Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2903/11.8TACSC.L1-3
Relator: CARLOS ALMEIDA
Descritores: CRIME DE FURTO
CONSUMAÇÃO
CO-AUTORIA
GPS
MEIO OCULTO DE INVESTIGAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I– O conceito de subtracção, elemento do tipo objectivo do furto, analisa-se em dois elementos: na perda de detenção por parte do detentor originário e na constituição de uma nova detenção por parte do agente.
II–O momento da constituição da nova detenção divide, de há muito, a doutrina e a jurisprudência. Do simples contacto com a coisa (teoria da “contretação”, do latim “contrectatio”), passando pela colocação da coisa sob o controlo de facto e exclusivo do novo detentor (teoria da apreensão, do latim “amotio”) e pela deslocação da coisa do local de domínio do anterior detentor (teoria da ablação, do latim “ablatio”), até à exigência de que a coisa seja transferida para a esfera de domínio do novo detentor (teoria da ilação, do latim “illatio”), tudo são concepções que historicamente têm sido defendidas, se bem que as duas teorias intermédias sejam as preferidas, em geral, pelos autores e pela jurisprudência.

III–O crime de furto é um daqueles em que a consumação formal, que ocorre no momento da subtracção, não coincide com a consumação material ou terminação, que apenas acontece quando o agente se apropria da coisa, quando ele alcança o seu objectivo último. Trata-se, portanto, de um crime de consumação antecipada.

IV–Do ponto de vista subjectivo, o tipo, para além do dolo, que tem como referência os elementos do tipo objectivo e é admitido em qualquer das suas modalidades, exige a intenção de apropriação, elemento subjectivo que vai para além do tipo objectivo.

V–O crime de furto consuma-se, portanto, quando o agente subtrai dolosamente uma coisa móvel alheia com intenção de vir a apropriar-se dela. É um crime imperfeito de dois actos. Para a consumação basta a prática do primeiro (a subtracção) com a intenção de o próprio agente, num momento posterior, vir a praticar o segundo (a apropriação).

VI–Entre o momento da consumação formal e o da consumação material, ou seja, entre a subtracção e a apropriação, existe um lapso de tempo, mais ou menos longo, tudo dependendo do caso concreto e da concepção que se adoptar quanto ao momento da subtracção.

VII–A co-autoria exige que o contributo dado pelo agente se reflicta num momento situado entre o do início da tentativa e o da consumação do facto, não bastando para tal que o contributo se reporte à fase preparatória.

VIII–Mesmo para quem sustente que o contributo dado por um terceiro entre a subtracção e a apropriação ainda pode ser qualificado como uma forma de comparticipação no crime de furto, o certo é que qualquer comportamento que venha a ter lugar para além do momento da apropriação apenas pode consubstanciar a prática de um outro tipo de crime, nomeadamente o de receptação.

IX–Para que o Ministério Público tenha legitimidade para promover um processo por um crime semi-público, como é o furto simples, é necessário que o ofendido ou uma das outras pessoas para o efeito indicadas na lei lhe dêem conhecimento dos factos pelos quais pretendem que seja exercida a acção penal – artigo 49.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – «no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores» – n.º 1 do artigo 115.º do Código Penal –, sob pena de esse direito se extinguir.

X–Caso exista uma pluralidade de pessoas responsáveis pelo crime, «[a] apresentação da queixa contra um dos comparticipantes no crime torna o procedimento criminal extensivo aos restantes» – artigo 114.º do Código Penal –, assim como «[o] não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também não puderem ser perseguidos sem queixa» – artigo 115, n.º 3, do mesmo diploma legal.

XI–Da conjugação destas normas resulta que, no caso de existir uma pluralidade de pessoas responsáveis pela prática de um crime semi-público, o prazo de 6 meses para o exercício do direito de queixa se conta a partir do momento em que o titular desse direito tiver tido conhecimento do facto e, pelo menos, da identidade de um dos seus agentes.

XII–Se, nesse prazo, o titular do direito de queixa não exercer esse direito, o mesmo extingue-se, não obstante apenas ter tido conhecimento da existência ou da identidade dos outros comparticipantes mais tarde ou de, no prazo de 6 meses, não ter mesmo chegado a conhecer a identidade dos restantes responsáveis.

XIII–Extinto o direito de queixa quanto a um dos comparticipantes, extinto fica o direito quanto aos restantes.

XIV–Se, pelo contrário, o titular tiver exercido o direito de queixa dentro do prazo de 6 meses, contado a partir do conhecimento do facto e da identidade de um dos comparticipantes, essa queixa estende-se aos restantes.

XV–Um aparelho conhecido vulgarmente como “GPS tracker” contém, em geral, para além de um receptor de GPS, um módulo de comunicações que, através da utilização de uma diferente tecnologia (eventualmente GPRS), permite a transmissão dos dados obtidos pelo receptor para a empresa que instala e controla o aparelho, sendo os mesmos facultados, em tempo real, a quem contratou essa empresa através da utilização de um simples computador com ligação à internet, o que permite o acesso ao sítio da empresa e a obtenção dos dados que para ela vão sendo enviados.

XVI–Estes aparelhos e as tecnologias que os mesmos utilizam permitem conhecer, pelo menos, a localização instantânea e precisa do veículo em que se encontram instalados, o percurso pelo mesmo efectuado, os tempos e locais de paragem, o período de funcionamento do motor e a velocidade a que o automóvel circula, podendo propiciar ainda, se tal for pretendido, a obtenção de um leque muito mais alargado de dados, a transmissão de mensagens escritas e o bloqueio da circulação da viatura.

XVII–Os dados obtidos por cada um destes aparelhos constitui prova documental, tal como ela é definida pelo artigo 164.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

XVIII–A questão que se coloca é a de saber se um meio de obtenção de prova com estas características, que não se confunde nem se equipara à intercepção das comunicações, é, entre nós, permitido, dada a ausência de lei que legitime a sua utilização, delimite os crimes que a admitem, estabeleça o procedimento a adoptar e fixe a competência para autorizar o seu uso e controlar todo o procedimento que tiver lugar.

XIX–A resposta a esta questão deve ser negativa, em primeiro lugar porque um aparelho de geolocalização, no caso, um “GPS tracker”, é um meio oculto de investigação que, por isso mesmo, só poderia ser admitido se existisse lei que o consagrasse como um meio de obtenção de prova legítimo e regulasse todos os referidos aspectos do seu regime.

XX–Não se compreenderia que a localização celular de um telemóvel estivesse sujeita aos apertados limites traçados pelos artigos 252.º-A e 189.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e a geolocalização através de meios muito mais precisos fosse admitida sem qualquer limitação e sem controlo.

XXI–A utilização destes aparelhos, pelo sistemático e permanente registo de dados que propicia, cujo tratamento permite, e pela natureza dos mesmos, é susceptível de violar a vida privada dos utilizadores dos veículos em que se encontrem instalados.

XXII–O conceito de vida privada é amplo e embora seja insusceptível de uma exaustiva definição, o seu conteúdo «vai para além dos estreitos limites inerentes à ideia anglo-americana de privacidade, que põe a ênfase no secretismo da informação pessoal e no recato do acto», abrangendo muitos âmbitos que extravasam a habitação e os domínios privados, atingindo mesmo «a zona de interacção de uma pessoa com os outros, mesmo num contexto público».

XXIII–Para além da violação deste direito fundamental, protegido pelo n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, o artigo 35.º, n.º 3, da Lei Fundamental impede que os dados obtidos através desses aparelhos sejam objecto de tratamento informático, a não ser nos casos ressalvados na parte final desse preceito, o que constitui uma forma indirecta de proteger a própria privacidade.

XXIV–Por tudo isto, e não obstante o facto de a prova assim obtida não ter resultado da actividade dos órgãos de polícia criminal, deve entender-se que é proibida a valoração dos registos obtidos através dos dois geolocalizadores instalados pela assistente nos seus veículos sem consentimento os utilizadores dos mesmos, nem autorização da CNPD. É o que resulta do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição e do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

XXV–A utilização dos dois geolocalizadores nas indicadas condições determina, como se disse, a proibição de valoração dos registos através deles obtidos, podendo também «contaminar a restante prova se houver um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa entre a prova proibida e a restante prova».

XXVI–Não implica, no entanto, como afirma o Tribunal Constitucional, «um ‘efeito dominó’ que arrasta todas as provas que, em quaisquer circunstâncias, apareçam em momento posterior à prova proibida e com ela possam, de alguma forma, ser relacionadas».

XXVII–Para que possam ser valoradas «é necessário que exista um clean path, um caminho lícito, que conduza às provas secundárias», parecendo «que nada obsta, obviamente, a que as provas mediatas possam ser valoradas quando provenham de um processo de conhecimento independente e efectivo, uma vez que não há nestas situações qualquer relação de causalidade entre o comportamento ilícito inicial e a prova mediatamente obtida».

XXVIII–Partindo deste critério, a invalidade daquele meio de obtenção de prova impede, a nosso ver, a valoração dos registos obtidos pelos geolocalizadores e a valoração dos resultados das vigilâncias policiais efectuadas e das imagens recolhidas durante a sua realização uma vez que essas vigilâncias foram coordenadas com as informações sobre a localização dos veículos, obtidas através daqueles aparelhos.

XXIX–Impede também a valoração das declarações de natureza confessória prestadas por um dos arguidos porque o mesmo, para além de não se encontrar assistido por advogado, foi confrontado com os dados obtidos através dos aparelhos de GPS.

XXX–Se se aceitarem, para o efeito, raciocínios hipotéticos, poder-se-á entender que as buscas efectuadas aos locais que eram utilizados por três dos arguidos e as apreensões então efectuadas não são atingidas por esse efeito-à-distância uma vez que esses arguidos foram indicados como suspeitos do crime logo num momento inicial, muito anterior ao da instalação dos geolocalizadores nos veículos, sendo as buscas um acto normal de investigação do fundamento da denúncia que, com toda a probabilidade, viria a ter lugar.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência,os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


1–No termo da fase de inquérito, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos M.F.R., A.M.D., L.M., M.H.S., J.C.R. e A.C.F. imputando-lhes a prática, em co-autoria, de um crime de furto simples, na forma continuada, conduta p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 30.º, n.º 2, do Código Penal. Imputou ainda ao arguido A.C.F. a prática de um crime de extorsão na forma tentada, conduta p. e p. pelos artigos 223.º, n.º 1, 22.º e 23.º do mesmo diploma, e ao arguido L.M. a prática de um crime de receptação, conduta p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1, do referido Código (fls. 1406 a 1445).

Dessa peça processual consta a narração dos seguintes factos:
1.A EP S.A., é uma sociedade anónima que tem por objecto social a prestação de serviços de hotelaria e restauração, com sede no Hotel …………..
2.O Hotel ………. efectua serviços de catering para o Centro de Congressos do EP, situado na Avenida …….., ……..
3.Por outro lado, é efectuado ainda o transporte de produtos alimentares e bebidas do Hotel ……… para o Golf do ………, situado na Avenida ……….. e pertencente à EP, S.A., onde são confeccionadas refeições para clientes e pessoal.
4.Para o efeito, são utilizadas duas viaturas de mercadorias, uma de marca Mercedes-Benz, modelo 316 CDI, matrícula XX-XX-VJ, e outra de marca Toyota, modelo Dyna, matrícula XX-DF-XX, esta última com caixa isotérmica.
5.Os arguidos celebraram contrato de trabalho com a EP, S.A. há mais de trinta anos.
6.O arguido M.F.R. foi admitido ao serviço em 23.06.1971 e desempenhava as funções de despenseiro no Hotel ……...
7.O arguido A.M.D.. foi admitido ao serviço em 04.09.1973 e desempenhava as funções de despenseiro no Hotel ……...
8.Cabia exclusivamente aos arguidos M.F.R. e A.M.D.. controlar a despensa e o armazém, registando a entrada dos produtos alimentares, bebidas, produtos de limpeza e loiças, e a saída dos mesmos, mediante requisição pelas diferentes secções do Hotel.
9.O arguido L.M. desempenhou as funções de chefe da secção do economato/despensa no Hotel ............, controlando a actividade dos arguidos M.F.R. Ramos e A.M.D.. Dias, porém, cessou actividade, por aposentação, em 17.07.2009.
10.O arguido M.H.S. Silva foi admitido ao serviço em 01.08.1972 e desempenhava as funções de motorista do Hotel ............
11.O arguido J.C.R. foi admitido ao serviço em 17.03.1973, desempenhava diversas funções dos serviços técnicos e, quando existia um acréscimo de trabalho, também exercia a função de motorista, auxiliando desse modo o arguido M.H.S. ou substituindo-o nos períodos de férias.
12.O arguido A.C.F. foi admitido em 17.10.1973 e desempenhava as funções de assistente de compras do Hotel ............, sendo o responsável pela compra e transporte dos alimentos.
13.Com efeito, ao arguido A.C.F. competia-lhe estimar as necessidades de alimentos e bebidas dos diversos departamentos do estabelecimento, participar na selecção dos fornecedores, receber os produtos e verificar a sua quantidade e qualidade, controlar os stocks, comprar géneros de consumo diário e colaborar na execução de inventários periódicos.
14. Ainda no exercício das suas funções, cabia ao arguido A.C.F. contactar com os fornecedores de produtos hortícolas, peixe e carne e, de acordo com os valores de orçamento apresentados, comprar tais produtos em função das necessidades do Hotel .............
15.Em data não concretamente apurada, mas anterior a Junho de 2007, os arguidos combinaram entre si subtrair do interior da despensa e armazém do Hotel ............ diversos produtos alimentares, de limpeza e bebidas, fazendo-os seus.
16.Mais acordaram os arguidos que, posteriormente, tais produtos seriam distribuídos por todos, cabendo aos arguidos M.H.S. e J.C.R. o respectivo transporte para a residência de todos os arguidos.
17.Com efeito, os arguidos M.F.R. e A.M.D.., aproveitando-se da natureza e do tipo de tarefas inerentes às suas funções e do fácil acesso à despensa do Hotel ............, enchiam diariamente caixas e sacos com produtos alimentares, bebidas, mercearias e produtos de limpeza, retiravam-nas do interior da despensa, por vezes simulando que tais caixas se destinavam ao contentor do lixo, e, em seguida, entregavam as mesmas aos arguidos M.H.S. e J.C.R..
18.Os arguidos M.H.S. e J.C.R., por sua vez, simulando que aqueles sacos e caixas se destinavam ao Golf …….. ou ao Centro de Congressos, transportavam-nos até às próprias habitações ou até às residências dos demais arguidos, onde permaneciam não mais de cinco minutos, por vezes sem desligarem o motor das viaturas do Hotel e apenas para descarregarem os produtos subtraídos.
19.Por outro lado, embora coubesse aos arguidos M.H.S. e J.C.R. o transporte e entrega do remanescente dos produtos alimentares do Centro de Congressos para o Hotel ............, aqueles subtraíam tais produtos, acabando por transportá-los para a sua residência ou para a dos demais arguidos.
20.Não obstante os arguidos M.H.S. e J.C.R. estivessem obrigados a preencher o livro de registo diário dos itinerários onde se deslocavam com as duas viaturas do Hotel ............, o mesmo não correspondia aos percursos que efectivamente realizavam.
21.Noutras ocasiões, os próprios arguidos colocavam os produtos subtraídos nos seus veículos particulares, que se encontravam estacionados nas proximidades do Hotel ............, os quais transportavam depois até às respectivas residências.
22.Assim, pelo menos entre Junho de 2007 e 14 de Junho de 2012, os arguidos, em conjugação de esforços e intentos e na sequência de plano previamente gizado por todos, subtraíram do interior da despensa do Hotel ............, do Centro de Congressos ou do Golf …………, diversos bens alimentares e não alimentares, designadamente, presunto, bacalhau, limões, melões e outras frutas, legumes, iogurtes, cereais, queijos, chouriços, chocolates, manteiga, garrafas de água, garrafas de coca-cola, garrafas de vinho e espumante, leite, azeite, conservas e enlatados, arroz, massas, açúcar, papel higiénico, guardanapos, toalhas de mesas e de casa de banho, loiça em porcelana e talheres.
23.Por outro lado, não obstante o arguido L.M. ter cessado as suas funções, por aposentação, em 17.07.2009, os arguidos M.H.S. e J.C.R. continuaram a transportar e a entregar na respectiva residência, situada na Rua …………., em ………, diversos produtos alimentares e bebidas, subtraídos do interior do Hotel .............
24.Os arguidos M.H.S. a ou J.C.R., deslocaram-se à residência do arguido M.F.R. situada na Rua ,,,,,,,,,,,,,,,, em ,,,,,,, conduzindo os veículos de matrícula XX-XX-VJ e XX-DF-XX, onde entregaram diversos produtos alimentares e bebidas, subtraídos do interior do Hotel ............, em quantidade e qualidade não concretamente apurada, pelo menos nas seguintes datas:

DataHora (chegada/partida)ViaturaVol/Apenso/Fls
03.11.201012h05 – 12h11XX- XX -VJApenso II, fls. 11
20.01.201112h53 – 13h06XX- XX -VJApenso I, fls. 347 e Vol. 2, fls. 650
04.02.201113h29 – 13h36XX- XX -VJApenso I, fls. 232
10.02.201108h07 – 08h09XX- XX -VJApenso I, fls. 252
22.02.201107h59 – 08h01XX- XX -VJVol. 2, fls. 651
20.07.201111h05 – 11h09XX-DF-XXVol. 2, fls. 648
03.08.201108hXX – 08h58XX- XX -VJApenso III, fls. 6 e Vol. 2, fls. 652
07.12.201109h24 – 09h32

12h49 – 12h54

XX-DF-XXVol. 1, fls. 327 e 328A
29.12.201112h50 – 12h57XX- XX -VJVol. 1, fls. 300 e Vol. 2, fls. 653
30.01.201209h11 – 09h14XX- XX -VJVol. 2, fls. 654
13.02.201209h37 – 09h40XX-DF-XXVol. 1, fls. 346 e Vol. 2, fls. 649
31.05.201210h21 – 10h31XX- XX -VJVol. 2, fls. 6XX

25.Os arguidos M.H.S. ou J.C.R. deslocaram-se à residência do arguido A.M.D.., situada na Rua ………., em ……, conduzindo os veículos de matrícula XX-XX-VJ ou XX-DF-XX, onde entregaram diversos produtos alimentares e bebidas, subtraídos do interior do Hotel ............, em quantidade e qualidade não concretamente apuradas, pelo menos nas seguintes datas:

DataHora (chegada/partida)ViaturaVol/Apenso/Fls
16.10.201010h53 – 10h54XX-XX-VJApenso II, fls. 146
22.10.201014h31 – 14h40XX-XX-VJApenso II, fls. 167 e 170
30.10.201010hXX – 10h59XX-XX-VJApenso II, fls. 201
02.11.201010h24 – 10h28XX-XX-VJApenso II, fls. 5
09.11.201009h16 – 09h19XX-XX-VJApenso II, fls. 27
17.11.201010h08 – 10h09XX-XX-VJApenso II, fls. 47
16.12.201010h09 – 10h15XX-DF-XXApenso I, fls. 429
27.01.201108h25 – 08h30XX-XX-VJApenso I, fls. 369
04.02.201114h20 – 14h23XX-XX-VJVol. 2, fls. 619
11.02.201114h30 – 14h32XX-XX-VJApenso I, fls. 261
15.02.201116h06 – 16h07XX-XX-VJVol. 2, fls. 620
02.04.201115h40 – 15h42XX-DF-XXApenso I, fls. 22
12.04.201109h44 – 09hXXXX-XX-VJVol. 1, fls. 635
15.04.201108h36 – 08h38XX-XX-VJApenso I, fls. 67 e Vol. 2, fls. 621
07.07.201109h37 – 09h40XX-XX-VJVol. 2, fls. 622
14.07.201109h50 – 09h53XX-XX-VJVol. 2, fls. 623
11.08.201109h57 – 10h00XX-XX-VJApenso III, fls. 15 e Vol. 2, fls. 624
18.08.201109h50 – 09h53XX-XX-VJApenso III, fls. 17 e Vol. 2, fls. 625
23.09.201113h36 – 13h38XX-XX-VJApenso III, fls. 31 e Vol. 2, fls. 626
22.10.201109h52 – 09h54XX-XX-VJApenso III, fls. 45 e Vol. 2, fls. 627
02.11.201112h00 – 12h06XX-XX-VJApenso II, fls. 5 e Vol. 2, fls. 628
04.11.201116h04 – 16h07XX-XX-VJVol. 2, fls. 629 e 630
11.11.201115h52 – 15h54XX-XX-VJVol. 2, fls. 631
24.11.201106h56 – 07h00XX-XX-VJVol. 2, fls. 632
09.12.201110h06 – 10h13XX-DF-XXVol. 1, fls. 329; Vol. 2, fls. 637 e relatório de vigilância de fls. 228 a 230
30.12.201111h53 – 11hXXXX-XX-VJVol. 1, fls. 302; Vol. 2, fls. 633 e

relatório de vigilância de fls. 235 a 238

19.01.201214h05 – 14h10XX-DF-XXVol. 1, fls. 335 e Vol. 2, fls. 638
16.03.201213h44 – 13h51XX-XX-VJVol. 2, fls. 634
12.04.201209H44 – 09H52XX-XX-VJVol. 2, fls. 635
25.05.201216h31 – 16h49XX-DF-XXVol. 2, fls. 639
31.05.201209h23 – 09h34XX-XX-VJVol. 2, fls.  636

26.Os arguidos M.H.S. ou J.C.R. deslocaram-se à residência do arguido L.M. situada na Rua …………, em ............., conduzindo os veículos de matrícula XX-XX-VJ e 87-DF-39, onde entregaram diversos produtos alimentares e bebidas, subtraídos do interior do Hotel ............, em quantidade e qualidade não concretamente apurada, pelo menos nas seguintes datas:

DataHora (chegada/partida)ViaturaVol/Apenso/Fls
20.10.201009h32 – 09h37XX-XX-VJApenso II, fls. 153
26.10.201010h18 – 10h27XX-XX-VJApenso II, fls. 189
21.12.201008H38 – 08H40XX-DF-XXApenso I, fls. 445 e 469
10.02.201110h05 – 10h29XX-XX-VJApenso I, fls. 254
24.05.201109h17 – 09h21XX-XX-VJApenso I, fls. 97
14.06.201115h01 – 15h35XX-XX-VJVol. 2, fls. 731
22.06.201115h23 – 15h38XX-XX-VJVol. 2, fls. 732
05.07.201110h44 – 10h54XX-XX-VJVol. 2, fls. 733
08.07.201115h24 – 15h36XX-XX-VJVol. 2, fls. 734
26.07.201115h25 – 15h58XX-XX-VJVol. 2, fls. 739
19.08.201110h04 – 10h20XX-XX-VJApenso III, fls. 20 e Vol. 2, fls. 735
14.10.201109h16 – 09h30XX-XX-VJVol. 2, fls. 736
08.11.201110h01 – 10h02XX-XX-VJVol. 2, fls. 737
16.12.201115h00 – 15h12XX-XX-VJVol. 2, fls. 738
23.12.201111h03XX-XX-VJVol. 1, fls. 299
29.12.201116h02XX-XX-VJVol. 1, fls. 301
10.02.201210h12 – 10h24XX-DF-XXVol. 1, fls. 344 e Vol. 2, fls. 741/747
13.03.201211h07 – 11h50XX-XX-VJVol. 2, fls. 740
23.03.201215h10 – 15h19XX-XX-VJVol. 2, fls. 742
09.04.201211h25 – 11h39XX-XX-VJVol. 2, fls. 743
17.04.201215h30 – 15h40XX-XX-VJVol. 2, fls. 744
10.05.201210h50 – 10h53XX-XX-VJVol. 2, fls. 745
12.06.201214h44 – 14h52XX-XX-VJVol. 2, fls. 746

27.Os arguidos M.H.S. ou J.C.R., deslocaram-se à residência deste último, situada na Rua ..., em M..., conduzindo os veículos de matrícula XX-XX-VJ e 87-DF-39, onde entregaram diversos produtos alimentares e bebidas, subtraídos do interior do Hotel ............, em quantidade e qualidade não concretamente apurada, pelo menos nas seguintes datas:

DataHora (chegada/partida)ViaturaVol/Apenso/Fls
03.12.201015h11 – 15h20XX-XX-VJApenso I, fls. 389
09.12.201009H38 – 09H42XX-XX-VJApenso I, fls. 411
23.12.201008h05 – 08h25XX-XX-VJApenso I, fls. 479 e 487
27.12.201013h28 – 13h38XX-XX-VJApenso I, fls. 500, 504 e 509
31.12.201009h16 – 09h33

09h50 – 09h56

XX-XX-VJApenso I, fls. 522, 523 e 524
16.03.201113h49 – 14h10XX-XX-VJApenso I, fls. 147
01.04.201109h36 – 09h37XX-XX-VJApenso I, fls. 5
06.04.201113h41 – 13h47XX-XX-VJApenso I, fls. 42
13.05.201120h38 – 20h41XX-XX-VJVol. 2, fls. 642
23.08.201113h26 – 13h32XX-XX-VJApenso III, fls. 23 e Vol. 2, fls. 640
28.09.201109h24 – 09h28

10h17 – 10h22

XX-XX-VJApenso III, fls. 35 e 36; Vol. 2, fls. 643
28.10.201113h04 – 13h28XX-XX-VJVol. 2, fls. 641

28.Os arguidos M.H.S. Silva ou J.C.R.  deslocaram-se às duas residências do primeiro, situadas na Avenida de... (paralela à Avenida dos ...) e na Avenida... (paralela à Travessa das M...), conduzindo os veículos de matrícula XX-XX-VJ e 87-DF-39, onde entregaram diversos produtos alimentares e bebidas, subtraídos do interior do Hotel ............, em quantidade e qualidade não concretamente apurada, pelo menos nas seguintes datas:

DataHora (chegada/partida)ViaturaMoradaVol/Apenso/Fls
09.10.201016h35 – 16h44XX-DF-XXAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso II, fls. 112 e 114
12.10.201008h58 – 09h09

13h21 – 13h36

XX-XX-VJAv.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso II, fls. 120, 125 e 133
15.10.201011h45 – 11h50

13h52 – 14h01

XX-DF-XXAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso II, fls. 141 e 142
15.10.201013h08 – 13h26XX-DF-XXAv.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso II, fls. 144
20.10.201008h42 – 08h46

