Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2794/18.8YRLSB-2
Relator: GABRIELA CUNHA RODRIGUES
Descritores: DECISÃO ARBITRAL
ANULAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– O juiz deve saber comunicar a sua decisão, de modo a que cumpra o desígnio de realização concreta do direito, de forma eficaz para os seus destinatários e para a comunidade em geral.

II– É a fundamentação, como elemento de comunicação, que fornece os meios para confrontar a decisão com os seus pressupostos, tornando possível o seu exame.

III– Porém, não pode todo e qualquer controlo, exercido em sede de anulação, conduzir à destruição de uma sentença arbitral, pelo facto de o juiz entender que a motivação é insuficiente ou pouco convincente.

IV– De acordo com o n.º 3 do artigo 42.º, n.º 3, da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14.12, será nula a sentença arbitral totalmente desprovida de fundamentação.

V– No caso em espécie, deparamo-nos com uma apreciação crítica das provas produzidas, ainda que perfunctória e adaptada à natureza marcadamente abreviada e informal do procedimento arbitral.

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil (doravante CPC) - da responsabilidade da relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


1.– Metalocil–Comércio e Indústria de Materiais para a Construção Civil, Lda. intentou a presente ação declarativa de anulação da decisão arbitral contra a Fidelidade–Companhia de Seguros, S.A., proferida em 21.6.2018, invocando o vício da nulidade por falta de fundamentação.

Alega, para tal, que:
- Apresentou reclamação contra a Ré no Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), para resolução de um litígio decorrente do ramo de seguro automóvel;
- A sentença proferida pelo CIMPAS nada revela na sua fundamentação sobre o processo relativo à formação da convicção sobre o julgamento da matéria de facto pelo Juiz Árbitro;
- A fundamentação apenas contém a descrição do elenco dos meios de prova trazidos pelas partes ao processo, sem um mínimo de apreciação crítica, equivalendo a uma absoluta falta de fundamentação;
- A fundamentação é um corolário direto do imperativo consagrado no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa.
Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, na qual pugna pela improcedência da ação de anulação.
*

II–Questão a decidir

A questão que se suscita na presente ação é a de saber se o acórdão arbitral impugnado enferma do vício da falta de fundamentação.
*

III–Fundamentação

Dos factos

Os elementos factuais e processuais relevantes para a decisão são os seguintes:

1.– Metalocil–Comércio e Indústria de Materiais para a Construção Civil, Lda. apresentou reclamação para intervenção do serviço de mediação e arbitragem do Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (CIMPAS) com vista à resolução do litígio que a opõe à seguradora Fidelidade– Companhia de Seguros, S.A. para a qual foi transferida a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros de matrícula 4...-9...-XX, mediante contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 7.......8, e a cujo condutor atribui a produção do acidente de viação de que resultou um embate na sua viatura, de matrícula 1...-YY-0..., cujos danos pretende sejam reparados.

2.– Frustrada a conciliação entre as partes, realizou-se a audiência de julgamento nos dias 7 de junho de 2018 e 4 de julho de 2018, conforme atas de fls. 7 a 9.

3.– No dia 24 de julho de 2018, o Tribunal arbitral proferiu a seguinte decisão:
«A pretensão da reclamante, Metalocivil Comércio e Indústria de Materiais de Construção Civil, Lda., é a condenação da reclamada, Fidelidade Companhia de Seguros SA, no pagamento da quantia de €. 2.730,15, conforme documentos anexos à reclamação.

Houve contestação que se encontra a fls. 38 e seguintes do processo.

As guias de despesas processuais estão pagas.

