-se nas brincadeiras da criança e mantém uma postura participativa e adequada, sempre focado no momento e na filha.
8. A C não apresentou qualquer tipo de resistência ou desconforto com a presença do pai.
9. No fim da visita, a C demorou sempre algum tempo a sair da sala, pois queria continuar a brincar com o pai.
10. A C demonstra ter com o pai uma ligação afectiva forte, positiva e constante.
11. Relativamente à C, o pai demostra-se adequado, afectuoso e conhecedor das características e interesses da filha.
12. A C apresenta-se como uma criança vinculada a ambos os progenitores.
Os autos revelam ainda os seguintes factos[14]:
13. Nos autos de inquérito crime instaurado para apuramento da situação referida em 3- foi determinado “o arquivamento dos autos, quanto ao crime de abuso sexual, ao abrigo do art.º 277º, nº 2 CPP (…)”.
14. A recorrente reside na Rua …, n.º … , Lisboa
15. O recorrido reside na Av … , nº … , Estoril.
16. No ano letivo de 2018-2019 a C frequentou o Equipamento educativo … .
17. Os progenitores da C têm comunicado sobretudo por escrito.
18. Os progenitores da C não estão de acordo quanto a uma eventual mudança de escola da C.
5. Os factos e o Direito
5.1. Generalidades
Estabelece o art. 1877º do CC que “os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação”.
Por seu turno estipula o art. 1878º, nº 1 do mesmo Código que “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.
No Direito português, a maioridade atinge-se aos 18 anos de idade (art. 130º do CC) o que significa que o conceito legal de “menor” enunciado no CC coincide inteiramente com o conceito legal de criança constante da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança[15], a qual, no seu art. 1º dispõe que “criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo”.
Num contexto em que a criança reside com ambos os progenitores, as responsabilidades parentais a ela relativas são exercidas por ambos, e de comum acordo, salvo se surgir dissídio relativamente a questões de particular importância, caso em que qualquer deles poderá requerer ao Tribunal que decida - art. 1901º do CC, aplicável às situações em que os progenitores não são casados, mas vivem em união de facto ex vi do art. 1911º, do CC.
Quando se verifica a rutura da vida em comum dos progenitores da criança torna-se necessário regular os termos em que as responsabilidades parentais devem ser exercidas visto que, cessada aquela coabitação, será difícil aos mesmos acordar diariamente na melhor forma de zelar pelos cuidados de que a criança necessita e decidir sobre as questões a ela inerentes. Nesse caso, não logrando os progenitores chegar a acordo, o regime do exercício das responsabilidades parentais deve ser fixado pelo Tribunal – art. 1906º do CC, aplicável aos casos em que os progenitores nunca foram casados entre si ex vi do art. 1912º do mesmo código.
O meio processual adequado ao estabelecimento de tal regime é a providência tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, prevista no art. 3º, al. c) do RGPTC e regulada nos arts. 34º e segs. do mesmo diploma.
Tal processo inicia-se com a apresentação em juízo do requerimento inicial, após o que tem lugar a conferência de pais, a que já aludimos.
Como também já referimos, o presente recurso foi interposto do despacho que, alterou o regime provisório de exercício das responsabilidades parentais, que havia sido fixado nos termos previstos no art. 38º do RGPTC, isto é, porque na conferência de Pais, estes não lograram fixar tal regime de forma consensual.
Trata-se de um regime que deverá vigorar até ao trânsito em julgado da decisão final (podendo, contudo, ser alterado ou revogado por nova decisão provisória), e que, como refere o art. 28º, nº 1 do RGPTC, deve “decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final”.
Sobre o que deva apreciar-se na decisão final, alude o art. 40º, nº 1 do RGPTC, que dispõe que “na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é decidido de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa, ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela“.
Por seu turno, estabelece o nº 2 do mesmo artigo que “é estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança (…)”.
Finalmente, releva ainda o disposto no nº 8 do mesmo preceito, o qual dispõe que “quando for caso disso a sentença pode determinar que o exercício das responsabilidades parentais relativamente a questões de particular importância na vida do filho caiba em exclusivo a um dos progenitores”.
Esta norma confere relevância processual ao princípio consagrado no art. 1906º, nº 2 do CC[16], que dispõe que “quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.”
Dos preceitos citados decorre, pois, que as questões nucleares a decidir no âmbito da providência tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais são as respeitantes, ao exercício das responsabilidades parentais respeitantes às questões de particular importância, à residência da criança, e às visitas. Poderá ainda relevar a questão dos alimentos ou se se preferir, de uma forma mais ampla, a repartição dos encargos financeiros relativos à criança.
Pedra de toque e critério norteador das decisões a proferir neste âmbito é o conceito de superior interesse da criança.
Este conceito, mencionado em inúmeras disposições legais, e acolhido no art. 3º da Convenção, não tem definição legal. Trata-se de um conceito indeterminado, a preencher de acordo com as circunstâncias de cada caso.
Como bem referiu o Tribunal da Relação de Guimarães, refletindo acerca deste conceito e da sua interconexão com o sentido último das responsabilidades parentais, “O interesse da criança é um conceito jurídico indeterminado optando o legislador por um conceito desta natureza por entender que uma norma legal não pode jamais apreender o fenómeno familiar na sua infinita variedade e imensa complexidade.