15h33 – 15h36

XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso II, fls. 151 e 154
30.10.201013h23 – 14h08XX-XX-VJAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso II, fls. 202
30.10.201014h22 – 14h33XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso II, fls. 202
03.11.201008h40 – 08h42XX-XX-VJAv.ª de SabóiaApenso II, fls. 9
03.11.201016h14 – 16h23XX-XX-VJ (M)Av. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso II, fls. 12 e 13
04.11.201008h34 – 08h52XX-XX-VJ (M)Av.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso II, fls. 15
05.11.201008h45 – 08h50XX-XX-VJ (M)Av.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso II, fls. 17 e 18
08.11.201008h48 – 08h52XX-XX-VJ (M)Av.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso II, fls. 21 e 22
09.11.201008h52 – 08hXXXX-XX-VJ (M)Av.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso II, fls. 25 e 26
10.11.201008h38 – 08h46XX-XX-VJ (M)Av.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso II, fls. 29 e 30
11.11.201008h27 – 08h40

15h56 – 16h07

XX-XX-VJ (M)Av.ª Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso II, fls. 35
12.11.201008h54 – 08h57XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso II, fls. 37
15.11.201008h57 – 09h03XX-XX-VJAv.ª Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso II, fls. 43
15.11.201009h22 – 09h31XX-XX-VJAv.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso II, fls. 44
17.11.201013h44 – 14h28XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso II, fls. 48
18.11.201008h43 – 08h50XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso II, fls. 50
18.11.201009h42 – 09h50

16h21 – 16h25

XX-XX-VJ

XX-XX-VJ

Av.ª Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso II, fls. 51 e 53
22.11.201008h51 – 08h54XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso II, fls. 56
22.11.201009hXX – 10h09XX-XX-VJAv.ª Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso II, fls. 57
24.11.201007h21 – 07h2887-DF-39Av.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso II, fls. 60
25.11.201008h44 – 08h4887-DF-39Av.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso II, fls. 64
26.11.201008h43 – 08h54XX-DF-XXAv.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso II, fls. 67 e 69
27.11.201012h22 – 12h31XX-DF-XXAv.ª de SabóiaApenso II, fls. 71 e 72
02.12.201008h48 – 08h51

17h36 – 17h43

XX-DF-XX XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 384 e 385
03.12.201015h02 – 15h05XX-XX-VJAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 389
03.12.201008h50 – 08h54XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 391
06.12.201008h52 – 08h58XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 405 e 406
07.12.201008h37 – 08hXXXX-DF-XXAv.ª Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 409
09.12.201009h04 – 09h05XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 412
10.12.201008h53 – 08hXXXX-DF-XXAv.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 413
16.12.201008h48 – 08h50XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 425
17.12.201008h57 – 08h59XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 440 e 464
22.12.201010h32 – 10h4487-DF-39Av.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 452 e 476
23.12.201008h00 – 08h05

08h25 – 08h37

15h57 – 16h07

XX-DF-XXAv.ª Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 487, 488, 489 e 492
27.12.201008h56 – 09h01XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 510 e 511
28.12.201009h18 – 09h20XX-DF-XXAv.ª de SabóiaApenso I, fls. 512
28.12.201010h09 – 10h43XX-DF-XXAv.ª Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 513
29.12.201008h53 – 09h03XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 516
30.12.201008h59 – 09h02XX-DF-XXAv.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 518 e 519
03.01.201108hXX – 08h58XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 286
04.01.201108h54 – 08h57XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 290
05.01.201108h48 – 08h50 XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 294
06.01.201108h51 – 08hXXXX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 298
07.01.201108h43 – 08h56XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 300, 301, 302 e 308
07.01.201108h48 -09h00XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 656
10.01.201108h59 – 09h01XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 327
12.01.201108h44 – 08h53XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 330
13.01.201108h47 – 08hXXXX-DF-XXAv.ª de SabóiaApenso I, fls. 333
14.01.201108h46 – 08h58XX-DF-XXAv.ª Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 335
18.01.201108h56 – 08h59XX-XX-VJAv.ª Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 338
20.01.201108h34 – 08h50XX-XX-VJAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 344
20.01.201108h56 – 08h58XX-XX-VJAv.ª Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 344
25.01.201108h49 – 08h57XX-XX-VJAv.ª Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 363
25.01.201109h21 – 09h29XX-XX-VJAv.ª Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Vol. 2, fls. 657
26.01.201108h52 – 08h56XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 365
26.01.201109h20 – 09h27XX-XX-VJAv. Infante D. HenriqueApenso I, fls. 366 e Vol. 2, fls. 658
27.01.201109h02 – 09h05XX-XX-VJAv.ª de SabóiaApenso I, fls. 370
28.01.201113h40 – 14h08XX-XX-VJAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 378 e Vol. 2, fls. 659
31.01.201112h41 – 12h43XX-XX-VJAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Vol. 2, fls. 660
01.02.201108h50 – 09h01XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 283
03.02.201111h17 – 11h25XX-XX-VJAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 225
04.02.201114h35 – 15h05XX-XX-VJAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Vol. 2, fls. 661
07.02.2011

09h08 – 09h59XX-XX-VJAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 237 e 241
08.02.2011

09h20 – 09h37XX-XX-VJAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 243 e 245
11.02.2011

08h58 – 09h04XX-XX-VJAv. Infante D. HenriqueApenso I, fls. 257 e 258
11.02.201113h58 – 14h17XX-XX-VJAv.ª de SabóiaApenso I, fls. 260
17.02.201110h53 – 11h07XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 267 e 268
17.02.201111h27 – 11h47XX-XX-VJAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 269
18.02.201109h10 – 09h34XX-XX-VJAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 271
18.02.201109h43 – 09h47

13h41 – 14h06

XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 271, 272 e 273
21.02.201114h14 – 14h23XX-XX-VJAv.ª de SabóiaApenso I, fls. 276
28.02.201115h11 – 15h18XX-XX-VJAv.ª de SabóiaApenso I, fls. 278
28.02.201112h59 – 13h04XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 279
28.02.201113h16 – 13h23XX-DF-XXAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 2XX
03.03.201113h42 – 14h00XX-DF-XXAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 122
04.03.201115h18 – 15h22XX-XX-VJAv.ª de SabóiaApenso I, fls. 132
07.03.201109h00 – 09h12XX-XX-VJAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 134 e Vol. II, fls. 662
09.03.201108h36 – 08h46XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 137
10.03.201108h48 – 08h50XX-DF-XXAv.ª Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 139
13.03.201113h33 – 13h41XX-DF-XXAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 142
14.03.201108h39 – 08h41XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 144
15.03.201108h42 – 08h46XX-DF-XXAv.ª Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 145
16.03.201108h46 – 08h47XX-DF-XXAv.ª Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 148
17.03.201108h56 – 08h58XX-DF-XXAv.ª Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 150
18.03.201107h48 – 07h59

15hXX – 16h12

XX-DF-XXAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 153 e 159
21.03.201108h45 – 08h47

10h18 – 10h28

XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 161 e 166
22.03.201117h15 – 17h17XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 177
23.03.201108h44 – 08h47XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 1XX
24.03.201108h51 – 09h00XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 186 e 187
31.03.201108h52 – 08h54XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 209
01.04.201108hXX – 08h57XX-DF-XXAv.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 8
02.04.201112h34 – 12h42XX-DF-XXAv.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 17
02.04.201114h11 – 14h15XX-DF-XXAv. Infante D. HenriqueApenso I, fls. 20
05.04.201108h58 – 09h03XX-DF-XXAv.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 26
05.04.201115h33 – 15h36XX-DF-XXAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 36
06.04.201108h34 – 09h05XX-DF-XXAv.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 45
08.04.201108h43 – 08hXXXX-DF-XXAv.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. XX
13.04.201108h48 – 08h57XX-DF-XXAv.ª de SabóiaApenso I, fls. 62
18.04.201108h50 – 09h00XX-DF-XXAv.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 71
17.05.201108h56 – 08h58XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 74
18.05.201108h23 – 09h00XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 77 e 78
23.05.201107h49 – 07h57XX-DF-XXAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 91
24.05.201108h09 – 08h19XX-XX-VJAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 94
24.05.201109h00 – 09h02XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso I, fls. 96
25.05.201108hXX – 08h58XX-DF-XXAv.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Apenso I, fls. 108
25.05.201109h26 – 09h36XX-DF-XXAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso I, fls. 110
20.06.201109h33 – 09h36XX-XX-VJAv. Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Vol. II, fls. 663
03.08.201111h29 – 11h38XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso III, fls. 9
10.08.201108h38 – 09h10XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso III, fls. 1
11.08.201108h44 – 09h01XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso III, fls. 12
12.08.201108h54 – 09h04XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso III, fls. 4
14.09.201112h57 – 13h00XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. II, fls. 664
17.09.201109h50 – 12hXX

15h28 – 18h58

XX-XX-VJAv.ª Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso III, fls. 25 e 26 e Vol. 2, fls. 665 a 668
18.09.201110h16 – 14h14XX-XX-VJAv.ª Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso III, fls. 29 e Vol. II, fls. 669 e 670
09.10.201112h29 – 12h33XX-XX-VJAv.ª Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso III, fls. 40 e Vol. 2, fls. 671

09.10.201113h03 – 13h48XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso III, fls. 41
17.10.201108hXX – 08h58XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Apenso III, fls. 42
17.10.201112h51 – 12h54XX-XX-VJAv.ª Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Apenso III, fls. 43
24.10.201109h29 – 09h31XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 672
26.10.201108h58 – 09h01XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 673
08.11.201109h39 – 09h41XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 674
15.11.201115h09 – 15h15XX-XX-VJAv.ª Infante D. Henrique (Travessa das Mimosas)Vol. 2, fls. 675
02.12.201109h04 – 09h11XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 292 e 293
02.12.201109h26 – 09h30XX-XX-VJAv. Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 676
02.12.201109h26 – 09h27XX-XX-VJAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 293
07.12.201109h07 – 09h12XX-DF-XXAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 326 e 327
07.12.201111h10 – 11h14XX-DF-XXAv.ª de SabóiaVol. 1, fls. 328
12.12.201108h43 – 08h51XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 294
12.12.201109h02 – 09h07XX-XX-VJAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 295
20.12.201112h41 – 12h58XX-XX-VJAv.ª de SabóiaVol. 1, fls. 297
22.12.201114h38 – 14h43XX-XX-VJAv.ª de SabóiaVol. 1, fls. 298
03.01.201211hXX – 12h01XX-XX-VJAv. Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 677 e 686
09.01.201213h58 – 14h00XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 306
18.01.201217h26 – 17h35XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 334
20.01.201208hXX – 09h24XX-XX-VJAv.ª Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 311
20.01.201209h41 – 09h44XX-XX-VJAv. Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 678 e 687
25.01.201209h00 – 09h24XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 312
25.01.201209h41 – 09h44XX-XX-VJAv. Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 679, 6XX e 688
26.01.201209h33 – 09h38XX-XX-VJAv. Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 681 e 689
27.01.201209h00 – 09h17XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 313
27.01.201209h32 – 09h35XX-XX-VJAv. Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 682 e 690
01.02.201209h06 – 09h13XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 314
01.02.201209h29 – 09h35

10h16 – 10h20

XX-XX-VJAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 315

Vol. 2, fls. 683 e 691

03.02.201208h59 – 09h23XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 336
03.02.201209h39 – 09h44XX-DF-XXAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 337
04.02.201213h48 – 13hXXXX-DF-XXAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 338
08.02.201208h30 – 09h11XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 318 e 319
08.02.201209h27 – 09h32XX-XX-VJAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 320 e Vol. 2, fls. 684 e 692
09.02.201209h20 – 09h22XX-DF-XXAv.ª de SabóiaVol. 1, fls. 339
10.02.201208h29 – 09h10XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 340 a 342
10.02.201209h27 – 09h31XX-DF-XXAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 343
13.02.201208h35 – 09h11XX-DF-XXAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 345
14.02.201208h56 – 09h15XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 347
14.02.201209h34 – 09h38XX-DF-XXAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 348
15.02.201208h44 – 08hXXXX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 349
15.02.201209h08 – 09h11XX-DF-XXAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 350
16.02.201208h50 – 09h11XX-DF-XXAv.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Vol. 1, fls. 351
16.02.201209h28 – 09h33XX-DF-XXAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 352
17.02.201209h17 – 09h19XX-DF-XXAv.ª de SabóiaVol. 1, fls. 353
17.02.201209h33 – 09h37XX-DF-XXAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 354
22.02.201208h57 – 09h16XX-DF-XXAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 3XX
23.02.201208h52 – 09h20XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 321 e 322
23.02.201209h33 – 09h37XX-XX-VJAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 322 e Vol. 2, fls. 693
24.02.201209h04 – 09h14XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 357
24.02.201209h31 – 09h36XX-DF-XXAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 358
27.02.201209h07 – 09h18XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 323
27.02.201209h36 – 09h40XX-XX-VJAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 324 e Vol. 2, fls. 685 e 694
28.02.201209h03 – 09h18XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 359
28.02.201209h34 – 09h40XX-DF-XXAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 360
01.03.201208h47 – 09h16XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 361
01.03.201209h34 – 09h37XX-DF-XXAv. Infante D. HenriqueVol. 1, fls. 362
04.03.201214h06 – 14h23XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 363
06.03.201208h53 – 09h04XX-DF-XXAv.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Vol. 1, fls. 364
07.03.201209h08 – 09h28XX-DF-XXAv.ª de Sabóia

(Av.ª dos Estrangeiros)

Vol. 1, fls. 365 e 366
08.03.201209h09 – 09h13XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 367 e 368
09.03.201209h01 – 09h04XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 369
10.03.201212h54 – 14h18XX-DF-XXAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 1, fls. 370
14.03.201209h38 – 09h42XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 695 e 716
20.03.201213h48 – 13h52XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 696 e 717
27.03.201215h02 – 15h11XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 697 e 718
29.03.201209h10 – 09h12XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 2, fls. 748
04.04.201210h54 – 11h02XX-DF-XXAv.ª de Sabóia
09.04.201208h29 – 08h38

13h56 – 13h59

XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 2, fls. 749 e 750
10.04.201209h21 – 09h23XX-XX-VJAv.ª de SabóiaVol. 2, fls. 751
10.04.201213h39 – 13h43XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 698 e 719
11.04.201209h00 – 09h17XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 2, fls. 752
11.04.201209h40 – 09h44XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 699 e 720
12.04.201209h27 – 09h33XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 700
13.04.201209h00 – 09h02XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 2, fls. 753
16.04.201209h04 – 09h16XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 2, fls. 754
17.04.201212h41 – 12h45XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 701 e 721
17.04.201209h24 – 09h26XX-DF-XXAv.ª de Sabóia
23.04.201209h45 – 09h50XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 702
24.04.201210h11 – 10h16XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 703
30.04.201209h34 – 09h37XX-DF-XXAv.ª de Sabóia
02.05.201209h07 – 09h16XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 704
08.05.201214h52 – 14h54

15h14 – 15h23

XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 2, fls. 7XX e 756
08.05.201216h04 – 16h10XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 707
09.05.201214hXX – 15h09XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 2, fls. 757
14.05.201208h33 – 08h40XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 2, fls. 758
14.05.201208h52 – 09h04XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 706
15.05.201208h52 – 09h07XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 2, fls. 759
15.05.201209h26 – 09h32XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 708 e 729
16.05.201210h25 – 10h40XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 709 e 728
22.05.201209h11 – 09h14XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 710 e 722
28.05.201209h16XX-DF-XXAv.ª de Sabóia
29.05.201208h45 – 08h50XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 711 e 723
30.05.201208h54 – 08h59XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 2, fls. 760
31.05.201208h29 - 08h36XX-XX-VJAv.ª de Sabóia (Av.ª dos Estrangeiros)Vol. 2, fls. 761
31.05.201208h46 – 08h51XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 712 e 724
08.06.201209h05 – 09h11

15h20 – 15h35

XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 713, 714, 725 e 726
11.06.201208h52 – 09h01XX-XX-VJAv.ª Infante D. HenriqueVol. 2, fls. 715 e 727

29.Os arguidos M.H.S. ou J.C.R., deslocaram-se à residência do arguido A.C.F., situada na Rua …………, conduzindo os veículos de matrícula XX-XX-VJ e XX-DF-XX, onde entregaram diversos produtos alimentares e bebidas, subtraídos do interior do Hotel ............, em quantidade e qualidade não concretamente apurada, pelo menos nas seguintes datas:

DataHora (chegada/partida)ViaturaVol/Apenso/Fls.
01.04.201109h17 – 09h30XX-XX-VJApenso I, fls. 4
18.04.201211h38 – 11h41XX-XX-VJVol. 2, fls. 644
22.09.201109h18 – 09h35XX-XX-VJVol. 2, fls. 645
28.10.201111h31 – 11h40XX-XX-VJVol. 2, fls. 646 e 647

30.No dia 14 de Junho de 2012, pelas 09h20, o arguido M.F.R. detinha na sua posse, guardado no interior da sua residência, situada na Rua …………………, os seguintes objectos, subtraídos do interior do Hotel ............, no valor total de € 149,10 (cento e quarenta e nove euros e dez cêntimos):
uma lata de sardinhas em óleo vegetal, de marca Porthos, no valor de € 0,XX;
seis latas de sardinhas portuguesas em tomate, de marca Lider, no valor de € 3,XX;
dois frascos de azeitonas pretas descaroçadas, de marca Maçarico, no valor de € 13,50;
sete embalagens de café, de marca Delta Expresso Bar, no valor de € 78,69;
quatro pacotes de arroz agulha, de marca Caçarola, no valor de € 3,00;
um pacote de massa cotovelinhos, de marca Combino, no valor de € 1,28;
um pacote de massa cotovelinhos, de marca Caçarola, no valor de € 1,28;
duas latas de feijão manteiga cozido, de marca Campuval, no valor de € 2,76;
uma lata de feijão encarnado cozido, de marca Campuval, no valor de € 1,38;
duas latas de tomate pelado, em sumo de tomate, de marca Masterchef, no valor de € 1,58;
duas embalagens de ketchup, de marca Calvé, no valor de € 4,32;
uma embalagem de ketchup, de marca Heinz, no valor de € 2,10;
uma embalagem de mostarda, de marca Calvé, no valor de € 1,60;
uma embalagem de mostarda, de marca Savora, no valor de € 1,60;
uma embalagem de queijo ralado, de marca Knorr, no valor de € 13,41;
uma embalagem de molho demi glace, de marca Knorr, no valor de € 12,60;
uma lata de cojonudos, de marca Emperatriz, no valor de € 2,95;
uma lata de cojonudos (esparragos blancos extra), de marca Emperatriz, no valor de € 2,95.

31.No dia 14 de Junho de 2012, pelas 09h35, o arguido A.M.D.. detinha na sua posse, guardado no interior da sua residência, situada na Rua …………………, os seguintes objectos, subtraídos do interior do Hotel ............:
um frasco de maionese de marca Calvé, de 225 ml, parcialmente consumido;
um frasco de maionese de marca Calvé, de 200 ml, parcialmente consumido;
um frasco de azeitonas de marca Maçarico, de 350 gr, parcialmente consumido.

32.No dia 14 de Junho de 2012, pelas 09h30, o arguido M.H.S. detinha na sua posse, guardado no interior da sua residência, situada na Avenida ………………………, os seguintes objectos, subtraídos do interior do Hotel ............, no valor total de € 176,24 (cento e setenta e seis euros e vinte e quatro cêntimos):
dois rolos de papel de limpeza industrial, de marca Tork, no valor de € 26,02;
uma embalagem de 100 naperons brancos em papel, no valor de € 1,69;
um pacote de leite meio gordo, de 1 litro, marca Prado Verde, no valor de € 0,69;
uma lata de feijão manteiga cozido, de marca Campuval, no valor de € 1,38;
um frasco de grão de bico cozido de marca Cister, no valor de € 0,59;
oitenta embalagens de manteiga de doses individuais, marca Mimosa, no valor de € 27,30;
um garrafão em plástico contendo azeite de marca Oliveira da Serra Clássico, no valor de € 10,25;
uma toalha de mãos, de cor branca e beje, com a inscrição “Savon Marseille” , no valor de € 10,00;
cinco tigelas em porcelana de cor branca, de marca Arc France, no valor de € 73,30;
um pires em porcelana branca, de marca Vista Alegre, no valor de € 2,50;
dois pratos em porcelana branca, de marca Vista Alegre, no valor de € 8,00;
onze sacos de plástico transparentes, contendo diversas miniaturas de produtos de panificação e pastelaria;
três caixas de saquetas de chá, de marca Twinings, sabor Lemon&Ginger, no valor de € 7,26;
uma caixa de saquetas de chá, de marca Twinings, sabor Pure Peppermint, no valor de € 2,42;
duas caixas de saquetas de chá, de marca Twinings English Breakfast, no valor de € 4,84.
33.No dia 14 de Junho de 2012, pelas 10h30, o arguido M.H.S. detinha na sua posse, guardado no interior da residência onde pernoita, situada na Avenida ………………….., os seguintes objectos, subtraídos do interior do Hotel ............, no valor total de € 1.401,12 (mil quatrocentos e um euros e doze cêntimos):
um saco de plástico contendo diversos pacotes de açúcar de marca Delta, linha profissional, no valor de € 1,74.
catorze tigelas de porcelana branca, de marca Arc France, no valor de € 205,24;
um faqueiro em metal composto por: 12 facas de carne, 6 facas de peixe, 6 colheres de café, 6 colheres de sobremesa, 18 garfos e 12 colheres de diferentes tipos, no valor de € 149,60;
uma embalagem contendo vários rolos de papel higiénico branco, de marca Renova, no valor de € 9,12;
um saco plástico contendo vários guardanapos em papel de cor branca, com o símbolo do “EP, Centro de Congressos”, no valor de € 6,33;
um garrafão de azeite em plástico, contendo azeite virgem extra de marca Tradição, linha profissional, no valor de € 13,65;
um saco plástico transparente contendo diversos talheres em plástico de cor branca, de marca Nupik;
uma caixa em plástico transparente contendo onze pacotes de manteiga de doses individuais, de marca Mimosa, no valor de € 4,00;
um saco plástico de cor azul contendo no seu interior diversos produtos de panificação e pastelaria;
um maço de guardanapos de marca Renova DLK, no valor de € 28,00;
uma embalagem contendo quatro frascos de salsichas de frango, de marca Campofrio, no valor de € 11,52;
uma embalagem contendo três litros de leite meio gordo, marca Prado Verde, no valor de € 2,07;
um frasco de compota de milho e cevada, de marca WOM, no valor de € 2,20;
um frasco de mel de marca Melaria flor de rosmaninho, no valor de € 8,79;
um frasco de mel de marca Quinta da Urgeira, no valor de € 8,79;
um frasco de compota de laranja, de marca Hartleys, no valor de € 2,64;
um frasco de compota de limão de marca Wilkin & Sons, no valor de € 3,14;
cinco garrafas de vinho branco da “Casa de Santar”, no valor de € 20,20;
seis garrafas de vinho branco da “Casa de Santa Vitória”, no valor de € 13,20;
quatro garrafas de vinho branco da casa “Quinta do Lorido”, no valor de € 8,00;
oito garrafas de vinho branco da casa “Falcoaria”, uma das quais parcialmente consumida, no valor de € 32,32;
duas garrafas de vinho branco da casa “Conventual”, no valor de € 6,00;
duas garrafas de vinho branco da casa “Pera Manca”, no valor de € 39,44;
uma garrafa de vinho do Porto da casa “Real Companhia Velha”, no valor de € 4,77;
uma garrafa de vinho espumante da casa “Vértice”, no valor de € 10,XX;
uma garrafa de vinho branco da casa “Vinha Nova”, no valor de € 2,00;
duas garrafas de vinho espumante da casa “Borlido”, no valor de € 6,00;
uma garrafa de vinho espumante da casa “Aliança”, no valor de € 3,12;
quatro garrafas de vinho tinto da casa “Albernoas”, no valor de € 7,72;
seis garrafas de vinho branco da casa “Fiuza”, no valor de € 37,98;
cinco garrafas de vinho tinto da casa “Fiuza”, no valor de € 39,30;
três garrafas de vinho espumante da casa “Murganheira”, no valor de €22,38;
cinco garrafas de vinho branco da casa “Alvarinho”, no valor de € 19,20;
quatro garrafas de vinho tinto da casa “Quinta do Peru”, no valor de € 16,00;
onze garrafas de vinho branco da casa “Albernoas”, no valor de € 21,67;
três garrafas de vinho branco da casa “Terra Franca”, no valor de € 4,50;
duas garrafas de vinho tinto da casa “Terra Franca”, no valor de € 3,00;
duas garrafas de vinho tinto da casa “Dona Antónia”, no valor de € 16,54;
duas garrafas de vinho espumante da casa “Segura Viudas”, no valor de € 30,00;
uma garrafa de vinho branco da casa “Vinha Nova”, no valor de € 2,00;
cinco garrafas de vinho tinto da casa “Esteva Douro”, no valor de € 16,35;
uma garrafa de vinho espumante da casa “Vale D’Anais”, no valor de € 2,50;
uma garrafa de vinho espumante da casa “Chave D’Oiro”, no valor de € 3,50;
um saco contendo diversas palhas de bebida, no valor de € 2,00;
uma toalha de mesa de cor azul, no valor de € 50,00;
catorze toalhas de mesa de cor branca de diferentes medidas, no valor de € 420,00;
dezasseis toalhas de higiene de cor branca de diversos tamanhos, no valor de € XX,00;
quatro sacos de plástico com o logotipo do Hotel ............, no valor de € 3,XX.

34.No dia 14 de Junho de 2012, pelas 12h30, o arguido M.H.S. detinha na sua posse, guardado no interior do seu veículo de marca Ford, modelo Fusion, de matrícula 15-DA-66, os seguintes objectos, subtraídos do interior do Hotel ............, no valor total de € 10,66 (dez euros e sessenta e seis cêntimos):
uma toalha de mãos de cor branca e beje, com a inscrição “Savon Marseille” , no valor de € 10,00;
três caixas de fósforos com a inscrição “Hotel ............”, no valor de € 0,66.

