Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
175/21.5PGLRS-A.L1-9
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: PROVA POR RECONHECIMENTO
RECONHECIMENTO DE PESSOAS
REQUISITOS E FORMALIDADES LEGAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I– Um auto de reconhecimento de pessoas, no caso de arguidos, realizado nas fases preliminares do processo por OPC pode e deve ser valorado pelo tribunal de julgamento, ao abrigo do disposto no artigo 356.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, desde que cumpridas estejam todas as formalidades legais contidas no artº 147º do CPP, aquando da sua feitura.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:


IRELATÓRIO:


No âmbito do Processo n.º 175/21.5PGLRS, do Tribunal Judicial da Comarca de  Lisboa Norte - Juízo de Instrução Criminal de Loures – Juiz 2, foi, na parte que ora releva, proferido o seguinte despacho em 16.6.2021:
“Vieram os arguidos AA, BB e CC alegar a invalidade dos reconhecimentos efectuados ontem constantes de fls. 272 a 280 dos autos com o fundamento de que os mesmos não respeitam o disposto no artigo 147º, nº 2 e 4 atendendo a que os intervenientes na mencionada diligência não apresentam qualquer semelhança com os referidos arguidos em termos de fisionomia, morfologia, idade, corte de cabelo e barba vestuário.

Cumpre apreciar e decidir:

Extrai-se do antigo 147/2 que as pessoas constantes da linha de identificação com os arguidos em numero de pelo menos duas devem apresentar as maiores semelhanças possíveis com os arguidos a identificar nos termos descritos no citado preceito legal. Resulta da jurisprudência que as maiores semelhanças possíveis não significa que as pessoas sejam em tudo semelhantes à aparência dos arguidos.

No caso entende-se que as pessoas referidas nos autos de reconhecimento possuem as semelhanças legalmente exigíveis. Acresce que na mencionada diligencia os arguidos foram assistidos por advogado e pese embora a alusão de que a policia judiciaria não permitiu ao advogado invocar qualquer nulidade não colhe em 1º lugar porque os intervenientes nos reconhecimentos não consentiram a ser fotografados, o que tem acolhimento na lei e por outro lado resulta da cota de fls. 280 que o defensor do arguido AA Dr. DD recusou-se a assinar o auto em que este participou com a alegação de que apenas um dos figurantes era muito parecido com o arguido e o outro não. Nada tendo feito constar aos demais arguidos e nada tendo invocado quanto à invalidade dos reconhecimentos.
Assim sendo, entendo que não se verifica a invalidade dos reconhecimentos ora invocados o que improcede considerando-se que os reconhecimentos observam os requisitos legais descritos no artigo 147º do CPP.”

Inconformados com tal decisão, dela vieram os arguidos AA, BB e CC interpor o  presente recurso, que, na sua motivação, após dedução das alegações, culmina com as seguintes conclusões e petitório (transcrição):

"I.–O presente recurso vem interposto de despacho proferido sobre questão interlocutora, proferido em 16/6/2021 em interrogatório judicial de arguidos, cfr. pág. 13 e 23 do auto de interrogatório de Arguido, antecedente ao despacho que aplicou medidas de coação aos Arguidos, que indeferiu a arguição de invalidade dos reconhecimentos de pessoas, efectuados no dia 15/6/2021, de fls. 272 a 280 dos autos, diligência essa que foi presidida pela Policia Judiciária, na qualidade Órgão de Polícia Criminal.
II.–Por respeito aos princípios da economia, da celeridade, do máximo aproveitamento dos actos e por força da regra da substituição ao tribunal recorrido, conforme o disposto no artigo 665.º n,º 2 do CPC, ex vi artigo 4.º do CPP, importa que este douto Tribunal conheça e se pronuncie sobre a invalidades em questão, posto que dispõe de todos os elementos necessários para se pronunciar sobre as mesmas.
III.–A diligência em causa foi efectuada sem o revestimento dos requisitos estatuídos no artigo 147.º n.º 2 do CPP, norma jurídica violada pelo douto despacho do Tribunal a quo, em primeiro lugar, posto que as pessoas que se apresentaram na linha do reconhecimento não apresentavam qualquer semelhança com os Arguidos, quer em razão da fisionomia, morfologia, estatura, idade, corte de cabelo e de barba, ou até mesmo, de vestuário, como expressamente impõe a norma.