Para o equilibrado desenvolvimento psico-afectivo dos filhos de pais separados ou divorciados, é indispensável uma boa imagem de cada um dos pais e ela não é possível – ou é muito difícil – se não mantiverem entre os dois uma relação correcta, serena, respeitosa, leal e colaborante, pelo menos na qualidade de progenitores.
É por isso que se fala em “responsabilidades parentais” entendidas estas como o “conjunto de poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar moral e material do filho, designadamente tomando conta da pessoa deste, mantendo relações pessoais com ele, assegurando a sua educação, o seu sustento, a sua representação legal e a administração dos seus bens” (Princípio 1.º do Anexo à Recomendação n.º R (84) sobre as Responsabilidades Parentais adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 28 de Fevereiro de 1984).
Na exposição de motivos desta recomendação, é especialmente referido que “o objectivo (…) é convidar as legislações nacionais a considerarem os menores já não como sujeitos protegidos pelo Direito, mas como titulares de direitos juridicamente reconhecidos (…) a tónica é colocada no desenvolvimento da personalidade da criança e no seu bem-estar material e moral, numa situação jurídica de plena igualdade entre os pais (…) exercendo os progenitores esses poderes para desempenharem deveres no interesse do filho e não em virtude de uma autoridade que lhes seria conferida no seu próprio interesse” (§ 3.º e 6.º da exposição de motivos).
Assim, o conteúdo das responsabilidades parentais é composto por um conjunto de direitos dirigidos à realização da personalidade dos pais, um conjunto de direitos e deveres irrenunciáveis, inalienáveis e originários, mediante os quais os pais assumem a responsabilidade dos filhos.
As responsabilidades parentais definem-se, assim, como poderes funcionais cujo exercício é obrigatório ou condicionado, acentuando-se a funcionalização dos direitos dos pais aos interesses dos filhos, consistindo, assim, não apenas no conjunto de direitos e obrigações, mas também nos cuidados quotidianos a ter com a saúde, a segurança, a educação e a formação da criança, através dos quais esta se desenvolve intelectual e emocionalmente” - RG 02-11-2017 (Eugénia Cunha), proc. 996/16.0T8BCL-C.G.
Finalmente, e a título de considerações introdutórias, cumpre salientar que ao estabelecer um regime provisório, não pode o Tribunal almejar a obtenção da situação ideal, mas tão só alcançar a definição de um regime simples, que assegure a estabilidade da situação de vida da criança, para vigorar num espaço de tempo tão curto quanto possível, até à decisão final da causa.
Esta decisão provisória está forçosamente limitada pela circunstância de no momento em que a profere o processo se encontrar ainda numa fase inicial da sua tramitação, não dispondo o Tribunal de todos os factos e pareceres técnicos que o habilitem a definir o regime “definitivo”.
Aliás muitas vezes tal decisão é proferida em momentos em que aqueles factos são controvertidos e em que um dos progenitores ainda não teve oportunidade de alegar todos os factos e circunstâncias que entende relevantes para a decisão final.
É, pois, neste contexto que cumpre apreciar a decisão recorrida.
5.2. Da residência alternada
No tocante à residência da criança, dispõe o nº 1 do art. 40º do RGPTC que “O exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos, a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela”.
O critério decisório dos interesses da criança a que alude este preceito acha-se plasmado no nº 5 do art. 1906º do CC, aplicável ao caso dos autos ex vi do art. 1912º, nº 1 do mesmo Código: “O Tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com os interesses deste, tendo em atenção as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.
Como salienta RICARDO MATOS[17], do confronto entre estes dois preceitos ressalta a circunstância de a norma processual ser mais clara do que a substantiva na admissão expressa de um regime de residência alternada, na medida em que se reporta à possibilidade de a criança ser confiada “a ambos” os progenitores, “aí se fixando a residência” da criança.
Esta menor definição da lei substantiva terá estado na origem da Petição “em prol da presunção jurídica da residência alternada para crianças de pais e mães separados ou divorciados” apresentada à Assembleia da República e à qual foi atribuído o n.º 530/XIII/3ª[18], que veio a ser debatida na sessão pela Assembleia da República em 15-11-2019[19], motivou uma iniciativa legislativa entretanto caducada[20], e de acordo com notícias recentes, conduziu à apresentação de outras no mesmo sentido[21].
Seja como for, o critério legal previsto no art. 1906º, nº 1 do CC deve ser aplicado tendo presente o princípio constitucional da igualdade dos progenitores no exercício dos deveres de educação dos filhos e do direito a manter com os mesmos uma relação estreita e próxima, decorrentes dos arts. 36º e 68º da Constituição da República Portuguesa.
Nesta medida estatui o nº 7 do art. 1906º do CC que “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas possibilidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles” (acentuado e itálico nossos).
É à luz destes preceitos e princípios que cumpre apreciar a questão de saber se no caso dos autos deve ser aplicada a solução da residência alternada.
Trata-se, porém, de um conceito que a lei não define, mas que, de uma forma simples, podemos definir como o modelo de organização da vida da criança de acordo com o qual esta reside alternadamente com um/a e outro/a dos progenitores, em períodos que abrangem também os dias de semana.