35.A:M.F. é fornecedora de frutas e legumes do Hotel ............ do EP, há mais de 30 anos.      
36.Por diversas vezes, em datas não concretamente apuradas, mas entre meados do ano de 2010 e Janeiro de 2012, o arguido A.C.F. exigiu que A:M.F. lhe entregasse uma quantia equivalente a 3% do valor das vendas que fizesse ao Hotel ............, sob pena de não lhe fazer encomendas.
37.Como A:M.F. recusou sempre entregar qualquer valor monetário ao arguido A.C.F., este diminuiu-lhe drasticamente o volume de vendas, de cerca de € 1.000,00 (mil euros) semanais, para não mais de € 100,00 (cem euros) semanais.
38.Devido aos elevados custos com a aquisição de bebidas e alimentos, cerca de 35%, e decorrente da actuação dos arguidos, o sector da alimentação e bebidas do Hotel ............ do EP, não registou lucros entre pelo menos 2007 e 2012.
39.Os arguidos A.C.F., M.H.S. a, J.C.R., M.F.R. e A.M.D.., foram suspensos preventivamente das respectivas funções, em 19.06.2012, na sequência de instauração de procedimento disciplinar com intenção de despedimento.
40.Os arguidos agiram sempre em conjugação de esforços e na sequência de um plano previamente gizado por todos.
41.Sabiam os arguidos que os objectos e todos os produtos alimentares e bebidas que retiraram do interior do Hotel ............, do Centro de Congressos e do Golf …… não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade da sua proprietária, não obstante quiseram agir do modo descrito, sempre com o propósito de se apoderarem dos aludidos artigos, que fizeram seus.
42.Por outro lado, os arguidos, agindo como descrito, aproveitaram-se da natureza e do tipo de tarefas inerentes às suas funções, do fácil acesso aos produtos alimentares e bebidas, da confiança então depositada em si pela Direcção do Hotel ............, enquanto funcionários deste há mais de 30 anos, criando-se assim condições favoráveis à repetição da prática, pelos arguidos, da relatada conduta ilícita, sendo certo que estes, ao longo daquele período de tempo, se convenceram renovadamente de que a sua conduta criminosa tinha sido bem sucedida e permanecera impune.
43.O arguido L.M. tinha perfeito conhecimento de que os produtos alimentares entregues na sua residência, após a data da sua aposentação, eram de proveniência ilícita e que haviam sido subtraídos do interior do Hotel ............, não obstante, quis agir do modo descrito, com a intenção de obter para si proventos a que sabia não ter direito, tal como sabia que causava prejuízo à EP, S.A., proprietária do Hotel .............
44.O arguido A.C.F. quis incutir em A:M.F. um sério receio de não conseguir vender produtos para o Hotel, com o objectivo de obter dela quantias em dinheiro resultante da sua actividade profissional de venda de frutas e legumes, o que lhe causaria enormes perdas patrimoniais.
45.Sabia também que ao dizer a A:M.F. que não lhe faria encomendas para o Hotel ............, caso esta não lhe entregasse uma percentagem das vendas em dinheiro, constituía ameaça importante e apta a fazê-la entregar a quantia exigida, contra a sua vontade.
46.Sabia ainda que A:M.F. não lhe devia qualquer quantia monetária e que tal entrega lhe acarretaria prejuízo patrimonial, bem como ao Hotel ............, e o correspectivo enriquecimento ilegítimo do arguido, o que só não veio a acontecer por motivos alheios à sua vontade.
47.Os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

2–Notificados dessa acusação, os arguidos J.C.R. (fls. 1501 a 1507) e A.C.F. (fls. 1541 a 1566) requereram a abertura de instrução.

A sociedade “EP, S.A.” requereu (fls. 1575) e foi admitida a intervir como assistente (fls. 1628), tendo acompanhado a acusação deduzida pelo Ministério Público.

No termo da instrução, a Sr.ª juíza proferiu o despacho que, na parte para este efeito relevante, se transcreve (fls. 1697 a 1731):

O Ministério Público acusou, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, todos os arguidos M.F.R., A.M.D.., L.M., M.H.S., J.C.R. e A.C.F., em co-autoria material e na forma consumada de um crime de furto, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2, e 203.º, n.º 1, ambos do Código Penal; o arguido A.C.F., em autoria material e em concurso efectivo de um crime de extorsão, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º e 223.º, n.º 1, todos do Código Penal, e ainda o arguido L.M., em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1, do Código Penal.

O arguido J.C.R. requereu a abertura da instrução, em síntese alega que:

a)relativamente aos factos anteriores a 01.03.11 o procedimento criminal deve considerar-se extinto nos termos do artigo 115.º do CP;

b)quanto aos demais factos, o arguido alega ter estado de baixa médica entre 04.11.11 e 19.03.12 e refere não ter sido visto em vigilância policial alguma; não ter sido alvo de busca domiciliária e a prova recolhida através dos registos de GPS ser nula por não ter sido pedida autorização à CNPD para instalação do respectivo sistema e por constituir uma abusiva intromissão na vida privada que não foi validada pelo juiz de instrução.

Termina pedindo que seja reconhecida a intempestividade do direito de queixa; sejam conhecidas as nulidades insanáveis do inquérito e seja considerada insubsistente a acusação contra o arguido, sendo proferido despacho de não pronúncia.

O arguido A.C.F. também requereu a abertura de instrução, alegando em síntese, que não há legitimidade do MP por inexistência de queixa e que assim sendo foi cometida nulidade insanável no inquérito. Mais alega que a acusação é nula porquanto não descreve as circunstâncias de modo, tempo e lugar em que os furtos se concretizaram. Mais diz o arguido que o seguimento das carrinhas através de sistema GPS não foi autorizado por um juiz de instrução e que os demais elementos dos autos e as diligências levadas a cabo pelo MP infirmam a imputação criminal que lhe é dirigida. Mais invoca o arguido que não há indícios da prática de crime de extorsão na forma tentada.

Termina pedindo a final a sua não pronúncia pelos factos de que vem acusado.

No inquérito foi produzida prova testemunhal e documental e na instrução foi produzida prova testemunhal e documental.

***

Não se vislumbrando qualquer outro acto instrutório cuja prática revestisse interesse para a descoberta da verdade, efectuou-se o debate instrutório, nos termos dos artigos 298.º, 301.º e 302.º, todos do Código de Processo Penal, cumprindo agora, nos termos do artigo 308.º do mesmo diploma legal, proferir decisão instrutória.

***

De acordo com o disposto no artigo 286.º/1 do Código de Processo Penal, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da dedução de acusação ou do arquivamento do inquérito, em ordem a submeter, ou não, a causa a julgamento.

Tem-se em vista, nesta fase processual, a formulação de um juízo seguro sobre a suficiência dos indícios recolhidos relativos à verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (artigo 308.º/1 do Código de Processo Penal), ou seja, de se ter verificado um crime imputável ao arguido.

Assim, concluindo‑se pela suficiência dos indícios recolhidos haverá que proferir despacho de pronúncia, caso contrário, o despacho será de não pronúncia.

Na base da não pronúncia do arguido, para além da insuficiência de indícios necessariamente consubstanciada na inexistência de factos, na sua não punibilidade, na ausência de responsabilidade do arguido ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de acto processual.

Já no que toca ao despacho de pronúncia, a sustentação deverá buscar-se, como vimos, na suficiência de indícios, tidos estes como as causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação.

Ao exigir-se a possibilidade razoável de condenação e não uma possibilidade remota, visa-se, por um lado, não sujeitar o arguido a vexames e incómodos inúteis e, por outro lado, não sobrecarregar a máquina judiciária com tramitações inúteis” cfr. Tolda Pinto, “A Tramitação Processual Penal”, 2.ª ed., pág. 701.
Daí que no juízo de quem acusa, como no de quem pronuncia, deva estar presente a necessidade de defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, designadamente as salvaguardadas no artigo 30.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e que entre nós mereceram consagração constitucional artigo 20.º da D.U.D.H. e artigo 27.º da C.R.P. [Ac. da Relação do Porto de 20 de Outubro de 1993, C.J. Ano XVIII, TomoIV,pág.261].
Consequentemente, o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido [Germano Marques da Silva em Direito Processual Penal. pág. 179]. A regra “in dubio pro reo”, enquanto manifestação do princípio da presunção da inocência – princípio estruturante do processo penal –, tem como momento mais relevante a apreciação da prova em julgamento, mas também se manifesta no momento do encerramento do inquérito, quando o Ministério Público, valorando as provas recolhidas, tem de tomar posição, arquivando-o ou formulando acusação. E, evidentemente, também se coloca ao juiz de instrução, após o debate instrutório, devendo, portanto, lavrar despacho de não pronúncia, imposto pela regra “in dubio pro reo”, no caso de se encontrar perante uma situação de dúvida inultrapassável quanto às provas produzidas. Tendo em conta que, também a prova indiciária deve ser sujeita a uma análise racional e objectiva, de acordo com as regras da experiência, da lógica, da razão e dos conhecimentos científicos e técnicos necessários ao caso. Cumpre aqui esclarecer que, no caso e na apreciação deste Tribunal, não cuidamos de eventual responsabilidade civilística, mas tão-só de factualidade com a necessária dignidade penal.

***

Apreciando os factos em análise e a prova recolhida no inquérito e na instrução:

Factos indiciariamente apurados:

1.A EP  é uma sociedade anónima que tem por objecto social a prestação de serviços de hotelaria e restauração, com sede no Hotel .............

2.O Hotel ............ efectua serviços de catering para o Centro de Congressos, situado na Avenida.

3.Por outro lado, é efectuado ainda o transporte de produtos alimentares e bebidas do Hotel ............ para o Golf, situado na Avenida e pertencente à EP , S.A., onde são confeccionadas refeições para clientes e pessoal.

4. Para o efeito, são utilizadas duas viaturas de mercadorias, uma de marca Mercedes-Benz, modelo 316 CDI, matrícula XX-XX-VJ, e outra de marca Toyota, modelo Dyna, matrícula XX-DF-XX, esta última com caixa isotérmica.

5. Os arguidos celebraram contrato de trabalho com a EP , S.A. há mais de trinta anos.

6.O arguido M.F.R. desempenhava as funções de despenseiro no Hotel ............ do EP.

7.O arguido A.M.D.. desempenhava as funções de despenseiro no Hotel ............ Cabia exclusivamente aos arguidos M.F.R. e A.M.D.. controlar a despensa e o armazém, registando a entrada dos produtos alimentares, bebidas, produtos de limpeza e loiças, e a saída dos mesmos, mediante requisição pelas diferentes secções do Hotel.

8.O arguido L.M. desempenhou as funções de chefe da secção do economato/despensa no Hotel ............, porém, cessou actividade, por aposentação, em 17.07.2009.

9.O arguido M.H.S. desempenhava as funções de motorista do Hotel .............

10.O arguido J.C.R. desempenhava diversas funções dos serviços técnicos e, quando existia um acréscimo de trabalho, também exercia a função de motorista, auxiliando desse modo o arguido M.H.S. ou substituindo-o nos períodos de férias.

11.O arguido A.C.F. desempenhava as funções de assistente de compras do Hotel ............, sendo o responsável pela compra e transporte dos alimentos.

12.Com efeito, ao arguido A.C.F. competia-lhe estimar as necessidades de alimentos e bebidas dos diversos departamentos do estabelecimento, participar na selecção dos fornecedores, receber os produtos e verificar a sua quantidade e qualidade, controlar os stocks, comprar géneros de consumo diário e colaborar na execução de inventários periódicos.

13.Ainda no exercício das suas funções, cabia ao arguido A.C.F. contactar com os fornecedores de produtos hortícolas, peixe e carne e, de acordo com os valores de orçamento apresentados, comprar tais produtos em função das necessidades do Hotel .............

14.A:M.F. é fornecedora de frutas e legumes do Hotel ............ há mais de 30 anos.

15.Os arguidos A.C.F., M.H.S., J.C.R., M.F.R. e A.M.D.., foram suspensos preventivamente das respectivas funções, em 19.06.2012, na sequência de instauração de procedimento disciplinar com intenção de despedimento.

Factos não indiciariamente apurados:

1.Em data não concretamente apurada, mas anterior a Junho de 2007, os arguidos, combinaram entre si subtrair do interior da despensa e armazém do Hotel ............ diversos produtos alimentares, de limpeza e bebidas, fazendo-os seus.

2.Mais acordaram os arguidos que, posteriormente, tais produtos seriam distribuídos por todos, cabendo aos arguidos M.H.S. e J.C.R. o respectivo transporte para a residência de todos os arguidos.

3.Com efeito, os arguidos M.F.R. e A.M.D.., aproveitando-se da natureza e do tipo de tarefas inerentes às suas funções e do fácil acesso à despensa do Hotel ............, enchiam diariamente caixas e sacos com produtos alimentares, bebidas, mercearias e produtos de limpeza, retiravam-nas do interior da despensa, por vezes simulando que tais caixas se destinavam ao contentor do lixo e, em seguida, entregavam as mesmas aos arguidos M.H.S. e J.C.R..

4.Os arguidos M.H.S. e J.C.R., por sua vez, simulando que aqueles sacos e caixas se destinavam ao Golf ou ao Centro de Congressos, transportavam-nos até às próprias habitações ou até às residências dos demais arguidos, onde permaneciam não mais de cinco minutos, por vezes sem desligarem o motor das viaturas do Hotel e apenas para descarregarem os produtos subtraídos.

5.Por outro lado, embora coubesse aos arguidos M.H.S. e J.C.R.  o transporte e entrega do remanescente dos produtos alimentares do Centro de Congressos para o Hotel ............, aqueles subtraíam tais produtos, acabando por transportá-los para a sua residência ou para a dos demais arguidos.

6.Não obstante os arguidos M.H.S. Silva e J.C.R.  estivessem obrigados a preencher o livro de registo diário dos itinerários onde se deslocavam com as duas viaturas do Hotel ............, o mesmo não correspondia aos percursos que efectivamente realizavam.

7.Noutras ocasiões, os próprios arguidos colocavam os produtos subtraídos nos seus veículos particulares, que se encontravam estacionados nas proximidades do Hotel ............, os quais transportavam depois até às respectivas residências.

8.Assim, pelo menos entre Junho de 2007 e 14 de Junho de 2012, os arguidos em conjugação de esforços e intentos e na sequência de plano previamente gizado por todos, subtraíram do interior da despensa do Hotel ............, do Centro de Congressos ou do Golf, diversos bens alimentares e não alimentares, designadamente, presunto, bacalhau, limões, melões e outras frutas, legumes, iogurtes, cereais, queijos, chouriços, chocolates, manteiga, garrafas de água, garrafas de coca­-cola, garrafas de vinho e espumante, leite, azeite, conservas e enlatados, arroz, massas, açúcar, papel higiénico, guardanapos, toalhas de mesas e de casa de banho, loiça em porcelana e talheres.

9.Por outro lado, não obstante o arguido L.M. ter cessado as suas funções, por aposentação, em 17.07.2009, os arguidos M.H.S. e J.C.R. , continuaram a transportar e a entregar na respectiva residência, situada na Rua,,,,,,,,,,,..., diversos produtos alimentares e bebidas, subtraídos do interior do Hotel .............

10.Os arguidos M.H.S. . ou J.C.R. ., deslocaram-se à residência do arguido M.F.R. . situada na Rua …………., em …….., conduzindo os veículos de matrícula XX-XX-VJ e XX-DF-XX, onde entregaram diversos produtos alimentares e bebidas, subtraídos do interior do Hotel ............, em quantidade e qualidade não concretamente apurada, pelo menos nas seguintes datas: 03.11.10, 20.01.11, 04.02.11, 10.02.11, 22.02.11, 20.07.11 e 03.08.11.

11.Os arguidos M.H.S. ou J.C.R., deslocaram-se à residência do arguido A.M.D.. situada na Rua …………, em ……., conduzindo os veículos de matrícula XX-XX-VJ ou XX-DF-XX, onde entregaram diversos produtos alimentares e bebidas, subtraídos do interior do Hotel ............, em quantidade e qualidade não concretamente apurada, pelo menos nas seguintes datas: 16.10.2010; 22.10.10; 30.10.10; 02.11.10; 09.11.2010; 17.11.2010; 16.12.2010; 27.01.11; 04.02.11; 11.02.11; 15.02.11; 02.04.11; 12.04.11; 15.04.11; 07.07.11; 14.07.11; 11.08.11, 18.08.11; 23.09.11; 22.10.11; 02.11.11; 04.11.11, 11.11.11, 24.11.11, 09.12.11, 30.12.11, 19.01.12, 16.03.12, 12.04.12, 25.05.12, 31.05.12.

12.Os arguidos M.H.S. ou J.C.R., deslocaram-se à residência do arguido L.M. situada na Rua ……….., em ............., conduzindo os veículos de matrícula XX-XX-VJ e 87 XX-DF-XX, onde entregaram diversos produtos alimentares e bebidas, subtraídos do interior do Hotel ............, em quantidade e qualidade não concretamente apurada, pelo menos nas seguintes datas: 20.10.10, 26.10.10, 21.12.10, 10.02.11, 24.05.11, 14.06.11, 22.06.11, 05.07.11, 08.07.11, 26.07.11, 19.08.11, 14.10.11, 08.11.11, 16.12.11, 23.12.11,29.12.11, 10.02.12, 13.03.12, 23.03.12, 09.04.12, 17.04.12, 10.05.12, 12.06.12;

13.Os arguidos M.H.S.  ou J.C.R., deslocaram-se à residência do arguido J.C.R. situada na Rua …………. em ………., conduzindo os veículos de matrícula XX-XX-VJ e XX-DF-XX, onde entregaram diversos produtos alimentares e bebidas, subtraídos do interior do Hotel ............, em quantidade e qualidade não concretamente apurada, pelo menos nas seguintes datas: 03.12.10, 09.12.10, 23.12.10, 27.12.10, 31.12.10, 16.03.11, 01.04.11, 06.04.11, 13.05.11, 23.08.11, 28.09.11, 28.10.11,

14.Os arguidos M.H.S. ou J.C.R. deslocaram-se à residência do arguido M.H.S. situada na Rua ……………., e na Avenida …………., conduzindo os veículos de matrícula XX-XX-VJ e XX-DF-XX, onde entregaram diversos produtos alimentares e bebidas, subtraídos do interior do Hotel ............, em quantidade e qualidade não concretamente apurada, pelo menos nas seguintes datas: 09.10.10, 12.10.10, 15.10.10, 20.10.10, 30.10.10, 03.11.10, 04.11.10, 05.11.10, 08.11.10, 09.11.10, 10.11.10, 11.11.10, 12.11.10, 15.11.10. 17.11.10, 18.11.10, 22.11.10, 24.11.10, 25.11.10, 26.11.10, 27.11.10, 02, 03, 07, 09, 10, 16, 17, 22 e 23 de dezembro de 2010, 27, 28, 29 e 30 de dezembro de 2010, 03, 04, 05, 06, 07, 10, 12, 13, 14, 18, 20, 25, 26, 27, 28 e 31 de janeiro de 2011; 01, 03, 04, 07, 08, 11, 17, 18, 21, 28 de fevereiro de 2011, 03, 04, 07, 09, 10, 13, 12, 15, 16, 17, 18, 21, 22, 23, 24 e 31 de Março de 2011, 02, 05, 06, 08, 13, 18 de abril de 2011; 17, 18, 23, 24, 25 de Maio de 2011, 20.06.11, 03, 08, 11, 12 de agosto de 2011, 14, 17, 18 de setembro de 2011, 09, 17, 24, 26 de outubro de 2011, 08, 15 de novembro de 2011, 02, 07, 12, 20, 22 de dezembro de 2011, 03, 09, 18, 20, 25, 26, 27 de janeiro de 2012, 01, 03, 04, 08, 09, 10, 13, 14, 15, 16, 17, 22, 23, 24, 27, 28 de fevereiro de 2012, 01, 04, 06, 07, 08, 09, 10, 14, 20, 27, 29 de março de 2012, 04, 09, 10, 11, 12, 13, 16, 17, 23, 24, 30 de abril de 2012, 02, 08, 09, 14, 15, 16, 22, 28, 29, 30 e 31 de maio de 2012, 08 e 11 de junho de 2012.

15.Os arguidos M.H.S. ou J.C.R., deslocaram-se à residência do arguido A.C.F., situada na Rua ……….., em ……….., conduzindo os veículos de matrícula XX-XX-VJ e XX-DF-XX, onde entregaram diversos produtos alimentares e bebidas, subtraídos do interior do Hotel ............, em quantidade e qualidade não concretamente apurada, pelo menos nas seguintes datas: 01.04.11, 18.04.2012, 22.09.11 e 28.10.11.

16.No dia 14 de Junho de 2012, pelas 09h20, o arguido M.F.R. detinha na sua posse, guardado no interior da sua residência, situada na Rua………………… em ……….., os seguintes objectos, subtraídos do interior do Hotel ............, no valor total de € 149,10 (cento e quarenta e nove euros e dez cêntimos):

Uma lata de sardinhas em óleo vegetal, de marca Porthos, no valor de € 0,XX;

Seis latas de sardinhas portuguesas em tomate, de marca Lider, no valor de € 3,XX;

Dois frascos de azeitonas pretas descaroçadas, de marca Maçarico, no valor de € 13,50;

Sete embalagens de café, de marca Delta Expresso Bar, no valor de € 78,69;

Quatro pacotes de arroz agulha, de marca Caçarola, no valor de € 3,00;

Um pacote de massa cotovelinhos, de marca Combino, no valor de € 1,28;

Um pacote de massa cotovelinhos, de marca Caçarola, no valor de € 1,28;

Duas latas de feijão manteiga cozido, de marca Campuval, no valor de € 2,76;

Uma lata de feijão encarnado cozido, de marca Campuval, no valor de € 1,38;

Duas latas de tomate pelado, em sumo de tomate, de marca Masterchef, no valor de € 1,58;

Duas embalagens de ketchup, de marca Calvé, no valor de € 4,32;

Uma embalagem de ketchup, de marca Heinz, no valor de € 2,10;

Uma embalagem de mostarda, de marca Calvé, no valor de € 1,60;

Uma embalagem de mostarda, de marca Savora, no valor de € 1,60;

Uma embalagem de queijo ralado, de marca Knorr, no valor de € 13,41;

Uma embalagem de molho demi glace, de marca Knorr, no valor de € 12,60;

Uma lata de cojonudos, de marca Emperatriz, no valor de € 2,95;

Uma lata de cojonudos (esparragos blancos extra), de marca Emperatriz, no valor de € 2,95.

17.No dia 14 de Junho de 2012, pelas 09h35, o arguido A.M.D.. detinha na sua posse, guardado no interior da sua residência, situada na Rua ……………….., em ……….., os seguintes objectos, subtraídos do interior do Hotel ............:

Um frasco de maionese de marca Calvé, de 225 ml, parcialmente consumido;

Um frasco de maionese de marca Calvé, de 200 ml, parcialmente consumido;

Um frasco de azeitonas de marca Maçarico, de 350 g, parcialmente consumido.

18.No dia 14 de Junho de 2012, pelas 09h30, o arguido M.H.S. detinha na sua posse, guardado no interior da sua residência, situada na Avenida ………………., os seguintes objectos, subtraídos do interior do Hotel ............, no valor total de € 176,24 (cento e setenta e seis euros e vinte e quatro cêntimos):

Dois rolos de papel de limpeza industrial, de marca Tork, no valor de € 26,02;

Uma embalagem de 100 naperons brancos em papel, no valor de € 1,69;

Um pacote de leite meio gordo, de 1 litro, marca Prado Verde, no valor de € 0,69;

Uma lata de feijão manteiga cozido, de marca Campuval, no valor de € 1,38;

Um frasco de grão de bico cozido de marca Cister, no valor de € 0,59;

Oitenta embalagens de manteiga de doses individuais, marca Mimosa, no valor de € 27,30;

Um garrafão em plástico contendo azeite de marca Oliveira da Serra Clássico, no valor de € 10,25;

Uma toalha de mãos, de cor branca e bege, com a inscrição "Savon Marseille", no valor de € 10,00;

Cinco tigelas em porcelana de cor branca, de marca Arc France, no valor de € 73,30;

Um pires em porcelana branca, de marca Vista Alegre, no valor de € 2,50;

Dois pratos em porcelana branca, de marca Vista Alegre, no valor de € 8,00;

Onze sacos de plástico transparentes, contendo diversas miniaturas de produtos de panificação e pastelaria;

Três caixas de saquetas de chá, de marca Twinings, sabor Lemon&Ginger, no valor de € 7,26;

Uma caixa de saquetas de chá, de marca Twinings, sabor Pure Peppermint, no valor de € 2,42;

Duas caixas de saquetas de chá, de marca Twinings English Breakfast, no valor de € 4,84.

No dia 14 de Junho de 2012, pelas 10h30, o arguido M.H.S. detinha na sua posse, guardado no interior da residência onde pernoita, situada na Avenida ……………, na ………., os seguintes objectos, subtraídos do interior do Hotel ............, no valor total de € 1.401,12 (mil quatrocentos e um euros e doze cêntimos):

Um saco de plástico contendo diversos pacotes de açúcar de marca Delta, linha profissional, no valor de € 1,74.

Catorze tigelas de porcelana branca, de marca Arc France, no valor de € 205,24;

Um faqueiro em metal composto por: 12 facas de carne, 6 facas de peixe, 6 colheres de café, 6 colheres de sobremesa, 18 garfos e 12 colheres de diferentes tipos, no valor de € 149,60;

Uma embalagem contendo vários rolos de papel higiénico branco, de marca Renova, no valor de € 9,12;

Um saco plástico contendo vários guardanapos em papel de cor branca, com o símbolo do "EP, Centro de Congressos", no valor de € 6,33;

Um garrafão de azeite em plástico, contendo azeite virgem extra de marca Tradição, linha profissional, no valor de € 13,65;

Um saco plástico transparente contendo diversos talheres em plástico de cor branca, de marca Nupik;

Uma caixa em plástico transparente contendo onze pacotes de manteiga de doses individuais, de marca Mimosa, no valor de € 4,00;

Um saco plástico de cor azul contendo no seu interior diversos produtos de panificação e pastelaria;

Um maço de guardanapos de marca Renova DLK, no valor de € 28,00;

Uma embalagem contendo quatro frascos de salsichas de frango, de marca Campo Frio, no valor de € 11,52;

Uma embalagem contendo três litros de leite meio gordo, marca Prado Verde, no valor de € 2,07;

Um frasco de compota de milho e cevada, de marca WOM, no valor de € 2,20;

Um frasco de mel de marca Melaria flor de rosmaninho, no valor de € 8,79;

Um frasco de mel de marca Quinta da Urgeira, no valor de € 8,79;

Um frasco de compota de laranja, de marca Hartleys, no valor de € 2,64;

Um frasco de compota de limão de marca Wilkin & Sons, no valor de € 3,14;

Cinco garrafas de vinho branco da "Casa de Santar", no valor de € 20,20;

Seis garrafas de vinho branco da "Casa de Santa Vitória", no valor de € 13,20;

Quatro garrafas de vinho branco da casa "Quinta do Lorido", no valor de € 8,00;

Oito garrafas de vinho branco da casa "Falcoaria", uma das quais parcialmente consumida, no valor de € 32,32;

Duas garrafas de vinho branco da casa "Conventual", no valor de € 6,00;

Duas garrafas de vinho branco da casa "Pêra Manca", no valor de € 39,44;

Uma garrafa de vinho do Porto da casa "Real Companhia Velha", no valor de € 4,77;

Uma garrafa de vinho espumante da casa "Vértice", no valor de € 10,XX;

Uma garrafa de vinho branco da casa "Vinha Nova", no valor de € 2,00;

Duas garrafas de vinho espumante da casa "Borlido", no valor de € 6,00;

Uma garrafa de vinho espumante da casa "Aliança", no valor de € 3,12;

Quatro garrafas de vinho tinto da casa "Albernoas", no valor de € 7,72;

Seis garrafas de vinho branco da casa "Fiúza", no valor de € 37,98;

Cinco garrafas de vinho tinto da casa "Fiúza", no valor de € 39,30;

Três garrafas de vinho espumante da casa "Murganheira", no valor de € 22,38;

Cinco garrafas de vinho branco da casa "Alvarinho", no valor de € 19,20;

Quatro garrafas de vinho tinto da casa "Quinta do Peru", no valor de € 16,00;

Onze garrafas de vinho branco da casa "Albernoas", no valor de € 21,67;

Três garrafas de vinho branco da casa "Terra Franca", no valor de € 4,50;

Duas garrafas de vinho tinto da casa "Terra Franca", no valor de € 3,00;

Duas garrafas de vinho tinto da casa "Dona Antónia", no valor de € 16,54;

Duas garrafas de vinho espumante da casa "Segura Viudas", no valor de € 30,00;

Uma garrafa de vinho branco da casa "Vinha Nova", no valor de € 2,00;

Cinco garrafas de vinho tinto da casa "Esteva Douro", no valor de € 16,35;

Uma garrafa de vinho espumante da casa "Vale D’Anais", no valor de € 2,50;

Uma garrafa de vinho espumante da casa "Chave D’Oiro", no valor de € 3,50;

Um saco contendo diversas palhas de bebida, no valor de € 2,00;

Uma toalha de mesa de cor azul, no valor de € 50,00;

Catorze toalhas de mesa de cor branca de diferentes medidas, no valor de € 420,00;

Dezasseis toalhas de higiene de cor branca de diversos tamanhos, no valor de € XX,00;

Quatro sacos de plástico com o logotipo do Hotel ............, no valor de € 3,00.