IV.–De igual modo, compulsados os autos de reconhecimento verifica-se que os mesmos não foram precedidos de qualquer prévia descrição credível por banda das testemunhas, quanto à pessoa a identificar o que desde logo inviabilizaria a composição da linha de reconhecimento com pessoas com qualquer característica semelhante aos Arguidos que não o seu sexo.
V.– Tampouco contêm os autos de reconhecimento qualquer outro elemento que permitam ao julgador apurar do acerto do procedimento, como é caso da descrição física dos integrantes da linha de reconhecimento, quer o relato de todas as circunstâncias em que este decorreu.
VI.–O que se sucede, também, em virtude da inexistência de registo fotográfico, o permitam ao julgador apurar do acerto do procedimento, como é caso da descrição física dos integrantes da linha de reconhecimento, quer o relato de todas as circunstâncias em que este decorreu.
VI.–O que se sucede, também, em virtude da inexistência de registo fotográfico, o qual foi recusado pelos próprios funcionários do OPC que integraram a linha de reconhecimento e que simultaneamente presidiram à diligência, deste modo inviabilizado a verificação de qualquer formalismo da diligência, o que fizeram, ademais, violando os seus deveres funcionais previstos e estipulados nas alíneas b), h), i), j) e k) artigo 26.º do DL n,º 138/2019, de 13 de Setembro.
VII.–Seguindo um principio de ponderação de interesses entre o direito à prova e contraditório enquanto garantias basilares de defesa do Arguido, previsto no artigo 32.º n.ºs 1 e 5 da Constituição da Republica Portuguesa, e os direitos individuais sacrificados das pessoas que voluntariamente integraram a linha de reconhecimento (ainda para mais tendo em consideração que se tratam de funcionários do OPC com deveres funcionais acrescidos) terá que prevalecer inequivocamente o direito do arguido em sede de produção e valoração da prova.
VIII.–Por ser impossível avaliar a credibilidade do reconhecimento e o cumprimento dos requisitos, o Tribunal a quo não podia ter concluído, salvo o devido respeito, como fez e erro de Direito e afirmar que “as pessoas referidas nos autos de

reconhecimento possuem as semelhanças legalmente exigíveis”, tendo por referia o disposto no artigo 147.º n.ºs 2 e 4 do CPP, sendo absolutamente impossível descortinar como poderá ter o Tribunal a quo formulado tal conclusão.
IX.–Face a uma dúvida insanável quanto às características dos integrantes da linha de reconhecimento e sua semelhança com os Arguidos, face ao non liquet da prova, sempre deveria o douto Tribunal a quo seguir o principio in dubio pro reo,enquanto decorrência do princípio da presunção de inocência do arguido, plasmado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e resolver a questão a favor dos Arguidos, tendo ao contrário decidido contra reo.
X.–A interpretação segundo a qual, a despeite de não ter sido recolhida qualquer fotografia dos integrantes da linha de reconhecimento, ou, no mínimo, efectuada qualquer discrição das suas características físicas, para mais quando a tinha de reconhecimento é integrada por funcionários do OPC, que presidiu à diligência, seja permitida a conclusão de que as pessoas referidas nos autos de reconhecimento possuem as semelhanças legalmente exigíveis não só atenta contra a ratio e teleologia normativa dos n,ºs 2 e 4 do artigo 147.º do CPP porquanto a mesma visa “evitar a junção aos autos de fotografias, filmes ou gravações que, por uma questão de técnica policial, foram utilizadas para identificação de pessoas mas que se revelou infrutífera e pode ser nociva para as pessoas em causa sic Paulo Pinto Albuquerque.
XI.–Como pior, a interpretação supra exposta constitui uma interpretação INCONSTITUCIONAL por violação das garantias de defesa dos Arguidos maculação dos princípios da boa-fé e lealdade processual, do contraditório, do direito à prova, do direito de acesso aos tribunais e do princípio da presunção de inocência, enquanto garantes do processo equitativo, conforme o estipulado nos artigos 18.º, 20.º n.ºs 1 e 4, 32.º n.ºs 1, 2, 5, da CRP e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 14.º Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, normas jurídicas que foram com a decisão recorrida violadas.

XII.–Nestes termos, de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 147º do CPP, os reconhecimentos efectuados no dia 15/6/2021, de fls. 272 a 280 dos autos, junto do Órgão de Polícia Criminal, constituem prova ineficaz por violação requisitos legais estipulados no n.º 4.
XIII.–Uma verdadeira proibição de valoração da prova, conforme dispõe o artigo 118.9 n.º 3 do CPP, tendo como consequência a nulidade da prova, com os efeitos previstos no artigo 122.º, n.º 1 do CPP.
XIV.–Invalidade que se requer que seja declarada por esta Veneranda Relação para os efeitos previstos no artigo 122,º n.º 1 do CPP implicando a invalidação dos actos e diligências realizadas dos reconhecimentos efetuados no dia 15/6/2021, de fls. 272 a 280 dos autos, junto do Órgão de Policia Criminal, bem como a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por decisão que conceda na verificação da invalidade dos mesmos.
Nestes termos e nos melhores de Direito, com o Mui Douto suprimento de V. Exas., do qual não se prescinde, deverá ser dado provimento ao presente recurso conforme as Conclusões aduzidas, e por conseguinte, ser revogada a decisão recorrida, com fundamento em manifesto erro de Direito, sendo a mesma substituída por outra conforme as conclusões retiradas da motivação supra exarada.”