Como explicam ALEXANDRA ANCIÃES e RUTE AGULHAS[22], “Por residência alternada entende-se uma partilha tendencialmente equitativa do tempo com ambos os pais, sendo que essa partilha não tem de ser 50/50 ou semanal.” Na verdade - acrescentam as mesmas autoras - “Não temos de dividir o tempo com um cronómetro! Há situações em que tal não se afigura viável. Uma divisão de tempo que permita que a criança passe, pelo menos, 35% do tempo com um dos pais, é já considerada muito equitativa.”
Como é sabido, tradicionalmente, os filhos de pais separados eram entregues à guarda e cuidados de um dos progenitores, que na maioria dos casos era a mãe, sendo atribuídos direitos de visita ao outro progenitor, habitualmente metade dos fins-de-semana; procurando igualmente repartir-se entre os progenitores o tempo das férias escolares, e consagrar visitas nos dias do Pai e da Mãe, e nos aniversários da criança e de cada um dos progenitores.
Porém, como refere SOFIA MARINHO[23], “O regime da residência materna e contacto e sustento paternos transpôs para as famílias pós divórcio / separação a naturalização da referenciação dos papeis sociais, dos comportamentos parentais e da identidade de cada sexo a funções diferenciadas segundo estereótipos de género, na reprodução, na vida familiar, no mercado de trabalho e na vida pública em geral (…). Foi legitimado, portanto, no modelo de homem ganha-pão e de mulher cuidadora, consignado socialmente às famílias nucleares, durante o século XX e responsável pelo confinamento da mulher à esfera doméstica e elo afastamento do pai dos quotidianos familiares e da educação dos filhos”.
Por outro lado sublinham ALEXANDRA ANSIÃES E RUTE AGULHAS[24] que “estudos realçam que é na primeira infância que as crianças estabelecem essa relação de vinculação, pedra basilar do seu desenvolvimento. “Para que esta se estabeleça é fundamental que ocorram interações continuadas e regulares entre a criança e os cuidadores. Estas podem ocorrer em diversos contextos de cuidados, por e.g., mudar uma fralda ou dar o leite, ou de brincadeira e lazer. O principal é que as interações ocorram e sejam marcadas pela sensibilidade e responsividade dos cuidadores: mãe ou pai.
Se, tradicionalmente, a mãe está associada ao papel cuidador, atualmente o pai está mais investido nos cuidados e educação da criança e, tal como a mãe, o pai aprende e constrói a sua parentalidade. Estudos apontam que os pais podem ser cuidadores sensíveis dos seus filhos e que as crianças estabelecem relações seguras, quer com as mães, quer com os pais nos primeiros anos de vida.
É nesta fase do desenvolvimento infantil mais sensível e crucial para que esta relação de vinculação possa ser estabelecida. E para que a vinculação possa ser segura, é fundamental que a criança se sinta amada, protegida e cuidada, permitindo-lhe criar laços que, de uma forma gradual, irão potenciar também a capacidade em explorar o seu meio envolvente e socializar. Ora, para que estes vínculos possam ser estabelecidos é imprescindível um convívio regular e extenso com estas figuras de referência”.
Este convívio regular e extenso corresponde ao tempo da vida quotidiana da criança. Na realidade, uma relação entre a criança e um dos progenitores que se desenvolve sobretudo em períodos temporais mais curtos, e que tendem a corresponder a momentos de descanso e lazer, como são os fins-de-semana e as férias escolares.
Por isso acrescentam as mesmas autoras que “não bastam meras visitas ou convívios, uma vez que estes não serão suficientes para que haja um adequado envolvimento parental”[25].
Ou como sublinha MARIA PERQUILHAS[26], “O regime de visitas que costumava fixar-se não se revela adequado à manutenção de relações familiares estruturadas e profundas. Não permite a vivência do dia-a-dia da criança por parte do progenitor não residente, que fica impedido de participar no quotidiano do filho. É com e no quotidiano, que implica um sem número de tomada de decisões, de partilhas, de atos cúmplices muitas vezes irrepetíveis, experiências pessoais, crescimento físico e emocional, processo educativo e social, que as relações se mantêm, fortalecem, solidificam e se criam laços próprios da família.”
Também PEDRO RAPOSO DE FIGUEIREDO salienta a necessidade de pensar a questão da residência alternada no contexto dos mais recentes estudos científicos no âmbito da psicologia, da pedopsiquiatria, e da sociologia. Refere este autor:
“pondo em crise a tradicional ideia da preferência maternal para crianças de tenra idade, RICHARD WASHARK, Professor de Psiquiatria Clínica na Universidade de Texas, nos Estados Unidos da América, publicou um relatório subscrito por 110 especialistas de reconhecida craveira na área, onde se conclui que as crianças de idades mais novas (bebés com menos de 4 anos) precisam de pernoitas com ambos os progenitores numa situação de separação[27].