Finda a produção de prova resultaram provados, apenas, os seguintes factos:
1–  No dia 31.10.2017, pelas 17h e 10m, na Amadora, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos com as matrículas 1...-YY-0... (adiante abreviadamente designado YY), propriedade da reclamante e conduzido por JB..., e 4...-9...-XX (adiante apenas designado XX), seguro na reclamada pelo contrato titulado pela apólice nº 7.......8, e conduzido por AQ...;
2–  O acidente ocorreu na rotunda da Praça Dr. MS..., junto à Avenida CC...;
3–  JB... conduzia o YY no exercício da sua actividade, ao serviço da reclamante;
4–  O veículo XX circulava na rotunda;
5– O condutor do YY entrou na rotunda indo embater com a frente do YY na traseira lateral do XX;
Foram avaliados danos no YY com separação de danos situados no vértice esquerdo cuja reparação ascende a € 749,87, e no vértice direito a € 1.980,20;
Os factos acima enunciados resultam da apreciação crítica de toda a documentação junta ao processo pelas partes, nomeadamente, Declaração Amigável de Acidente Automóvel de fls. 4; relatórios de separação de danos e de peritagem de fls. 7 e 8; carta da reclamada de fls. 17; certificado de matrícula de fls. 27; condições particulares da apólice da reclamada de fls. 41; relatório de averiguação de  fls. 42 com fotografias do local e dos veículos; E ainda dos depoimentos prestados por P.J.M.M., testemunha comum, J.E.N.P. e A.I.P.Q., testemunhas da reclamada. Foram prestadas declarações de parte pelo gerente da reclamante.
O presente acidente ocorre numa rotunda. A posição da reclamada é a de ter havido violação, por parte dó condutor do veículo de propriedade da reclamante, do disposto no artigo 62 do Código da Estrada, relativo à sinalização existente no local, bem como da concreta regra da prioridade aplicável.
A reclamante discordando da posição assumida pela reclamada, reclama com os fundamentos de fls. 2 juntando os documentos 1 a 5, discriminados no ponto 5 na reclamação.

As normas contidas no Artigo 14.º-A do Código da Estrada, sob a epígrafe Rotundas, são as seguintes:
1– Nas rotundas, o condutor deve adotar o seguinte comportamento:
a)- Entrar na rotunda após ceder a passagem aos veículos que nela circulam, qualquer que seja a via por onde o façam;
b)- Se pretender sair da rotunda na primeira via de saída, deve ocupar a via da direita;
c)- Se pretender sair da rotunda por qualquer das outras vias de saída, só deve ocupar a via de trânsito mais à direita após passar a via de saída imediatamente anterior àquela por onde pretende sair, aproximando-se progressivamente desta e mudando de via depois de tomadas as devidas precauções;
d)- Sem prejuízo do disposto nas alíneas anteriores, os condutores devem utilizar a via de trânsito mais conveniente ao seu destino.

Das declarações do legal representante da reclamante, e condutor do YY, resulta que existe alguma imprecisão no esquema de acidente contido na Declaração Amigável de Acidente Automóvel de fls. 4, quanto à localização dos veículos, concretizando que existiram dois momentos de embate um primeiro, grosso modo coincidente com a localização dos veículos plasmada no esquema de fls. 4, cujo duplicado da DAAA foi junto em audiência, e um segundo momento de embate, junto à primeira saída da rotunda, tomando como referência a proveniência do YY.
Os condutores prestaram esclarecimentos quanto às circunstâncias assinaladas na DAAA, bem como quanto aos danos dos veículos e dinâmica de acidente. De igual forma a testemunha P.J.M.M., que tem o seu depoimento escrito.
De toda a prova produzida, não resultou provado qualquer facto demonstrativo da responsabilidade do condutor do veículo seguro na reclamada, nomeadamente, que a mudança de via com vista à saída da rotunda não tenha sido feita progressivamente ou que existiu uma paragem injustificada e repentina após embate.
A obrigação de cedência de passagem, prevista na alínea a) do artigo 14º-A acima referido, esclarece que a entrada na rotunda deve ser feita após ceder a passagem aos veículos que nela transitam, por qualquer que seja a via por onde o façam. Foi ponderada a concreta dimensão da rotunda, visível nas fotografias insertas no relatório de averiguação, bem como o posicionamento relativo das entrada e saída que estão em questão, assim como as versões reproduzidas sobre a dinâmica do acidente. Ora, no primeiro embate o condutor do veículo seguro na reclamada circulando na rotunda posicionava-se para a saída pretendida, e no segundo embate é o condutor do veículo da reclamante quem não tendo adequado a velocidade de entrada na rotunda vai embater na traseira do veículo que o precede cujo condutor parou em virtude do primeiro embate.
Face à inexistência de factos provados demonstrativos da culpa do condutor do veículo seguro na reclamada, conforme competia à reclamante, e que o não fez, reclamante que aliás se encontrava onerada com uma presunção de culpa invocada na contestação e que não ilidiu, ponderada a concreta configuração da rotunda, bem como dos danos que os veículos exibem, terá de improceder a presente reclamação.
Decisão: Na improcedência da presente reclamação, absolve-se a reclamada do pedido, o que se decide ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 14º-A a) 24º nº 1 e 25º  f) do Código da Estrada e 505º do Código Civil.
Notifique», conforme documento de fls. 74 a 77.