19.No dia 14 de Junho de 2012, pelas 12h30, o arguido M.H.S. .detinha na sua posse, guardado no interior do seu veículo de marca Ford, modelo Fusion, de matrícula XX-DA-XX, os seguintes objectos, subtraídos do interior do Hotel ............, no valor total de € 10,66 (dez euros e sessenta e seis cêntimos):

Uma toalha de mãos de cor branca e bege, com a inscrição "Savon Marseille", no valor de € 10,00;

Três caixas de fósforos com a inscrição "Hotel ............ EP", no valor de € 0,66.

20.Por diversas vezes, em datas não concretamente apuradas, mas entre meados do ano de 2010 e Janeiro de 2012, o arguido A.C.F. exigiu que A:M.F. lhe entregasse uma quantia equivalente a 3% do valor das vendas que fizesse ao Hotel ............, sob pena de não lhe fazer encomendas.

21.Como A:M.F. recusou sempre entregar qualquer valor monetário ao arguido A.C.F., este diminuiu-lhe drasticamente o volume de vendas, de cerca de € 1.000,00 (mil euros) semanais, para não mais de € 100,00 (cem euros) semanais.

22.Devido aos elevados custos com a aquisição de bebidas e alimentos, cerca de 35%, e decorrente da actuação dos arguidos, o sector da alimentação e bebidas do Hotel ............, não registou lucros entre pelo menos 2007 e 2012.

23.Os arguidos agiram sempre em conjugação de esforços e na sequência de um plano previamente gizado por todos.

24.Sabiam os arguidos que os objectos e todos os produtos alimentares e bebidas que retiraram do interior do Hotel ............, do Centro de Congressos e do Golf não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade da sua proprietária, não obstante quiseram agir do modo descrito, sempre com o propósito de se apoderarem dos aludidos artigos, que fizeram seus.

25.Por outro lado, os arguidos, agindo como descrito, aproveitaram-se da natureza e do tipo de tarefas inerentes às suas funções, do fácil acesso aos produtos alimentares e bebidas, da confiança então depositada em si pela Direcção do Hotel ............, enquanto funcionários deste há mais de 30 anos, criando-se assim condições favoráveis à repetição da prática, pelos arguidos, da relatada conduta ilícita, sendo certo que estes, ao longo daquele período de tempo, se convenceram renovadamente de que a sua conduta criminosa tinha sido bem sucedida e permanecera impune.

26.O arguido L.M. tinha perfeito conhecimento de que os produtos alimentares entregues na sua residência, após a data da sua aposentação, eram de proveniência ilícita e que haviam sido subtraídos do interior do Hotel ............, não obstante, quis agir do modo descrito, com a intenção de obter para si proventos a que sabia não ter direito, tal como sabia que causava prejuízo à EP, S.A., proprietária do Hotel .............

27.O arguido A.C.F. quis incutir em A:M.F. um sério receio de não conseguir vender produtos para o Hotel, com o objectivo de obter dela quantias em dinheiro resultante da sua actividade profissional de venda de frutas e legumes, o que lhe causaria enormes perdas patrimoniais.

28.Sabia também que ao dizer a A:M.F. que não lhe faria encomendas para o Hotel ............, caso esta não lhe entregasse uma percentagem das vendas em dinheiro, constituía ameaça importante e apta a fazê-la entregar a quantia exigida, contra a sua vontade.

29.Sabia ainda que A:M.F. não lhe devia qualquer quantia monetária e que tal entrega lhe acarretaria prejuízo patrimonial, bem como ao Hotel ............, e o correspectivo enriquecimento ilegítimo do arguido, o que só não veio a acontecer por motivos alheios à sua vontade.

30.Os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

*

Da fundamentação relativamente aos factos que se consideram estar suficientemente indiciados ou não indiciados:

Os factos que se consideram não estar indiciados reportam-se sobretudo aos artigos da acusação em que se diz que ou o arguido M.H.S. ou o arguido J.C.R. se terão deslocado a determinadas residências com vista a entregar produtos furtados por todos os arguidos no interior do Hotel ............ e aos factos que consubstanciam o dolo dos arguidos e bem assim os que dizem respeito aos furtos alegadamente ocorridos entre 2007 e 2012 e ainda aos factos consubstanciadores da alegada tentativa de extorsão por parte do arguido A.C.F..

Efectivamente, a prova respeitante aos percursos que os arguidos terão feito assenta, exclusivamente, nos registos de GPS juntos pela EP e que resultam da instalação deste sistema nas carrinhas do Hotel, sem conhecimento dos arguidos e sem comunicação à CNPD – cfr. fls. 1670.

As localizações via GPS foram obtidas pela assistente, sem que tivessem sido solicitadas ou autorizadas por autoridade judiciária, maxime pelo juiz de instrução.

O Código de Processo Penal no artigo 125.º estabelece que são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei.

No artigo 126.º encontramos um catálogo das provas proibidas designadamente no n.º 1 onde se dispõe que: São nulas, não podendo ser utilizadas as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.

De acordo com o n.º 3 deste mesmo artigo, ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.

Por seu turno, no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa estA.C.F.ece-se que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

E o n.º 8 deste artigo estabelece que são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.

No artigo 35.º, n.º 5, da CRP estatui-se que é proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na lei.

De acordo com a Lei 41/2004 de 18.08, artigo 2.º, alínea e), são dados de localização quaisquer dados tratados numa rede de comunicações electrónicas que indiquem a posição geográfica do equipamento terminal de um assinante ou de um qualquer utilizador de um serviço de comunicações eletrónicas acessível ao público.

Também de acordo com o artigo 3.º da Lei 32/2008 de 17.07 a transmissão de dados (leia-se dados de tráfego e de localização) às autoridades competentes só pode ser autorizada por despacho fundamentado do juiz de instrução.

Veja-se ainda o artigo 20.º do Código de Trabalho no qual se pode ler que: o empregador não pode utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.

Sendo este o quadro legal, estamos absolutamente de acordo com o que escreve o sr. Desembargador Joaquim Gomes, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.03.13, acessível na internet em www.dgsi.pt não cremos que a vigilância convencional de seguimento seja equivalente à localização através do localizador GPS e à sua monitorização através do registo dos respectivos dados, porquanto esta última permite traçar o perfil detalhado da vida pública e privada de uma pessoa.

Prossegue dizendo que não faria sentido que apenas fosse sujeita a autorização judicial a localização celular através dos dados telefónicos e já não o fosse o acesso a dados de localização através do mecanismo GPS, uma vez que se tratam de dados sensíveis, que dizem respeito à vida íntima e encontram-se no âmbito do direito fundamental à auto-determinação informativa.

Nesta conformidade e sempre que esteja em causa a localização através da tecnologia GPS a mesma deve ser sujeita a autorização judicial, aplicando-se por interpretação analógica o disposto no artigo 187.º do CPP.

Não tenho, pelo regime legal que acabo de descrever, quaisquer dúvidas que não pode a entidade patronal por conta própria encetar e levar a cabo uma investigação com vista a detectar ilícitos criminais, utilizando para tanto o sistema de GPS.

Nem sequer a Comissão Nacional de Protecção de Dados foi informada ou solicitada a sua autorização nos termos do artigo 21.º do CT.

Em todo o caso, menos ainda se compreende que o MP sufrague esse procedimento da entidade patronal e transponha para a acusação uma série de tA.C.F.as assentes nas localizações dos arguidos obtidas através de sistema de GPS do qual os arguidos não tinham conhecimento, como o próprio director do hotel assumiu até porque o sistema se destinava precisamente a investigar ilícitos criminais.

O MP além de aproveitar as localizações obtidas através de sistema de GPS sem autorização do juiz de instrução, ainda retirou daí a conclusão, a meu ver inadmissível, perante os demais meios de prova, de que nesses dias e horas, um dos arguidos (nem sequer concretiza se foi o arguido M.H.S. ou o arguido J.C.R.) foi entregar a sua própria casa ou a casa dos demais produtos subtraídos do Hotel .............

Percorrida toda a demais prova, não há um único elemento de prova, testemunhal, documental ou outro donde possa retirar-se que nos dias e horas elencados na acusação, os arguidos retiraram bens do Hotel ............ e de que foram entregar os bens furtados às suas ou às casas dos outros arguidos.

Efectivamente, o MP conclui dos registos de GPS que naqueles dias e horas descritos na acusação os carros do Hotel ............ pararam nas ruas onde moram os arguidos para ir levar bens que furtaram no Hotel, contudo, nenhuma testemunha, nenhum sistema de vídeo-vigilância e nem mesmo a polícia nos seus RDES descreve como foram furtados os bens, onde o foram ou sequer que foi mesmo a casa dos arguidos que os mesmos se dirigiram.

O processo iniciou-se com a queixa da assistente e com a junção aos autos dos registos de GPS, o que, desde logo, e atenta a circunstância de acima já termos concluído que a prova obtida, sem autorização do juiz de instrução, não é válida, coloca-nos, desde logo, a questão do efeito à distância que essa invalidade possa ter.

Contudo, sem prejuízo da abordagem dessa questão mais à frente, diremos, desde já, que apesar de as autoridades policiais, na sequência da queixa, terem procedido à vigilância dos percursos feitos pelo arguido M.H.S. (o arguido J.C.R.  nunca foi visualizado pela autoridade policial porquanto esteve de baixa no período dos RDES feitos pela polícia o que foi confirmado pela testemunha Nuno Cabaço) nada foi visto de relevante designadamente que o arguido tenha entrado em casa dele ou dos outros arguidos levando quaisquer produtos do Hotel.

As testemunhas FXS, ouvido no inquérito e na instrução, JC (fls. 171), EG (fls. 177), respectivamente, director do hotel, director de serviços técnicos, consultor de higiene e segurança, não tinham qualquer conhecimento directo dos factos, não tendo presenciado qualquer furto ocorrido e perpetrado pelos arguidos.

A testemunha PD, secretária de direcção, apenas se referiu à existência de boatos de furtos, testemunhando que de acordo com os registos de GPS sobretudo o motorista M.H.S. faria deslocações a casa dos outros arguidos designadamente porque pararia o carro, sem desligar o motor, durante 2/3 minutos, na rua dos mesmos.

A testemunha CP, secretária da administração, disse que no verão de 2011 viu o arguido M.H.S. parar uma das viaturas do hotel junto da viatura do próprio e colocar lá dentro caixas. Disse que depois se abeirou do carro do arguido, espreitou lá para dentro e lhe pareceu estarem as caixas vazias.

A testemunha CC, telefonista do hotel até 2009 apenas relatou um telefonema de alguém que não se identificando telefonou para o hotel para falar com o director, dizendo que pretendia denunciar o arguido M.F.R. por estar a furtar no hotel. A testemunha disse contudo que nunca viu nada que lhe permitisse concluir que os arguidos furtassem e que até pensou que o telefonema fosse de uma ex-namorada do arguido que o quisesse prejudicar.

A testemunha AA, o tal estagiário a que a testemunha FB se refere como tendo denunciado o esquema de furtos perpetrado no hotel, curiosamente, refere apenas factos ocorridos no ano de 2007???.

A fls. 287 foi ouvida A:M.F., suposta vítima da tentativa de extorsão, que disse que em determinada altura o arguido A.C.F. lhe pediu 3% sobre a facturação, ao que ela não acedeu. Mais disse que ele ainda insistiu outras vezes, mas que ela nunca acedeu e que o resultado disso foi a baixa da sua facturação de cerca de 1000 euros para cerca de 100 euros por semana. Disse ainda que a única pessoa que tinha relações privilegiadas com o arguido A.C.F. era o seu irmão.

Foram feitas buscas às casas de L.M. e A.C.F. nada tendo sido apreendido.

Foram feitas buscas às casas de A.M.D.., M.F.R. e M.H.S., nas quais foram apreendidos produtos com a marca do hotel (no caso do primeiro apenas uma lata de azeitonas, uma de mostarda e outra de maionese).

Não foi feita busca à casa do arguido J.C.R..

O arguido A.M.D.. não prestou declarações, tal como o arguido L.M..

O arguido A.C.F. negou a prática dos factos.

O arguido M.F.R. confessou que retirou alguns produtos do hotel sem consentimento e o arguido M.H.S. confessou ter levado alguns produtos a casa do M.F.R. e do arguido A.M.D.., tal como confessou ter trazido alguns produtos do hotel com os quais ficou.

Foram ainda ouvidos no inquérito como testemunhas, CE, JL (fls. 601 e 603) e FP, os quais nada relataram de anormal no que diz respeito à conduta dos arguidos.

A testemunha FS, responsável pela pesagem de produtos, disse nada saber acerca de furtos ocorridos no hotel, ao passo que a testemunha DB, fornecedora de peixe do hotel, declarou que pensavam que haveria alguma combinação entre o CE e o arguido A.C.F..

Cumpre agora debruçarmo-nos com mais algum detalhe sobre a invalidade da prova obtida através dos registos de GPS e bem assim sobre o efeito que essa invalidade gera na restante prova produzida, o apelidado efeito à distância.

Temos por certo que a prova consistente nos registos GPS da circulação das carrinhas do hotel é nula porquanto foi obtida mediante uma abusiva intromissão na vida privada dos arguidos M.H.S. e J.C.R., atendendo a que não só estes não tiveram conhecimento (e portanto também não deram o seu consentimento) de que estariam a ser controlados no exercício da sua actividade por este meio, como porque a colocação destes dispositivos teve como único fito investigar a prática de crimes e não foi autorizada por um juiz de instrução como devia ter sido em obediência ao disposto no artigo 187.º do CPP.

Aliás, no caso dos autos, o MP além de considerar os registos de GPS como um meio de prova, fez mais do que isso, colocando esses registos como factualidade da acusação.

Sendo esta prova nula nos termos do artigo 126,º, n.º 3, do CPP, cumpre também retirar as consequências dessa mesma nulidade.

A este propósito fala-se na chamada teoria dos frutos da árvore envenenada.

A prova produzida contamina a restante prova se houver um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa entre a prova produzida e a restante prova (artigo 122.º, n.º 1, do CPP) lido à luz da jurisprudência do TC no acórdão 198/2004 de 24.03.

Como refere M.F.R. da Costa Andrade, em Sobre as proibições de prova em processo penal, Coimbra editora, 2006, p. 316, o efeito à distância só será de afastar quando tal seja imposto por razões atinentes ao nexo de causalidade ou de imputação objectiva entre a violação da proibição da produção de prova e a prova secundária.

Na nulidade da prova, o juiz deverá também fixar o alcance dessa mesma nulidade relativamente a outras provas – efeito à distância da nulidade das provas – e esta não poderá ser utilizada. – cfr. Código de Processo Penal anotado, comentários e notas práticas, Coimbra Editora, p. 324.

No caso concreto deste processo, claramente que a prova obtida posteriormente à junção dos respectivos registos de GPS se baseou nela e só se procurou obter graças a ela.

Existe, sem dúvida, um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa entre a prova produzida através dos dispositivos de GPS e a restante prova obtida posteriormente, designadamente as apreensões resultantes das buscas e mesmo algumas confissões parciais dos arguidos.

Note-se que o processo se inicia com a junção desses registos de GPS e a verdade é que apesar da autoridade policial ter procedido a inúmeras vigilâncias e seguimentos ao arguido M.H.S. nada pôde constatar de muito relevante conforme está espelhado nos RDES.

Acresce que a prova testemunhal produzida é quase irrelevante para prova dos factos constantes da acusação e que se reportam designadamente ao furto na forma continuada.

Temos, pois, que a junção dos registos GPS foi determinante para a aquisição posterior de prova que com eles tem inequívoco nexo de causalidade.

Sendo assim, entendo que os efeitos da nulidade se estendem designadamente às apreensões efectuadas na sequência das buscas levadas a cabo, à prova testemunhal e até às declarações dos arguidos e às vigilâncias efectuadas pela autoridade policial.

Sendo a prova nula não pode ela ser valorada, motivo pelo qual se deram como não indiciados os factos acima descritos e que integrariam o crime de furto por parte dos arguidos.

No que concerne aos elementos integradores do crime de extorsão, a prova produzida a esse respeito, embora esteja também inquinada pelo vício acima descrito, sempre seria escassa, atendendo a que está apenas sustentada nas declarações da testemunha Ana Maria A:M.F., a quem supostamente o arguido A.C.F. teria exigido a comissão e este nega que a tenha exigido. Não há outra prova a esse respeito, sendo certo que é preciso notar que mesmo nas declarações da testemunha o grande beneficiado seria o seu próprio irmão, com quem, de acordo com as declarações deste último na instrução, está de relações cortadas.

Quanto aos factos indiciariamente apurados o Tribunal estribou a sua convicção nas declarações de FB e bem assim nos documentos de fls. 115 a 120.

A prova produzida na instrução acaba por ser irrelevante atendendo à nulidade da prova produzida no inquérito e atendendo a que a instrução foi requerida pelos arguidos e não pela assistente.

Sendo estes os factos apurados, não valerá a pena fazer grandes incursões pela matéria de direito, porquanto, obviamente, não estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos dos tipos de crime de que os arguidos vinham acusados.

Apenas uma palavra para a questão colocada pelo arguido A.C.F. e que se reporta à inexistência de queixa contra si e à ilegitimidade do MP para prosseguir o procedimento criminal.

Efectivamente, a assistente não se queixou do arguido A.C.F..

O arguido foi, afinal, acusado da prática de um crime de furto simples na forma continuada, p. p. no artigo 203.º, n.º 1, do CP e de um crime de extorsão na forma tentada.

O procedimento criminal pela prática de crime de furto nos termos do n.º 3 do artigo 203.º do CP depende de queixa.

Sem essa queixa o MP não pode promover o processo nos termos do artigo 48.º a 52.º do CPP.

Tendo-o feito, efectivamente, existe uma nulidade insanável nos termos do artigo 119.º, n.º 1, alínea b), do CPP no que concerne à promoção do processo contra o arguido A.C.F. da Cruz Fernandes pela prática de um crime de furto.

O arguido J.C.R. colocou ainda a questão da intempestividade do exercício do direito de queixa por factos anteriores a 01.03.011.

O direito de queixa foi exercido em 17.08.11 e, nos termos do artigo 115.º, n.º 1, do CP o direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto ou dos seus autores.

O arguido tem razão quando alega que relativamente aos factos anteriores a 17.02.11 o MP não tinha legitimidade para prosseguir o procedimento criminal.

Em todo o caso a questão fica prejudicada pela ausência de indícios suficientes relativamente a todos os crimes de que os arguidos vêm acusados.

Em face do exposto, decide-se não pronunciar os  arguidos M.H.S., J.C.R., M.F.R., A.M.D.., L.M. e A.C.F. pela prática dos crimes de que vêm acusados ou por quaisquer outros.

3–A assistente “EP, S.A.” interpôs recurso desse despacho (fls. 1828 a 1906).

A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
1.O presente recurso vem interposto da decisão instrutória de fls. 1697 a 1731 que decidiu não pronunciar os arguidos M.H.S., J.C.R., M.F.R. amos, A.M.D.. Mateus Dias, L.M. e A.C.F.;

2.Fundamenta o Mmo. Juiz “a quo” a sua decisão no facto de as localizações via GPS terem sido obtidas pela Assistente sem que tivessem sido solicitadas ou autorizadas por autoridade judiciária, maxime pelo Juiz de Instrução e, portanto, no disposto no artigo 125.º e 126.º, n.º 3, do CPP e 32.º e 35.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa;


3.Assim, considerou o Mmo. Juiz a quo que o Ministério Público, além de aproveitar as localizações obtidas através de sistema de GPS sem autorização do juiz de instrução, ainda daí retirou a conclusão, inadmissível no entender do Mmo. Juiz “a quo”, perante os demais meios de prova, de que nesses dias e horas um dos Arguidos foi entregar a sua própria casa ou a casa dos demais produtos subtraídos do Hotel ............;

4.Considerou ainda que não há um único elemento de prova, testemunhal, documental ou outro, donde possa retirar-se que nos dias e horas elencados na acusação, os arguidos retiraram bens do Hotel ............ e de que foram entregar os bens furtados às suas ou às casas dos outros arguidos;

5.Salvo o devido respeito, que é muito, não assiste qualquer razão ao Mmo. Juiz “a quo”, que ao decidir pela forma constante do despacho recorrido violou manifestamente o disposto nos artigos 308.º, 125.º e 126.º, n.ºs 1 e 3, 48.º a 52.º, 58.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal;

6.O Mmo. Juiz “a quo”, pelos motivos supra enunciados, proferiu despacho de não pronúncia quanto a todos os Arguidos, despacho de que ora se recorre. De facto, salvo o devido respeito, que é muito e merecido, o Mmo. Juiz “a quo” errou ao decidir da forma que decidiu;

7.Salvo o devido respeito, que muito é, a Recorrente não sufraga o entendimento do Mmo. Juiz “a quo”, pelo que são duas as questões que motivam o presente recurso:

a)A primeira prende-se com a análise diversa que, no entender da Recorrente, deverá ser feita a propósito da teoria dos frutos da árvore envenenada;

b)A segunda prende-se com a suposta necessidade e inexistência de queixa-crime contra o Arguido A.C.F.;

Questões que, caso tivessem sido analisadas de forma diversa e à luz dos princípios legais aplicáveis, teriam conduzido à decisão de pronúncia dos Arguidos.

8.Quanto à primeira questão, grosso modo, entendeu o Mmo. Juiz “a quo” que o Ministério Público se baseou única e exclusivamente nos registos de GPS para deduzir a sua acusação, que a prova produzida nestes termos, por ser nula, nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do CPP, contamina a restante prova (aludindo à teoria dos frutos da árvores contaminada) dado que existe um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa entre a prova produzida e a restante prova;

9.Importa, pois, antes de mais, analisar a doutrina e jurisprudência nacionais e internacionais acerca desta questão;

10.A doutrina identifica quatro tipos de proibições de prova:

a)Determinados factos não podem ser objecto de prova: configuram proibições de tema de prova (Ex.: factos que constituam segredo do Estado – artigo 137.º do CPP);

b)Determinados meios de prova não podem ser utilizados (Ex.: depoimentos de testemunhas não esclarecidas sobre a faculdade de recusa de depoimento – artigo 134.º, n.º 2, do CPP – e certos autos e declarações não podem ser lidos – artigo 356.º do CPP);

c)Certos métodos de investigação não são admissíveis para obtenção de meios de prova: estamos perante proibições de métodos de prova de que são exemplo as proibições previstas nos n.º 1 e 2 do artigo 126.º do CPP;

d)A obtenção da prova só pode ser ordenada ou produzida, em certos casos, por certas pessoas: são proibições relativas de prova, de que são exemplo as proibições previstas no n.º 3 do artigo 126.º do CPP, que são concretizadas pelo disposto nos artigos 177.º, 179.º, 1XX.º, 187.º e 189.º do mesmo diploma.

11.O regime das provas proibidas constitui a conciliação possível da constante tensão entre a necessidade de conferir a mais ampla protecção aos direitos, liberdades e garantias individuais e de assegurar a maior legitimidade possível ao Estado enquanto titular da acção penal e as exigências da comunidade de que o Estado desenvolva uma acção penal eficaz e capaz de manter a confiança da comunidade nas respectivas instituições, e a necessidade de definir as possibilidades de o legislador limitar os direitos dos cidadãos para promover a tutela de outros direitos.

12.E, exactamente por resultarem da conciliação possível de dois valores essenciais de um Estado de Direito, as proibições de prova não assumem um carácter absoluto e imutável, pelo que a CRP atribui ao legislador ordinário a faculdade de, relativamente a alguns direitos com dignidade constitucional, definir as situações em que as necessidades de eficácia penal legitimam limitações aos direitos em causa;

13.Para que as restrições aos direitos fundamentais sejam admissíveis, terão de estar preenchidos os seguintes requisitos:

a)Têm de constar de Lei ou Decreto-Lei autorizado (artigo 165.º, n.º 1, al. b), da CRP);

b)As normas que consagram tais restrições têm de ter um carácter geral e abstracto e não retroactivo (artigo 18.º, n.º 3, da CRP);

c)A restrição deve ser adequada, isto é, apropriada aos fins que se propõe atingir (artigo 18.º, n.º 2, da CRP);

d)A restrição deve ser necessária, na medida em que só é admissível quando for impossível utilizar outro meio menos oneroso e proporcional aos resultados a obter (artigo 18.º, n.º 2, da CRP);

e)Em caso algum poderá afectar o núcleo essencial do direito em causa: a dignidade da pessoa humana enquanto essência dos direitos, liberdade e garantias constitucionalmente consagrados (artigo 18.º, n.º 3, da CRP).

14.Quanto ao regime específico das Proibições de Prova, importa atender ao artigo 118.º do CPP, embora exista uma distinção entre nulidades processuais e proibições de prova. Como, desde logo, indicia a ressalva feita pelo n.º 3 do artigo 118.º do CPP e a inserção sistemática das disposições relativas às nulidades (Título V do Livro II relativo aos Actos Processuais) e às proibições de prova (Título I do Livro III relativo Prova), a análise mais atenta do regime das proibições de prova rapidamente revela que estas se encontram sujeitas a um regime diverso do regime das nulidades (seja das nulidades sanáveis ou insanáveis).