Num comunicado do mesmo autor pode ler-se: “[pesquisas aceites dos últimos 45 anos, opõem-se à ideia de que as crianças abaixo dos 4 anos (ou dos 6), precisam de passar o seu tempo exclusivamente com um progenitor e que não conseguem aceitar estar longe desse progenitor, mesmo recebendo afeto e carinho do outro. Proibições ou avisos que impeçam as crianças e bebés de passarem a noite ao cuidado do seu pai são inconsistentes com o nosso atual conhecimento do desenvolvimento da criança“. (...) Os bebés e crianças precisam de progenitores que respondam consistente, afetiva e sensitivamente às suas necessidades. Não necessitam, e a maioria não tem, um progenitor a full-time de presença constante. Muitas mães casadas e que são hospedeiras de bordo, doutoras e enfermeiras, trabalham em turnos noturnos que as mantêm longe das suas crianças e bebés durante a noite. Tal como estas mães casadas, as mães solteiras não precisam de se preocupar em deixar os seus filhos aos cuidados dos seus pais ou avós durante o dia ou noite”[28].
As mais promissoras investigações sobre a residência alternada vêm, porém, de um país Europeu, a Suécia, onde o Centre for CHESS — Health Equity Studies tem publicado vários artigos sobre a temática da residência alternada, com dados muito significativos.
De uma forma geral, estes estudos têm demonstrado que as crianças que não convivem habitualmente com um dos progenitores têm mais problemas psicossomáticos do que as crianças que vivem em famílias nucleares.
No entanto, as crianças em residência alternada, em análise longitudinal, apresentam melhor saúde psicossomática do que as crianças que apenas convivem com um dos progenitores. Assim, as crianças em residência alternada, em comparação com as crianças em residência única, têm um maior nível de satisfação geral, mostram melhores resultados quanto aos fatores psicológicos (v.g., menos depressões), têm melhor relacionamento com ambos os progenitores e estão mais satisfeitas com a sua situação escolar, sendo que os casos de bullying têm aqui menor expressão numérica do que nas situações de crianças com residência única[29].
Numa investigação em que foram medidos o bem-estar subjetivo das chanças, a qualidade familiar e a relação com os pares (para uma amostra do 1 (>4.580 crianças entre os 12 e 15 anos), os resultados obtidos demonstraram que as crianças em famílias nucleares apresentavam resultados elevados, resultados médios em residência alternada e resultados baixos em residência única[30].
Num outro estudo[31], com uma amostra de 1.297 crianças entre os 4 e 1H anos, 10% das quais em situação de residência alternada (dados de 2011), leram observados baixos problemas emocionais e de comportamento, designadamente, entre pares, nas crianças em famílias nucleares. Para os critérios referidos, as crianças em situação de residência alternada apresentavam resultados médios, tendo sido obtidos resultados elevados para crianças em residência única. No mesmo estudo, foram também observados os progenitores e as conclusões apontaram no mesmo sentido, com maior satisfação com a saúde, a situação social e económica em famílias com crianças em situação de residência alternada do que em residência única. Nos indicadores relativos a sintomas psicossomáticos e doenças das crianças, em indivíduos entre os 12 e 15 anos, mais uma vez as residências únicas apresentaram os piores resultados[32].
Num artigo muito recente, com uma amostra de 5.000 crianças entre os 10 o os 18 anos, foram encontradas as mesmas relações quanto ao modelo de residência quando avaliadas as condições económicas e materiais, as relações sociais entre progenitores e entre pares, saúde, comportamentos, condições de trabalho, segurança na escola e na comunidade e ainda atividades culturais e de lazer[33].
Surpreendente é, também, um estudo que conclui que as crianças em situação de residência alternada apresentam menores níveis de stress do que as crianças em residência única, contrariando perceções que muitos profissionais da área da infância e juventude vinham manifestando sobre esta matéria[34].
Vários estudos demonstram, finalmente, uma elevada taxa de satisfação daqueles que viYm em residência alternada (acima dos 90%) e um número igualmente elevado de estudantes que afirmam que teria sido do seu melhor interesse ter convivido mais com o seu pai[35]
Ora, não sendo indiferente às conclusões dos estudos citados, entendo que os mesmos servem, desde logo, para desmistificar a ideia de que a residência alternada é necessariamente fonte de instabilidade para a criança, comprometendo, por isso, o seu são desenvolvimento.“[36]
Todos estes aspetos foram amplamente evidenciados na Recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa nº 2006 (19) sobre parentalidade positiva[37], e nas Resoluções da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa nºs 1921 (2013) de 25-01-2013 sobre igualdade de género, conciliação da vida privada e profissional e corresponsabilidade, e 2079 (2015), de 02-10-2015, sobre igualdade e responsabilidades parentais partilhadas: o papel dos pais; em sintonia com o pensamento de muitos cultores do Direito da Família ao nível europeu. Neste particular, releva sobremaneira o estudo “Principles of European Family Law Regarding Parental Responsabilities”[38] que, no seu ponto 3.20 prevê expressamente a residência alternada, por acordo dos progenitores ou decisão do Tribunal[39].
Neste contexto, tem vindo a assumir crescente apoio a afirmação da residência alternada como desejável regime-padrão, ou regra ideal, proporcionando uma repartição mais igualitária do tempo da criança entre os seus progenitores, ou talvez melhor: proporcionando à criança um convívio equilibrado com cada um dos seus progenitores.