Na primeira instância, a Digna Magistrada do MP, notificada do despacho de admissão do recurso apresentado pelos arguidos, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou douta resposta em que pugna pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

Para tanto, formulou as seguintes conclusões:
1.–Vem o recurso apresentado relativo ao despacho proferido em l6 de Junho de 2021, sobre questão interlocutória em interrogatório judicial de arguido detido, relativa à invalidade arguida dos reconhecimentos pessoais efectuados, constantes de fls. 272 a 280.
2.–Nas conclusões apresentadas alegam os arguidos, em síntese, que os reconhecimentos pessoais efectuados são inválidos em virtude de não cumprirem os requisitos constantes do artigo 147.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, porquanto: a) as pessoas que se apresentaram na linha de reconhecimentos não apresentaram qualquer semelhança com os arguidos; b) os reconhecimentos não foram precedidos de qualquer prévia descrição credível por parte das testemunhas quanto à pessoa a identificar; c) não consta dos autos de reconhecimento qualquer elemento que permitam julgar do acerto do procedimento; d) inexiste qualquer registo fotográfico dos participantes; Mais pugnam pela existência de: a) violação do princípio do in dúbio pro reo, enquanto decorrência do principio da presunção de inocência do arguido, plasmado no artigo 32.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa; b) violação das garantias de defesa dos arguidos, maculação dos princípios da boa-fé e lealdade processual, do contraditório, do direito à prova, do direito de acesso aos tribunais e do principio da presunção de inocência, constantes dos artigos 18.º, 20.°, n.°s 1 e 4, 32°, n.ºs 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa, artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigo 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
3.–Não existe violação dos requisitos constantes do artigo 147.°, n.º 2 do Código de Processo Penal.
4.–Resulta de todos os autos de reconhecimento de pessoas em crise que “foi solicitado à testemunha que descrevesse a pessoa a identificar, com indicação de todos os pormenores que se recorda (...)”, tendo cada uma das testemunhas respondido a tal solicitação na medida do que se recordava, conforme solicitado e exigível. Por outro lado, é também unânime a todos os autos de reconhecimento a menção de que na fila composta pelas pessoas a identificar “se encontravam outras pessoas que apresentam as maiores semelhanças possíveis com a pessoa a identificar”.
5.–O que a lei exige é que se verifiquem as maiores semelhanças possíveis e no presente caso, é o que se verifica.
6.–Resulta do n.º 4 do artigo 147.° do Código de Processo Penal que “ as pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.° 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas aos autos.”.
7.–Do Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária, nomeadamente no disposto nos seus artigos 26.°, alíneas b), h), i), j) e k), nada decorre, nem tal seria de crer, que retire direitos pessoais aos referidos profissionais.

8.–Pelo que não assiste razão aos Recorrentes quando afirmam existir violação das garantias de defesa dos arguidos, maculação dos princípios da boa-fé e lealdade processual, do contraditório, do direito à prova, do direito de acesso aos tribunais e do principio da presunção de inocência, constantes dos artigos 18.°, 20.º, n.°s 1 e 4, 32.º, n.ºs 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa, artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigo 14.° do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.”

Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que aduziu o seu entendimento de que o recurso deve ser julgado improcedente.
Cumprido o disposto no Art. 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, não houve resposta ao sobredito parecer.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo conhecer e decidir.

IIÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (QUESTÕES A DECIDIR):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, CPP)(1) ; (2).

Assim sendo, no caso vertente, é a seguinte a questão que importa decidir:
A– São inválidos os autos de reconhecimento de pessoas, realizados nos dias 15.6.2021, identificados nas conclusões do recurso?


III–APRECIAÇÃO:

A–Da alegada invalidade dos autos de reconhecimento:
Como já se disse, o tribunal recorrido indeferiu o requerimento, formulado em sede de primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos, em que os arguidos ora recorrentes – AA, BB e CC – pediram que fossem declarados nulos/inválidos/ineficazes os reconhecimentos efectuados e a que se reportam os autos, já supra identificados.
Discordam os arguidos do despacho proferido pelo Tribunal a quo, acima transcrito, alinhando, em síntese, os seguintes argumentos (pela ordem que se nos afigura mais curial a sua apreciação):
- os reconhecimento não foram precedidos de qualquer prévia descrição credível por banda das testemunhas quanto à pessoa a identificar; tampouco contêm os autos de reconhecimento qualquer outro elemento que permita ao julgador apurar do acerto do procedimento, como é caso da descrição física dos integrantes da linha de reconhecimento/figurantes, quer o relato de todas as circunstâncias em que este decorreu;
- as pessoas que se apresentaram na linha do reconhecimento não apresentavam qualquer semelhança com os arguidos, quer em razão da fisionomia, morfologia, estatura, idade, corte de cabelo e de barba, ou até mesmo, de vestuário;
- inexiste registo fotográfico dos integrantes da linha de reconhecimento (o qual foi recusado pelos próprios funcionários do OPC que integraram a linha de reconhecimento e que simultaneamente presidiram à diligência), o que inviabiliza que o julgador apure do acerto do procedimento;
- violação do princípio in dubio pro reo, enquanto decorrência do princípio da presunção de inocência do arguido, plasmado no artigo 32.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa;
- a interpretação que - não obstante não tenha sido recolhida qualquer fotografia dos integrantes da linha de reconhecimento, ou, no mínimo, efectuada qualquer discrição das suas características físicas, linha de reconhecimento que é integrada por funcionários do OPC que presidiu à diligência -, permite a conclusão de que as pessoas referidas nos autos de reconhecimento possuem as semelhanças legalmente exigíveis, constitui uma interpretação inconstitucional por violação das garantias de defesa dos arguidos, maculação dos princípios da boa-fé e lealdade processual, do contraditório, do direito à prova, do direito de acesso aos tribunais e do princípio da presunção de inocência, enquanto garantes do processo equitativo, conforme o estipulado nos artigos 18.º, 20.º, n.ºs 1 e 4, 32.º n.ºs 1, 2 e 5, da CRP e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, normas jurídicas que foram com a decisão recorrida violadas.

Vejamos.

O art. 147.º do CPP prescreve:
“Reconhecimento de pessoas
1—Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa,
solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.
2—Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.
3—Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.
4—As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.º 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto.

5—O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2.
6—As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento.
7—O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.”
Como se afirmou em douto acórdão do STJ de 28.01.2021(3), e na síntese do ponto XX do respectivo sumário, “A prova por reconhecimento é um meio de prova pré-constituído, que é documentado em auto, e que, enquanto documento autêntico (arts. 99.º e 169.º, do CPP), prova que foram prestadas as declarações que ali constam (as de reconhecimento, sendo que as demais estão sujeitas ao regime do art. 356.º, do CPP). Ou seja, sem prejuízo da prova da falsidade, presume-se que as declarações que constam do auto de reconhecimento correspondem ao declarado pela pessoa que procedeu àquele. Se quisermos, deve considerar-se provado que a pessoa que reconheceu, o fez nos termos por si declarados e que constam do auto.”, acrescentando-se, “Questão diversa é se essa declaração de reconhecimento corresponde à realidade. É que, a prova por reconhecimento está sujeita à livre apreciação da prova, nos termos do disposto no art. 127.º, do CPP, e deve ser conjugada com a demais prova. A mesma não prova, por si só, o crime. Pelo que, tal como outra prova, poderá ser descredibilizada.”. (sublinhado meu)
Em sentido que se afigura concordante, conquanto sem pôr o enfoque na natureza de documento autêntico, Ac. da RE de 29.3.2016, onde a dado passo se escreveu “Não se pode exigir a absoluta semelhança documentada nem a formalização de itens de identificação humana a constar do auto de reconhecimento.
Isso seria inviabilizar a realização de um meio de prova e deixar que os arguidos escolham os meios de prova que contra si podem ser apresentados.

Apenas se pode exigir a inexistência de dissemelhança grave, manifesta, entre o arguido e os demais integrantes da linha de identificação que, essa sim, se demonstrada, constitui um caso de patente proibição de prova, equivalente aos casos de “reconhecimentos” físicos realizados sem o número mínimo de integrantes da “linha de identificação” previsto no artigo 147º, nº 2 e na medida em que diminua ou exclua as hipóteses de diferenciação no acto de reconhecimento (“I. O art° 147°, n° 2 do CPP consagra uma garantia mínima concedida ao suspeito de que terá duas em três possibilidades de não ser identificado”). [3]
A generalidade dos casos constituirá, no entanto, a regra reconduzível à livre apreciação da prova. Serão casos que, não merecendo uma abordagem formal que exclua a sua virtualidade absoluta como meio de prova, deverão ser resguardados para a livre apreciação da prova devidamente motivada.”(4)
Com efeito, se não inteiramente pacífica afigura-se pelo menos francamente maioritária a jurisprudência no sentido de que um auto de reconhecimento realizado nas fases preliminares do processo por um OPC pode e deve ser valorado pelo tribunal de julgamento, ao abrigo do disposto no artigo 356.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal – cf., por ex, Ac. RL de 15.11.2011, Proc. 464/10.4PEAMD.L1-5 e Ac. RL de 30.4.2013, Proc. 69/10.0GBLSB.E1(5).

Posto estas considerações, que se afiguram pertinentes, e reportando à situação concreta dos autos:
Dos autos de reconhecimento de pessoas - respeitantes aos aqui recorrentes - em causa consta, nomeadamente e porque desde já aqui importa analisar (pois que contende com o segmento do n.° 1 do citado art. 147.°, quando aí se estabelece “solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda”):
“Foi solicitado à testemunha que descrevesse a pessoa a identificar, com indicação de todos os pormenores que se recorda, tendo dito não ser capaz de discriminar as características corporais do suspeito do sexo masculino que permaneceu a agarrar Adauto junto ao portão da oficina, tratando-se de um indivíduo do sexo masculino, de raça branca, mas admite ser capaz de recordar inequivocamente da face do suspeito.” (auto que tem como hora de realização 15:10; identificação do recorrente Fábio Ferreira)
“Foi solicitado à testemunha que descrevesse a pessoa a identificar, com indicação de todos os pormenores que se recorda, tendo dito não ser capaz de discriminar as características corporais da suspeita de sexo feminino, mas admite ser capaz de recordar inequivocamente do rosto da mulher que se fazia acompanhar pelo seu filho de 15 anos de idade e que no exterior da oficina gritava saiam daí zucas, vamos vos matar (...) vamos matar todos saiam daí caralho” (sic).” (auto que tem como hora de realização 15:30; identificação da recorrente IS.)
“Foi solicitado à testemunha que descrevesse a pessoa a identificar, com indicação de todos os pormenores que se recorda, tendo dito não ser capaz de discriminar as características corporais dos suspeitos, mas admite reconhecer sem qualquer duvida o rosto do elemento feminino, que gritava “onde está o gajo do Peugeot prata? E que “o meu filho é menor, tem quinze anos” (sic).” (auto que tem como hora de realização 15:40; identificação da recorrente IS.)
“Foi solicitado à testemunha que descrevesse a pessoa a identificar, com indicação de todos os pormenores que se recorda, tendo dito ser uma mulher, de raça branca, de compleição física forte, medindo cerca de 160/170 cm de altura, aparentando cerca de 40 anos de idade, com cabelo loiro, comprido e com caracóis.” (auto que tem como hora de realização 15:50; identificação da recorrente IS.)
“Foi solicitado à testemunha que descrevesse a pessoa a identificar, com indicação de todos os pormenores que se recorda, tendo dito não ser capaz de discriminar as características corporais dos suspeitos, mas admite ser capaz de recordar inequivocamente da face do elemento feminino presente que ameaçava de morte, que partiu os vidros e que descobriu o grupo de pessoas que se escondiam no quarto.” (auto que tem como hora de realização 16:00; identificação da recorrente IS.)
“Foi solicitado à testemunha que descrevesse a pessoa a identificar, com indicação de todos os pormenores que se recorda, tendo dito não ser capaz de individualizar as descrições dos agressores, mas afirmou ser capaz de reconhecer o elemento do sexo feminino que gritava repetidamente “onde é que está o homem do Peugeot prata (sic).” (auto que tem como hora de realização 16:10; identificação da recorrente IS.)
“Foi solicitado à testemunha que descrevesse a pessoa a identificar, com indicação de todos os pormenores que se recorda, tendo dito não conseguir individualizar as descrições dos agressores, contudo afirma ter possibilidade de reconhecer inequivocamente o rosto do suspeito do sexo masculino, de raça branca, que se encontrava no grupo de pessoas em frente à oficina.” (auto que tem como hora de realização 16:45; identificação do recorrente MS.).

Face a estes dizeres constantes dos autos de reconhecimento será, então, que se mostra incumprida a assinalada norma legal, ao estatuir que “Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda”?

Entendemos que a resposta só pode ser negativa.

Os autos fazem aqui prova de que os Inspectores da PJ que “conduziram” as diligências de reconhecimento interpelaram as pessoas que deveriam proceder à identificação (testemunhas) para que descrevessem a pessoa a identificar, com indicação de todos os pormenores de que se recordassem, ficando a constar dos autos o que, em resposta a tal questionamento, foi dito pela respectiva testemunha.

Como é manifesto, o OPC cumpriu esta formalidade legal, não lhe competindo certamente substituir-se à pessoa que deveria fazer o reconhecimento «arrancando-lhe» uma resposta mais elaborada/pormenorizada – o pedido de descrição com todos os pormenores, foi feito, as testemunhas é que de um modo geral foram parcas em indicar pormenores identificativos de que se recordassem, não sendo capazes de ser mais elucidativas.

E não se desconsiderando a relevância desta fase preliminar (por um lado, a sua realização pode contribuir para graduar a atendibilidade do reconhecimento sucessivo, e, por outro lado, permite a realização da própria experiência recognitiva (6)), como adverte Alberto Medina de Seiça(7), “Não deve, no entanto, ser sobrevalorizada. Na verdade, as descrições de imagens visuais apresentam grande dificuldade pois implicam traduzir em esquemas verbais impressões de natureza bem diversa: em geral, não passam de traços muito genéricos e aproximativos.”
Por isso que, em consonância, há quem de forma certeira assinale que o que aqui se pretende é impedir a “dissonância manifesta de semelhança”(8).

Diga-se ainda que, ao contrário do que propugnam os recorrentes, não nos parece acertada a afirmação de que as supra citadas descrições que as pessoas que vieram a proceder aos reconhecimentos fizeram das pessoas a identificar “inviabilizou a composição da linha de reconhecimento com pessoas com qualquer característica semelhante aos Arguidos que não o seu sexo.”

Em primeiro lugar, os autos não contêm todos o mesmo nível de informação, sendo que, na parte que ora estamos a apreciar, nem todos restringindo os elementos identificativos dos indivíduos a identificar ao respectivo sexo.

Mais determinante se nos afigura, porém, que o OPC – a quem naturalmente cabe providenciar pelas duas pessoas (pelo menos) que apresentem as maiores semelhanças possíveis com a pessoa que vai ser sujeita a identificação - tem, necessariamente, conhecimento de quem esta é, como é, como se apresenta: é o OPC que tem que encontrar e chamar os figurantes, competindo-lhe verificar se os mesmos preenchem as condições necessárias para fazer parte da linha de reconhecimento.

Donde, é claro que não se verifica a invocada inviabilização.

Ademais, a “descrição física dos integrantes da linha de reconhecimento” é formalidade que a lei não impõe que conste dos autos de reconhecimento, nem se alcança o que pretendem os recorrentes significar quando alegam que dos autos de reconhecimento não consta “o relato de todas as circunstâncias em que este decorreu”, e que isso não permite se apure do acerto do procedimento pois, como é ostensivo, dos ditos autos constam – nas partes já expressamente citadas, mas também quando se fez constar: “Perguntada sobre se já conhecia a pessoa ou se já a tinha visto antes ou depois do crime, quando e em que condições, a mesma disse que: Não.”; “Interrogado sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação, disse: Nada ter a acrescentar.”; “Foi explicado à testemunha a diligência de reconhecimento pessoal, com vista a conseguir uma identificação pessoal.”; “Foi constituída uma fila composta pela pessoa a identificar e pelas outras pessoas ficando dispostos e identificados com placas numeradas de 1 a 3 de acordo com o lugar escolhido pela pessoa a identifica, da seguinte forma:”, seguindo-se, em cada caso, a indicação da concreta disposição; “Colocada a testemunha perante a fila assim constituída, foi-lhe pedido que observasse bem as pessoas que se encontravam perante si e que dissesse se reconhecia alguma delas e qual. Após observação cuidada, disse:”, tendo-se em cada auto, e na sequência, consignado o que referiu então a pessoa que procedia à identificação – as circunstâncias em que os reconhecimentos ocorreram, não concretizando os recorrentes, neste ponto, qualquer específica omissão dos autos de reconhecimento.

No que concerne à alegação de que as pessoas que se apresentaram na linha do reconhecimento não apresentavam qualquer semelhança com os arguidos, também não colhe. Assim:
De todos esses autos consta também que “A testemunha foi acompanhada a uma sala separada com vidro espelhado, adequada a não ser vista nem ouvida pelo identificando, onde se encontravam outras pessoas que apresentam as maiores semelhanças possíveis com a pessoa a identificar, e que se prestaram a participar neste ato voluntariamente.” (sublinhei), “outras pessoas” que, como decorre de tais autos de reconhecimento, são, para além do respectivo identificando, em número de duas.

Assim e no juízo feito pelo OPC, as duas pessoas que (respectivamente) foram colocadas ao lado da pessoa a identificar tinham com esta as maiores semelhanças possíveis.


E não se pode, de forma alguma, e sejam quais forem os parâmetros que pudéssemos usar para fazer um juízo próprio, com base no que consta dos autos, afirmar que tais pessoas que enfileiraram com os identificandos não têm com estes – por reporte a cada um dos reconhecimentos, naturalmente - as maiores semelhanças possíveis.

Como se lê em douto acórdão do TRL de 13.9.2016 “A impugnação da validade daquele meio de prova exige que se produza prova em sentido contrário. O recorrente só conseguirá abalar o reconhecimento efectuado se demonstrar, como alega, que, apesar do conteúdo do auto, não foi cumprida uma formalidade essencial “as pessoas colocadas ao lado do arguido não apresentavam com este qualquer semelhança”. Todavia, só lhe será possível fazer tal demonstração quando puder exercer o contraditório, seja em instrução, seja em julgamento, nunca na fase de inquérito. Muito menos em sede de recurso, o qual não admite a produção de prova suplementar de quaisquer factos, estando o tribunal de recurso vinculado a decidir em função do que existia nos autos no momento em que foi proferida a decisão recorrida, que aplicou a medida de coacção.”(9)

Em idêntico sentido Ac. da RC de 17.5.2017 onde, fazendo apelo à síntese do respectivo sumário, se escreveu: “A semelhança entre as pessoas dispostas no acto de identificação deve ser a maior possível, sendo eventual desconformidade apreciada pelo tribunal da condenação em sede de valoração da prova e não como condição de validade.”(10).

Note-se, já agora, que anexo aos autos de reconhecimento foi lavrada uma “cota” pelo OPC onde se consignou que “Nesta data faço constar que o defensor do arguido AA, Dr. DD, recusou-se a assinar o auto em que este participou, com a alegação de que apenas um dos figurantes era muito parecido com o arguido, e o outro não tanto.”, posição esta bem diversa da que agora defende o mesmo arguido/recorrente.

Reafirmamos, destarte, a sem razão dos recorrentes neste ponto da fundamentação do recurso.

Sobre a inexistência de registo fotográfico dos participantes, dir-se-á:

Não se concordando uma vez mais que, liminar e necessariamente, isso inviabilize que o julgador apure do acerto do procedimento, reconhece-se não obstante que tal inexistência pode efectivamente dificultar o saber-se se a descrição física dos integrantes da linha de reconhecimento respeita “as maiores semelhanças possíveis” a que alude o n.° 2 do art. 147.° do CPP.
Todavia, como cristalinamente decorre da lei (n.º 4 do art. 147.º) as pessoas que intervieram no reconhecimento/figurantes não são obrigadas a deixar-se fotografar, só o sendo “se nisso consentirem”, caso em que as fotografias serão então juntas ao auto.
Lidos os autos de reconhecimento de pessoas em causa, de nenhum resulta que algum figurante tenha autorizado a captura da respectiva fotografia.
Sucede que, e repete-se, no exercício de um direito que, aliás, radica na Constituição – direito pessoal à imagem – cf. art. 26.º/1 da CRP.
Como também escreveu Fábio Almeida(11) “O registo fotográfico está subordinado a um requisito positivo: o consentimento dos participantes. A sua previsão afirma, de forma expressa, o conteúdo essencial dos arts. 26.° da CRP, 199.° do CP e 79.° do CC: a exigência de consentimento do titular do bem jurídico, na ausência de restrição expressa (art. 18.º/2 da CRP)”.
Como de forma clara e lapidar se concluiu em acórdão do STJ de 19.5.2016(12), “Não tendo havido autorização para que fossem recolhidas fotografas dos intervenientes no reconhecimento, estas não podem ser realizadas, pelo que não existe violação do disposto no art. l47.°, n.° 2, do CPP”.
O facto de os figurantes que integraram a linha de reconhecimento serem, eles próprios, funcionários do OPC, em nada distorce ou invalida o que acabamos de afirmar.

Em primeiro lugar, diga-se que, compulsados os autos, não se confirma a afirmação dos recorrentes que se trata de funcionários do OPC que “simultaneamente presidiram à diligência”. Está exarado em “cota”, de resto em conformidade com o que consta de cada um dos autos, que “As diligências de reconhecimento pessoal com os arguidos foram todas testemunhadas e conduzidas pela signatária em conjunto com o Inspetor Chefe EE e o Inspetor FF, tendo sido conduzidas com a máxima regularidade e com os figurantes mais adequados possível.”, sendo que a signatária é a Inspectora GG, constatando-se que nenhuma destas pessoas consta como figurante em nenhum dos aludidos autos de reconhecimento.

Por outro lado, não vemos que a não autorização por parte dos figurantes simultaneamente funcionários do OPC violem as normas do Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária assinaladas pelos recorrentes (alíneas b), h), i), j) e k) artigo 26.º do DL n.º 138/2019, de 13 de Setembro: (...) os trabalhadores da carreira de investigação criminal estão especialmente sujeitos, no exercício das suas funções, à: b) Subordinação ao interesse público, à defesa da legalidade e aos direitos fundamentais dos cidadãos; h) Adoção, em todas as situações, de uma conduta pessoal e profissional conforme aos deveres profissionais e aos princípios éticos e deontológicos que pautam a atividade e o cumprimento da missão da PJ; i) Realização das funções com objetividade, imparcialidade e isenção; j) Coadjuvação das autoridades judiciárias; k) Observância da lei penal e processual penal, designadamente no respeito pelos prazos legais;).

Diga-se, ademais, que estamos perante funcionários que “se prestaram a participar neste ato voluntariamente”, acrescendo que, atentas v.g. as funções de investigação criminal que estão cometidas à PJ, não se nos afigura de estranhar que entendam ser desaconselhável o registo das suas fotografias (independentemente do que isso possa implicar em termos de valoração de prova, repete-se).

Concordamos assim com o alegado na resposta apresentada pelo M.º Público quando refere que “Do Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária, nomeadamente no disposto nos seus artigos 26.°, alíneas b), h), i), j) e k), nada decorre, nem tal seria de crer, que retire direitos pessoais aos referidos profissionais.”

Ademais, ainda que os ditos figurantes tivessem violado deveres funcionais como pretendido pelos recorrentes o que poderia estar então em causa era a sua responsabilidade (disciplinar) perante a instituição a que se encontram vinculados, não se percutindo isso na validade dos actos de reconhecimento em causa.


Noutra perspectiva, consigna-se que também não colhe o entendimento expresso pelos recorrentes de que, seguindo um princípio de ponderação de interesses entre o direito à prova e contraditório, enquanto garantias basilares de defesa do arguido previstos no artigo 32.º n.ºs 1 e 5 da Constituição da Republica Portuguesa, e os direitos individuais sacrificados das pessoas que voluntariamente integraram a linha de reconhecimento, terá que prevalecer o direito do arguido em sede de produção e valoração da prova.

É que sendo verdade que a CRP consagra as invocadas garantias à defesa do arguido, já o não é, em nosso entendimento, que o exercício do direito à imagem por parte dos falados figurantes, não dando o consentimento para que fossem tiradas as suas fotografias e juntas aos autos, obste ao exercício do contraditório ou ao cabal funcionamento de qualquer (outra) garantia da defesa.
Relativamente à invocada violação do princípio in dubio pro reo, enquanto decorrência do princípio da presunção de inocência do arguido, plasmado no artigo 32.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, desde já se diz que também aqui não assiste razão aos recorrentes.

Com efeito, não faz sentido invocarem os recorrentes, na sequência de despacho proferido em sede de primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos, em que se decide da indiciação de factualidade típica da sua responsabilidade para efeitos de imposição de medida de coacção, a presunção de inocência como obstáculo a que, em tal contexto, se valorem as provas então carreadas para o processo e se considerem indiciados factos ou se conclua pela forte probabilidade de, a final, vir a ser imposta pena de prisão efectiva.

É inquestionável que a presunção de inocência está constitucionalmente consagrada, mas também o estão as tarefas fundamentais do Estado e a atribuição aos Tribunais, enquanto órgãos de soberania, da incumbência da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, que impõe a investigação em ordem a perseguir eficazmente actos ilícitos, e actividade essa dos Tribunais em cujo âmbito há que formular juízos sobre a indiciação de factos ilícitos e previsibilidade de condenação em pena de prisão, como indubitavelmente são os juízos que subjazem à imposição de medidas de coacção que as exigências cautelares imponham.

Ora, reafirma-se, essa actividade dos Tribunais obriga a que tenham em consideração, valorando-as, as provas carreadas para o processo (e que, naturalmente, não sejam proibidas).

Não se alcança, pois, suporte legal que sustente a invocada violação do princípio in dubio pro reo.

Encarando, por último, a questão por reporte ao segmento em que os recorrentes argumentam que não tendo sido recolhida qualquer fotografia dos integrantes da linha de reconhecimento/figurantes, ou, no mínimo, efectuada qualquer discrição das suas características físicas, para mais quando a linha de reconhecimento é integrada por funcionários do OPC, que presidiu à diligência, um entendimento que permita a conclusão de que as pessoas referidas nos autos de reconhecimento possuem as semelhanças legalmente exigíveis, constitui uma interpretação inconstitucional por violação das garantias de defesa dos arguidos, maculação dos princípios da boa-fé e lealdade processual, do contraditório, do direito à prova, do direito de acesso aos tribunais e do princípio da presunção de inocência, enquanto garantes do processo equitativo, conforme o estipulado nos artigos 18.º, 20.º, n.ºs 1 e 4, 32.º n.ºs 1, 2 e 5, da CRP e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, normas jurídicas que foram com a decisão recorrida violadas, cumpre dizer:
Conquanto invoquem os art.s 18.º (força jurídica dos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias), 20.º, n.ºs 1 e 4 (artigo que tem por epígrafe “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”, em cujo número 4 se consagra, nomeadamente, o direito a um processo equitativo), 32.º n.ºs 1, 2 e 5, da CRP (Garantias de processo criminal, onde, designadamente, se consagram o princípio da presunção de inocência do arguido e o princípio do contraditório), os recorrentes não densificam minimamente a alegada “maculação” dos princípios da boa-fé e lealdade processual, do contraditório, do direito à prova, do direito de acesso aos tribunais e do princípio da presunção de inocência, enquanto garantes do processo equitativo.


O mesmo se diga quanto à invocada violação, pela decisão recorrida, dos artigos 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – onde também estão consagrados o mencionado princípio da presunção de inocência e o direito a um processo equitativo, designadamente - e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos – que, outrossim, consagra os mesmos princípios -, não explicitando os recorrentes o seu raciocínio para assim concluírem.

A ponderação – que permita ou não chegar à conclusão de que as pessoas referidas nos autos de reconhecimento possuem as semelhanças legalmente exigíveis – deve fazer-se oportunamente, pois os recorrentes não ficaram, de forma alguma, impedidos de, “na audiência de julgamento, contrariar o valor probatório do reconhecimento anteriormente efectuado, com pleno funcionamento da regra do contraditório”(13)

Como a propósito desta problemática também já se expendeu em douto acórdão do STJ, não pode confundir-se «o nível procedimental de cumprimento de requisitos e formalidades dos reconhecimentos (e do seu registo nos respectivos autos) “com a dimensão outra da sua valorização (ou desvalorização) face aos demais meios de prova”»(14).

O que está agora em causa é saber se os reconhecimentos realizados o foram de acordo com os requisitos legais definidos no artigo 147.º do CPP e a resposta, como deflui do já supra expresso, tem de ser positiva.

Ante tudo o exposto, temos de concluir que não se verificam as apontadas violações das normas legais trazidas à colação.

IVDISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os Juízes da 9.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos AA, BB e CC e, consequentemente, manter o despacho recorrido.


Custas pelos arguidos/recorrentes, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça devida por cada um dos recorrentes (arts. 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal, e arts. 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este diploma legal).
Notifique (art. 425.º, n.º 6, do CPP).


***


Lisboa, 04 de Novembro de 2021


Francisco de Sousa Pereira - (relator)
[assinatura digital]
Lídia Renata Goulart Whytton da Terra - (adjunta)
[assinatura digital]



(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos – cf. art. 94.º, n.º 2

*****

1Cf., neste sentido e a título de exemplo, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª Edição Actualizada, UCE, 2009, anot. 3 ao art. 402.º, págs. 1027/1028; António Henriques Gaspar e outros, Código de Processo Penal Comentado, 3.ª Edição Revista, Almedina, 2021, anot. 3 ao art. 403.º, pág. 1265.
2Acórdão de fixação de jurisprudência n.° 7/95, DR-I, de 28.12.1995.
3Proc. 727/17.8PASNT.L1.S1; também no sentido de que o auto que consubstancia o reconhecimento configura um documento autêntico, Santos Cabral in Código de Processo Penal Comentado, 3.ª Ed. Revista, Almedina, 2021, pág. 563.
4Proc. 97/13.3PBFAR.E1, www.dgsi.pt.
5Ambos em www.dgsi.pt
6Cf. Santos Cabral, Código de Processo Penal Comentado, António Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2021, 3.ª Ed. Revista, pág. 560.
7Legalidade da Prova e Reconhecimentos «Atípicos» em Processo Penal: Notas à Margem de Jurisprudência (Quase) Constante, in Liber Discipulorum para Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, a pág. 1417.
8Cf. Fábio Almeida, A prova por reconhecimento num processo penal de estrutura acusatória, Dissertação com vista à obtenção do grau de Mestre em Direito, Novembro de 2016, pág. 77 e nota 369, in https://run.unl.pt/bitstream/10362/20130/1/Almeida_2016.pdf.
9Proc. 590/16.6PSLSB-A.L1-5, cf. ponto VI do sumário, in www.dgsi.pt.
10CJ, Ano XLII, T III/2017, pág.s 42 e ss.
11Obra e local citados, a pág.s 87.
12Citado no já identificado Código de Processo Penal Comentado, a pág.s 572.
13Cf. Ac. TC 532/2006.
14Cf. Ac. STJ de 02-10-2014, Proc. 87/12.3SGLSB.L1.S1, www.dgsi.pt