15.Estamos perante um regime que apresenta várias diferenças relativamente ao regime das nulidades:

a)Ao contrário do que sucede com os actos nulos, que produzem efeitos até à declaração da respectiva nulidade, a tutela relativa às proibições de prova foi antecipada, encontrando-se vedada a própria produção dessas provas e, caso as mesmas tenham, ainda assim, sido produzidas, a sua valoração (pelo que, sua simples junção não deverá ser admitida).

b)Não estão sujeitas a um regime taxativo (seja no que concerne aos direitos protegidos, seja relativamente às formas de os ofender);

c)O acto inválido não pode ser renovado ou repetido (qualquer renovação ou repetição implicaria nova violação da proibição de prova);

16.O TEDH tem – resumidamente – assumindo alguns princípios, que se devem entender norteadores da jurisprudência portuguesa. Por ex.: admitindo que as intercepções telefónicas (à semelhança da localização através de mecanismos de GPS) são uma interferência por uma autoridade pública no respeito pela vida privada, essa interferência deve estar de acordo com a lei e deve perseguir objectivos legítimos;

17.O artigo 26.º, n.º 1 (reserva da intimidade da vida privada e familiar), e os números 1 e 4 do artigo 34.º da CRP (inviolabilidade do domicílio, correspondência e telecomunicações) contém previsão com semelhante alcance.
18.Impõe-se, assim, uma mais exigente posição da jurisprudência portuguesa numa interpretação restritiva nesta sede e consequente atenção à “abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações” por parte das entidades policiais e fazer operar de forma plena a nulidade contida no n.º 8 do artigo 32.º da CRP e no artigo 126.º, n.º 3, do CPP;
19.Convém relembrar que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem atende a prática do Estado e não apenas à sua lei. E que este conceito – lei – é definido como um conceito de "Lei" material, devendo atender-se ao direito escrito e não escrito; e que no domínio do direito escrito "lei' é o texto escrito em vigor, tal como as jurisdições competentes o interpretam.

20.Outra perspectiva deverá ser a processual, na sua vertente de cumprimento do formalismo processual da regulamentação nacional das escutas telefónicas.
21.Em regra, ainda nesta sede de pressupostos processuais, a maioria dos casos resume-se a apurar se, no caso concreto, algum procedimento não cumpre o estabelecido na regulamentação das escutas telefónicas, tal como previsto nos artigos 187.º e 188.º do Código de Processo Penal. Numa primeira análise para constatar se foram observados os pressupostos formais do artigo 187.º do Código de Processo Penal, se as escutas telefónicas foram autorizadas por Juiz de Instrução, realizadas nos prazos concedidos pelo JIC e se estamos face a “crimes de catálogo”.
22.Debrucemo-nos agora sobre as consequências – e seu alcance – da nulidade das escutas (e portanto de qualquer outro meio de prova também), considerando o disposto no artigo 139.º do Código de Processo Penal, 32.º, n.º 8, e 34.º, n.º 4, da CRP;
23.Não se trata, no artigo 189.º do Código de Processo Penal, de simples nulidade processual, sim de proibição de prova, mais concretamente, de proibição de valoração da mesma, por se entender ter sido essa a intenção do legislador português, a de proibir a valoração de qualquer prova obtida mediante método proibido de prova, para mais no âmbito das escutas telefónicas, considerando o dano social que, reconhecidamente, lhes está associado na área nuclear e inviolável da vida privada. Estamos longe, portanto, das meras nulidades insanáveis, sanáveis ou meras irregularidades (artigos 119.º, 120.º, 121.º e 123.º do CPP);
24.Ao invés, deve ter-se presente o artigo 118.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, que excepciona o regime das proibições relativas a prova. Consideramos ser caso de aplicação do disposto no artigo 126.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Penal, que afirma a proibição de valoração de provas (“não podendo ser utilizadas, as provas...”) obtidas “mediante intromissão na vida privada …nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”, ressalvados os casos previstos na lei.
25.Que se não pode limitar as causas de nulidade contidas no n.º 1 do artigo 126.º do Código de Processo Penal, com exclusão das que se encontram previstas no n.º 3 do mesmo preceito. Em todos os casos previstos no artigo 126.º do Código de Processo Penal a proibição de valoração das escutas efectuadas é desde logo evidente.
26.Trata-se, aqui, de dar prevalência ao “princípio da dignidade do homem, da sua intocabilidade e da consequente obrigação, para todo o poder oficial, de a respeitar e de a proteger” (Prof. Figueiredo Dias, “Para uma nova justiça penal”, Almedina, 1996, pág. 206) na sequência da aceitação da existência de uma “tensão dialéctica inarredável entre tutela dos interesses do arguido e tutela dos interesses da sociedade representados pelo poder democrático do Estado” (Prof. Figueiredo Dias, “Para uma nova justiça penal”, Almedina, 1996).
27.“Em vez do princípio da procura sem limites da verdade, vigora hoje a regra de que toda a actividade probatória que implique uma intervenção mais ou menos relevante nos direitos individuais postula invariavelmente a necessária legitimação legal” (Sr. Prof. Costa Andrade, in “Sobre as proibições de prova em Processo Penal”, Coimbra Editora, 1992, pág. 22).
28.Enfim, um reconhecido pendor ético na prossecução processual e na conduta do Estado, uma “exigência de superioridade ética do Estado …sem o que será pírrica toda a vitória alcançada na luta contra o crime...”, como afirma o Prof. Costa Andrade;
29.É assim que, no que à “taint doctrine” (“doutrina da nódoa” ou “Makel-Theorie”, “réplica germânica” da teoria da “fruit of the poisonous tree”), como o Prof. Costa Andrade refere e Roxin analisa em vários casos concretos, se discutem agora os efeitos daí resultantes.
30.Se os seus efeitos apenas se restringem ao meio de prova obtido directamente de maneira proibida ou se são extensivos (efeito extensivo, efeito à distância) aos meios de prova indirectamente obtidos, ou seja, se os meios de prova obtidos através e na sequência de meio de prova proibido podem ser valorados pelo Tribunal.
31.Os tribunais portugueses já iniciaram o caminho da aplicação da teoria da “fruit of the poisonous tree”. Por exemplo, veja-se o Tribunal da Relação de Lisboa (vide Acórdão de 22-06-2004, Juiz Relator A.M.D.. Rodrigues Simão, confirmou o acórdão (que reproduz nas partes relevantes) do Tribunal da Comarca de Angra do Heroísmo (2.º Juízo) de 13-06-2003 bem como o Acórdão de 05-01-2005 (Proc. n.º 04P3276, Juiz Relator Henriques Gaspar) que admite discutir os «efeitos consequenciais – o chamado efeito a distância, “Femwirkung des Beweisverbot” ou, na formulação americana, “fruit of the poisonous tree” e o Acórdão n.º 198/2004 do Tribunal Constitucional, Juiz Relator Moura Ramos, que admite explicitamente a “fruit of the poisonous tree doctrine” e vem a consagrar uma das suas excepções, as declarações confessórias do arguido;
Aqui chegados, importa debruçarmo-nos sobre a “Fruit of the Poisonous tree doctrine” e as suas excepções. Se “as coisas se jogam, no essencial, na determinação dos critérios de identificação e demarcação das hipóteses concretas de efeito a distância”, é sensato aceitar que analisar os contributos do US Supreme Court deverá ser o primeiro passo a dar, reconhecendo que quase um século de teorização daquele Tribunal terá a sua utilidade, mesmo que se defenda que a diversa mentalidade jurídica e policial possa ter algum peso nessa análise;
Para mais admitindo que as decisões do Supremo Tribunal alemão e do Supremo Tribunal americano (e, agora, do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional Portugueses) têm decisões recentes que são “manchas de sentido contrário na direcção de um horizonte comum de convergência” (Herrmann, citado pelo Prof. M.F.R. da Costa Andrade, ob. cit. pág. 187);
De facto, desde a sua primeira formulação em 1914, no caso Weeks, mas de forma mais incisiva nos casos Silverthorne Lumber, Nardone II e Mapp v. Ohio que o U.S. Supreme Court tem vindo a elaborar aquela que ficou conhecida pela expressão utilizada em Nardone II “fruit of the poisonous tree”.

A decisão no caso Mapp v. Ohio é um dos casos que, juntamente com Miranda v. Arizona, 384 US 436 (1966) e a expansão do alcance do “habeas corpus”, fez parte da “revolution from above” desencadeada pelo US Supreme Court nos anos 60 sob a “liderança” do Chief Justice Earl Warren.
36.Na essência – já que a matéria se encontra muito bem desenvolvida no referido acórdão 198/2004 do Tribunal Constitucional, pelo Prof. Costa Andrade (ob. cit. pág. 170-172) e documentada no acórdão de 06-05-2004 do Supremo Tribunal de Justiça – a doutrina assenta na interpretação e aplicação da 4.ª Emenda do Bill of Rights (os dez primeiros Amendments da Constituição dos EUA) e determina a exclusão (regra da exclusão, “exclusionary rule”) das provas obtidas pela acusação através da violação dos direitos constitucionais do arguido (acusado) não podendo ser usadas contra este, aqui se incluindo as provas reflexas, secundárias ou indirectas (as obtidas através da primeira, mesmo que aquelas sejam licitamente obtidas);

37.A esta regra foram sendo adicionadas várias limitações ou excepções (“limitations” ou “exceptions”), já que tais factos não ficam “sagrados e inacessíveis”, designadamente:
a)A excepção da “fonte independente” (“independent source exception”) – fixada desde logo na decisão Silverthorne Lumber Co v. US – que aceita as provas que foram ou poderiam ter sido obtidas por via autónoma e lícita, mantendo-se a prova primária ilícita abrangida pela regra de exclusão;
b)A excepção da “descoberta inevitável” (“inevitable discovery exception”) – com origem na decisão Nix v. Williams, 467 U.S. 431 (1984) – que determina a aceitação das provas que “inevitavelmente” seriam descobertas, mesmo que mais tarde, através de outro tipo de investigação;

c)A excepção da “nódoa (ou mácula) dissipada” (“Cleansed – ou purged taint exception”) – com origem nas decisões Nardone (II) e Wong Sun estA.C.F.ecendo que uma prova, mesmo que proveniente de prova ilegal, seja aceite sempre que apresente autonomia suficiente para “dissipar a nódoa”;
38.De referir com interesse para os presentes autos que, no caso Wong Sun discutia-se um “acto independente praticado de livre vontade” (“independent act of free Will”), uma confissão do arguido após uma detenção ilegal, sendo a confissão um acto posterior e esclarecido. Daí resultou a afirmação de uma teoria abrangendo todos os actos de prova provenientes de actos de vontade livre e esclarecida, abrangendo as declarações, mesmo que confessórias, do arguido e os depoimentos de testemunhas;
39.Veja-se ainda a excepção da “boa-fé da conduta policial” (“good-faith exception to the exclusionary rule”) – defendida por decisão no caso li. 5. v. Leon” com seguimento no caso Arizona v. Evans (1995). Constatou-se em julgamento ter havido erro de um magistrado na emissão dos mandatos de busca por inexistência de causa provável. O Tribunal considerou que a confiança do oficial de polícia na decisão do magistrado quanto à existência de “causa provável”, a permitir a emissão de mandados de busca, era objectivamente razoável e a aplicação da sanção extrema da exclusão da prova assim obtida era inapropriada.
40.A regra de “Weeks” e subsequentes excepções constituem um acervo de comandos simples e operativos, não existindo qualquer princípio ou normativo que impeça a sua plena aplicação ao processo penal português. Bem ao invés, mostram-se de acordo com os princípios e normativos constitucionais e da CEDH e a sequência lógica de uma sã leitura do artigo 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na ausência de regras e princípios adequadamente definidos pela doutrina e jurisprudência portuguesas e europeia continental.

41.Assim, podemos concluir que a “regra de exclusão” e suas excepções permitem-nos interpretar o artigo 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e, subsequentemente, aplicá-lo aos casos concretos da vida judiciária.
42.É lícito, pois, colocar a seguinte questão: quais são, então, os actos afectados que dependem do primeiro acto inválido, por via da inicial nulidade, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal?
43.Sendo as escutas inválidas (e bem assim a localização através de mecanismo GPS) por patente nulidade de proibição de prova (aliás, a primeira série nula de escutas inquinaria todas as restantes), são afectadas sempre e quando delas directamente dependam, todas as buscas realizadas (domiciliárias e não domiciliárias), todas as apreensões e detenções, fotografias, vigilâncias policiais, que não sejam excepcionadas pelas limitações a regra de exclusão.
44.São estes, portanto, os frutos da árvore envenenada a que o Tribunal não deve atender para evitar que a “mancha”, a “nódoa” da prova ilicitamente obtida se propague à sentença;
45.Entende-se que cabe aos Tribunais portugueses desenvolver um esforço interpretativo, maxime de adequação, da regra de exclusão e suas limitações ao universo jurídico social português, caso não surja alternativa credível, como ocorre no momento.
46.Será, pois, aconselhável estabelecer uma “válvula de segurança” que evite esses resultados, sem optar por qualquer teoria que inviabilize os ganhos advenientes deste conjunto de regras (maxime pelo afastamento da pretensão de “purificar” a prova ilícita pela “coisificação” ou “materialização” da prova no processo, o que representaria um retrocesso grave), o que pode ser encontrado por exemplo na Carta Canadiana dos Direitos e Liberdades.

47.Dispõe a Carta Canadiana dos Direitos e Liberdades (artigo 24.º, n.º 2) que quando um Tribunal conclua que a prova foi obtida de forma a infringir ou negar quaisquer direitos ou liberdades garantidas pela Carta, essa prova deve ser excluída se, olhando a todas as circunstâncias, a sua admissão no processo traria à Justiça descrédito, má reputação (“disrepute”).

48.A jurisprudência canadiana estabeleceu três critérios essenciais para a admissão ou exclusão da prova ilicitamente obtida, os chamados “factores Collins”, expostos na decisão “Collins” (Regina v. Collins, (1987) 1 S.C.R. 265). São eles:

a)O efeito da admissão da prova na “fairness” do julgamento;

b)A seriedade da conduta policial;

c)Os efeitos da exclusão da prova na (imagem da) administração da justiça.

49.Se os dois primeiros se encontram já abrangidos pelo conjunto de regras da doutrina da árvore envenenada, o terceiro factor, conhecido como o “terceiro factor Collins” apresenta-se como uma novidade, realçando já não os efeitos ético-processuais da admissão da prova ilicitamente obtida sim, ao invés, os efeitos da exclusão sobre a imagem da justiça (“Disrepute may also result from the exclusion of evidence”).

50.Esse factor é relacionado pelo Supremo Tribunal Canadiano com a violação “trivial” de uma violação da Carta de Direitos, a essencialidade da prova e a gravidade da acusação, conduzindo a uma necessária análise sobre se a administração da justiça, considerando "todas as circunstâncias", será melhor servida ou pela admissão ou pela exclusão da prova. Nessa apreciação o tribunal deve considerar a trivialidade da violação das regras de admissão da prova, se a prova a admitir ou excluir e essencial para sustentar a acusação e a seriedade do ilícito cometido (quanto mais grave o crime, maior a má reputação adveniente da exclusão, excepto se a admissão da prova resultar num julgamento injusto).

51.Com interesse para a questão em análise nos presentes autos, por se tratar de matéria semelhante, importa também chamar à colação alguns Acórdãos proferidos pelos tribunais superiores portugueses, dos quais supra se extraiu o respectivo sumário, a saber, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-10-2006, Juiz Relator Vieira Lamim e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-05-2004, Juiz Relator Pereira Madeira;

52.Salvo melhor e mais douto entendimento, no presente processo, em primeiro lugar, errou o Mmo. Juiz “a quo” ao considerar que a obtenção dos registos de GPS constituíram um meio de prova. De facto, tais registos foram juntos aos autos pela Assistente, ora Recorrente, como suporte dos factos alegados na queixa-crime e, claro está, não se tratou de prova produzida pelo Ministério Público ou por qualquer OPC no decurso do inquérito com desrespeito pelos princípios processuais aplicáveis ao regime da prova ou sequer com a adopção de conduta de agente provocador.

53.Errou também ao considerar que a junção dos registos de GPS foi determinante para a aquisição posterior de prova pelo que os efeitos da nulidade se estendem às apreensões efectuadas na sequência das buscas levadas a cabo, à prova testemunhal, às declarações dos arguidos e das vigilâncias efectuadas pela autoridade policial.

54.Isto porque, por exemplo, as apreensões tiveram lugar na sequência das vigilâncias e seguimentos efectuados pelo OPC e não na sequência da junção aos autos dos relatórios de GPS conforme comprovam as datas em que tais actos sucederam. Senão vejamos,

A queixa-crime data de 17.08.2011 (fls. 02 a 105 dos autos);

As vigilâncias e seguimentos ocorreram entre 29.11.2011 e 31.01.2012 (vide fls. 216 a 244, 257 a 259 e 277 a 278) na sequência do respectivo requerimento do Ministério Público (fls. 205) bem como do despacho de autorização do Juiz de Instrução (fls. 208), que autoriza a recolha de imagens fotográficas das actividades desenvolvidas pelos suspeitos por considerar que tal meio de prova é indispensável para prosseguir a investigação atento o modo de execução do crime em causa;

A junção aos autos dos relatórios de GPS teve lugar em 12.03.2012 (fls. 290 a 370);

As apreensões ocorreram em Junho de 2012 (fls. 499 a 502, 513 a 516, 528, 539, XX0 a XX5, XX8 a 572, 573 a 575).

55.Pelo que do ponto de vista cronológico, lógico e valorativo é possível concluir ou, pelo menos, questionar que se interrompeu qualquer nexo de dependência entre a prova supostamente produzida pelos relatórios de GPS e a restante prova produzida pelo Ministério Público.

56.Aliás, em 20.03.2012 o próprio OPC elabora um relatório no qual discrimina os factos apurados e quais os meios de prova utilizados para o efeito (vide folhas 371 a 390 dos autos), conforme supra se deixou detalhado e para onde se remete;

57.Nesse relatório, e para que não restem dúvidas dos factos apurados através das diligências realizadas no inquérito, o OPC procede a uma descrição pormenorizada dos factos constatados através de seguimento e vigilâncias e através de prova testemunhal (conforme supra se deixa escrito e aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos e legais fins);

58.Nas considerações finais do documento de que vimos falando, o OPC concluiu que existia há já largos anos, entre os suspeitos, alguma cumplicidade na forma como executam os seus actos, na prossecução dos seus objectivos e afirma que assim concluiu perante os dados disponíveis, designadamente, seguimentos efectuados (cfr. relatórios de vigilâncias), consulta de registo de dados GPS e prova testemunhal produzida no Inquérito, ou seja, não se baseou apenas nos relatórios de GPS, nem os considerou tão só e apenas a eles.
59.E prossegue o OPC dizendo que “considerando a importância que o departamento de compras e economato tem numa estrutura económica como o Hotel ............, desde logo os suspeitos perceberam a importância dos lugares e funções que desempenhavam. Se, por um lado, quem chefia este departamento tem o poder, nomeadamente de escolher o que compra, a quem compra, e a que preços compra, por outro lado está de alguma forma limitado nos seus movimentos, fora Hotel ............, apenas quando entra bem cedo para iniciar o trabalho, ou quando sai, e pode ir à MAKRO.
O tempo e a confiança fez com que alguns funcionários do hotel percebessem que organizados poderiam todos tirar partido das funções que cada um desempenhava, ou seja, se uns tinham o poder de chefiar um sector como o das compras/economato, outros tinham o acesso ilimitado à despensa (armazém de produtos) e outros o poder de se deslocarem nas viaturas do hotel sem levantar qualquer tipo de suspeitas.
Traduzindo isto para dados concretos e para a realidade da nossa investigação, podemos considerar que, se o A.C.F., M.F.R. e A.M.D. tinham algum tipo de facilidade em desviar, da sua rota normal, o destino dos produtos do departamento onde trabalhavam, já não tinham a mesma facilidade em fazê-los chegar às respectivas residências, sem levantar suspeitas, daí a importância que o M.H.S. (motorista) tem nesta tarefa.
O M.H.S. (motorista) servia exactamente para colmatar essa deficiência, e fazer a distribuição desses produtos pelas residências de cada um dos suspeitos, durante o horário de trabalho, e sem que para isso levantasse qualquer tipo de suspeita.

Como se pode facilmente constatar, quer pelos relatórios de vigilância, quer pelas rotas efectuadas, durante o horário de trabalho o M.H.S. (motorista) vai, com alguma regularidade, a casa de alguns dos suspeitos, onde efectua paragens curtas, mas suficientes para efectuar entregas rápidas de produtos.
Relativamente à geografia dos locais onde os suspeitos residem, e outros onde o M.H.S. se deslocou com alguma frequência, em que não foi possível identificar o elo de ligação entre o mesmo e o local de paragem, transformou-se numa tarefa de grande dificuldade no que diz respeito à vigilância das acções do suspeito e à recolha de imagens, pois é certo que os acessos imediatos às artérias consideradas suspeitas tornava-os alvos fáceis, logo o posicionamento de observação demorava alguns instantes, o que levava a que a acção inicial do suspeito não pudesse ser visualizada, uma vez que estamos a falar de artérias que não têm saída (……………..), outras de sentido único e estreitas, como a Av. …………….., onde a nossa presença, mesmo à distância, poderia comprometer a investigação, com a desconfiança do suspeito.
Ainda assim, e, embora haja apenas um registo fotográfico de uma entrega de mercadoria na Rua …………….. (cfr. relatório de vigilância do dia 09DEC2011), não é difícil imaginar que nas outras situações o resultado tenha sido o mesmo.
No que se refere às muitas deslocações que o M.H.S. (motorista) fez à sua residência, em nenhuma delas foi visto a transportar qualquer tipo de produtos suspeitos, no entanto importa salientar o seguinte. A residência do M.H.S. (motorista) tem duas entradas, uma pela Av. ……………. e outra pela Av. …………,. Se por um lado a Av. de ,,,,,,,,,,,,,,, é central e muito movimentada, a Av. ,,,,,,,,,,,,, é uma artéria de sentido único, estreita e de pouco movimento, o que dificulta em muito os seguimentos e recolha de imagens, quando das suas deslocações a casa.
Da análise que foi feita às paragens do M.H.S. na sua residência, verificou-se que quando o M.H.S. vai a casa pela manhã buscar e passear o canídeo, e em acto contínuo levar uma senhora ao suposto emprego, por norma passa inicialmente pela Av. ,,,,,,,,,,,, se não tiver lugar para parquear o veículo nesta artéria, opta sempre por parar na Av. ,,,,,,,,,,,,.
Como já referi anteriormente, faz parte da rotina deste suspeito, ir pela manhã a casa (Av. ,,,,,,,,,/Av. ,,,,,,,,,,,), buscar um canídeo que posteriormente leva o mesmo para a Av. ………………………..........................
Por último, mas não menos importante, salienta-se para o facto de que durante esta fase apareceu um outro interveniente que “ab initio” não constava do inquérito, estamos a falar de A.C.F. (responsável do departamento de compras), que segundo a testemunha A:M.F. (cfr. fls. 287-289), exige aos fornecedores do hotel vários produtos, costume que já perdura há longos anos, e uma percentagem de supostamente 3% de toda a facturação. Assim sendo, e salvo melhor opinião, considero que existem nesta actuação factos susceptíveis de terem relevância jurídico-penal os quais devem ser investigados.
É de referir ainda que quando se iniciou esta investigação, foi adoptada uma estratégica em comum acordo com o Director do Hotel ............ Sr. FB, que visa a marcação de todo o tipo de produtos com caneta UV, para posteriormente os mesmos serem facilmente reconhecidos através de Luz UV, existindo ainda para além deste método, as marcações de produtos habitualmente efectuados com selos de cores (cfr. fls. 246), como é prática corrente desde há alguns anos neste Hotel.

Pelo anteriormente exposto sugere-se a V/Exa. que remeta a presente Informação de Serviço à Mma. Juiz de Instrução Criminal de modo a que o Digníssimo Magistrado avalie a utilidade a necessidade da emissão dos seguintes Mandados: Mandados de Busca Domiciliária para as residências dos suspeitos, de forma a obter mais prova, com a apreensão de produtos que tenham sido subtraídos do Hotel, ou eventualmente adquiridos na MAKRO com o cartão do Hotel...”

60.Ora, perante tal exposição das diligências de investigação para apuramento dos factos é, portanto, legítimo colocar a seguinte questão, como, aliás, deveria ter feito o Mmo. Juiz “a quo” e, salvo o devido respeito, que muito é, erradamente não o fez: se eliminássemos do processo os registos dos percursos de GPS com que prova e factos ficaríamos?

61.Ficaríamos com vigilâncias efectuadas pela autoridade policial (vide fls. 216 a 244, 257 a 259, 277 a 278 dos autos), com a confissão de dois arguidos (M.H.S. e M.F.R.), com a apreensão de bens da propriedade da Assistente, ora Recorrente, em casa de quase todos os Arguidos (vide fls. 499 a 502, 513 a 516, XX0 a XX5 e XX8 a 572, 573 a 575 dos autos), com prova testemunhal contra mais alguns, inclusive contra o Arguido A.C.F., dado que consideramos, salvo melhor e mais douto entendimento, que o testemunho da Sra. A:M.F. foi, além de claro, espontâneo e verdadeiro, altamente pormenorizado no espaço e no tempo quanto à conduta do mesmo pelo que não se entende a forma depreciativa como o Mmo. Juiz “a quo” valorou este depoimento.

62.Mas mais, tendo sido a queixa apresentada a 17.08.2011 e estando em causa um crime de furto qualificado e abuso de confiança qualificado, a primeira actuação do Ministério Público nos autos, conforme consta de fls. 205, foi o pedido de autorização de registo de imagens por se considerar as mesmas indispensáveis para prosseguir a investigação, atento o modo de execução do crime em causa. Pedido esse que foi deferido a fls. 208 tendo o Mmo. Juiz de Instrução autorizado tal recolha de imagens.
63.Ou seja, logo no início do inquérito é destacada a importância das vigilâncias no prosseguimento da investigação e é na sequência de tais seguimentos que são emitidos os competentes mandados de busca a casa dos arguidos, na sequência dos quais são apreendidos dezenas de bens da propriedade da Recorrente.
64.Existe ainda no processo outra diligência, de que o Mmo. Juiz “a quo” fez tábua rasa ao nem sequer a ela se referir, e que é mencionada pelo OPC no documento supra referido, a saber “...quando se iniciou esta investigação, foi adoptada uma estratégica em comum acordo com o Director do Hotel ............ Sr. FB, que visa a marcação de todo o tipo de produtos com caneta UV, para posteriormente os mesmos serem facilmente reconhecidos através de Luz UV, existindo ainda para além deste método, as marcações de produtos habitualmente efectuados com selos de cores (cfr. fls. 246), como é prática corrente desde há alguns anos neste Hotel.”
65.Temos, pois, que a junção dos registos GPS não foi determinante para a aquisição posterior de prova pois que, do ponto de vista cronológico, lógico e valorativo, se interrompeu qualquer nexo de dependência entre a prova supostamente produzida pelos relatórios de GPS e a restante prova produzida pelo Ministério Público.
66.Salvo melhor e mais douto entendimento, justifica-se a aplicação ao presente processo de algumas das excepções supra referidas, não sendo de admitir uma interpretação literal e sem mais da teoria dos frutos da árvores envenenada como erradamente fez o Mmo. Juiz “a quo”;

67.Nomeadamente, a excepção da “fonte independente” (que aceita as provas que foram ou poderiam ter sido obtidas por via autónoma e lícita, mantendo-se a prova primária ilícita abrangida pela regra de exclusão) bem como a excepção da “descoberta inevitável” (que determina a aceitação das provas que “inevitavelmente” seriam descobertas, mesmo que mais tarde, através de outro tipo de investigação) e a excepção do “acto independente praticado de livre vontade” (quanto à confissão dos Arguidos, a qual foi um acto posterior e esclarecido) que deverá abranger todos os actos de prova provenientes de actos de vontade livre e esclarecida, abrangendo as declarações, mesmo que confessórias, dos arguidos e os depoimentos de testemunhas.