Nesta perspetiva, no plano do convívio da criança com ambos os progenitores, a residência alternada situa-se no mesmo nível igualitário alcançado pelo exercício conjunto das responsabilidades parentais (art. 1906º, nº 1 do CC).
Mas mais do que a igualdade parental, a residência alternada apresenta-se como meio de alcançar o objetivo do pleno gozo pela criança, do seu direito de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores (art. 1906º, nº 7 do CC).
Não obstante, como já referimos, podem as circunstâncias do caso desaconselhar esta solução.
Com efeito, algumas vozes na doutrina e jurisprudência sustentaram que só seria possível implementar soluções de residência alternada em caso de acordo dos progenitores – vd. TOMÉ DE ALMEIDA RAMIÃO[40], HELENA MELO, JOÃO RAPOSO, LUÍS CARVALHO, MANUEL BARGADO ANA TERESA LEAL[41], e acs. RL 14-12-2006 (Bruto da Costa), p. 3456/2006-8; RL 02-2015 (Catarina Arêlo Manso), p. 1463/14.2TBCSC.L1-8; RC 06-10-2015 (Jorge Arcanjo), p. 1009/11.4TBFIG-A.C1. Em sentido algo diverso, considerando que a Mãe é sempre a figura de referência se pronunciou Mª CLARA SOTTOMAYOR[42].
Outros sustentaram que tal regime não é adequado a situações de elevada conflitualidade entre os progenitores, embora seja compatível com situações em que apesar das suas divergências, estes sabem preservar os filhos dos conflitos entre ambos – cfr. acs. RL 13-12-2012 (Rijo Ferreira), p. 1608/07.9TBCSC.L1-1; RL 17-12-2015 (Anabela Calafate), p. 6001/11.6TBCSC.L1-6; RC 27-04-2017 (Maria João Areias), p. 4147/16.3T8PBL-A.C1; RL 07-08-2017 (Pedro Martins), p. 835/17.5T8SXL-A-2; e RP 24-01-2018 (Fátima Andrade), p. 67/13.1TMPRT-F.P1.
Outros ainda defenderam que a circunstância de estar em causa uma criança de idade inferior a quatro anos (ou seja, na 1ª infância) pode desaconselhar a implementação deste regime – Vd. acs. RC 11-12-2018 (Alberto Ruço), p. 2311/18.0T8PBL-A.C1, e 07-05-2019 (Rodrigues Pires), p. 1655/18.5T8AVR-A.P1.
Acresce ainda que alguma jurisprudência encarou de forma restritiva a possibilidade de estabelecer regimes de residência alternada a título provisório – vd. ac. RG 12-01-2017 (Eva Almeida), p. 996/16.0T8BCL-D.G1.
Não obstante, outra jurisprudência tem entendido que a residência alternada não pressupõe necessariamente o acordo dos progenitores, e muito menos que os mesmos mantenham relação próxima, ou tenham facilidade em dialogar – vd. ac. RL 24-01-2017 (Rosa Ribeiro Coelho), p. 945/15.2T8AMD-A.L1-7 e RL 20-09-2018 (Pedro Martins), p. 835/17.5T8SXL-2, RL 12-04-2018 (Ondina Alves), p. 670/16.8T8AMD.L1-2, e RC 11-12-2018 (Fonte Ramos), p. 1032/17.5T8CBR.C1. Neste sentido se pronunciaram também MARIA PERQUILHAS[43], PEDRO RAPOSO DE FIGUEIREDO[44], e ANDRÉ LAMAS LEITE[45].
Como salientou o RL 18-06-2019 (Ana Rodrigues da Silva), p. 29241/16.7T8LSB-A.L1-7, relatado pela aqui 1ª adjunta, “O conflito parental não pode ser limitador da escolha que melhor acautele o interesse das crianças, esse sim único critério a atender na fixação da residência da criança”.
Aliás, neste âmbito, afirmou-se já que “A mudança de paradigma impõe que a residência alternada surja hoje, não só, como uma das soluções a equacionar, mas ainda que, na tomada de decisão sobre a entrega da criança, se deva avaliar, em primeiro lugar, a aplicação do regime de residência alternada e, só se a mesma não se mostrar adequada ao caso concreto e não for aquela que melhor salvaguarda os interesses da criança, ponderar se a residência deve ser fixada junto do pai ou da mãe” – ac. RC 09-10-2018 (Mª João Areias), p. 623/17.9T8PBL.C1.
Seguindo uma argumentação próxima à deste aresto, foi igualmente enfatizado que nem sequer o argumento da tenra idade da criança será decisivo no sentido de obstar à implementação de um regime de residência alternada, admitindo-se mesmo no tocante a uma criança com dois anos de idade – cfr. ac. RG 02-11-2017 (Eugénia Cunha), p. 996/16.0T8BCL-C.G.
Assim sendo, concluímos como PEDRO RAPOSO DE FIGUEIREDO[46] que “a implementação de um modelo de residência alternada, ainda que à margem do acordo dos progenitores, não só não se mostra legalmente proscrita como se apresenta nas melhores condições para responder à obrigação, legalmente prescrita, de, em sede de regulação das responsabilidades parentais, o tribunal tomar decisões que promovam amplas oportunidades de contactos com ambos os progenitores e de partilha de responsabilidades entre eles.