Do Direito

a)- O dever de fundamentação das decisões judiciais constitui uma manifestação do direito a um processo equitativo, previsto nos artigos 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
No plano constitucional, encontra arrimo nos artigos 20.º, n.º 4 (direito a um processo equitativo) e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Também no direito adjetivo nacional, o artigo 154.º, n.º 1, do CPC, prevê que «As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas».
O juiz deve ainda saber comunicar  a sua decisão, de modo a que cumpra o desígnio de realização concreta do direito, de forma eficaz para os seus destinatários e para a comunidade em geral.
É a fundamentação, como elemento de comunicação, que fornece os meios para confrontar a decisão com os seus pressupostos, tornando possível o seu exame.
A fundamentação das decisões judiciais tem, pois, uma dimensão endógena, impondo ao juiz um momento de verificação, de autocontrolo, e uma função exógena que aponta na direção dos destinatários da decisão (partes, tribunais superiores ou público em geral), de modo a que possam compreender e examinar as razões pelas quais o tribunal proferiu aquela decisão (e não a outra) e qual o raciocínio lógico que seguiu.
A um meticuloso exercício de auto-consciência junta-se, assim, um esforço acrescido de transparência na motivação e de abertura à sindicabilidade.
A propósito da fundamentação da sentença, o artigo 607.º, n.º 4, do CPC prevê que o juiz declare «quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (…)».
A inobservância do dever de fundamentação por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão determina a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
Importa, no entanto, destrinçar as decisões judiciais que são em absoluto carecidas de fundamentação daquelas em que a fundamentação surge como deficiente ou errada.
Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade, ou erroneidade – integra a previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento – cf. acórdão do STJ de 2.6.2016, p. 781/11, in www.dgsi.pt.

b)- Nos termos do artigo 42.º, n.ºs 1 e 3 da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14.12, «a sentença deve ser reduzida a escrito e assinada pelo árbitro ou árbitros» e «deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º» (o que não sucedeu no caso em apreço).
A não observância destes requisitos é fundamento para a anulação da sentença arbitral, como decorre do artigo 46.º, n.º 3, alínea a), ponto vi), da LAV.
No artigo 13.º, alínea e), do Regulamento do Serviço de Mediação e Arbitragem de Seguros (aprovado pela Assembleia Geral de 31.5.2010, nos termos previstos no artigo 12.º, alínea i), dos Estatutos do CIMPAS – Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros, que rege o Serviço de Mediação e Arbitragem de Seguros), estabelece-se que da decisão arbitral constarão os seus fundamentos, de facto e de direito.
O artigo 14.º do referido Regulamento determina ainda que se aplique supletivamente a LAV (n.º 1) e, em caso de omissão, subsidiariamente, as regras e princípios do CPC, adaptados à natureza marcadamente abreviada e informal do procedimento arbitral (n.º 2).
Emana deste regime a conclusão de que a sentença arbitral deve ser fundamentada e que os fundamentos de facto e de direito deverão dela constar.
Como se escreveu no acórdão do TRP de 3.12.2012 (p. 227/12.2 YRPRT, in www.dgsi.pt.) «exigindo o legislador que a sentença arbitral fundamente de facto e de direito a decisão proferida, sem maiores explicitações quanto ao modo como o juiz árbitro dá cumprimento a este requisito de ordem formal, a dificuldade está em saber qual o grau de concretização ou de densificação da fundamentação (de facto) exigida».
Paula Costa Silva sustenta que o requisito exigido pelos artigos 23.º, n.º 3, e 27.º, alínea d), da Lei n.º 31/86, de 29.8 (correspondentes aos atuais artigos 42.º, n.º 3 e 46.º, n.º 3, alínea a), ponto vi), da LAV) - dever de fundamentação da sentença arbitral - é formal, mas determinativo da anulação da sentença arbitral, ou seja, a sua violação gera a sua destruição, com eficácia retroativa. No entender da autora, tal regime justifica-se por afastar do processo arbitral decisões arbitrárias não fundadas na lei (arbitragem-arbitrária), sublinhando que só a fundamentação confere inteligibilidade à sentença.
Sublinha, porém, que não pode todo e qualquer controlo, exercido em sede de anulação, conduzir à destruição de uma sentença arbitral, pelo facto de o juiz entender que a motivação é insuficiente ou pouco convincente.
Assim, considera a autora que só a falta total de motivação gerará a nulidade da decisão arbitral, pelo que propõe a seguinte conclusão: «de acordo com o n.º 3 do artigo 23.º da Lei n.º 31/86, será nula a sentença arbitral totalmente desprovida de fundamentação» (in Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, ROA, Ano 52, Dez.1992, pp. 935 e ss.).
Referindo-se à fundamentação da sentença arbitral, Manuel Pereira Barrocas escreve que «por fundamentação deve entender-se o exame do sentido prático da prova e não necessariamente crítico, da prova produzida, a especificação dos factos provados, nomeadamente os admitidos por acordo ou por confissão, as razões que justificam a aplicação da lei aos factos e a conclusão resultante da conjugação dos factos provados com a lei aplicada» (in Manual de Arbitragem, Coimbra: Almedina, 2010, p. 492).
E, mais adiante, acrescenta:
«A fundamentação deve conter os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão em termos que não diferem do regime do CPC (artigo 659º, números 1 a 3) para a sentença judicial, pois, de outro modo, tornar-se-ia difícil a sua apreciação pelo tribunal judicial em caso de recurso ou de acção de anulação» (op. cit., p. 515).

Mais recentemente, o autor não deixa de considerar o seguinte:
«O Código de Processo Civil, tal como qualquer outra lei processual, nacional ou estrangeira, não foi pensado, elaborado e publicado para regular a arbitragem em geral e o processo arbitral em particular, sob pena de se transpor para a arbitragem a complexidade, quando não discussões doutrinárias e jurisprudenciais que não têm a ver com a arbitragem, desvirtuando e retirando as vantagens que lhe são próprias.
Sem dúvida que o árbitro pode inspirar-se no CPC para, inexistindo normas convencionais estabelecidas pelas partes ou pelo próprio tribunal arbitral em concreto ou regulamentares de uma instituição arbitral a que o processo esteja afecto, aplicar conceitos e mesmo regime idêntico ao estabelecido no CPC na condução do processo arbitral. Mas, isso não só não é feito por via analógica, pois se tal fosse o caso ter-se-ia de admitir que o CPC era susceptível de aplicação à arbitragem, o que não é o caso, como ainda o árbitro tem sempre o poder de seguir solução diversa da apontada pela lei processual civil.
Em matéria de nulidade da sentença arbitral, por exemplo, têm-se visto algumas decisões judiciais proferidas sobre a matéria que tendem a aplicar o CPC na apreciação da validade de sentenças arbitrais, o que se nos afigura totalmente incorrecto.
Na verdade, os casos de nulidade da sentença arbitral estão regulados no artigo 27º, número 1» (cf. no estudo «A Prova no Processo Arbitral em Direito Português»
(disponível in https:// a.storyblok.com/f/46533/x/b81a5028f2/
-a-prova- no- processo- processo- arbitral- em- direito- portugues-
-manuel-barrocas.pdf).
Ainda o mesmo autor – Manuel Pereira Barrocas (in Lei de Arbitragem Comentada, Almedina, 2013, p. 155) – escreve, em anotação ao artigo 42.º, n.º 3, da atual Lei de Arbitragem Voluntária, que «a nulidade da sentença arbitral não deve … ser vista à luz do regime da sentença judicial fixado no CPC, não podendo, de modo algum, ser atacada senão por violação do dever de fundamentação de uma sentença do tipo arbitral e conforme as características do processo arbitral, despido assim do formalismo rígido da sentença do tribunal estadual».
Também Luís Lima Pinheiro (in A Arbitragem transnacional (a determinação do estatuto da arbitragem), Coimbra: Almedina, 2005, p. 153) segue este entendimento, dizendo que:
«A decisão considera-se fundamentada quando for justificada de facto e de direito, ainda que sumariamente, sobre cada uma das pretensões que foram apresentadas».
A jurisprudência diverge neste plano.
No sentido de que só a falta absoluta de motivação implicará a nulidade da sentença arbitral invocável através de ação de anulação, se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do STJ de 17.5.2001 (CJ-STJ, IX, 2, 89) e de 15.5.2007 (p. 07A924, em www.dgsi.pt), do TRP de 9.11.2000 (CJ, XXV, 5, 87) e de 25.11.2014 (p. 245/14.6 YRPRT, in www.dgsi.pt), do TRL de 2.10.2006 (p. 1465/2006-2, em www.dgsi.pt) e do TRC de 9.1.2018 (p. 191/17.1YRCBR, in www.dgsi.pt).
Em sentido diverso, podem consultar-se os acórdãos do TRP de 11.11.2003 (p. 0324038, in www.dgsi.pt) e de 3.12.2012 (p. 227/12.2YRPRT, in www.dgsi.pt), concluindo-se no primeiro que «numa decisão arbitral é obrigatória a análise crítica dos meios de prova, não bastando a indicação dos meios de prova e da matéria provada» e que «tal omissão provoca a anulação de arbitragem», e sumariando-se no segundo que «I.- A sentença arbitral, sob pena de anulabilidade carece de fundamentação de facto ainda que sumária que evidencie de molde concretizado a ponderação dos meios probatórios e o modo como, com base neles o julgador formou a sua convicção. II.- E, também à semelhança do prescrito no art.º 659º do Código de Processo Civil, o art.º 23º e 27º da L. 31/86, de 29/8 impõe que seja feito um juízo apreciativo, motivado e justificado, quer dos factos quer do direito que, em termos interpretativos vai aplicar àqueles».

c)- Em linha com o segundo entendimento, aderimos à tese segundo a qual só a falta absoluta de motivação implicará a nulidade da sentença arbitral, a qual melhor se coaduna com a natureza e índole do processo arbitral.
Sem embargo, ainda que sustentassemos a tese mais rigorosa sobre a fundamentação da sentença arbitral, nem assim se verificaria in casu a nulidade apontada.
Com efeito, decorre da leitura da sentença em apreço que se encontra fundamentada contendo, para além de um breve relatório, a discriminação dos factos provados, a menção aos factos não provados, a referência aos meios de prova produzidos e uma apreciação crítica da prova.
Senão, vejamos.
Os factos provados estão elencados sob os pontos 1 a 5.
Os factos não provados também estão mencionados na sentença, como resulta do seguinte trecho:
«De toda a prova produzida, não resultou provado qualquer facto demonstrativo da responsabilidade do condutor do veículo seguro na reclamada, nomeadamente, que a mudança de via com vista à saída da rotunda não tenha sido feita progressivamente ou que existiu uma paragem injustificada e repentina após embate».
É certo que seria preferível uma enumeração sequencial dos factos não provados, mas, sempre é de realçar que tais factos constam da sentença.
Os meios de prova indicados na sentença arbitral decorrem do seguinte segmento da fundamentação:
«Os factos acima enunciados resultam da apreciação crítica de toda a documentação junta ao processo pelas partes, nomeadamente, Declaração Amigável de Acidente Automóvel de fls. 4; relatórios de separação de danos e de peritagem de fls.7 e 8; carta da reclamada de fls. 17; certificado de matrícula de fls. 27; condições particulares da apólice da reclamada de fls. 41; relatório de averiguação de fls. 42 com fotografias do local e dos veículos; E ainda dos depoimentos prestados por P.J.M.M., testemunha comum, J.E.N.P. e A.I.P.Q., testemunhas da reclamada. Foram prestadas declarações de parte pelo gerente da reclamante».

Quanto à análise crítica das provas, lê-se na sentença arbitral que:
«O presente acidente ocorre numa rotunda. A posição da reclamada é a de ter havido violação, por parte do condutor do veículo de propriedade da reclamante, do disposto no artigo 62 do Código da Estrada, relativo à sinalização existente no local, bem como da concreta regra da prioridade aplicável.
A reclamante, discordando da posição assumida pela reclamada, reclama com os fundamentos de fls. 2 juntando os documentos 1 a 5, discriminados no ponto 5 na reclamação.
As normas contidas no Artigo 14.º-A do Código da Estrada, sob a epígrafe Rotundas, são as seguintes:
1– Nas rotundas, o condutor deve adotar o seguinte comportamento:
a)- Entrar na rotunda após ceder a passagem aos veículos que nela circulam, qualquer que seja a via por onde o façam;
b)- Se pretender sair da rotunda na primeira via de saída, deve ocupar a via da direita;
c)- Se pretender sair da rotunda por qualquer das outras vias de saída, só deve ocupar a via de trânsito mais à direita após passar a via de saída imediatamente anterior àquela por onde pretende sair, aproximando-se progressivamente desta e mudando de via depois de tomadas as devidas precauções;
d)Sem prejuízo do disposto nas alíneas anteriores, os condutores devem utilizar a via de trânsito mais conveniente ao seu destino.
Das declarações do legal representante da reclamante, e condutor do YY, resulta que existe alguma imprecisão no esquema de acidente contido na Declaração Amigável de Acidente Automóvel de fls. 4, quanto à localização dos veículos, concretizando que existiram dois momentos de embate um primeiro, grosso modo coincidente com a localização dos veículos plasmada no esquema de fls.4, cujo duplicado da DAAA foi junto em audiência, e um segundo momento de embate, junto à primeira saída da rotunda, tomando como referência a proveniência do YY.
Os condutores prestaram esclarecimentos quanto às circunstâncias assinaladas na DAAA, bem como quanto aos danos dos veículos e dinâmica de acidente. De igual forma a testemunha P.J.M.M. que tem o seu depoimento escrito.
De toda a prova produzida, não resultou provado qualquer facto demonstrativo da responsabilidade do condutor do veículo seguro na reclamada, nomeadamente, que a mudança de via com vista à saída da rotunda não tenha sido feita progressivamente ou que existiu uma paragem injustificada e repentina após embate.
A obrigação de cedência de passagem, prevista na alínea a) do artigo 14º-A acima referido, esclarece que a entrada na rotunda deve ser feita após ceder a passagem aos veículos que nela transitam, por qualquer que seja a via por onde o façam. Foi ponderada a concreta dimensão da rotunda, visível nas fotografias insertas no relatório de averiguação, bem como o posicionamento relativo das entrada e saída que estão em questão, assim como as versões reproduzidas sobre a dinâmica do acidente. Ora, no primeiro embate o condutor do veículo seguro na reclamada circulando na rotunda posicionava-se para a saída pretendida, e no segundo embate é o condutor do veículo da reclamante quem não tendo adequado a velocidade de entrada na rotunda vai embater na traseira do veículo que o precede cujo condutor parou em virtude do primeiro embate.
Face à inexistência de factos provados demonstrativos da culpa do condutor do veículo seguro na reclamada, conforme competia à reclamante, e que o não fez, reclamante que aliás se encontrava onerada com uma presunção de culpa invocada na contestação e que não ilidiu, ponderada a concreta configuração da rotunda, bem como dos danos que os veículos exibem, terá de improceder a presente reclamação» (negrito e sublinhado nossos).
Estamos perante uma apreciação crítica das provas produzidas, ainda que perfunctória e adaptada à natureza marcadamente abreviada e informal do procedimento arbitral - cf. artigo 14.º, n.º 2. do Regulamento do Serviço de Mediação e Arbitragem de Seguros do CIMPAS.

d)- Neste contexto, tendo em atenção tudo o que se tem vindo a expor, é de concluir que a sentença arbitral em análise se encontra devidamente fundamentada, não havendo razão para determinar a sua anulação, tal como pretendido pela Autora.
Vencida a Autora, deverá ser condenada no pagamento das custas processuais – artigos 527.º, n.º 1, 529.º, e 607.º, n.º 6, do CPC.
*

IV–Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes da 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a presente ação de anulação de decisão arbitral.
Mais se condena a Autora no pagamento das custas.
*

Lisboa, 27 de junho de 2019

(Gabriela Cunha Rodrigues)
(Arlindo Crua) 
(António Moreira)