68.Quanto à segunda questão que motiva o presente recurso e que se prende com a suposta necessidade e inexistência de queixa-crime contra o Arguido A.C.F., mal andou o Mmo. Juiz “a quo” ao considerar que estamos perante uma nulidade insanável porque a Assistente ora Recorrente não apresentou a referida queixa-crime.

69.Tendo em conta que a queixa-crime de fls. 02 a 105 foi apresentada pela Assistente ora Recorrente por forma a denunciar facultativamente dois crimes públicos (furto qualificado p. e p. pelo artigo 204.º do CP e abuso de confiança qualificado p. e p. pelo artigo 205.º do CP), todos os actos praticados durante o inquérito (vide por exemplo os mandados de busca e detenção de fls. 412 a 417 dos autos), incluindo a constituição dos vários Arguidos, são, na perspectiva destes crimes, que têm natureza pública e que, portanto, dispensam a apresentação de queixa-crime para prosseguimento dos autos pelo Ministério Público (artigo 48.º a 52.º do Ministério Público).

70.Apenas na acusação se altera a qualificação do crime para furto simples e tentativa de extorsão, momento processual já posterior à constituição dos vários Arguidos, incluindo o arguido A.C.F. (conforme fls. 540 a 547 dos autos – Auto de Constituição como arguido, TIR e Interrogatório de Arguido).

71.E, portanto, efectivamente a Assistente não se queixou do Arguido A.C.F. nem tinha, necessariamente de o fazer, tendo em conta o estabelecido no artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CPP.

72.O procedimento criminal como estava conformado à data de constituição dos Arguidos (Junho de 2012), não depende de queixa pelo que podia, como pode, o Ministério Público promover o processo sem que se verifique qualquer nulidade processual insanável como conclui, a nosso ver, errada e precipitadamente o Mmo. Juiz “a quo”.

73.Sendo duas as questões que motivam o presente recurso, deveria o Mmo. Juiz “a quo” tê-las analisado de forma diversa e à luz dos princípios legais aplicáveis, análise que teria conduzido certamente à decisão de pronúncia dos Arguidos.

Nestes termos e nos demais de direito, e sempre com mui douto suprimento de V. Exas. deve:

i)Ser concedido provimento ao presente Recurso, e em consequência;

ii)Ser revogado o despacho impugnado determinando-se que seja substituído por outro que pronuncie os Arguidos M.H.S., J.C.R., M.F.R., A.M.D.. e A.C.F. pela prática dos crimes de que são acusados;

Só assim se fazendo o que é de lei e, consequentemente, de justiça!

4–Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 1907.

5–O Ministério Público (fls. 1971 a 1981) e os arguidos A.C.F. (fls. 1929 a 1942), M.H.S. (fls. 1944 a 1946) e J.C.R. (fls. 1949 a 1958) responderam à motivação apresentada defendendo a improcedência do recurso.

6–Recebido o processo neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer que se transcreve (fls. 1999 a 2013):

1.“EP , S.A.”, assistente no processo acima mencionado, recorre (fls. 1828-1906) da decisão instrutória de fls. 1697-1731, que não pronunciou os arguidos pela prática dos crimes de furto, extorsão e receptação por que haviam sido acusados pelo Ministério Público por despacho de fls. 1404-1445.

A decisão é recorrível (artigo 310.º do CPP) e o recurso foi admitido em conformidade com o regime aplicável (fls. 1907), não havendo motivo que obste ao seu conhecimento.

2.A questão central do recurso traduz-se em saber se a acusação se fundamenta em prova proibida obtida da informação dos registos de GPS juntos pela assistente, empregadora dos arguidos, e que resultam da instalação deste sistema nas carrinhas do hotel sem conhecimento destes, sem comunicação à CNPD e sem autorização do juiz (fls. 1720). Nestas circunstâncias, diz a decisão recorrida, a prova é nula, não podendo ser utilizada, por constituir prova proibida em virtude de ter resultado de intromissão ilícita na vida privada (artigo 126.º, n.º 3, do CPP e 32.º, n.º 8, e 35.º, n.º 5, da Constituição) – fls. 1721-1723.

3.A decisão recorrida, ao constituir os respectivos fundamentos de direito, invoca a Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto, em particular a definição de dados de localização constante da al. e) do artigo 2.º deste diploma, a Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, cujo artigo 3.º faz depender a transmissão de dados de tráfego e de localização de despacho do juiz, e o artigo 20.º do Código do Trabalho, que proíbe a utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador (fls. 1721).

Conclui a decisão recorrida, nesta parte, que, “sempre que esteja em causa a localização através de tecnologia GPS a mesma deve ser sujeita a autorização judicial, aplicando-se por interpretação analógica o disposto no artigo 187.º do CPP” (fls. 1722, §2).

4.A apreciação e decisão da questão suscitada a este tribunal impõem uma dupla perspectiva de análise da protecção e garantia do direito à privacidade, de modo a poder concluir-se se, na conciliação com o interesse público de investigação de um crime, o grau, a intensidade e o meio de interferência se devem considerar ou não lícitos para efeitos do disposto no artigo 126.º, n.º 3, do CPP, segundo o qual, ressalvados os casos previstos na lei, são nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, tendo em conta o disposto no artigo 32.º, n.º 8, da Constituição, que estA.C.F.ece que são nulas as provas obtidas mediante “abusiva intromissão na vida privada”.

No que para o caso interessa, importará distinguir dois planos:

(a)Por um lado, o da actividade da investigação do crime, da competência dos órgãos de polícia criminal no âmbito do inquérito sob a direcção do Ministério Público, em conformidade com o regime estabelecido no CPP (artigos 262.º, 263.º e 267.º do CPP), nomeadamente através dos meios de prova cuja utilização se encontra regulada nos artigos 187.º e 189.º do CPP (sob a designação genérica de “escutas telefónicas”, correspondente à denominação do Capítulo IV do Título II, “Dos Meios de Obtenção da Prova”), de modo a garantir que o meio de prova obtido por essa via é válido, porque tal meio de prova não constitui o resultado da utilização de um “método proibido”, na acepção do n.º 3 do artigo 126.ºdo CPP;

(b)Por outro, o da actividade da empregadora dos arguidos, no âmbito da relação constituída pelo contrato de trabalho existente, que deve ser apreciada, nesse contexto, à luz do regime do Código do Trabalho e do regime geral de protecção e garantia do direito à privacidade, em particular à luz da respectiva tutela penal e do regime de protecção de dados pessoais, em ordem a, em função dessa análise, se poder concluir pela verificação ou não verificação de causa de nulidade da prova face ao disposto no mesmo n.º 3 do artigo [126.º do] CPP, no pressuposto de que o regime das proibições de prova se constitui em instituto autónomo de processo penal, aplicável às provas obtidas por particulares, fora do processo (Costa Andrade, Das Proibições de Prova, Coimbra Editora, 1992, p. 192-194).

Não aplicabilidade dos artigos 187.º, 188.º e 189.º do CPP

5.No que se refere ao primeiro plano, não se suscita qualquer problema de respeito pelas normas do processo, imposto pelo princípio da legalidade, que se afirma, também ele, como um direito fundamental (artigos 2.º do CPP, 32.º, 165.º, n.º 1, al. c), e 205.º, n.º 1, da Constituição e 6.º da CEDH). Toda a actividade de investigação da PSP foi levada a efeito de acordo com as normas processuais aplicáveis, designadamente quanto a actos susceptíveis de constituir interferência na privacidade dos arguidos, em particular as vigilâncias e buscas, que foram realizadas com prévia autorização do juiz.

Assim sendo, deverá necessariamente afastar-se a aplicação dos artigos 187.º e 188.º do CPP por extensão, determinada pelo artigo 189.º do mesmo diploma, às conversações ou comunicações transmitidas por meio técnico diferente do telefone e à obtenção e junção de dados sobre a localização celular ou de registos de realização de conversações ou comunicações.

6.Nota-se, no entanto, a este propósito, que não se encontra justificação para o fundamento da aplicação do artigo 187.º por “interpretação analógica”, constante da decisão recorrida, formulação que não pode deixar de suscitar dúvidas de sentido e alcance, por não se identificar com conceitos da metodologia jurídica, em particular com os de interpretação e de integração de lacunas sobre os quais dispõem os artigos 9.º, 10.º e 11.º do Código Civil. Admite-se, todavia, tratar-se de uma expressão que pretende exprimir uma conclusão quanto à interpretação da lei através de “argumentos de analogia”, que, como salienta a doutrina, visa o afastamento de lacunas, ou seja, a falta de resposta para uma questão jurídica através da interpretação (Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, Gulbenkian, 3.ª edição, p. 224).

7.Nesta perspectiva, estando o caso regulado no artigo 189.º do CPP, que manda aplicar o regime dos artigos 187.º e 188.º, por extensão, à “localização celular” – em que se inclui a localização por GPS (sobre o GPS, abreviatura de Global Positioning System, respectiva arquitectura, descrição e funcionamento pode consultar-se a página oficial do Governo dos Estados Unidos no sítio http://www.gps.gov), para além, designadamente, da localização por terminal de rede de comunicações móveis (Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto, infra) –, não se identifica qualquer lacuna que deva ser suprida por recurso à analogia.

A questão na perspectiva do direito de protecção de dados, do direito penal e do Código do Trabalho

8.Neste quadro, a questão tem de ser analisada num diferente plano, como acima se referiu, com base em disposições de direito substantivo que densificam o conceito de “abusiva intromissão na vida privada ou nas telecomunicações”, que gera nulidade da prova (nos termos do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição) e do regime geral de protecção e garantia do direito à privacidade no domínio do tratamento e protecção de dados pessoais e da respectiva tutela penal, nomeadamente das normas aplicáveis no âmbito da relação constituída pelo contrato de trabalho (Código do Trabalho), tendo em conta o regime de proibições de prova do artigo 126.º, n.º 3, do CPP.

9.Diferentemente do afirmado na decisão recorrida, a Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto, e a Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, não são aplicáveis ao caso, directamente ou através do invocado processo de “interpretação analógica”.

Em última instância, embora em diferente perspectiva a partir do regime material de proibições de prova (artigo 32.º, n.º 8, da Constituição e 126.º do CPP), esta metodologia, como se verá, conduziria a uma inadmissível conclusão de que a prova é nula por a sua aquisição resultar da prática de um crime cuja descrição típica seria preenchida por analogia (proibida em direito penal por força do princípio nullum crimen sine lege stricta).

A Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto

10.A Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto, com as alterações da Lei n.º 46/2012, de 29 de Agosto, transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas (JO L 201 de 31.7.2002), com as alterações determinadas pelo artigo 2.º da Directiva n.º 2009/136/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro (JO L 337 de 18.12.2009).

11.Nos termos do n.º 2 do artigo 1.º, a lei aplica-se ao tratamento de dados pessoais no contexto da prestação de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público em redes de comunicações públicas, nomeadamente nas redes públicas de comunicações que sirvam de suporte a dispositivos de recolha de dados e de identificação, especificando e complementando as disposições da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro (Lei da Protecção de Dados Pessoais).

12.Com vista à determinação do espaço normativo de aplicação da Lei n.º 41/2004, dispõe a al. e) do n.º 1 do artigo 2.º, que, para efeitos desta lei, entende-se por «dados de localização» quaisquer dados tratados numa rede de comunicações electrónicas ou no âmbito de um serviço de comunicações electrónicas que indiquem a posição geográfica do equipamento terminal de um utilizador de um serviço de comunicações electrónicas acessível ao público.

Esta definição, a que recorre a decisão recorrida, inclui dados sobre a latitude, a longitude e a altitude do equipamento terminal do utilizador, sobre a direcção de deslocação, o nível de precisão da informação de localização, a identificação da célula de rede em que o equipamento terminal está localizado em determinado momento e sobre a hora de registo da informação de localização (preâmbulo da directiva n.º 2002/58/CE, 14), dados que também podem, quase todos, à excepção da identificação da célula de rede, por inexistente, ser obtidos por GPS sem conexão a redes públicas de comunicações.

13.A definição, todavia, não releva para o caso dos autos, pois que não está em causa a obtenção de dados por empresa prestadora de serviços de comunicações electrónicas acessíveis em rede de comunicações públicas.

14.A Lei n.º 41/2004 (artigo 19.º) revogou a Lei n.º 69/98, de 28 de Outubro, que anteriormente regulava o tratamento dos dados pessoais e a protecção da privacidade no sector das telecomunicações, em transposição da Directiva n.º 97/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997. O artigo 2.º da Lei n.º 69/98 continha as seguintes definições (para efeitos do disposto nesse diploma): c) «Rede pública de telecomunicações» o conjunto de meios físicos, denominados «infra-estruturas», ou electromagnéticos que suportam a transmissão, recepção ou emissão de sinais e utilizado, total ou parcialmente, para o fornecimento de serviços de telecomunicações acessíveis ao público; d) «Serviço de telecomunicações» a forma e o modo de exploração do encaminhamento ou distribuição de informação através de redes de telecomunicações, com excepção da radiodifusão sonora e da televisão.

15.A Directiva 2002/58/CE de 12 de Julho de 2002 relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas (Directiva relativa à privacidade e às comunicações electrónicas), transposta pela Lei n.º 41/2004, revogou e sucedeu à Directiva 97/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997 (JO L 24 de 30.1.1998), que havia transposto os princípios estA.C.F.ecidos na Directiva 95/46/CE (transposta para o direito interno pela Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro – lei de protecção de dados pessoais) em regras específicas para o sector das telecomunicações.

A adopção da Directiva 2002/58/CE (posteriormente alterada pelas Directivas 2006/24/CE e 2009/136/CE) resultou da necessidade de adaptação da Directiva 97/66/CE ao desenvolvimento dos mercados e das tecnologias dos serviços de comunicações electrónicas, de modo a proporcionar um nível idêntico de protecção dos dados pessoais e da privacidade aos utilizadores de serviços de comunicações publicamente disponíveis, independentemente das tecnologias utilizadas (do preâmbulo, 4).

16.Salienta-se que (preâmbulo, 11), tal como a Directiva 95/46/CE, esta directiva não trata questões relativas à protecção dos direitos e liberdades fundamentais relacionadas com actividades não reguladas pelo direito comunitário, não alterando, portanto, o equilíbrio existente entre o direito dos indivíduos à privacidade e a possibilidade de os Estados-Membros tomarem medidas como as referidas no n.º 1 do artigo 15.º, para salvaguardar a segurança nacional, a defesa, a segurança pública e a prevenção, a investigação, a detecção e a repressão de infracções penais ou a utilização não autorizada do sistema de comunicações electrónicas, e a aplicação da legislação penal; assim sendo, a directiva não afecta a capacidade de os Estados-Membros interceptarem legalmente comunicações electrónicas ou tomarem outras medidas, se necessário, para quaisquer desses objectivos e em conformidade com a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, segundo a interpretação que lhe é dada na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

17.Ao estA.C.F.ecer o respectivo âmbito e objectivos, o artigo 1.º da Directiva 2002/58/CE estA.C.F.ece que (a) a directiva harmoniza as disposições dos Estados-Membros necessárias para garantir um nível equivalente de protecção dos direitos e liberdades fundamentais, nomeadamente o direito à privacidade, no que respeita ao tratamento de dados pessoais no sector das comunicações electrónicas, e para garantir a livre circulação desses dados e de equipamentos e serviços de comunicações electrónicas na Comunidade (n.º 1) e que (b) a directiva não é aplicável a actividades fora do âmbito do Tratado que institui a Comunidade Europeia, tais como as abrangidas pelos títulos V e VI do Tratado da União Europeia (na redacção anterior ao Tratado de Lisboa, que continha disposições sobre cooperação judiciária em matéria penal), e em caso algum é aplicável às actividades relacionadas com a segurança pública, a defesa, a segurança do Estado e as actividades do Estado em matéria de direito penal.

A Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho

18.Por sua vez, a Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações e que altera a Directiva 2002/58/CE (JO L 105 de 13.4.2006).

19.Como se explicita no preâmbulo (4), o n.º 1 do artigo 15.º da Directiva 2002/58/CE enumera as condições em que os Estados-Membros podem restringir o âmbito dos direitos e obrigações previstos nos artigos 5.º e 6.º, nos n.ºs 1, 2, 3 e 4 do artigo 8.º e no artigo 9.º da directiva (que tutelam a privacidade), devendo as restrições de acesso e utilização dos dados constituir uma medida necessária, adequada e proporcionada numa sociedade democrática, por razões específicas de ordem pública, ou seja, para salvaguardar a segurança nacional, a defesa, a segurança pública e a prevenção, a investigação, a detecção e a repressão de infracções penais.

20.Assim, dispõe o artigo 1.º (objecto e âmbito de aplicação) que a directiva visa harmonizar as disposições dos Estados-Membros relativas às obrigações dos fornecedores de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações em matéria de conservação de determinados dados por eles gerados ou tratados, tendo em vista garantir a disponibilidade desses dados para efeitos de investigação, de detecção e de repressão de crimes graves, tal como definidos no direito nacional de cada Estado-Membro; a directiva é aplicável aos dados de tráfego e aos dados de localização relativos quer a pessoas singulares quer a pessoas colectivas, bem como aos dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado, excluindo o conteúdo das comunicações electrónicas.

21.O Artigo 5.º identifica e enumera as categorias de dados a conservar no que diz respeito às comunicações telefónicas nas redes fixa e móvel, ao acesso à internet, ao correio electrónico através da internet e às comunicações telefónicas através da internet, que são apenas os dados necessários para encontrar e identificar a fonte e o destino de uma comunicação, para identificar a data, a hora e a duração de uma comunicação, para identificar o tipo de comunicação, para identificar o equipamento de telecomunicações dos utilizadores, ou o que se considera ser o seu equipamento e para identificar a localização do equipamento de comunicação móvel.

22.De acordo com o disposto no artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, que transpõe a directiva, a transmissão dos dados conservados só pode ser autorizada, por despacho fundamentado do juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público ou da autoridade de polícia criminal competente, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, detecção e repressão de crimes graves.

23.Como acima se referiu, não é caso de aplicação desta disposição, pois que a obtenção dos dados de localização GPS não foi obtida pelas autoridades competentes no âmbito da investigação levada a efeito em inquérito.

Regime de protecção de dados pessoais (síntese) - aspectos penais

24.Em síntese, o regime de protecção de dados pessoais actualmente em vigor, em resultado da transposição das Directivas mencionadas – de acordo com as quais deve ser interpretado o direito nacional, por força do princípio da interpretação conforme ao direito da União Europeia –, que agora interessa, é constituído pelos seguintes diplomas:

24.1.Lei n.º 67/98 (Lei da Protecção Dados Pessoais), de 26 de Outubro, alterada pela Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto, que transpõe para a ordem jurídica portuguesa a Directiva n.º 95/46/CE, do PE e do Conselho, 24/10/95, estA.C.F.ecendo o regime de protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento dados pessoais e à livre circulação desses dados;

24.2.Lei n.º 41/2004 (lei de protecção de dados pessoais e privacidade nas telecomunicações), de 18 de Agosto, com as alterações da Lei n.º 46/2012, de 29 de Agosto, que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho, e a Directiva n.º 2009/136/CE, na parte que altera a Directiva n.º 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho. Dispõe sobre protecção de dados pessoais e privacidade nas telecomunicações, especificando e complementando as disposições da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro (Lei da Protecção de Dados Pessoais).

24.3.Lei n.º 32/2008 (lei de conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas), de 17 de Julho, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março. Regula a conservação e a transmissão dos dados de tráfego e de localização relativos a pessoas singulares e a pessoas colectivas, bem como dos dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado, a que são aplicáveis as Directivas 95/46/CE e 2002/58/CE, para fins de investigação, detecção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes. Tem por objecto os dados gerados ou tratados na sequência de uma comunicação, no contexto da oferta de comunicações pelos fornecedores de serviços de comunicações, pelos fornecedores de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede de comunicações, garantindo a sua conservação durante um determinado período de tempo para garantir a disponibilidade desses dados para efeitos de investigação, de detecção e repressão de crimes graves.

25.Importa destacar e reter normas essenciais e necessárias à apreciação do caso sub judice, no que se refere à definição do âmbito de aplicação e à criminalização de determinadas condutas. Assim,

25.1.A Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro (Lei da Protecção de Dados Pessoais), dispõe o seguinte, quanto ao âmbito de aplicação (artigo 4.º):

1-A presente lei aplica-se ao tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados, bem como ao tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos em ficheiros manuais ou a estes destinados. (...)

3-A presente lei aplica-se ao tratamento de dados pessoais efectuado:

a)No âmbito das actividades de estA.C.F.ecimento do responsável do tratamento situado em território português; (...)

4-A presente lei aplica-se à videovigilância e outras formas de captação, tratamento e difusão de sons e imagens que permitam identificar pessoas sempre que o responsável pelo tratamento esteja domiciliado ou sediado em Portugal ou utilize um fornecedor de acesso a redes informáticas e telemáticas estA.C.F.ecido em território português. (...)

25.2.A secção III (sob a epígrafe "Crimes") - artigos 43.º a 47.º - do Título VI da Lei n.º 67/98, qualifica como infracção penal diversas condutas relacionadas com o processamento de dados pessoais em violação do disposto neste diploma. São considerados crimes:

-O não cumprimento de obrigações relativas à protecção de dados (artigo 43.º), em que se inclui o desvio ou utilização de dados pessoais, de forma incompatível com a finalidade determinante da recolha ou com o instrumento de legalização;

-O acesso a dados pessoais cujo acesso esteja vedado à pessoa em causa.

25.3.Nos termos do artigo 13.º da Lei n.º 32/2008, constituem crime:

-O incumprimento de qualquer das regras relativas à protecção e à segurança dos dados previstas no artigo 7.º;

-O não bloqueio dos dados, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 7.º;

-O acesso aos dados por pessoa não especialmente autorizada nos termos do n.º 1 do artigo 8.º

A pena é agravada quando o crime for cometido através de violação de regras técnicas de segurança, tiver possibilitado ao agente ou a terceiros o conhecimento de dados pessoais; ou tiver proporcionado ao agente ou a terceiros benefício ou vantagem patrimonial.

A protecção da privacidade no contexto laboral; o artigo 20.º do Código do Trabalho. A jurisprudência do STJ

26.Visto o regime da protecção de dados pessoais, importa, agora, ter presente as disposições relevantes do Código do Trabalho no que se refere à protecção da privacidade e dos dados pessoais do trabalhador e as disposições do Código Penal que conferem tutela penal ao direito à privacidade.

27.A relação laboral significa, para o trabalhador, uma compressão dos seus direitos enquanto indivíduo, em resultado de, ao disponibilizar a sua força de trabalho, se obrigar a uma prestação de natureza pessoal numa situação de subordinação jurídica traduzida na sujeição à vontade do empregador, ao qual compete “estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado” (artigo 97.º do Código do Trabalho), o que faz, nomeadamente, definindo o horário de trabalho a observar pelo trabalhador e o local onde o trabalho se realiza, controlando o modo de prestação, emitindo ordens e ditando a disciplina da empresa. O reconhecimento da existência desta compressão de direitos, aliado à ideia de que o trabalhador não perde o direito à individualidade, ou seja, de que não deixa de ser pessoa titular de direitos só por estar integrado na empresa, aumentou o enfoque sobre os direitos fundamentais do trabalhador no âmbito da relação de trabalho e significou uma atenção crescente aos direitos fundamentais não especificamente laborais, aos direitos do cidadão, que os exerce, enquanto trabalhador, na empresa (Sónia Kietzmann Lopes, Direitos Fundamentais e de Personalidade do Trabalhador, Centro de Estudos Judiciários, 2010, que nesta parte, se segue de perto).

28.Assim, o Código do Trabalho dedica um conjunto de normas aos direitos de personalidade (direitos fundamentais) do trabalhador, que constam essencialmente dos artigos 14.º a 22.º, entre os quais se incluem a “reserva da intimidade da vida privada”, a “protecção de dados pessoais”, os “dados biométricos”, os “testes e exames médicos”, os “meios de vigilância a distância”, a “utilização de meios de vigilância a distância” e a “confidencialidade de mensagens e de acesso a informação”.

29.A protecção destes direitos, em geral, resulta da Constituição, por via do reconhecimento da eficácia directa (artigo 18.º) dos direitos fundamentais (artigos 24.º e segs.) nas relações entre os particulares e, ainda, dos artigos 70.º e segs. do Código Civil (“direitos de personalidade”) e da tutela penal conferida pela previsão dos crimes contra a reserva da vida privada, em particular dos crimes de devassa da vida privada, devassa por meio da informática e violação de correspondência ou de telecomunicações (artigos 192.º, 193.º e 194.º do Código Penal).

30.A circunstância de os direitos fundamentais do trabalhador justificarem uma protecção reforçada não pode, todavia, ignorar que tais direitos concorrem com outros igualmente merecedores de protecção, designadamente os direitos da entidade empregadora, também de consagração constitucional (nomeadamente o direito à iniciativa económica privada e o direito à liberdade de iniciativa e de organização empresarial – artigos 61.º, n.º 1, e XX.º, al. c), da Constituição).

31.Coloca-se, assim, uma questão de compatibilização de direitos em colisão, com resposta no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, que determina que as restrições aos direitos, liberdades e garantias devem limitar-se “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (em função do princípio da proporcionalidade), em que se incluem os de ordem laboral e também os de natureza penal no que, em particular, se refere à criminalização de condutas que “se concretizam em bens jurídicos dignos de tutela penal (em bens jurídico-penais) através da ‘ordenação axiológica jurídico-penal’ (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2007, p. 119, §24).