Por outro lado, desmistificados os riscos que tradicionalmente assombravam a adoção deste modelo de residência e recolhendo-se na ciência, em particular, na psicologia, na pediatria e na pedopsiquiatria, indicadores altamente positivos, do ponto de vista da saúde das crianças, quanto às vantagens da sua implementação, não se encontra fundamento válido para a tradicional resistência à sua utilização na prática judiciária, que ainda persiste em algumas correntes doutrinárias e jurisprudenciais.
O único critério e o limite último de qualquer decisão nesta matéria será, pois, ainda e sempre, o do superior interesse da criança, em cuja densificação o tribunal não poderá permanecer indiferente à evolução verificada na sociedade portuguesa ao nível da conjugalidade e da parentalidade.”
É que, como bem refere ANA TERESA LEAL[47], “a residência alternada pode minimizar os efeitos negativos da separação e pode constituir um fator inibidor de que o progenitor não residente se acomode e delegue no outro progenitor a responsabilidade pela educação e acompanhamento dos filhos, mesmo que o exercício das responsabilidades parentais seja conjunto. A vinculação afetiva constrói-se no dia-a-dia. Entre os pais e a criança tem que existir uma proximidade física que possibilite um entrosamento e uma interligação afetiva real e consistente, sob pena de os laços já existentes se desvanecerem e os ainda inexistentes nunca chegarem a acontecer”.
Aqui chegados e à luz destas orientações, cumpre apreciar e decidir o caso dos autos, sendo certo que não detetamos qualquer obstáculo legal ao estabelecimento do regime de residência alternada no âmbito de uma decisão provisória (art. 38º RGPTC) – cfr. ac. RL 07-08-2017 (Pedro Martins), p. 835/17.5T8SXL-A-2.
Da factualidade apurada e dos relatórios juntos aos autos resulta, de forma evidente, que a C mantém uma relação muito próxima quer com o Pai, quer com a Mãe.
Por outro lado, de todos os relatórios juntos aos autos[48] resulta que ambos os progenitores demonstraram possuir competências adequadas ao exercício das responsabilidades inerentes à implementação de um regime de residência alternada.
Os autos revelam ainda que as suspeitas de abuso sexual que motivaram o processo de promoção e proteção que correu termos no apenso B e que justificaram forte restrição aos contactos entre a C e o Pai não colheram qualquer confirmação.
O mesmo se dirá no tocante às acusações manifestadas pela recorrente no sentido de que o recorrido a agrediu.
Acresce que a evolução do regime provisório de visitas, com alargamento dos tempos em que a C permanecia em casa do pai, por efeito da decisão provisória de fevereiro de 2019 foi claramente percecionado pelas técnicas da EMAT como positivo, chegando as mesmas a pronunciar-se em sentido favorável ao estabelecimento de um regime de residência alternada[49].
Relevante é igualmente a circunstância de o regime provisório de residência alternada decretado na decisão recorrida ter sido decretado no final de maio do corrente ano, sem que se detete nos autos qualquer notícia de que o mesmo não esteja a resultar.
Vejamos agora as objeções manifestadas pela recorrente:
Primeira: a tenra idade da C.
Como resulta do já exposto, não cremos que a idade da C constitua obstáculo à implementação de um regime de residência alternada. A C está quase a fazer cinco anos (que completa no dia … de dezembro), e não temos conhecimento de nenhum estudo científico que conclua que nesta idade um tal regime de residência é contrário aos interesses da criança.
Segunda: os Pais da C não se dão bem, e quase só comunicam por meio de mensagens escritas.
Em nosso entender, não se revelando os progenitores ainda capazes de dialogar presencialmente e sem o apoio de terceiros, de forma construtiva, o simples facto de comunicarem por escrito é já por si um sinal positivo, sendo certo que uma metodologia de comunicação poderá ser igualmente eficaz, porquanto além de oferecer como vantagens um maior convite à ponderação do que se diz, permite que todas as comunicações entre ambos ficarem registadas para memória futura.
Acresce que o regime estabelecido nem sequer implica que os Pais da C se encontrem presencialmente, dado que cada um deles a vai buscar à escola e é neste local que a traz de volta. Donde, as eventuais dificuldades de relacionamento entre ambos em nada são agravadas pelo regime estabelecido na decisão recorrida, nem interferem com a sua execução.
Finalmente, diremos que o regime da residência alternada não se afigura suscetível de influir em eventuais divergências entre os progenitores quanto à resolução das questões de particular importância relativas à vida da C, até porque o regime de exercício das responsabilidades parentais estabelecido sempre foi de exercício conjunto. Havendo divergências e sendo as mesmas inconciliáveis, seja em regime de residência alternada, seja em regime em que a C resida com um dos progenitores, terão as mesmas que ser dirimidas pelo Tribunal (art. 1901º, nºs 2 e 3 do CC, aplicável ex vi do art. 1906º, nº 1 do mesmo Código).
Terceira: A distância entre as residências dos progenitores da C.
Tendo-se apurado que o Pai da C reside no Estoril e a Mãe em Lisboa e que a C estuda no Estoril, não cremos que tais circunstâncias sejam impeditivas do estabelecimento de um regime de residência alternada, na medida em que:
- A distância entre Lisboa e o Estoril não é difícil de percorrer, sendo certo que milhares de portugueses se deslocam diariamente entre as duas localidades. Aliás, residindo a C uma semana em casa da Mãe, e outra em casa do Pai, com a implementação da residência alternada o transtorno que a Mãe tem em levá-la à escola minimizou-se;
- O regime ora fixado até permite que em semanas alternadas a C tenha que percorrer uma distância muito mais pequena entre a residência (do Pai) e a escola, poupando-a do desgaste inerente a essas deslocações.
De todo o exposto decorre que no caso vertente, a residência alternada se apresenta como a solução que melhor serve o superior interesse da C, improcedendo todos os argumentos invocados pela recorrente para sustentar a sua revogação do regime provisório consagrado na decisão recorrida e a repristinação do regime provisório que anteriormente vigorava.
Termos em que se conclui pela total improcedência do presente recurso.
6. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a presente apelação totalmente improcedente, confirmando por isso a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 11 de dezembro de 2019
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa [50]
_______________________________________________________
[1] Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-116.
[2] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 116.
[3] Que regulam as matérias da nulidade de todo o processado decorrente da ineptidão da petição inicial – art. 186º; a falta de citação – arts. 187º a 190º; a nulidade da citação – art. 191º; o erro na forma de processo – art. 193º; e a falta de vista ou exame ao Ministério Público como parte acessória – art. 194º.
[4] Podendo as partes recorrer da decisão que decidir o incidente de arguição de nulidades, se em função do valor da causa, essa decisão for recorrível – cfr. art. 629º do CPC.
[5] ”Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pp. 507-508. Em sentido idêntico cfr. do mesmo autor, “Código de Processo Civil Anotado”, volume 1º, 3ª Ed. (reimpressão), Coimbra Editora, 2012, p. 381.
[6] “Noções Elementares de Processo Civil”, Reimpressão, Coimbra Editora, 1993, p. 183.
[7] “Manual de processo civil”, Coimbra Editora, 2ª Ed., 1985, p. 393.
[8] “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. III, Almedina, 1982, p. 134.
[9] Cremos que a expressão “com as necessárias adaptações”, constante do art. 295º do CPC permite concluir que face à natureza urgente e tramitação simplificada dos procedimentos cautelares, se justifica que a sua fundamentação seja igualmente aligeirada.
[10] “Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o Tribunal pode …”
[11] “Se ambos os pais estiverem presentes u representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente (…)”
[12] “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, Coimbra 3ª Ed., p. 143.
[13] “Da Sentença Cível”, in “O novo processo civil”, caderno V, e-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, jan. 2014, p. 370, disponível em
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf
[14] Cfr. declarações prestadas pelos progenitores, constantes da ata de conferência de pais de 29-05-2019, procurações forenses juntas aos autos, relatórios com as refªs 20817973, de 08-11-2018; 21116609, de 04-12-2018; e 21330541, de 21-12-2018, bem como certidão com a refª 14218360 de 27-02-2019, todos constantes do apenso B.
[15] Adotada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 ratificada por Portugal em 21 de setembro de 1990, e adiante designada por “Convenção”.
[16] Aplicável aos casos em que os progenitores nunca foram casados entre si ex vi do art. 1912º do CC.
[17] “A «presunção jurídica da residência alternada» e a tutela do superior interesse da criança”, RMP 156, out-dez 2018, pp. 123-155, em especial pp. 139-143
[18] Disponível em
http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e706447567a4c31684a53556c4d5a5763765647563464473947615735686246426c64476c6a6232567a4c7a557a4d47466b5a6d4a6b4c54566c4f4745744e4759794f5331684e6d526b4c54426c4d54637a4e446b344e5759354f4335775a47593d&fich=530adfbd-5e8a-4f29-a6dd-0e1734985f98.pdf&Inline=true
[19] Sobre esta iniciativa, vd. https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalhePeticao.aspx?BID=13214
O resultado deste debate pode ser consultado em
http://app.parlamento.pt/darpages/dardoc.aspx?doc=6148523063446f764c324679626d56304c334e706447567a4c31684a566b786c5a79394551564a4a4c305242556b6c42636e463161585a764c7a457577716f6c4d6a42545a584e7a77364e764a5449775447566e61584e7359585270646d4576524546534c556b744d4441334c6e426b5a673d3d&nome=DAR-I-007.pdf
[20] Cfr. https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43655 ; e
[21] Cfr.
https://www.dn.pt/poder/divorcio-ps-consagra-residencia-alternada-como-regime-preferencial-para-os-filhos-11534315.html
e
https://www.noticiasaominuto.com/pais/1362443/pan-apresenta-projeto-para-regime-de-residencia-alternada-para-criancas
[22] “Residência alternada: Nem sempre sim, nem sempre não” in blog PontoSJ, disponível em https://pontosj.pt/especial/residencia-alternada-nem-sempre-sim-nem-sempre-nao/
[23] “A residência alternada e as transformações na família” in “Uma família parental, duas casas”, Sílabo, 2017, p. 24.
[24] Artigo citado.
[25] Idem.
[26] “O exercício das responsabilidades parentais. A residência partilhada (alternada). Consensos e controvérsias” in “Divórcio e parentalidade – Diferentes olhares - Do direito à psicologia”, Edições Sílabo, 2018, pp.59-76, em especial p. 74.
[27] “Social Science and parenting plans for young children: A consensus report. Psychology, Public Policy and Law”, 2014, pp. 46-67, disponível em
https://1drv.ms/b/s!AqneSWcIBOtass8cW3YyvsPkc7Kcug
[28] “Press-Release: Experts Agree: Infants and Toddlers Need Overnight Care from Both Parents After their Separation”, 2014, disponível em
https://sharedparenting.wordpress.com/2014/05/22/45/
[29] BERGSTRÖM, FRANSSON, & HJERN, “Barn med växelvis boende”, 2015, Centre for Health Equity- Studies, pp. 71-81, acessível em
https://www.chess.su.se/polopoly_fs/1.261599.1450340833!/menu/standard/file/Barn%20i%20va%CC%88xelvis%20boende%20-%20en%20forskningso%CC%88versikt.pdf
[30] BERGSTRÖM, M., MODIN, B., FRANSSON, E., RAJMIL, L., BERLI, M., GUSTAFSSON, P., & HJERN, A., “Living in two homes-a Swedish national survey of wellbeing in 12 and 15 year olds with joint physical custody”, acessível em
https://bmcpublichealth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2458-13-868
[31] BERGSTRÖM, M., FRANSSON, E., HJERN, A„ KÕHLER, L., 8 WALLBY, T, “Mental health in Swedish children living in joint physical custody and their parents´ life satisfaction: a cross-sectional study”, Scandinavian Journal of Psychology, 55, 2014, pp. 433-439, disponível em
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4282795/
[32] BERGSTRÖM, M., FRANSSON, E., MODIN, B., BERLIN, M„ GUSTAFSSON, P., & HJERN, A., “Fifty moves a year: is there an association between joint physical custody and psychosomatic problems in children?” J Epidemiol Community, 2015 acessível em
https://jech.bmj.com/content/jech/69/8/769.full.pdf
[33] FRANSSON, E., LAFTMAN, S., OSTBERG, V., HJERN, A., & BERGSTRÖM, M., “The Living Conditions of Children with Shared Residence — the Swedish Example. Child Indicators Research”, 2017, pp. 1-23, acessível em
https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2Fs12187-017-9443-1.pdf.
[34] TURUNEN, J., 2015, Shared Physical Custody and Children’s Experience of Stress. Stockholm, Family and Societies, Working Paper Series, acessível em
http://www.familiesandsocieties.eu/wp-content/uploads/2015/04/WP24Turunen.pdf.
[35] NIELSEN, L., “Shared Parenting After Divorce: A Review of Shared Residential Parenting Research”, Journal of Divorce & Remarriage, 2011, pp. 586-609, disponível em
http://c0371814.myzen.co.uk/wordpress/wp-content/uploads/2012/01/LindaNielsen_2011.pdf
[36] Acentuado nosso.
[37] Disponível em
http://www.kekidatabank.be/docs/Instrumenten/RvE/2006%20CMRec(2006)19_%20policy%20to%20support%20positive%20parenting.pdf
[38] Vd., por todos, AAVVV, publicação da iniciativa da Commission on European Family Law, Intersentia, 2007. O texto destes princípios pode ser consultado em
http://ceflonline.net/wp-content/uploads/Principles-PR-English.pdf
[39] Principle 3:20 Residence
(1) If parental responsibilities are exercised jointly the holders of parental responsibilities who are living apart should agree upon with whom the child resides.
(2) The child may reside on an alternate basis with the holders of parental responsibilities upon either an agreement approved by a competent authority or a decision by a competent authority. The competent authority should take into consideration factors such as:
(a) the age and opinion of the child;
(b) the ability and willingness of the holders of parental responsibilities to cooperate with each other in matters concerning the child, as well as their personal situation;
(c) the distance between the residences of the holders of the parental responsibilities and to the child’s school.
[40] “Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado”, 2ª Ed., Quid Iuris, p. 109;
[41]Felicidade, Poder Paternal e Responsabilidades Parentais”, 2ª ed., Quid Iuris, 2010, pp. 87 ss.
[42] “O interesse da criança e a guarda partilhada nos casos de divórcio” In Edição Comemorativa do Cinquentenário do Código Civil, Universidade Católica Portuguesa, 2017, pp. 557-578.
[43]Ob. e lug. cits., p. 73-74.
[44] Ob. e lug. cits., p. 10-105.
[45] “O art. 1906.º do Código Civil e a (in)admissibilidade do regime de guarda (e residência) alternadas dos menores”, RMP 151, jul-set. 2017, pp. 65-81, em especial p. 75.
[46] Ob. e lug. cits., p. 108.
[47] “Novos modelos e tendências na regulação do exercício das responsabilidades parentais. A Residência alternada” in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, ebook Centro de Estudos Judiciários, 2014, p. 377, disponível em
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf
[48] Maxime os referidos na supra, na nota 15.
[49] Cfr. relatórios mencionados na nota 15 e ata de declarações a que corresponde a refª 117759212, de 18-02-2019 (apenso B).
[50] Acórdão produzido por meios informáticos, com aposição de assinatura eletrónica e certificação da data em que foi assinado – vd. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.