32.O artigo 16.º do Código do Trabalho consagra a intimidade como bem autónomo, com tutela penal (artigo 192.º do Código Penal), de modo a abranger todas as formas de agressão à esfera mais reservada da vida do trabalhador – o acesso e a divulgação dos aspectos íntimos e pessoais do trabalhador, nomeadamente os relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas. O que significa que, ainda que o trabalhador consinta na tomada de conhecimento desses aspectos pela entidade empregadora, tal consentimento não se estende necessariamente à divulgação, sendo vedado ao empregador revelá-los a terceiros sem que para tanto haja sido autorizado pelo trabalhador (cfr. José J.C.R. Abrantes, Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra, 2005, pág. 258 ss.).

33.Em matéria de protecção de dados pessoais impõe-se conjugar o Código do Trabalho com o regime de protecção de dados pessoais acima descrito.

34.A utilização de meios de vigilância a distância encontra-se regulada nos artigos 20.º e 21.º do Código do Trabalho.

Dispõe o artigo 20.º:

1-O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.

2-A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.

3-Nos casos previstos no número anterior, o empregador informa o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes dizeres, consoante os casos: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo.

4-Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 e constitui contra-ordenação leve a violação do disposto no n.º 3.

Por sua vez, o artigo 21.º estA.C.F.ece que:

1-A utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho está sujeita a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados.

2-A autorização só pode ser concedida se a utilização dos meios for necessária, adequada e proporcional aos objectivos a atingir.

3-Os dados pessoais recolhidos através dos meios de vigilância a distância são conservados durante o período necessário para a prossecução das finalidades da utilização a que se destinam, devendo ser destruídos no momento da transferência do trabalhador para outro local de trabalho ou da cessação do contrato de trabalho.

4-O pedido de autorização a que se refere o n.º 1 deve ser acompanhado de parecer da comissão de trabalhadores ou, não estando este disponível 10 dias após a consulta, de comprovativo do pedido de parecer.

5-Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 3.

35.A questão de saber se a utilização de GPS se encontra ou não abrangida pela previsão do artigo 20.º, que tem sido objecto de controvérsia, foi apreciada e decidida pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 13-11-2013 (Proc. 73/12.3TTVNF.P1.S1, relator Mário Belo Morgado) (www.dgsi.pt), na linha do acórdão de 22-05-2007 (P. 07S054, relator Pinto Hespanhol), nos seguintes termos:

a)O conceito de «meios de vigilância à distância» expresso no n.º 1 do artigo 20.º do Código do Trabalho de 2009 está reportado aos equipamentos que traduzam formas de captação à distância de imagem, som ou som e imagem que permitam identificar pessoas e detectar o que fazem, como é o caso, entre outros, de câmaras de vídeo, equipamento audiovisual, microfones dissimulados ou mecanismos de escuta e registo telefónico.

b)O dispositivo de GPS instalado, pelo empregador, em veículo automóvel utilizado pelo seu trabalhador no exercício das respectivas funções, não pode ser qualificado como meio de vigilância à distância no local de trabalho, nos termos definidos no referido preceito legal, porquanto apenas permite a localização do veículo em tempo real, referenciando-o em determinado espaço geográfico, não permitindo saber o que faz o respectivo condutor.

c)O poder de direcção do empregador, enquanto realidade naturalmente inerente à prestação de trabalho e à liberdade de empresa, inclui os poderes de vigilância e controle, os quais, têm, no entanto, de se conciliar com os princípios de cariz garantístico que visam salvaguardar a individualidade dos trabalhadores e conformar o sentido da ordenação jurídica das relações de trabalho em função dos valores jurídico-constitucionais.

d)Encontrando-se o GPS instalado numa viatura exclusivamente afecta às necessidades do serviço, não permitindo a captação ou registo de imagem ou som, o seu uso não ofende os direitos de personalidade do trabalhador, nomeadamente a reserva da intimidade da sua vida privada e familiar.

Considerou-se na fundamentação – que cita a abundante doutrina existente sobre o assunto – que, só por si, a expressão “meio de vigilância à distância” remete, em termos interpretativos imediatos, “para formas de captação à distância de imagem, som ou imagem e som que permitam identificar pessoas e detectar o que fazem”, o que não sucede com o GPS, que apenas permite a localização de veículos em tempo real, referenciando-os em determinado espaço geográfico; não se dirigindo directamente à vigilância do campo de acção dos trabalhadores, não permite saber o que fazem os respectivos condutores, mas, tão-somente, onde se encontram e se estão parados ou em circulação.

Considerou-se ainda que, nas circunstâncias concretas, que devem ser ponderadas em função de critérios constitucionais de proporcionalidade, não houve violação do direito fundamental do trabalhador à privacidade.

A tutela da privacidade no Código Penal

36.A tutela penal da privacidade (supra, 29 e 31), para além do estA.C.F.ecido nas leis de protecção de dados pessoais (Leis n.º 67/98 e 32/2008, supra), resulta da previsão dos “crimes contra a reserva da vida privada” (Capítulo VII, Título I, do Livro II do Código Penal), em particular dos crimes de devassa da vida privada, devassa por meio da informática e violação de correspondência ou de telecomunicações (artigos 192.º, 193.º e 194.º do Código Penal).

37.O artigo 192.º (devassa da vida privada) pune quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual:

-Interceptar, gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa, comunicação telefónica, mensagens de correio electrónico ou facturação detalhada;

-Captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objectos ou espaços íntimos;

-Observar ou escutar às ocultas pessoas que se encontrem em lugar privado; ou

-Divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa.

38.O artigo 193.º (devassa por meio de informática) pune as condutas de quem criar, mantiver ou utilizar ficheiro automatizado de dados individualmente identificáveis e referentes a convicções políticas, religiosas ou filosóficas, à filiação partidária ou sindical, à vida privada, ou a origem étnica.

39.O artigo 194.º (violação de correspondência ou de telecomunicações) prevê a punição de quem, sem consentimento, abrir encomenda, carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido, ou tomar conhecimento, por processos técnicos, do seu conteúdo, ou impedir, por qualquer modo, que seja recebido pelo destinatário, de quem, sem consentimento, se intrometer no conteúdo de telecomunicação ou dele tomar conhecimento e de quem, sem consentimento, divulgar o conteúdo de cartas, encomendas, escritos fechados, ou telecomunicações.

40.Importa ainda levar em conta o disposto na Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do cibercrime) que incrimina o acesso ilegítimo a um sistema informático (artigo 6.º) e de intercepção ilegítima de transmissões de dados informáticos que se processam no interior de um sistema informático (artigo 7.º).

A Deliberação n.º 76XX/2014 da CNPD

41.A utilização do GPS foi objecto da recente Deliberação n.º 76XX/2014 da Comissão Nacional de Protecção de Dados aplicável aos tratamentos de dados pessoais decorrentes da utilização de tecnologias de geolocalização no contexto laboral, que, na ausência de regulação legal específica, veio estA.C.F.ecer um conjunto de orientações nesta matéria.

42.A deliberação tem em conta o disposto nos seguintes instrumentos jurídicos:

-A Convenção 108 do Conselho da Europa, de 28.1.1981, para a protecção das pessoas relativamente ao tratamento automatizado de dados de carácter pessoal, e o seu Protocolo Adicional, de 8.11.2001;

-A Carta Social Europeia (revista) do Conselho da Europa, de 3.5.1996;

-O artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;

-Os artigos 7.º, 8.º, 27.º e 31.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia;

-O artigo 16.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;

-A Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados;

-Os artigos 26.º, n.º 1, 32.º, n.º 8, e 35.º da Constituição;

-A Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, que transpõe para a ordem jurídica portuguesa a Directiva 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados;

-O artigo 80.º do Código Civil;

-O Código do Trabalho, designadamente os seus artigos 10.º, 16.º, 17.º, 20.º, 21.º, 97.º, 99.º, 106.º e 107.º, e a alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho.

A deliberação leva ainda em conta a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do Tribunal de Justiça da União Europeia nesta matéria.

43.Com interesse para a apreciação do caso sub judice, em que o uso do GPS teve lugar no tempo e local de trabalho, destacam-se os seguintes pontos da Deliberação:

20.No contexto laboral, o uso de dispositivos de geolocalização, instalados em veículos automóveis ou em dispositivos móveis inteligentes e controlados pela entidade empregadora, constitui um sério risco de invasão da privacidade do trabalhador, na medida em que estes podem ser reveladores da localização permanente do trabalhador e do seu histórico de movimentos, bem como do seu modo de actuação.

26.As características distintivas da relação laboral colocam vários desafios em matéria de protecção de dados relativamente ao cumprimento das obrigações e exercício dos direitos das partes. Com efeito, o poder de direcção representa, ex vi artigos 10.º e 97.º do CT, o direito da entidade empregadora fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho, nos limites estabelecidos pelo contrato de trabalho e pelas normas que o regem – o que é, em certa medida, a concretização do disposto no artigo 61.º (direito à iniciativa privada) da CRP. Tal poder tem como limite os direitos e garantias do trabalhador, expressão da protecção jurídica que a lei e a Constituição a este conferem.

27.No que diz respeito ao tratamento de dados pessoais decorrentes da utilização das tecnologias de geolocalização no contexto laboral, há que encontrar o justo equilíbrio entre o direito à protecção de dados e à privacidade dos trabalhadores e a liberdade de gestão e organização que é conferida pela lei aos empregadores.

28.O poder de organização reconhecido pelo CT à entidade empregadora há-de implicar que o correspondente poder de controlo do cumprimento das regras de organização tenha a medida necessária à efectivação daquele poder.

37.A instalação pela entidade empregadora de tecnologias de geolocalização em veículos automóveis (…) usados pelos trabalhadores, na medida em que é igualmente indiciadora da localização dos seus utilizadores, bem como reveladora em alguns casos de determinadas acções, consubstancia um tratamento de dados pessoais, na acepção da alínea b) do artigo 3.º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, pelo que está submetido às suas disposições.

39.A recolha de dados deve visar finalidades legítimas e específicas, não podendo os dados ser tratados para alcançar objectivos incompatíveis com a finalidade (ou finalidades) que a justificou inicialmente.

48.A possibilidade de geolocalização de pessoas no contexto laboral não se encontra expressamente prevista em qualquer norma do ordenamento jurídico nacional. Contudo, sendo os dispositivos de geolocalização equipamentos tecnológicos que permitem controlar remotamente os trabalhadores – de forma continuada e melhorada, conforme as funcionalidades atrás descritas – entende a CNPD que eles constituem um meio de vigilância à distância, pelo que existe no Código do Trabalho a previsão legal necessária e indispensável para sustentar a legitimidade destes tratamentos de dados.

49.Com efeito, o CT admite, no artigo 20.º, n.º 2, a utilização de equipamento tecnológico para vigilância à distância para a finalidade de «protecção e segurança de pessoas e bens» ou «quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem».

50.Assim, as disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 7.º da LPD e do n.º 2 do artigo 20.º do CT constituem fundamento de legitimidade para o tratamento de dados relativos à localização do trabalhador, desde que observados os requisitos quanto às finalidades dos tratamentos e quanto à idoneidade dos meios para alcançar os fins pretendidos.

52.Desde logo se sublinha que a geolocalização não pode ser usada para «controlar o desempenho profissional do trabalhador», conforme disposto no n.º 1 do artigo 20.º do CT, pelo que essa não é uma finalidade legítima. Logo, os dados pessoais, mesmo que recolhidos para outras finalidades legítimas, não podem ser utilizados directa ou indirectamente para a avaliação do desempenho do trabalhador.

XX.Por conseguinte, atendendo ao grau de intrusão que a localização e o perfil de movimentos e acções dos trabalhadores pode implicar para a sua privacidade, a admissibilidade de usos de dispositivos de geolocalização neste quadro tem de ser necessariamente restringida, obedecendo a critérios rigorosos de proporcionalidade, sob pena de não ser possível garantir o núcleo essencial do direito.

62.Conforme o disposto no n.º 2 do artigo 21.º do CT, quando existirem particulares exigências relacionadas com a natureza da actividade, os meios de vigilância à distância podem ser justificados. Nessa medida, por aplicação do princípio da necessidade e da proporcionalidade, entende a CNPD que podem ser utilizados dispositivos de geolocalização para gestão da frota em serviço externo nas seguintes actividades: assistência técnica externa ou ao domicílio; distribuição de bens; transporte de passageiros; transporte de mercadorias; segurança privada.

83.Em suma, são admitidos os tratamentos de dados relativos à geolocalização, no caso dos veículos automóveis, para as seguintes finalidades: Gestão da frota em serviço externo: nas áreas de actividade de assistência técnica externa/ao domicílio; distribuição de bens; transporte de passageiros; transporte de mercadorias; segurança privada; protecção de bens: transporte de materiais perigosos e transporte de materiais de valor elevado.

86.Por último, reitera-se, conforme prescrito no n.º 1 do artigo 20.º do CT, que os dados relativos à geolocalização não podem ser usados para controlar o desempenho do trabalhador, mas apenas para as finalidades acima descritas.

87.Se do tratamento destes dados resultarem indícios da prática de crime, pode essa informação ser utilizada para sustentação da participação criminal respectiva. Nos casos em que tal ocorra, admite-se que a entidade empregadora possa também utilizar aquela informação no âmbito de procedimento disciplinar, quando aqueles factos forem de per si violadores dos deveres do trabalhador. Deste modo, considera a CNPD garantir-se a defesa dos legítimos interesses do empregador, ao mesmo tempo que se assegura não haver desvio de finalidade, não sendo os dados pessoais usados para controlo do desempenho do trabalhador.

120.No que diz respeito a comunicações de dados a terceiros, dada a natureza do controlo pretendido não existem situações que justifiquem, no âmbito dos tratamentos com esta finalidade, comunicações nos termos da definição prevista na alínea f) do artigo 3.º da LPD, sem prejuízo das comunicações resultantes do cumprimento de obrigação legal no contexto de processo judicial.

44.A propósito da conclusão 48, a CNPD observa o seguinte:

“A CNPD conhece o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Novembro de 2013 (Processo 73/12.3TTVNF.P1.S1), no qual é citado o Acórdão de 22 de Maio de 2007 (Processo 07S054), e nos quais se considera, nomeadamente, não poder o GPS ser qualificado como meio de vigilância à distância, no conceito expresso no n.º 1 do artigo 20.º do CT, devido às suas parcas possibilidades de monitorização. A CNPD considera, todavia, que o quadro interpretativo entretanto mudou substancialmente devido à rápida evolução deste tipo de tecnologia, quanto à sua precisão e quanto ao desenvolvimento de valências associadas. Por outro lado, não estando confinada aqui à apreciação casuística, esta deliberação abrange não só as potencialidades da tecnologia GPS, como de outras tecnologias (GSM e WI-FI) que permitem a geolocalização. Acresce ainda que são analisados, do ponto de vista do regime de protecção de dados pessoais, além dos equipamentos de geolocalização instalados em viaturas automóveis, também aqueles existentes nos dispositivos móveis inteligentes, como os telemóveis, que configuram uma realidade bastante diversa. Este novo contexto implicará necessariamente uma renovada abordagem”.

No que ao presente caso interessa, parece não se identificarem razões associadas ao desenvolvimento tecnológico, quanto à precisão e às valências associadas, que decididamente devam conduzir ao afastamento da jurisprudência do STJ, a quem compete interpretar e aplicar a lei vigente (em que se evidencia a ausência de regulação específica sobre a utilização do GPS).

45.Estas orientações da CNPD, que mais não são que simples orientações num domínio marcado pelo princípio da legalidade, enfrentam, porém, sérias dificuldades face ao estabelecido no artigo 4.º, n.º 4, da Lei n.º 67/98 (Lei de protecção de dados pessoais) que, como se viu, circunscreve a aplicação deste diploma "à videovigilância e outras formas de captação, tratamento e difusão de sons e imagens que permitam identificar pessoas", o que não é manifestamente o caso do GPS, que se limita à obtenção de dados geográficos relativos à latitude, longitude e altitude da localização do equipamento via satélite, sem captação de sons ou imagens que permitam identificar pessoas.

Sem prejuízo da susceptibilidade, reconhecida pela CNPD, de o uso do GPS interferir na privacidade, o certo é que o facto de a localização GPS por equipamento instalado em veículo automóvel ocorrer, em geral, em espaço público, sem possibilitar a identificação das pessoas utilizadoras do veículo, não suscitou, até hoje, a necessidade de intervenção do legislador no sentido de regular, proibir e conferir protecção penal a actos relacionados com a utilização do GPS.

46.Não se desconhece, no entanto, a discussão e as preocupações que vêm sendo manifestadas a propósito da alegada necessidade de adopção de medidas legislativas destinadas a alargar o regime de protecção de dados perante o desenvolvimento de tecnologias utilizando o GPS, com o consequente reforço do direito de privacidade dos trabalhadores no contexto laboral, à semelhança do que sucede em alguns países (como, por exemplo, a Alemanha; a este propósito Privacy in the Workplace, National report on Germany, Falk Hagedorn, http://pawproject.eu/en/sites/default/files/page/web_national_ report_germany_en.doc).

47.Do que vem de se expor parece fundada a conclusão de que não existe, no sistema jurídico nacional - moldado e estruturado pelos instrumentos internacionais mencionados na deliberação da CNPD, que devem ser tidos em devida conta - qualquer norma que proíba a utilização do GPS em veículo automóvel utilizado pelo trabalhador durante o tempo de prestação de trabalho, sem o conhecimento deste, nem a utilização de dados com ela relacionados, não incluídos, como se viu, no campo de aplicação das leis de protecção de dados pessoais.

48.Nota-se, aliás, que a orientação n.º 87 da Deliberação da CNPD, acima transcrita, na parte em que refere que “se do tratamento destes dados resultarem indícios da prática de crime, pode essa informação ser utilizada para sustentação da participação criminal respectiva”, não distingue entre crimes praticados pelos trabalhadores e crimes praticados por terceiros.

49.Importa notar que, como sublinha a CNPD, o regime de protecção de dados pessoais, que visa a tutela do direito à privacidade do trabalhador no contexto de uma relação laboral, visa apenas esta finalidade – a protecção de um direito do trabalhador nesse mesmo contexto. Não visa, nem pode visar, a protecção do trabalhador para a prática de actos ilícitos – este é um interesse ilegítimo que não pode ser directa ou indirectamente tutelado pela ordem jurídica.

A licitude da utilização de dados de localização para efeitos de queixa.

50.No caso presente, a utilização dos dados recolhidos destinou-se a ser junta à denúncia de um crime de cuja prática eram suspeitos os arguidos, trabalhadores da denunciante, que deu origem a abertura de inquérito, nos termos do artigo 262.º do CPP, servindo tal informação para fundamentar a denúncia e de base à investigação levada a efeito no âmbito do inquérito, com vista à identificação dos agentes do crime e à sua responsabilidade e à recolha das provas, o que permitiu ao Ministério Público fundar autonomamente a decisão de acusação.

51.A obtenção da informação por parte da queixosa não violou, como resulta da descrição e análise da lei aplicável, qualquer norma legal. Não sendo aplicável ao caso o disposto nos artigos 187.º a 189.º do CPP e não resultando essa informação da prática de qualquer facto qualificado como crime, a junção dos dados obtidos da utilização do GPS é lícita.

52.Assim sendo, não pode considerar-se ter havido “abusiva intromissão na vida privada ou nas telecomunicações” (artigo 32.º, n.º 8, da Constituição), nem intromissão relevante “na vida privada e nas telecomunicações” nas condições exigidas pelo artigo 126.º do CPP, geradoras de nulidade da prova resultante dos dados e documentos apresentados pela queixosa (no sentido de que o regime das proibições de prova se aplica às provas oferecidas pelos particulares cfr. Costa Andrade Das Proibições de prova, cit., p. 196).

53.Não havendo ilicitude na actuação da queixosa, carecem, por conseguinte, de fundamento todas as questões que, quanto à validade da prova, possam ser suscitadas com base na teoria dos "frutos da árvore envenenada”, de que resultaria o efeito dominó de nulidade de toda a prova produzida no inquérito, por virtude da conexão entre o regime de proibições de prova e o regime das nulidades processuais, nos termos do disposto no artigo 122.º do CPP. Conclusão que, face à autonomização do primeiro, não é possível afirmar, tendo em atenção o disposto no artigo 118.º, n.º 3, do CPP e as possibilidades próprias de "imunização e sanação", com restrição do vício da concreta prova inquinada à impossibilidade da sua utilização nos termos do artigo 126, n.ºs 1 e 3, do CPP (assim, Costa Andrade Das Proibições de prova, cit., pp. 192-194).

54.Neste sentido, o afloramento do "efeito à distância", contido no artigo 122.º do CPP, exigiria uma aproximação no sentido de se determinar, de acordo com as regras do processo penal português, quais os actos, em concreto, em relação aos quais se verifica a relação de “dependência” ou “afectação” (os actos que dependerem do acto processual inválido e as suas nulidades puderem afectar), o que não se pode reconduzir a uma mera questão de mera conditio sine qua non.

55.Importa, todavia, sublinhar que uma perspectiva de análise do efeito à distância com base na teoria norte-americana do "fruto da árvore envenenada” retirada do seu ambiente normativo natural acabaria por conduzir a uma conclusão contrária àquela a que levaria se de uma decisão americana se tratasse. Quer isto dizer que, se a questão fosse objecto de apreciação no âmbito de um processo de um tribunal americano, situada no seu próprio habitat natural, a prova que agora o tribunal português declarou nula seria, em princípio, admitida, pela simples razão de que se trata de uma prova apresentada por um particular, produzida fora do processo.

56.A este propósito, mais uma vez ensina COSTA ANDRADE (op. cit. p. 153): “as coisas são, a este propósito, relativamente óbvias e lineares para o direito americano, onde, em princípio, não subsistem obstáculos à valoração processual destes meios de prova. Isto em nome duma concepção das exclusionary rules como normas de estrutura processual, primacialmente dirigidas a disciplinar a acção da polícia, seu destinatário normal. (…) Daí a admissibilidade dos meios de prova obtidos por particulares à custa, v.g., de fraude ou coacção, apropriação indevida, intromissão em casa alheia, devassa e atentado ao right to privacy. Provas como fotografias, gravações, videogramas, diários ilicitamente obtidos por particulares são, de resto, particularmente saudadas pelo seu qualificado valor probatório. Como, reportando-se concretamente às gravações de vídeo, pode ler-se na decisão do caso recente United States v. Jannotte (1982), elas são benvindas como “some of the most valuable tools possible”.

Conclusões

Pelo exposto, conclui-se:

a)As provas oferecidas pela queixosa, resultantes das informações e dados de localização geográfica obtidos por um equipamento GPS instalado em veículo automóvel da empresa utilizado pelos arguidos durante o seu período de trabalho, sem conhecimento destes nem prévia comunicação à CNPD, não foram obtidas em violação de qualquer norma legal.

b)Não é aplicável, no caso, o disposto nos artigos 187.º e 188.º do CPP, por extensão operada pelo artigo 189.º do mesmo diploma, porque aqueles dados de localização celular, que incluem os dados de localização geográfica por GPS, não foram obtidos na actividade do órgão de polícia criminal que procedeu à investigação no âmbito do inquérito sob a direcção do Ministério Público, de acordo com o regime do CPP.

c)Os dados e informações obtidos por GPS, oferecidos pela queixosa, serviram para fundamentar a queixa e constituíram uma base para a investigação com vista à realização das finalidades do inquérito previstas no artigo 262.º do CPP, resultando o despacho de acusação de fundamento constituído autonomamente, para o qual contribuíram actos dos órgãos de polícia criminal que, sendo susceptíveis de interferir com o direito de privacidade dos arguidos, nomeadamente as vigilâncias e buscas, foram devidamente autorizados pelo juiz de instrução de modo a terem plena validade e eficácia no processo.

d)Estes dados e informações obtidos por GPS não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto, e da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, que circunscrevem o respectivo espaço normativo ao tratamento de dados pessoais no contexto da prestação de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público em redes de comunicações públicas, nomeadamente nas redes públicas de comunicações que sirvam de suporte a dispositivos de recolha de dados e de identificação, que incluem os dados respeitantes às comunicações telefónicas nas redes fixa e móvel, ao acesso à internet, ao correio electrónico através da internet e às comunicações telefónicas através da internet.

e)A Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro (Lei de protecção de dados de pessoais), aplica-se à videovigilância e outras formas de captação, tratamento e difusão de sons e imagens que permitam identificar pessoas, não incluindo os equipamentos de GPS, os quais apenas permitem a localização geográfica através de dados relativos à latitude, longitude e altitude.

f)O conceito de «meios de vigilância à distância» utilizado no n.º 1 do artigo 20.º do Código do Trabalho inclui apenas os equipamentos que traduzam formas de captação à distância de imagem, som ou som e imagem que permitam identificar pessoas e detectar o que fazem, o que não abrange um dispositivo de GPS instalado pelo empregador em veículo automóvel utilizado pelo seu trabalhador no exercício das respectivas funções, porquanto tal dispositivo apenas possibilita a localização do veículo, referenciando-o em determinado espaço geográfico, não permitindo saber o que fazem o respectivo condutor e ocupantes.

g)A localização geográfica através de GPS e a recolha e tratamento de dados correspondentes não se compreendem na previsão típica de qualquer norma penal incriminadora, nomeadamente dos “crimes contra a reserva da vida privada” (Capítulo VII, Título I, do Livro II do Código Penal), em particular dos crimes de devassa da vida privada, devassa por meio da informática e violação de correspondência ou de telecomunicações (artigos 192.º, 193.º e 194.º do Código Penal), dos crimes previstos nos artigos 43.º a 47.º da Lei n.º 67/98, de 28 de Outubro, e do crime previsto no artigo 13.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, relativas à protecção de dados, ou dos crimes informáticos previstos na Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro.

h)As interferências na privacidade, nomeadamente no local de trabalho, decorrentes da utilização de GPS, de intensidade reduzida por não permitirem a obtenção directa de outros dados para além dos dados de geolocalização, mostrar-se-iam, em todo o caso, justificadas por razões de proporcionalidade decorrentes da prossecução de um interesse legítimo de investigação de um crime praticado pelo trabalhador no contexto laboral, sendo legítima a utilização de dados e informações obtidas por GPS para efeitos de queixa e abertura de inquérito nos termos da lei processual penal, situação que configuraria uma delimitação negativa do direito do trabalhador à privacidade dada a inexistência, nesta circunstância, de um interesse deste susceptível de tutela jurídica.

i)Mesmo que a questão se pudesse colocar na perspectiva da teoria do "fruto da árvore envenenada", de origem e no contexto do sistema norte-americano de exclusionary rules, que deve ser analisada em função das regras impostas pelo Código de Processo Penal, que impedem a sua aplicação sem as necessárias adaptações ao processo penal português, sempre importaria levar em devida conta que tal teoria não é, naquele sistema, aplicável à prova oferecida por particulares.

j)A localização geográfica através de GPS e a recolha e tratamento dos dados respectivos não constituem intromissão abusiva na vida privada e nas telecomunicações nos termos e com os efeitos geradores de nulidade das provas previstos no artigo 32.º, n.º 8, da Constituição e do artigo 126.º, n.º 3, do CPP.

Termos em que, embora com fundamentos diversos, se emite parecer no sentido da procedência do recurso do assistente, devendo, em consequência, a decisão instrutora recorrida ser substituída por outra que pronuncie os arguidos pelo crime por que os arguidos foram acusados pelo Ministério Público.

II–FUNDAMENTAÇÃO

A ilegitimidade da assistente para interpor recurso quanto ao crime de extorsão na forma tentada
7–O Ministério Público, como se disse, deduziu acusação contra os arguidos M.F.R., A.M.D., L.M., M.H.S., J.C.R. e A.C.F. imputando-lhes a prática, em co-autoria, de um crime continuado de furto simples, conduta p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 30.º, n.º 2, do Código Penal. Imputou ainda ao arguido A.C.F. a prática de um crime de extorsão na forma tentada, conduta p. e p. pelos artigos 223.º, n.º 1, 22.º e 23.º do mesmo diploma, e ao arguido L.M. a prática de um crime de receptação, conduta p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1, do referido Código (fls. 1406 a 1445).
Antes de abordarmos a questão que constitui o cerne do recurso interposto, importa dizer que a assistente não tem legitimidade para interpor recurso quanto ao crime de extorsão na forma tentada imputado ao arguido A.C.F. por ela não ter a qualidade de ofendida, nem se verificar qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 68.º do Código de Processo Penal[1].
Não pode, por isso, este tribunal apreciar, nessa parte, o recurso interposto pela assistente.

A falta de objecto do crime de receptação imputado ao arguido L.M.
8–Parece ser consensual que o juiz de instrução não pode pronunciar um arguido por qualquer crime que lhe tenha sido imputado se a acusação não contiver factos que permitam fundamentar a sua responsabilização criminal. Qualquer aditamento de factos novos constituiria uma alteração substancial da acusação não consentida pelo Código de Processo Penal.
Ora, se lermos com a devida atenção a acusação deduzida, tendo em especial atenção os factos narrados nos n.ºs 26 e 43, relativos ao crime de receptação dolosa imputado ao arguido L.M. , verificamos que o Ministério Público e a assistente não identificaram nenhum dos produtos alimentares ou bebidas que afirmaram ter este arguido recebido em sua casa, nem muito menos lhes atribuíram qualquer valor. Dito de outro modo, não indicaram minimamente o objecto do crime de receptação.
Por isso, e independentemente dos indícios recolhidos nas fases preliminares do processo, não poderia este arguido ser pronunciado pela prática do crime de receptação.

Algumas questões gerais relativas ao crime de furto
9–Os arguidos, como se disse, foram acusados pelo Ministério Público e pela assistente da prática, em co-autoria, de um crime de furto simples, conduta p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal.
Antes de analisarmos as concretas questões que quanto a esse crime se colocam, importa tecer algumas considerações de carácter geral sobre esta incriminação e sobre os limites da comparticipação criminosa.
O tipo objectivo desta incriminação compreende apenas dois elementos:
−O agente do crime pode ser qualquer pessoa, dado tratar-se de um crime comum;
−O comportamento proibido consiste na subtracção de coisa móvel alheia.
Se o primeiro elemento não suscita qualquer problema relevante, já o mesmo não acontece no que respeita ao segundo.
Em primeiro lugar, há que precisar o conceito de subtracção, que se analisa «em dois elementos: por um lado, perda de detenção por parte do detentor originário, e por outro, constituição de detenção nova por parte do agente»[2]. O momento da constituição da nova detenção divide, de há muito, a doutrina e a jurisprudência[3]. Do simples contacto com a coisa (teoria da “contretação”, do latim “contrectatio”), passando pela colocação da coisa sob o controlo de facto e exclusivo do novo detentor (teoria da apreensão, do latim “amotio”) e pela deslocação da coisa do local de domínio do anterior detentor (teoria da ablação, do latim “ablatio”), até à exigência de que a coisa seja transferida para a esfera de domínio do novo detentor (teoria da ilação, do latim “illatio”), tudo são concepções que historicamente têm sido defendidas, se bem que as duas teorias intermédias sejam as preferidas, em geral, pelos autores e pela jurisprudência.
Seja como for, o certo é que o crime de furto é um daqueles em que a consumação formal, que ocorre no momento da subtracção, não coincide com a consumação material ou terminação, que apenas acontece quando o agente se apropria da coisa, quando ele alcança o seu objectivo último. Trata-se, portanto, de um crime de consumação antecipada[4].
Do ponto de vista subjectivo, o tipo, para além do dolo, que tem como referência os elementos do tipo objectivo e é admitido em qualquer das suas modalidades, exige a intenção de apropriação, elemento subjectivo que vai para além do tipo objectivo.
O crime de furto consuma-se, portanto, quando o agente subtrai dolosamente a coisa móvel alheia com intenção de vir a apropriar-se dela. É um crime imperfeito de dois actos[5]. Para a consumação basta a prática do primeiro (a subtracção) com a intenção de o próprio agente, num momento posterior, vir a praticar o segundo (a apropriação).
Entre o momento da consumação formal e o da consumação material, ou seja, entre a subtracção e a apropriação, existe um lapso de tempo, mais ou menos longo, tudo dependendo do caso concreto e da concepção que se adoptar quanto ao momento da subtracção.

10–A co-autoria exige que o contributo dado pelo agente se reflicta num «momento situado entre o do início da tentativa e o da consumação do facto», não bastando para tal que o contributo se reporte à fase preparatória[6].
Por outro lado, mesmo que se sustente, como faz Jescheck[7], que o contributo dado por um terceiro entre a subtracção e a apropriação ainda pode ser qualificado como uma forma de comparticipação no crime de furto[8], o certo é que, qualquer comportamento que venha a ter lugar para além do momento da apropriação apenas pode consubstanciar a prática de um outro tipo de crime, nomeadamente o de receptação.
São estas, portanto, as balizas que delimitam temporalmente a possibilidade de existir qualquer forma de comparticipação no crime de furto.

11–Relativamente a esta incriminação e com relevo para estes autos, resta tecer algumas considerações sobre a legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal.
Para que o Ministério Público tenha legitimidade para promover um processo por um crime semi-público, como é o furto simples, é necessário que o ofendido ou uma das outras pessoas para o efeito indicadas na lei lhe dêem conhecimento dos factos pelos quais pretendem que seja exercida a acção penal – artigo 49.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – «no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores» – n.º 1 do artigo 115.º do Código Penal –, sob pena de esse direito se extinguir.
Caso exista uma pluralidade de pessoas responsáveis pelo crime, «[a] apresentação da queixa contra um dos comparticipantes no crime torna o procedimento criminal extensivo aos restantes» – artigo 114.º do Código Penal –, assim como «[o] não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também não puderem ser perseguidos sem queixa» – artigo 115, n.º 3, do mesmo diploma legal.
Da conjugação destas normas resulta que, no caso de existir uma pluralidade de pessoas responsáveis pela prática de um crime semi-público, o prazo de 6 meses para o exercício do direito de queixa se conta a partir do momento em que o titular desse direito tiver tido conhecimento do facto e, pelo menos, da identidade de um dos seus agentes.
Se, nesse prazo, o titular do direito de queixa não exercer esse direito, o mesmo extingue-se, não obstante apenas ter tido conhecimento da existência ou da identidade dos outros comparticipantes mais tarde ou de, no prazo de 6 meses, não ter mesmo chegado a conhecer a identidade dos restantes responsáveis.
Extinto o direito de queixa quanto a um dos comparticipantes, extinto fica o direito quanto aos restantes.
Se, pelo contrário, o titular tiver exercido o direito de queixa dentro do prazo de 6 meses, contado a partir do conhecimento do facto e da identidade de um dos comparticipantes, essa queixa estende-se aos restantes.

A possibilidade, em face da acusação deduzida, de responsabilizar cada um dos arguidos pelo crime de furto.
12–Se lermos com a devida atenção a acusação, verificamos que a mesma, depois de proceder à descrição de elementos relativos à assistente, aos arguidos e às relações entre eles estabelecidas (n.ºs 1 a 14), contém uma narração relativa a um eventual acordo celebrado antes de Junho de 2007 entre todos os arguidos quanto à prática de um crime de furto, que mistura com a descrição de um modo de proceder geral e intemporal (n.ºs 15 a 22). A isso segue-se um relato das deslocações de dois veículos da assistente a casa dos arguidos (n.ºs 24 a 29), a descrição do resultado das buscas efectuadas a locais conexionados com três deles (n.ºs 30 a 34) e, depois dos factos relativos à alegada extorsão (n.ºs 35 a 37) e de outros relacionados com a assistente (n.ºs 38 e 39), a indicação dos elementos subjectivos dos crimes imputados aos arguidos (n.ºs 40 a 47).
Acontece que nessa acusação não se imputa aos arguidos L.M.  e A.C.F. Fernandes qualquer comportamento que possa consubstanciar um acto de execução do crime de furto. De acordo com essa peça processual, nenhum destes arguidos subtraiu ou colaborou, por alguma forma, na subtracção de qualquer bem dos estabelecimentos da assistente. Nem sequer foi encontrado em casa de nenhum deles algum bem que lhe pertencesse.
Estes dois arguidos, segundo o teor da própria acusação, não tomaram parte na execução do crime de furto – 3.ª proposição do artigo 26.º do Código Penal –, nem se descreveu no libelo acusatório qualquer acto que traduza um concreto auxílio material ou moral à sua prática – artigo 27.º do mesmo diploma.
A eventual entrega de bens não determinados em casa destes arguidos, a ter acontecido, teria ocorrido num momento em que o crime de furto que lhes é imputado já se encontrava formal e materialmente consumado, razão pela qual qualquer acto de recebimento[9] não poderia constituir uma forma de participação nesse crime.
Por tudo isto, os arguidos L.M.  e A.C.F. não podem ser pronunciados pela prática do indicado crime de furto[10].

13–A propósito dos factos narrados na acusação quanto a esta infracção, deve ainda dizer-se que a circunstância de o Ministério Público afirmar que as entregas de bens foram efectuadas pelo arguido M.H.S. ou pelo arguido J.C.R. , sem que indique qual deles, em cada caso, conduziu o veículo para o efeito utilizado e procedeu à entrega, não permite imputar a nenhum deles a prática de qualquer acto concreto desta natureza[11].
Estes dois arguidos apenas poderiam ser responsabilizados pelos factos narrados nos n.ºs 27 e 28, na parte relativa às deslocações das viaturas às suas casas, e nos n.ºs 32, 33 e 34 da acusação, que têm a ver com os resultados das buscas efectuadas em espaços conexionados com o arguido M.H.S..
Porém, como se disse anteriormente, os actos de entrega e de detenção de bens da assistente situam-se para além do momento da consumação material do eventual crime de furto, não podendo fundamentar a responsabilidade destes arguidos pela sua prática.
Por isso, dados os termos em que foi deduzida acusação, também estes arguidos não podem ser pronunciados pela prática do crime de furto.

14–O mesmo se deve dizer quanto aos arguidos M.F.R. e A.M.D. Na acusação não se lhes imputa a prática de qualquer acto de execução do crime de furto, não bastando para tal a referência que é feita quanto ao papel que, nos termos do acordo, eles deviam assumir.
De tudo isto resulta que, independentemente do que se entender quanto à possibilidade de valoração da prova obtida através dos dois aparelhos de geolocalização instalados nos veículos e da extensão do efeito à distância da sua eventual invalidade, o recurso interposto pela assistente não pode proceder. No que respeita ao crime de extorsão na forma tentada, por ilegitimidade da recorrente. Quanto ao crime de receptação, pela falta de indicação do seu objecto. No que respeita ao crime de furto por não ter sido imputado a qualquer dos arguidos a prática de concretos actos de execução.

A possibilidade de valoração da prova obtida através dos geolocalizadores
15–Se a decisão assumida quanto à não pronúncia pelo crime de furto devesse ser outra, colocar-se-ia a questão de saber se a prova susceptível de valoração permitia afirmar que existiam nos autos indícios suficientes de que os arguidos tinham praticado esses factos.
Por isso, e sem prejuízo da conclusão a que se chegou, importa analisar subsidiariamente a questão que constitui o cerne do recurso interposto pela assistente e que fundamentou o despacho de não pronúncia.
Para tanto é preciso descrever previamente, mesmo que de uma forma simplificada, o modo de funcionamento dos geolocalizadores que foram instalados pela assistente nos dois veículos referidos na acusação sem conhecimento dos trabalhadores que habitualmente os conduziam.
Embora existam hoje diferentes instrumentos tecnológicos que propiciam o conhecimento da localização geográfica de objectos e/ou de pessoas, a assistente, tanto quanto dos autos se consegue perceber, terá contratado uma outra empresa que lhe forneceu (e eventualmente instalou nos veículos) dois aparelhos que, para além de receptores de GPS[12], continham um módulo de comunicações que, através da utilização de uma diferente tecnologia (eventualmente GPRS[13]), permitiam a transmissão dos dados obtidos pelos receptores para a empresa contratada, sendo os mesmos facultados, em tempo real, à assistente através da utilização de um simples computador com ligação à internet, o que permitia o acesso ao sítio da empresa fornecedora dos aparelhos e prestadora do serviço e a obtenção dos dados que para ela iam sendo enviados. Trata-se de aparelhos vulgarmente conhecidos como “GPS tracker”.
Estes aparelhos e as tecnologias que os mesmos utilizam permitem conhecer, pelo menos, a localização instantânea e precisa do veículo, o percurso pelo mesmo efectuado, os tempos e locais de paragem, o período de funcionamento do motor e a velocidade a que o automóvel circula, podendo propiciar ainda, se tal for pretendido, a obtenção de um leque muito mais alargado de dados, a transmissão de mensagens escritas e o bloqueio da circulação da viatura[14].

16–Os dados obtidos por cada um destes aparelhos constitui prova documental, tal como ela é definida pelo artigo 164.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
A questão que se coloca é, porém, outra. É a de saber se um meio de obtenção de prova com estas características, que não se confunde nem se equipara minimamente com a intercepção das comunicações[15], é, entre nós, permitido, dada a ausência de lei que legitime a sua utilização, delimite os crimes que permitem essa utilização, estA.C.F.eça o procedimento a adoptar e fixe a competência para autorizar o seu uso e controlar todo o procedimento que tiver lugar.
E, a nosso ver, a resposta é claramente negativa.
Em primeiro lugar, porque um aparelho de geolocalização, no caso, um “GPS tracker”, é um meio oculto de investigação que, por isso mesmo, só poderia ser admitido se existisse lei que o consagrasse como um meio de obtenção de prova legítimo e regulasse todos os referidos aspectos do seu regime[16] [17]. Não se compreenderia, de resto, que a localização celular de um telemóvel estivesse sujeita aos apertados limites traçados pelos artigos 252.º-A e 189.º, n.º2, do Código de Processo Penal e a geolocalização através de meios muito mais precisos fosse admitida sem qualquer limitação e sem controlo.
Para além disso, porque a utilização destes aparelhos viola de uma forma nítida a vida privada dos utilizadores dos veículos em que se encontrem instalados[18].
Embora o conceito de vida privada seja amplo e insusceptível de uma exaustiva definição[19], o seu conteúdo «vai para além dos estreitos limites inerentes à ideia anglo-americana de privacidade, que põe a ênfase no secretismo da informação pessoal e no recato do acto[20]», abrangendo muitos âmbitos que extravasam a habitação e os domínios privados, atingindo mesmo «a zona de interacção de uma pessoa com os outros, mesmo num contexto público[21]».
Partindo de um entendimento abrangente da vida privada como o enunciado, não podemos deixar de considerar que a utilização destes aparelhos, pelo sistemático e permanente registo de dados que propicia, cujo tratamento permite, e pela natureza dos mesmos, é susceptível de violar, tal como se disse, a vida privada dos utilizadores dos veículos em que se encontrem instalados[22].
Para além da violação deste direito fundamental, protegido pelo n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, o artigo 35.º, n.º 3, da Lei Fundamental impede que os dados obtidos através desses aparelhos sejam objecto de tratamento informático, a não ser nos casos ressalvados na parte final desse preceito, o que constitui uma forma indirecta de proteger a própria privacidade[23].
A esta mesma conclusão chegou a Comissão Nacional de Protecção de Dados na sua Deliberação n.º 76XX/2014[24].
Por tudo isto, e não obstante o facto de a prova assim obtida não ter resultado da actividade dos órgãos de polícia criminal[25], deve entender-se que é proibida a valoração dos registos obtidos através dos dois geolocalizadores instalados pela assistente nos seus veículos sem consentimento os utilizadores dos mesmos, nem autorização da CNPD[26].
É o que resulta do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição e do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Os efeitos da proibição de valoração dos registos obtidos através dos geolocalizadores quanto à restante prova
17–A utilização dos dois geolocalizadores nas indicadas condições determina, como se disse, a proibição de valoração dos registos através deles obtidos, podendo também «contaminar a restante prova se houver um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa entre a prova proibida e a restante prova»[27]. Não implica, no entanto, como afirma o Tribunal Constitucional, «um ‘efeito dominó’ que arrasta todas as provas que, em quaisquer circunstâncias, apareçam em momento posterior à prova proibida e com ela possam, de alguma forma, ser relacionadas»[28].
Como diz Helena Morão[29], para que possam ser valoradas «é necessário que exista um clean path, um caminho lícito, que conduza às provas secundárias», parecendo «que nada obsta, obviamente, a que as provas mediatas possam ser valoradas quando provenham de um processo de conhecimento independente e efectivo, uma vez que não há nestas situações qualquer relação de causalidade entre o comportamento ilícito inicial e a prova mediatamente obtida».
Partindo deste critério, a invalidade daquele meio de obtenção de prova impede, a nosso ver, a valoração dos registos obtidos pelos geolocalizadores e a valoração dos resultados das vigilâncias policiais efectuadas e das imagens recolhidas durante a sua realização uma vez que essas vigilâncias, como se pode ver de fls. 200, 203, 205 e 208, foram coordenadas com as informações sobre a localização dos veículos, obtidas através daqueles aparelhos[30]. Impede também a valoração das declarações de natureza confessória prestadas pelo arguido M.H.S. Silva porque o mesmo, para além de não se encontrar assistido por advogado, foi confrontado com os dados obtidos através dos aparelhos de GPS.
Se se aceitarem, para o efeito, raciocínios hipotéticos, poder-se-á entender que as buscas efectuadas aos locais que eram utilizados pelos arguidos M.F.R., A.M.D.. e M.H.S. e as apreensões então efectuadas não são atingidas por esse efeito-à-distância uma vez que esses arguidos foram indicados como suspeitos do crime logo num momento inicial, muito anterior ao da instalação dos geolocalizadores nos veículos, sendo as buscas um acto normal de investigação do fundamento da denúncia que, com toda a probabilidade, viria a ter lugar.
Mas mesmo tendo em conta o resultado dessas buscas e a restante prova cuja valoração não se considerou proibida, apenas poderiam considerar-se suficientemente indiciados, para além dos indicados pela sr.ª juíza, os factos narrados nos n.ºs 30 a 34 da acusação, os quais são manifestamente insuficientes para imputar àqueles três arguidos a prática de um concreto crime de furto localizado espácio-temporalmente.
Também por isso, o recurso interposto pela assistente não pode deixar de ser julgado improcedente.

A responsabilidade pelo pagamento de custas
18–Uma vez que a assistente decaiu no recurso que interpôs é responsável pelo pagamento de taxa de justiça (artigos 515.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal).
De acordo com o disposto o n.º 9 do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais[31] e a TA.C.F.a III a ele anexa a taxa de justiça varia entre 3 a 6 UC.
Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 5 UC.

III–DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da ...ª secção deste Tribunal a Relação em:
a)Negar provimento ao recurso interposto pela assistente “EP , S.A.”.
b)Condenar a assistente no pagamento de taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UC.


Lisboa, 13 de Abril de 2016


Carlos Rodrigues de Almeida
Vasco de Freitas


[1]Se o recurso devesse, nessa parte, ser conhecido, a sua apreciação não estaria dependente da solução que viesse a ser dada à questão da validade da prova obtida através dos geolocalizadores. Os elementos de prova para o efeito relevantes não se encontram, de forma alguma, conexionados com a instalação desses aparelhos nos veículos da assistente e com os dados através deles obtidos.
Por isso, a valoração dessa prova e a decisão da matéria para o efeito relevante (factos narrados sob os n.ºs 35 a 37 e 44 a 46) deveria ser feita autonomamente.
[2]BRITO, José de Sousa e, in «Crimes contra o Património», Lisboa, 1982, p. 55.
[3]Veja-se, nomeadamente, BRITO, ob. cit. p. 59 e ss., FIANDACA, Giovanni, e MUSCO, Enzo, in «Diritto Penale – Parte speciale», Volume II, Tomo Secondo, Delitti contro il patrimonio, Zanichelli, Bologna, 1997, p. 61, e MANTOVANI, Ferrando, in «Diritto Penale – Delitti contro il patrimonio», Cedam, Padova, 1989, p. 63.
[4]JESCHECK, Hans-Heinrich e WEIGEND, Thomas, in «Tratado de Derecho Penal – Parte General», tradução da 5.ª edição alemã, Editorial Comares, Granada, 2002, p. 556.
[5]JESCHECK, ob. cit. p. 285.
[6]DIAS, Jorge de Figueiredo, in «Direito Penal – Parte Geral», Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 794.
[7]Ob. citada, p. 556.
[8]O que não é aceite, por exemplo, por Roxin (ROXIN, Claus, in «Derecho Penal – Parte General», Tomo II, Thomson Reuters-Civitas, Navarra, 2014, p. 160 e 161).
[9]Não se afirma sequer que foram eles que receberam os bens.
[10]É por isso irrelevante o facto de a queixa apresentada se ter estendido a todos os eventuais comparticipantes no crime.
[11]Essa inconsistência, que se assinala e da qual não se podem deixar de retirar consequências, não parece sequer ser coerente com o que se narrou nos pontos 10 e 11 da acusação. Aí se afirmou que o arguido MS desempenhava as funções de motorista, só sendo substituído pelo arguido J R, que pertencia aos serviços técnicos, quando existia um acréscimo de trabalho ou o arguido MS se encontrava de férias. Ora, na acusação não se indicaram os períodos em que o arguido MS gozou férias, nem aqueles em que se verificou um acréscimo de trabalho que justificou que o arguido JR tivesse desempenhado as funções de motorista, o que não permite, por essa via, determinar qual deles terá actuado em cada um dos casos.
[12]GPS – Global Positioning System.
[13]GPRS – General Packet Radio Service.
[14]Sobre estes aparelhos veja-se, nomeadamente, a Deliberação n.º 7680/2014 da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
[15]Sobre a diferente natureza destes dois meios de obtenção da prova veja-se, por todos, APRILE, Ercole, in «Trattato di Procedura Penale», Volume 2, Tomo I, UTET, Torino, p. 539).
[16]Neste mesmo sentido ANDRADE, Manuel da Costa, in «‘Bruscamente no Verão Passado’, a Reforma do Código de Processo Penal – Observações críticas sobre uma lei que podia e devia ter sido diferente», in RLJ, ano 137.º, n.º 3950, § 50, p. 281 e ss. (com publicação em livro, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 112 e ss.), e in «Métodos Ocultos de Investigação (Plädoyer para uma Teoria Geral)», in «Que Futuro para o Direito Processual Penal», Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 540 e ss, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, in «Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem», 4.ª edição actualizada, UCE, Lisboa, 2011, p. 332 e 545, e acórdão do TEDH de 2 de Setembro de 2010 no Caso Uzun c. a Alemanha, § 43 e ss.
[17]Citando Larenz (LARENZ, Karl, in «Metodologia da Ciência do Direito», 2.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1989, p. 519) diremos que «o limite do desenvolvimento judicial do Direito radica aí onde a resolução exigida já não pode ser fundamentada só em considerações jurídicas, mas exige uma decisão política, orientada a pontos de vista de oportunidade. Encontrá-la é, no Estado Democrático, em princípio, matéria do legislador».
[18]Tendo em conta a natureza dos dados fornecidos, a sua extensão e o prolongamento no tempo inerente à utilização destes aparelhos, não pode o grau de lesividade infligido pelos mesmos ser comparado com o inerente às perseguições e às vigilâncias policiais, que são parcelares, ocasionais e limitadas espácio-temporalmente.
[19]Constituindo as expectativas razoáveis da própria pessoa um dos factores relevantes para a delimitação do conceito.
[20]In «Law of the European Convention on Human Rights», HARRIS, O’BOYLE, & WARBRICK, Second Edition, Oxford University Press, Oxford, 2009, p. 36.
[21]Case of Uzun v. Germany, 2 de Setembro de 2010, §43, já citado.
[22]Na linha do entendimento do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, nomeadamente no citado acórdão de 2 de Setembro de 2010.
[23]Veja-se MOREIRA, Teresa Alves Coelho, in «A Privacidade dos Trabalhadores e as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação: contributo para um estudo dos limites do poder de controlo electrónico do empregador», Almedina, Coimbra, 2010, p. 293 e ss.
[24]Note-se que a assistente apenas foi autorizada pela CNPD a utilizar dispositivos de geolocalização em 3 de Dezembro de 2015 (Autorização n.º 12.045/2015).
[25]Neste sentido ANDRADE, Manuel da Costa, in «Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal», Coimbra Editora, Coimbra, 1992, p. 196 e ss.
[26]Sobre o que se passa em Itália, veja-se, por todos, TONINI, Paolo, e CONTI, Carlotta, in «Il Diritto delle Prove Penali», seconda edizione, Giuffrè Editore, Milano, 2014, p. 466 e ss. e CONTI, Carlotta, in «Accertamento del fatto e inutilizzabilità nel processo penale», Cedam, Padova, 2007, p. 238 e ss. Sobre a posição do Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América veja-se o acórdão proferido por este tribunal em 23 de Janeiro de 2012 no caso U. S. v. Jones.
[27]ALBUQUERQUE, ob. cit., p. 338.
[28]Acórdão n.º 198/2004 do Tribunal Constitucional de 9 de Março de 2004 (Diário da República, II Série, n.º 129, de 2 de Junho de 2004, p. 8544 a 8551).
[29]MORÃO, Helena, in «O Efeito-à-distância das Proibições de Prova no Direito Processual Penal Português», in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, n.º 4, p. 614.
[30]Nenhuma das excepções admitidas pela doutrina e pela jurisprudência norte-americanas à invalidade das provas que constituem «fruits of the poisonous tree» permitiria a valoração destas provas (sobre essas excepções veja-se, por todos, ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, Wayne R., in «Criminal Procedure – Constitutional Limitations», West Publishing Company, St Paul Minn., 1993, p. 286 e ss.
[31]Redacção dada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro.