Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18196/19.6T8LSB.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: NULIDADES DE SENTENÇA
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
REDUÇÃO DO CRÉDITO
PERDÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: SENTENÇA ALTERADA
Sumário: I - Assumindo um contraente o compromisso de diligenciar e encetar todos os esforços para que todos os condicionalismos existentes à liquidação de uma factura fossem ultrapassados, de modo a que o dono da obra procedesse ao seu pagamento, no valor em 1.017.760,08€, este contraente não está a assumir a obrigação de pagar aquela quantia, nem a garantir o seu pagamento, pelo que só terá que entregar aquilo que vier a receber e não é ele que tem de provar que não recebeu mais; é, sim, o outro contraente que tem o ónus da prova de que o mandatário recebeu mais do que diz ter recebido, como facto constitutivo do seu direito a receber uma quantia superior (art.º 342/1 do CC). O mesmo se passa em relação a um crédito condicionado ao recebimento do valor.
II – Por força dos artigos 17.º-F/13 e 218/1-a, ambos do CIRE, a moratória ou o perdão previstos num plano de revitalização ficam sem efeito quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

Massa Insolvente de H-Lda, sociedade em liquidação, intentou contra E-S.A., e E-SGPS, S.A., uma acção declarativa, pedindo que as 1.ª e 2.ª rés sejam condenadas solidariamente entre si a entregar à autora as quantias de 123.840€ e de 1.017.760,08€, acrescidas dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, desde o momento em que ocorreu a entrega desses montantes (total ou parcial) por parte do dono de obra O, e até efectiva e integral entrega, calculados às taxas legais supletivas em vigor para as obrigações comerciais; ou, subsidiariamente, que as rés sejam condenadas solidariamente entre si a entregar à autora as mesmas quantias referidas no pedido anterior, mas a título de enriquecimento sem causa.
Alega, em suma, que a H era parte com a E, de três consórcios para realização de empreitadas em Marrocos; em Maio de 2011, aditado em Out2011, celebraram entre elas um acordo de exoneração de direitos e responsabilidades de H naqueles consórcios, pelo qual a E ficou de entregar à H os 123.840€ depois de os receber do dono da obra e a diligenciar e encetar todos os esforços para que todos os condicionalismos existentes à liquidação da factura 7/2011 (a dos 1.017.760,08€), sejam ultrapassados de modo a que o dono da obra proceda ao seu pagamento, a ser transferido para o NIB a indicar pela H (contrato de mandato comercial: art.ºs 1157 e segs do Código Civil e 231 e segs do Código Comercial); o dono da obra já entregou aquelas quantias; a E foi entretanto integrada, por fusão, na 1.ª ré; nenhuma destas entregou aquelas quantias à autora, apesar da 1.ª ré ter sido interpelada para o fazer; são devidos juros desde a data da entrega das quantias pelo dono da obra; as quantias em causa não são da 1.ª ré mas da autora, que tem direito à sua entrega pela 1.ª ré; o direito ao seu cumprimento não é afectado por um Processo Especial de Revitalização a que a E entretanto se sujeitou; a 1.ª ré é detida a 100% pela 2.ª ré, o que implica a sua responsabilidade pelas obrigações da 1.ª ré (artigos 501/1, 488, 489 e 491 do CSC).
As rés – citadas a 07/11/2019 - contestaram, aceitando quase todos os factos alegados pela autora, menos, por exemplo, um que a autora considera que não há lugar à dedução, nos 1.017.760,08€, de um valor por defeitos na execução de uma das empreitadas, e afirmam, sem mais, que em relação aos 123.840€ ainda há valores a receber; em relação à segunda quantia (1.017.760,08€), dizem ainda que o auto da obra só foi validado em 20/03/2015, apesar da factura respectiva ser de 20/04/2014; esta factura foi dividida em duas que só foram pagas em meados em Junho de Julho de 2016; ao valor das facturas foram deduzidos pelo dono da obra os seguintes montantes que são da responsabilidade da autora: custos de electricidade entre Maio de 2010 e Abril de 2011 no valor global de MAD (dirhams marroquinos) 2.101.764,91 (que equivale a 197.565,90€), correspondente à factura O 2016 (doc. 3); dedução do custo do ramal eléctrico de ligação da rede pública à ETAR no valor global de MAD 695.504,00 (que equivale a 65.377,38€), correspondente à factura O 2011 (doc. 4); dedução de custos de exploração da ETAR no valor global de MAD 1.025.661,50 (que equivale a 96.412,18€), correspondente à factura O 2/2016 (docs. 5 e 6); e 15.538,68€ referentes a menores valias com equipamentos, conforme adicional 5 de 30/12/2014 (doc.7); num total de 374.894,14€, resultando um valor pago de 642.865,94€.
As rés acrescentam – apesar de terem aceitado aqueles factos alegados pela autora - que o Aditamento ao Acordo não incumbia a 1ª ré de em seu nome proceder ao recebimento do valor inscrito na factura 7/2011, mas sim que a 1ª ré diligenciasse pelo recebimento dos valores que eventualmente lhe viessem a ser devidos na sequência do desenvolvimento dos trabalhos da 2.ª empreitada (GN) a que respeitavam os 1.017.760,08€; esta previa a facturação de 5.245.102,22 MAD, equivalentes a 493.039,61€, de taxas aduaneiras, a comprovar devidamente pela autora; em 01/08/2018 foi emitida factura correspondente, tendo por base a informação documental facultada pela autora que, aliás, apontava despesas de importação superiores ao contratualmente estipulado; porém, a informação disponibilizada não detalhava o tipo de despesas efectivamente pagas entre os custos alfandegários, custos com IVA e custos com taxas aduaneiras; dificultando a identificação das taxas aduaneiras reclamadas; pelo que o cliente se recusou a reconhecer o montante a pagar sem explicação mais detalhada por parte do Empreiteiro; explicação esta que a 1ª ré solicitou por várias vezes à autora, única que sabia o detalhe, sem que esta tenha respondido (docs. 10 e 12 da PI), valor este único ainda em discussão com o dono de obra e que está a impedir a recepção definitiva da empreitada, originando que não sejam libertadas as garantias bancárias prestadas ao dono de obra cuja vigência implica o pagamento anual de 45.000€ a pagar pela 1ª ré; sendo certo que a autora, perante a dificuldade providenciar pela informação solicitada, que certamente sentirá, pediu à 1ª ré que entrasse para o efeito em contacto com a sociedade M; realizado o referido contacto a M não deu resposta, alegadamente, por falta de pagamento dos seus créditos por parte da autora; tendo a 1ª ré tido o mesmo resultado ao colocar a questão à sociedade T, por sugestão da autora, motivo pelo qual, considerando que era obrigação da autora o esclarecimento do referido valor a receber na empreitada, esta é responsável pelo não pagamento do mesmo perante a 1.ª ré; motivo pelo qual, a 1ª ré ainda não considerou o crédito da autora como um crédito vencido líquido e exigível (falta a dedução das taxas aduaneiras e dos encargos com as garantias bancárias); isto são danos que as rés pedem que sejam devidamente reconhecidos, tal como pedem, em reconvenção, dizem, o reconhecimento do direito da 1ª ré a ser indemnizada pela diferença entre o valor facturado a título de despesas com taxas aduaneiras e o que efectivamente vier a receber a esse título; tal como, também em reconvenção, pedem que a 1ª ré seja indemnizada do valor já pago a título de comissões de garantias bancárias retidas no âmbito da empreitada em apreço; danos que também resultam de alegados defeitos na execução das empreitadas da responsabilidade da autora, o que para além de ter originado atrasos significativos nas recepções das empreitadas, originou ainda significativos custos de estaleiro e tudo atrasou ou impede a libertação das garantias afectas à empreitada, as quais apenas serão libertas pelo dono de obra, com a recepção definitiva da empreitada; só depois disto é que será possível saber qual o valor efectivamente recebido e se coerente com a facturação da 1ª ré, o que origina que, do valor da segunda quantia, já reduzido a 642.865,94€, poderá ainda vir a ser deduzido [na contestação rectificada invocam como fundamento também a compensação] o montante de cerca de 500.000€ da responsabilidade da autora.
Mais ainda, acrescentam, a 1ª ré, ainda enquanto E, ficou em situação económica difícil e foi sujeita a PER; com a efectiva homologação em 2014 do acordo de credores em sede de PER a 1ª ré redefiniu a sua dívida para com os seus credores nos termos do mesmo; como resulta do exposto na PI e respectivos documentos, em especial do doc.14, a autora reclamou o crédito cujo pagamento ora reclama em sede de PER, tendo o referido valor sido reconhecido pela 1ª ré como um crédito sob condição, porquanto o mesmo estava pendente da verificação de determinada condição e não era ainda nem certo nem líquido nem exigível, situação que a autora aceitou e reconheceu, sendo que jamais impugnou o valor reconhecido em sede de PER ou a sua qualificação como crédito sob condição; na própria reclamação de créditos apresentada pela autora em sede de PER esta reclamou o pagamento do crédito, “sob condição do seu recebimento pelo dono de obra”; e pronunciou-se quanto à opção de pagamento do seu crédito optando pela Opção 2, ou seja, recebimento do valor em dívida, correspondente a 80% do valor do capital, em 8 anos sem juros, sendo a primeira prestação paga 24 meses após o trânsito em julgado da sentença homologatória do PER que ocorreu em 03/12/2014 (doc. 8); naturalmente que, no caso dos créditos sob condição, o recebimento apenas poderia ocorrer após a verificação da condição; não existe um mero mandato para efeitos de recebimento de valores, existe sim uma gestão de obra, originalmente a realizar pela autora e pela 1ª ré nos termos dos contratos de consórcio, que passou a ser, por dificuldade da autora, exclusivamente tratada pela 1ª ré; os valores que a 1ª ré devia receber a favor da autora não são um crédito da autora sobre o dono de obra,  mas um crédito emergente das empreitadas cuja gestão e recebimento ficou a cargo da 1ª ré, para posterior pagamento à autora nos termos em que à 1.ª ré fossem pagos; acresce que com a aprovação do PER e nos termos do mesmo (ponto 4.1.4 outras condições) “ficam sem efeito quaisquer outros planos de pagamento acordados anteriormente ao trânsito em julgado da sentença homologatória do PER, à excepção dos casos expressamente previstos nas fichas técnicas”, pelo que o acordo de exoneração de direitos celebrado entre autora e ré, ficou sem efeito; os juros de mora vão impugnados considerando que, não se tendo vencido o seu crédito por não se ter verificado a condição, inexiste obrigação de pagamento; a 2.ª ré entende não lhe ser aplicável, no caso sub judice, o disposto no artigo 501 e segs do CSC; de qualquer modo, por força do artigo 501/2 do CSC, a responsabilidade da sociedade directora não pode ser exigida antes de decorridos 30 dias sobre a constituição em mora da sociedade subordinada, o que ainda não ocorreu; de qualquer modo, os créditos apenas poderiam ser pagos nos termos do PER da 1ª ré, pelo que a 2ª ré deve ser considerada parte ilegítima.
Concluem pela procedências das excepções todas com a consequência da absolvição do pedido, ou, à cautela, quanto à da ilegitimidade, da instância da 2.ª ré, ou pela procedência da impugnação com a mesma consequência; e pedem que seja “dado provimento ao pedido reconvencional deduzido respeitante ao montante a receber na empreitada a título de taxas aduaneiras e encargos com garantias bancárias, a liquidar no decorrer da acção ou em momento posterior, condenando-se a autora em conformidade.
A autora apresentou réplica, à matéria da reconvenção e das excepções, impugnando o essencial dos factos nelas alegados e os efeitos de direito que as rés querem retirar deles, bem como o direito de as rés estarem a introduzir uma compensação na contestação aperfeiçoada, e vendo nisto um pedido opõem-se à admissão do mesmo; impugna designadamente que (i) a recepção do valor dos 123.840€ tenha ficado dependente da recepção provisória da obra, cabendo à ré provar quando recebeu esse montante ou considera-se o mesmo recebido desde a data da recepção provisória da obra; (ii) a alegação de que a autora é responsável pela totalidade dos montantes deduzidos pelo dono de obra nos 1.017.760,08€; na realidade, diz, a autora apenas aceitou que fossem deduzidos os montantes de 197.565,90€ (custos de electricidade) e 96.412,18€ (custos de exploração), no valor total de 293.978,08€; tendo recusado absolutamente que fossem deduzidos os montantes de 65.377,38€ (custo do ramal eléctrico) e 15.538,68€ (menores valias com equipamentos); particularmente no que se refere ao montante de 65.377,38€ (custo do ramal eléctrico), diz que foi a H quem executou, a suas expensas, o ramal eléctrico; e nota que, com o doc.4 junto à contestação com reconvenção, a 1.ª ré nada prova quanto a suposta aceitação de dedução de custos do ramal eléctrico; o doc.4 é composto por duas páginas, sendo que só a primeira diz respeito ao ramal eléctrico; a segunda página diz respeito aos consumos de energia eléctrica; certo é que a 1.ª ré não provou através de documento (bancário ou outro), que houve a dedução de qualquer dos aludidos montantes pelo dono de obra; cumpre à 1.ª ré provar tanto essa dedução, como a data em que recebeu do dono de obra a quantia de 642.865,94€, através de documento (bancário ou outro), o que, até ao momento, não foi feito, pelo que deverá o Tribunal considerar que esse recebimento ocorreu pela totalidade, 30 dias após a emissão da factura correspondente, isto é, em 01/05/2015, ou, no limite, na data da recepção provisória da obra da Etar de SN, vencendo-se, a partir desse momento, os juros de mora que são devidos à autora; (iii) a falta de detalhe das despesas com taxas aduaneiras, tenha levado a que o dono de obra se tenha recusado a pagar 490.196,47€, bem como a proceder à recepção definitiva da obra e a libertar as garantias bancárias prestadas. Na realidade, os “frais de douannes” (taxas alfandegárias) só eram exigíveis para transferências monetárias efectuadas pelo dono de obra, de Marrocos para Portugal, em Dirhams (moeda marroquina); ora, tendo a factura 7/2011 sido emitida pela H em Euros, não faz qualquer sentido a alegação de que era necessário o pagamento de taxas alfandegárias; aliás, diga-se que a 1.ª ré facturou 50% dos valores que lhe eram devidos pelo dono de obra, em Euros e os restantes 50% em Dirhams, pelo que era a 1.ª ré e não a autora quem tinha que comprovar o pagamento das respectivas taxas alfandegárias; em qualquer caso, a 1.ª ré nem sequer juntou qualquer prova documental da recusa do dono de obra em pagar, receber a obra e libertar as garantias bancárias, por causa de um suposto incumprimento da autora; (iv) as suas alegadas responsabilidades pelos problemas decorrentes das execuções das empreitadas; conclui pela improcedências das excepções e da reconvenção e, subsidiariamente, declara às rés a compensação de eventuais créditos recíprocos que se venham a apurar.
Realizou-se audiência prévia. Nesta, a ré foi convidada a aperfeiçoar a sua contestação/reconvenção, o que fez, suspendendo-se a audiência. Retomada esta 6 meses depois, foi admitido o pedido reconvencional (incluindo quanto “à compensação de créditos, se a ela houver lugar”).
Depois de realizada a audiência final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando as rés a pagar à autora 913.280,06€ [é o valor que resulta de uma rectificação por despacho posterior, notificada às partes, sem reacção posterior destas], acrescida de juros desde a citação, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, e absolvendo as rés do restante pedido, bem como a autora do pedido reconvencional.
A autora recorreu da sentença e arguiu nulidades da sentença; as duas primeiras arguições tinham a ver com matéria que levou à rectificação da sentença, pelo que deixaram de ter interesse; a arguição de nulidade subsistente diz respeito à falta de fundamentação da decisão de aplicar o perdão de 80% do PER aos créditos da autora, questão que a autora também discute a nível da impugnação da decisão de Direito.
As rés também recorreram, impugnando a decisão de dar alguns factos como não provados e depois arguindo uma nulidade da sentença, decorrente, segundo elas, da condenação em valores superiores aos pedidos, que se reconduz à questão da aplicação do plano de revitalização.
Nenhuma das partes contra-alegou.
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Questões que importa decidir: das nulidades; da impugnação da decisão da matéria de facto e consequências a nível de Direito da eventual procedência desta impugnação; da forma como deve, ou não, ser aplicado o plano de revitalização aos créditos da autora.
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Estão dados como provados os seguintes factos [o facto cc1\ foi aditado em resultado da decisão da impugnação pelas rés da matéria de facto]:
a\ A H-Lda, era uma sociedade comercial que se dedicava, entre outras, à actividade de estudo, concepção, instalação, manutenção, gestão e exploração de sistemas de abastecimento de água e de evacuação e tratamento de resíduos líquidos ou sólidos.
b\ A H foi declarada insolvente por sentença proferida no dia 15/06/2011, no âmbito do processo n.º 790/11.5TYLSB, que corre termos no Juiz 1 do Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, conforme anúncio n.º 10081/2011, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 136, de 18/07/2011.
c\ Por escritura pública realizada em 21/12/2015, a 1.ª ré incorporou, através de fusão, a E-S.A..
d\ Nos termos dessa mesma escritura, a fusão operou-se por transferência global de património da sociedade incorporada - a E -, para a 1.ª ré, com todos os elementos do activo e do passivo que o compõem e existentes à data da fusão, incluindo bens, activos e passivos, direitos e obrigações e todas as demais posições jurídicas, processuais e contratuais, com a consequente dissolução da E.
e\ A 2.ª ré era detentora de 99,97273% do capital social da E (anteriormente à fusão) e é actualmente detentora de 100 % do capital social da 1.ª ré.
f\ A H e a E constituíram entre si consórcios para a realização das seguintes empreitadas em Marrocos (ROYAUME DU MAROC) que lhes foram adjudicadas pela O:
- Marché n.º 1;
- Marché n.º 2 M, e
- Lot n.º 3 - GN.
g\ Em 11/05/2011, a E e a H celebraram um Acordo de exoneração de direitos e responsabilidades de membro de consórcios, no âmbito do qual acordaram a exoneração da H dos dois primeiros consórcios supra referidos para aquelas empreitadas e, como contrapartida, a E pagaria àquela o montante global de 344.000€, conforme documento que consta de fl.13 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
h\ Em Aditamento ao Acordo, datado de 12/10/2011, cuja cópia consta de fl.16 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a E e a autora MI acordaram a exoneração da H do terceiro consórcio supra referido para aquelas empreitadas, bem como que, pela exoneração dos consórcios, aquela pagaria a esta a referida contrapartida no valor de 344.000€ nas seguintes prestações e datas:
- 107.000€, até ao dia 31/12/2011;
- 107.000€, até ao dia 31/01/2012;
- 107.000€, até ao dia 29/02/2012;
- 23.000€, até ao dia 31/03/2012.
i\ Nos termos da cláusula segunda, nº 4, do Acordo referido em (g), a E comprometeu-se também “(...) a entregar à [H] o valor de 123.840€, relativos à elaboração do projecto de M, o que fará nos três dias úteis seguintes ao do recebimento pelo Dono da Obra, desse mesmo valor”.
j\ Nos termos da cláusula segunda, nº 2, do Aditamento ao Acordo referido em (h), a E comprometeu-se ainda “(...) a diligenciar e encetar todos os esforços para que todos os condicionalismos existentes à liquidação da factura 7/2011, sejam ultrapassados de modo a que o dono da obra O proceda ao seu pagamento, no valor em 1.017.760,08€, a ser transferido para o NIB a indicar pela H”.
k\ O projecto de execução da obra de M foi elaborado pela H e por esta entregue, em Maio de 2011, ao dono da obra, acompanhado com a respectiva factura no valor de 123.840€, com vista ao respectivo pagamento.
l\ Por seu turno, a factura 7/2011, de 20/04/2011, no valor de 1.017.760,08€, foi entregue pela H ao dono da obra, e por este aceite, corresponde aos trabalhos executados pela H para a O no âmbito da empreitada objecto do dito acordo: Lote 3 - GN.
m\ Ainda nos termos do acordado entre as partes, a E obrigou-se também perante a H a representá-la “na gestão da conta bancária conjunta nº 0000 domiciliada em Marrocos, no banco BMCE, bem como para fazer qualquer operação de movimento dessa conta, incluindo débitos ou créditos, no estrito cumprimento do disposto na cl.2ª do (…) Aditamento”. (cf. alínea b) da cl.4ª do Aditamento).
n\ As partes acordaram igualmente que os referidos acordos se regem pela lei portuguesa e ficam sujeitos aos tribunais portugueses, dirimindo-se qualquer litígio entre as partes deles emergentes no foro da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro (cf. cl.5ª do Aditamento).
o\ Em 17/07/2015, a autora remeteu uma comunicação à E, na qual solicitou a prestação de informações acerca do recebimento das supra referidas quantias de 123.840€ e 1.017.760,08€, como consta de fl.21 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
p\ Em resposta, datada de 30/07/2015, a E afirmou que os créditos referidos no artigo anterior ainda não haviam sido pagos, especialmente o de 1.017.760,08€, pela O, dono da obra do Lot 3 GN – fl.23 dos autos.
q\ Em 03/08/2016, a autora, mais uma vez, solicitou informação sobre os pagamentos realizados pelo dono de obra O – fl.25 dos autos.
r\ Em resposta, datada de 24/08/2016, a 1.ª ré informou que já havia recebido 45.087,11€, referente ao crédito inicial no montante de 123.840€, respeitante à empreitada M, e que, relativamente ao crédito no montante de 1.017.760,08€, tinha o mesmo sido corrigido para 1.013.345,20€ e que “foram realizados pela O até ao momento as seguintes deduções/retenções:
- 351.857€ já deduzidos de forma definitiva, referentes a situações objecto de oportuna comunicação ao Sr. Administrador de Insolvência;
- 482.752€, referentes à questão dos direitos alfandegários pendentes da apresentação dos respectivos justificativos” – conforme consta de documento de fl.26 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
s\ Referiu ainda a 1.ª ré que “os valores que a Massa Insolvente terá a receber por força das referidas situações e a apurar a final, sofrerão as incidências do PER, quer em termos de redução de capital, quer em termos de dilação do seu pagamento”.
t\ Os 351.857€ já deduzidos de forma definitiva, referentes a situações objecto de oportuna comunicação ao Sr. Administrador de Insolvência, reportam-se a comunicação enviada pela 1ª ré ao AI da H em 09/06/2016, onde a 1ª ré refere a existência de defeitos na empreitada, invocados pela O, na parte da obra executada pela H, no valor de 1.025.661,50 dinares, ou seja, 94.380,53€ ao câmbio dessa data – documento de fl.28, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
u\ Em 02/09/2016, a autora enviou comunicação à 1.ª ré que consta de fl. 35 dos autos, pedindo os seguintes esclarecimentos: 1. Já receberam do dono da obra os 45.087,11€ na obra de M? 2. Já está agendada a recepção provisória da obra de M? Se sim, para que data? Se não, porque ainda não está agendada essa recepção provisória e para que data se prevê que esteja?  3. O que justifica a alteração do valor da factura 7/2011, de 1.141.600,08€, para outra de 1.013.345,20€? 4. Receberam do dono da obra os 178.736,20€ (correspondente aos valores deduzidos e referidos por V. Exas, na comunicação a que se responde, sobre o valor de 1.013.345,20€)? Se sim, em que data? Se não, por que razão pelo menos esse valor não foi pago? 5. O pagamento pelo dono da obra do valor de 482.752€ está apenas dependente da entrega dos justificativos alfandegários? 6. Foi determinada alguma data pelo dono da obra para o pagamento do valor da factura que substitui a 7/2011? Além dos esclarecimentos pedidos, solicita-se ainda a V. Exas o reenvio das comunicações já remetidas ao Sr. AI quanto às deduções de 351.857€, para confirmação”.
v\ Em 29/09/2016, a 1.ª ré esclareceu a autora de que o recebimento dos 482.752€ supostamente estaria dependente da apresentação dos justificativos referentes à questão dos direitos alfandegários, como consta de fl. 36 dos autos cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
w\ Em 14/02/2017, a autora dirigiu à 1.ª ré nova comunicação que consta de fl. 47 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual a interpelou, por uma última vez, para a entrega das referidas quantias e ainda para a prestação definitiva das informações anteriores, reiteradamente solicitadas.
x\ Em resposta, datada de 20/02/2017 e que consta de fl. 49, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, a 1.ª ré disse, entre o mais, que a autora tinha reclamado n art.º 23 do seu articulado, que “a E deve à autora o montante de 1.141.600,08€ [note-se que este valor é a soma dos dois valores referidos no pedido da PI - TRL], ainda que sob condição do seu recebimento pelo dono da obra O.” Bem como que “foi nos precisos e exactos termos em que] “tal crédito foi reclamado pela MI H, que o mesmo veio a ser reconhecido, quer quanto ao seu montante e natureza, na lista provisória de créditos e no plano que veio a ser judicialmente Homologado. Ou seja, como um crédito no valor de 1.114.600,08€, sob condição comum, sujeito à ficha técnica 5 e que por conseguinte sofreria as incidências do Plano, quer em termos de redução de capital, quer em termos da dilação do seu pagamento” [as partes entre parenteses foram colocadas por este TRL de forma a transcrever mais completamente o que consta da carta e o crédito em causa, sendo que o facto dá como como integralmente reproduzido o teor da resposta da 1.ª ré].
(da Contestação)
y\ No que se refere ao montante de 123.840€, o mesmo reporta-se a valor a receber para pagamento do projecto apresentado no âmbito da Empreitada de M: do referido valor foi recebido o montante de 45.087,11€ em meados de 2016, tendo o restante montante sido recebido em Outubro de 2019.
z\ Apesar de a factura [7/2011] ser datada de 20/04/2011 o auto em apreço só foi validado pelo Dono da Obra O em 31/03/2015 [o que consta dos parenteses rectos foi colocado por este TRL mas resulta do contexto, tal como por exemplo, do que se diz na alínea aa\].
aa\ Tendo dado origem a 2 facturas, em substituição da factura 7/2011: factura 3-2015 no valor em dirhams MAD [dirhams marroquinos - TRL] 966.028,33 a que acresce IVA à taxa de 20% no valor global de MAD 1.159.234; (doc. 1) factura 4-2015 no valor de 1.000.358,80€ a que acresce IVA à taxa de 20% no valor global de 1.200.430,56€ (doc.2).
bb\ Estas facturas foram pagas à 1ª ré pelo dono de obra em Junho e Julho de 2016;
cc\ Porém, ao valor das referidas facturas foram deduzidos pelo dono da obra os seguintes montantes:
- Dedução dos custos de electricidade entre maio de 2010 e Abril de 2011 no valor global de MAD 2.101.764,91 (que equivale a 197.565,90€), correspondente à factura O 2016 (doc. 3); dedução do custo do ramal eléctrico de ligação da rede pública à ETAR no valor global de MAD 695.504 (que equivale a 65.377,38€), correspondente à factura O 2011 (doc. 4); dedução de custos de exploração da ETAR no valor global de MAD 1.025.661,50 (que equivale a 96.412,18€), correspondente à factura O 2/2016 (docs. 5 e 6).
cc1\ A H aceitou que ao valor das facturas referidas em aa\ fossem deduzidas pelo dono da obra os dois primeiros custos referidos em cc\.
dd\ A acrescer aos valores supra referidos, foram também deduzidos ao valor a pagar à autora o montante 15.538,68€ referentes a menores valias com equipamentos, conforme adicional 5 de 30/12/2014 (doc. 7).
ee\ a 1ª ré, ainda enquanto E ficou em situação económica difícil e foi sujeita a Plano Especial de Revitalização (PER).
ff\ a autora reclamou o crédito cujo pagamento ora reclama em sede de PER.
gg\ Tendo o referido valor sido reconhecido como um crédito sob condição do seu recebimento pelo dono de obra, situação que a autora aceitou e reconheceu, sendo que não impugnou o valor reconhecido em sede de PER ou a sua qualificação como crédito sob condição.
hh\ o processo PER da E, entretanto incorporada por fusão na 1ª ré em 2015, correu termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra, Instância Central, Secção de Comércio, J3, com o n.º 7119/14.9T2SNT, e foi homologado 03/12/2014.
ii\ A autora pronunciou-se quanto à opção de pagamento do seu crédito optando pela “Opção 2”, ou seja, recebimento do valor em dívida, correspondente a 80% do valor do capital, em 8 anos sem juros, sendo a primeira prestação paga 24 meses após o trânsito em julgado da sentença homologatória do PER que ocorreu em 03/12/2014.
jj\ A 2ª ré detém o capital social da 1ª ré a 100%.
kk\ A gestão das 1ª e 2ª rés é independente sendo a sua actividade comercial totalmente distinta.
ll\ A 1ª ré tem como negócio principal a construção.
mm\ A 2ª ré tem por objecto a gestão de participações sociais.
*
Da impugnação da decisão da matéria de facto
Na sentença recorrida consideraram-se como não provados as seguintes afirmações de facto feitas pelas rés [a numeração foi agora colocada]:
1\ Todos os custos deduzidos referidos em cc) são responsabilidade da autora.
2\ Em 01/08/2018 foi emitida factura correspondente [prevista para o contrato GN de 5.245.102,22 dirhams = 493.039,61€ de taxas aduaneiras], tendo por base a informação documental facultada pela autora que, aliás, apontava despesas de importação superiores ao contratualmente estipulado.
3\ Porém, a informação disponibilizada não detalhava o tipo de despesas efectivamente pagas entre os custos alfandegários, custos com IVA e custos com taxas aduaneiras.
4\ Dificultando a identificação das taxas aduaneiras reclamadas.
5\ Pelo que o cliente se recusou a reconhecer o montante a pagar sem explicação mais detalhada por parte do Empreiteiro.
6\ Valor este único ainda em discussão com o Dono de Obra e que está a impedir a recepção definitiva da empreitada.
7\ Originando que não sejam libertadas as garantias bancárias prestadas ao dono de obra no valor de 1.646.670€, cuja vigência implica o pagamento anual de 45.000€ a pagar pela 1.ª ré.
A motivação da decisão de facto - de toda ela e não só dos factos não provados -, foi a seguinte [este TRL retirou apenas as partes que não dizem respeito, directa ou indirectamente, às afirmações agora em causa, e numerou os §§]:
1\ No que respeita aos factos (a) a (x), estão assentes por acordo das partes. No que diz respeito aos restantes, o tribunal formou a sua convicção com base nos documentos que constam dos autos e que são indicados no elenco supra e com os restantes cujo conteúdo não foi impugnado, conjugados com os depoimentos prestados em sede de julgamento e que mereceram as seguintes considerações:
2\ OC, engenheira química que exerceu funções na H entre 1989 e 2011, tendo nesta desempenhado várias funções, tendo tido contacto com a ré na fase de propostas e acompanhou a obra em Marrocos, esclarecendo que na empresa a comunicação era horizontal pelo que todos estavam a par do que ia acontecendo. Descreveu de uma forma muito completa os vários projectos e em que consistia o contrato celebrado com o Reino de Marrocos, tal como descreveu o estado de cada um quando deixaram os mesmos, por saída do consórcio. Também mostrou conhecimento do acordo de exoneração celebrado com a ré e explicou o seu conteúdo de uma forma alicerçada nos conhecimentos que tinha do consórcio e do estado das obras. Explicou também como eram no âmbito do consórcio efectuados os pagamentos pelo dono de obra, revelando ser simples distinguir o que cabia a cada uma das partes daquele. O seu conhecimento deriva do facto de a testemunha, tal como outros colegas, terem colaborado com a ré já depois de decretada a insolvência da autora.
3\ Deste depoimento também resultou a explicação do facto de não fazer sentido ficar qualquer pagamento dependente de uma recepção da obra, na medida em que por parte da autora o projecto era de engenharia e não de construção, que estava a cabo da ré. Relativamente às deduções, explicou uma por uma porque não aceitaram e porque consideraram aceitar outras.
4\ É verdade que a testemunha faz parte da comissão de credores da massa insolvente da autora, pelo que o seu interesse é obvio. Não obstante, o seu depoimento foi preciso, coerente, sereno e, por isso, credível.
5\ RA, era responsável financeiro da autora e seu contabilista entre 2005 e 2011, pelo que mostrou conhecimento do que foi acordado no âmbito do consórcio e do que, quando a autora saiu do mesmo, ficou por pagar pelo dono de obra relativamente a trabalhos efectuados pela autora. Explicou de uma forma detalhada a forma como eram realizados os pagamentos pela O e explicou também porque razão não era necessário apresentar qualquer comprovativo do pagamento de direitos aduaneiros uma vez que a compra de equipamento era feita em Marrocos. O seu depoimento foi bastante assertivo, lógico e coerente.
6\ AV, engenheiro e gerente da autora até à insolvência, tendo sido um dos que assinou o acordo de exoneração. Explicou de forma detalhada a razão pela qual assinaram aquele acordo e os interesses em causa, bem como a relação de confiança que existia entre as empresas.
7\ Admitiu que tenha sido aceite os custos de electricidade e ramal eléctrico por uma questão de gestão contratual, referindo que durante o arranque esses custos eram da responsabilidade da autora.
8\ Tal como as restantes testemunhas, fez referência ao estado de cada uma das obras quando saíram (uma em fase de montagens, outra com projecto de execução entregue e outra já em exploração e a funcionar), depondo de uma forma serena, coerente e também credível.
9\ SC, engenheiro electrotécnico que trabalhou na autora de 1996 a 2011, sendo responsável pelas instalações eléctricas, automatismos e programação. Foi responsável pela parte eléctrica, tendo elaborado o projecto e feito o acompanhamento da instalação, ensaio e colocação em serviço, estando em Marrocos regularmente na fase das montagens até sair da empresa.
10\ No que diz respeito ao ramal eléctrico, esta testemunha foi assertiva ao afirmar que o mesmo foi executado pela autora, através de um subempreiteiro e foi a autora que o pagou, sendo que os encargos com o fornecimento de energia são responsabilidade do dono da obra, como referiu com referência ao documento de fl. 80.
11\ Por fim, da parte da autora, foi ouvido P, que foi responsável de exploração da GN entre Outubro de 2010 e Maio de 2011 (primeiro como trabalhador da autora e depois contratado pela ré), tendo entrado quando esta iniciou a fase de exploração, no arranque. Explicou em que consistiam as suas funções de uma forma muito clara, referindo que esteve na recepção provisória da mesma e explicando quais as questões que na altura se suscitaram e que foram resolvidas, negando que tenha existido qualquer problema ao nível do equipamento ou do funcionamento.
12\ Fez referência ao facto de, desde a recepção provisória, não existir qualquer estaleiro e de os problemas relativamente à secagem das areias terem sido esclarecidos.
13\ Depôs de uma forma serena, apresentando explicações lógicas e coerentes para as suas afirmações e em coerência com os restantes depoimentos na parte em que tinha conhecimento directo dos factos.
14\ Da parte da ré, foi ouvido LV. coordenador da área de contabilidade da ré há cerca de 4 anos e antes no controlo de informação, encontrando-se no grupo há 25 anos. Apenas soube dizer o que consta registado na contabilidade relativamente ao PER da E, nada sabendo em concreto.
15\ EA, engenheiro civil que trabalha na 1ª ré agora como director de contrato e antes da G desde 1989, desempenhou funções de administrador em ambas as rés, mas que só se encontra na ré desde 2014, nunca tendo trabalhado na E. Referiu ter feito visitas à obra em Marrocos no âmbito de trabalhos de manutenção que fizeram em 2014, mas não mostrou conhecimento preciso sobre os factos, na medida em que como referiu eram as equipas locais que tratavam dos assuntos, pelo que não sabia quem tinha construído o ramal, não sabia de quaisquer “menos valias”, não soube também dizer se o dono de obra chegou a pagar ou não após a recepção definitiva da obra, não soube precisar que custos é que a ré teve de suportar com as garantias bancárias, não sabia porque foram a determinada altura emitidas duas facturas separadas.
16\ No que diz respeito ao acordo, referiu que era suposto a ré receber do dono de obra e depois pagar à autora, mas não conseguiu explicar porque razão consideravam haver custos (nem sabia quem tinha feito o ramal eléctrico, pois em 2014 já estava feito) a deduzir e muito menos conseguiu dar a perceber ao tribunal se a questão dos direitos alfandegários foi impeditiva ou não de receber da O, pois nem sequer do seu depoimento resultou explicito se esse pagamento ocorreu ou não.
17\ RN é responsável pela contabilidade da 1ª ré desde 2019 e membro do Conselho de Administração da 2ª ré desde 2021, pelo que só conhece as contas do exercício referentes a estas empreitadas. Referiu, contudo, que as contas relativamente àquela obra estão fechadas, sendo que uma das facturas que nunca foi aceite pelo dono de obra porque faltava justificativos não foi paga e acabaram por creditar para que as contas fossem fechadas.
18\ Mencionou que tinham duas garantias bancárias desde 2010, que tiveram custos até 2021, de 35.000€ e 15.000€ cada, suportados pela ré, o que não decorre de qualquer documento que tenha sido junto aos autos.
19\ Estes depoimentos, por parte das testemunhas apresentadas pela ré, conjugados com o que a este respeito foi referido pelas testemunhas da autora, na falta de documentos que os suportem, foram manifestamente insuficientes para que o tribunal criasse a convicção de que as tais “menos valias” existiram efectivamente e são imputadas aos trabalhos da autora, que os custos de electricidade eram também da responsabilidade da autora ou que esta não suportou o custo relativo ao ramal eléctrico (mesmo que a determinada altura esta até tenha aceitado essa dedução para receber o que considerava que tinha direito). Como já referimos, quanto às garantias bancárias, sendo algo que facilmente a ré poderia ter demonstrado por documento, também nada juntou. Relativamente à exigência alegadamente feita pelo dono de obra quanto às taxas alfandegárias, também não foi feita prova de que essa exigência tenha sido feita ou sequer (perante o que as testemunhas da autora afirmaram a este respeito) faça sentido, pelo que não se provou que qualquer omissão da autora tenha impedido a de receber qualquer valor. O mesmo se diga ao custo do estaleiro, que também não se demonstrou qual foi ao certo nem que este tenha sido encargo da autora.
20\ No geral, como decorre dos documentos juntos e dos depoimentos das testemunhas, o acordo de exoneração visou regular a saída tranquila da autora do consórcio sem que tal afectasse a imagem e reputação da ré junto do dono de obra, e esse enquadramento ajudou a formar a convicção do tribunal também no que diz respeito às imputações de responsabilidade que a ré invoca em relação à autora.
[…]”
Contra a decisão de dar como não provadas aquelas afirmações, as rés dizem o seguinte:
1\ A fundamentação da convicção foi a seguinte: [as rés remetem aqui apenas para o §1\ da motivação transcrita acima].
2\ Ainda da fundamentação: [as rés remetem aqui apenas para o §§ 6\ e 7\ da motivação transcrita acima].
3\ Ora, lavra em erro o julgamento do tribunal a quo.
4\ Com efeito, tendo, conforme transcrito supra, uma testemunha, que foi gerente da autora que assinou o acordo de exoneração cujos efeitos se debatiam nos autos, aceite, ainda que alegando que o terá feito por uma questão contratual, suportar perante a 1.ª ré custos de electricidade e ramal eléctrico numa das empreitadas em causa nos autos, não pode o tribunal a quo fazer tábua rasa dessa mesma constatação, dita livre, “depondo de forma serena, coerente e também credível”, julgando simplesmente que tais custos não são, afinal, da responsabilidade da autora.
5\ Há uma clara contradição entre termos, causada por um erro de julgamento na prova produzida.
6\ Por outro lado, foram em audiência de julgamento, as testemunhas confrontadas com documentação junta aos autos, parte na contestação, como doc.s 3 e 4, assim como os doc.s 1 a 4 juntos em audiência e admitidos pelo tribunal a quo, os quais demonstram, per si, que a própria autora, antes da declaração de insolvência, através da respectiva gerência (a aqui citada testemunha AV) deu autorização ao dono da obra da empreitada do projecto de tratamento de águas residuais de GN e arredores, para os débitos aqui referidos, de custos de electricidade e do ramal eléctrico – o que estranhamente as restantes testemunhas arroladas pela autora fielmente não se recordavam de ter sucedido em obra – e depois da declaração de insolvência, através do respectivo administrador judicial, manteve a 1.ª ré na expectativa de esclarecer todas as questões e documentações necessárias para a comprovação dos encargos aduaneiros suscitada pelo dono da obra e que a 1.ª ré, sozinha em obra, e exercendo funções de mandatário, conforme julgado nos presentes autos, via impedida a autorização de pagamento dos montantes facturados em montante tão valioso pela autora, impedindo ainda tal situação, como relatado nos documentos dos autos, a recepção definitiva da Empreitada, o pagamento de valores devidos a ambas as partes, e a libertação das garantias prestadas para esta mesma obra.
7\ A contradição entre a prova testemunhal (inclusive, através de testemunhas que foram colaboradoras da autora antes da insolvência e que são parte integrante da comissão de credores, a quem é referido pelo Sr. AI estar a ser envolvido, a dada altura, na procura da documentação necessária para o esclarecimento da questão da tributação aduaneira) e a documental, prova esta que perdura no tempo e não pode ser alterada, ainda para mais quando é emitida pelos próprios representantes, com poderes vinculativos, da autora, é tal que não pode ser descurada no julgamento da matéria de facto dos presentes autos.
8\ Contudo, tal não sucedeu, tendo sido, por erro, valorizado a prova testemunhal sobre a documental, e, maior erro ainda de julgamento se verifica, julgando que ambas as provas são consentâneas para determinada decisão.
9\ Ora, em face da prova documental produzida, que não pode simplesmente ser desmentida pela prova testemunhal, não podem os factos supra serem julgados não provados, devendo ser o seu contrário.
10\ Com efeito, existe um princípio de prevalência da prova documental nos autos, que não pode deixar de ser respeitado. Do ac. do TRP de 29/06/2015, proc. 839/13.7TTPRT.P1, extrai-se a noção de que um documento, mesmo que venha a ser impugnado, poderá vir a ser invalidada a respectiva prova a produzir caso se constate a existência de circunstâncias que tornem verosímil a convenção contrária à que resulta desse documento. Ónus esse a cargo de quem impugna o teor do documento em causa, naturalmente. Ora, tal não sucedeu, nos presentes autos, não tendo inclusive o tribunal julgado inválidos documentos e respectivo teor. Simplesmente, de forma errada, desvalorizou o respectivo conteúdo. Aliás, seria um venire contra factum proprium a autora vir a não reconhecer o teor de documentos que a própria, de forma livre, consciente e expressa, emitiu.
11\ Enferma, assim, a decisão em erro de julgamento, devendo, pois, ser substituída por outra que julgue de forma correcta a matéria de facto a considerar provada e, em consequência, absolva as rés dos pedidos de pagamento decorrentes de tais custos e taxas aduaneiras.
A autora, como se viu, não contra-alegou.
Apreciação:
As rés misturam a matéria de impugnação de várias decisões de matéria de facto.
Faz-se esta apreciação por partes e tendo em conta o que é, realmente, em concreto, impugnado pelas rés.
(i)\ na impugnação até à 1.ª metade do §6\ (termina em ‘sucedido em obra’) as rés tratam – e tratam apenas - da questão dos custos da electricidade e ramal eléctrico.
Os documentos 3 e 4 juntos com a contestação e traduzidos com o requerimento de 01/04/2020 (no histórico electrónico da contestação o doc. 4 só tem uma folha, na tradução tem duas; a 2.ª folha corresponde ao doc. 5 do histórico; a autora na réplica fala nas duas folhas, pelo que não há dúvida de que o doc. 4 tem as duas folhas que constam da tradução – aliás estes documentos aparecem muitas outras vezes nos articulados das partes) dizem respeito aos custos de electricidade e aos custos do ramal eléctrico; são faxes da H a aceitar a dedução dos custos de electricidade e dos custos do ramal. A testemunha, AV, com suficiente razão de ciência referida na sentença e pelas rés (não posta em causa pela autora) admite (segundo o tribunal e as rés e a autora não o põe em causa) esse facto; por tudo isto, a aceitação destes custos deve ser dada como provada.
A autora, na réplica, diz, como se vê na transcrição supra, contra isto, que “com o doc.4 junto à contestação com reconvenção, a 1.ª ré nada prova quanto a suposta aceitação de dedução de custos do ramal eléctrico; o doc.4 é composto por duas páginas, sendo que só a primeira diz respeito ao ramal eléctrico; a segunda página diz respeito aos consumos de energia eléctrica.” Mas trata-se de uma argumentação claramente errada como decorre dos próprios termos. A 1.ª página do doc. 4 diz respeito à aceitação dos custos do ramal eléctrico. E a 2.ª é a factura com os custos da electricidade, aceites com o doc.3. Do que elas não tratam é dos custos de exploração da ETAR.
É certo que a autora, na réplica, acrescentava, em relação aos custos do ramal eléctrico que foi a H quem executou, a suas expensas, o ramal e isso também será dito, segundo a sentença, pela testemunha SC. E a sentença dá a explicação de que a aceitação da dedução de tais custos apenas aconteceu para a autora receber aquilo a que considerava ter direito. Mas constando de um documento elaborado pela autora, com data de 06/06/2011, que “conforme comunicado anteriormente e mais recentemente durante a reunião que teve lugar no último dia 26/05/2021 em A…, a H requer que o montante da factura relativa às obras de conexão eléctrica da GN e Arredores seja deduzido do montante que o O ainda não pagou ao Consórcio”, correspondendo à última factura, o que prevalece é esta posição que a autora na réplica apenas tenta afastar com a má leitura do documento 4.
Portanto, nesta parte – isto é, apenas quanto a 1\ - a impugnação é parcialmente procedente, devendo ser acrescentado o seguinte facto aos factos provados:
cc1\ A H aceitou que ao valor das facturas referidas em aa\ fossem deduzidas pelo dono da obra os dois primeiros custos referidos em cc\.
(ii) A partir da 2.ª parte do §6\ e até ao fim, como se fosse tudo a mesma questão, as rés tratam de outra questão, que é a das taxas aduaneiras (era assim que lhe chamavam na contestação) a que agora (na impugnação da decisão) chamam encargos aduaneiros, e das garantias bancárias.
Os documentos 3 e 4 (e 5…) juntos com a contestação não têm nada a ver com isto. Os 4 documentos juntos no dia anterior à última sessão de julgamento, isto é, juntos a 29/03/2022 - sendo que no dia seguinte já só foi ouvida uma testemunha da ré, não sendo pois verdade o que as rés dizem, isto é, que “as testemunhas” [arroladas pela autora] tenham sido confrontadas com eles - são (i) uma carta de 05/08/2015 da E para o AI; (ii) um fax de 13/07/2015 presumivelmente do dono da obra que segue anexo àquela carta; (iii) um fax do AI de 26/08/2015 para a E; (iv) uma outra carta da E para o AI de 04/11/2015; uma outra carta de 18/12/2015 para a E do AI que anexa um email da testemunha OC, referida acima.  
Estes documentos apenas demonstram que o AI tenta saber alguma coisa sobre o assunto através dos ex-trabalhadores da H e que uma ex-trabalhadora dá informações sobre quem é que poderá fornecer informações mais precisas sobre a questão. Tudo isto já era descrito pelas rés na contestação. Destes documentos não é, pois, possível, dar como provado que a Hs tenha aceitado que tinha alguma responsabilidade por tais taxas aduaneiras. O AI e a testemunha OC fazem diligências para ajudar a 1.ª ré a resolver um problema de que ela lhes dá conta e que poderá ter a ver com a H, mas com isso não querem dizer que o que a 1.ª ré diz seja verdade, nem muito menos que a autora tenha aceite a responsabilidade pela situação ou que estas taxas tivessem algo a ver com os Acordo e Aditamento.
Quanto à prova testemunhal: as rés não invocam depoimentos para prova das afirmações de facto em causa. O que dizem é que a prova testemunhal, produzida em sentido contrário aos documentos, não devia servir para afastar a prova documental. Mas esta questão fica prejudicada porque o que interessa é que, como se viu, os 4 documentos de 29/03/2022 invocados não provam o que as rés alegam, nem têm o teor nem o sentido que as rés lhes dão.
Aliás, as rés nem tentam argumentar contra a motivação do tribunal que lhes apontava o facto de elas não terem feito prova documental de nada do que afirmavam a este propósito naqueles artigos da contestação.
Assim, a impugnação dos factos não provados sob 2 a 7 improcede.
*
A fundamentação de Direito da sentença foi a seguinte na parte que importa:
1\ A obrigação de pagamento das quantias pedidas, segundo alegado, decorre do acordo referido em (g) e do aditamento ao acordo referido em (h):
- “(...) a entregar à [H] o valor de 123.840€, relativos à elaboração do projecto de M, o que fará nos três dias úteis seguintes ao do recebimento pelo dono da obra, desse mesmo valor”.
- “(...) a diligenciar e encetar todos os esforços para que todos os condicionalismos existentes à liquidação da factura 7/2011, sejam ultrapassados de modo a que o dono da obra O proceda ao seu pagamento, no valor de 1.017.760,08€, a ser transferido para o NIB a indicar pela H”.
2\ No que diz respeito à primeira quantia, ficou provado que o projecto de execução da obra de M foi elaborado pela H e por esta entregue, em Maio de 2011, ao dono da obra, acompanhado com a respectiva factura no valor de 123.840€, com vista ao respectivo pagamento. Em contraste, com o que as partes acordaram quanto à segunda quantia, podemos verificar que quanto a esta não haveria qualquer condicionalismo que possa ter sido previsto pelas mesma ou teriam optado por uma redacção similar. Já quanto à segunda, parece-nos óbvio que logo à partida as partes previram que os “condicionalismos” poderiam existir.
3\ A ré, quanto ao 1º montante, diz que parte (45.087,11€) foi recebida em 2016 e o resto em 2019.
4\ Quanto ao 2º montante, refere que a factura 7/2011 referida no aditamento foi substituída por duas outras e que estas foram pagas pelo dono de obra em Junho e Julho de 2016, deduzindo alguns montantes que totalizam 373.894,20€, pelo que só recebeu a quantia de 642.865,88€, que seria o que teria de pagar à autora, pois defende que o que a ré se obrigou foi a diligenciar pelo recebimento dos valores que seriam devidos pelo dono de obra e não de receber aquele valor em concreto.
Do acordo celebrado e da sua interpretação:
5\ Como é sabido, na interpretação dos contratos há que atender aos princípios previstos nos artigos 236º a 239º do CC.
6\ Aqui, em primeiro lugar, consagrou-se a teoria da impressão do destinatário, segundo a qual, uma declaração negocial vale, em regra, com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante – art.236/1.
7\ Só assim não será – art.236/1, parte final - se não for razoável imputar ao declarante aquele sentido declarativo (“se este não puder razoavelmente contar com ele”), ou – art. 236/2 - se o declaratário conhecer a vontade real do declarante, caso em que “será de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
8\ O objectivo legal é, em geral, o de proteger o declaratário conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que o declarante lhe quis efectivamente atribuir.
9\ Nos negócios formais a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso – art.º 238/1 do CC. Mas, contudo, mesmo assim aquele sentido pode valer se – mais uma vez a vontade real das partes – corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio não se opuserem a essa validade.
10\ Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios onerosos, aquele que conduzir ao maior equilíbrio das prestações – art.º 237 do CC.
11\ Ficou demonstrado que, no contexto da insolvência de um dos membros do consórcio foi celebrado aquele acordo de exoneração de responsabilidades, de forma a que – perante o dono de obra, com o qual se pretendia preservar uma boa reputação de forma a celebrar com o mesmo outros negócios – uma das partes assumir a responsabilidade que, à partida, seria da outra, retirar a outra do consórcio, pagando as quantias que à data foram apuradas como devidas por força da contribuição da actividade daquele na execução da empreitada.
12\ Entre as partes assim acordada a retirada de um dos membros do consórcio, estabelecendo logo o que era devido à autora e que seria pago por intermédio da ré.
13\ Mas como já referimos, há uma diferença entre as obrigações assumidas pela ré quanto a uma das quantias em relação à outra. Se quanto à 1ª não foi colocado qualquer condicionalismo ao recebimento por parte da ré, já quanto à segunda foi, tanto que se estabeleceu que a ré tinha uma obrigação de diligenciar pelo recebimento e não pagar quando recebesse o montante relativo à factura.
14\ Parece-nos adequado qualificar essa obrigação como a típica de um contrato de mandato, tal como o define o art.1157 do CC, o que implica por parte do mandatário a obrigação de entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato. Quando a autora encarrega a ré de proceder a diligências para receber do dono de obra o pagamento de uma determinada factura, a autora encarrega a ré de praticar por si actos jurídicos, nomeadamente o de interpelar o dono de obra para pagar e o de receber deste a quantia devida ou outra por conta de devida.
15\ A ré assim procedeu, pelo que resulta da factualidade e recebeu pagamento de referida factura (mesmo que posteriormente desdobrada).
16\ Contudo, cabia à ré demonstrar que quantias recebeu e que quantias deduziu do valor recebido e a que título, o que esta manifestamente não fez. Nem sequer fez prova de que tenha recebido um valor diferente do titulado pela factura em causa, o que era seu ónus, tal como era seu ónus provar que os valores que foram deduzidos (se é que o foram) eram justificados e da responsabilidade da autora. Também não o fez.
17\ Concluímos assim que tendo recebido pagamento da factura 7/2011, a obrigação da ré era a de entregar a referida quantia à autora.
18\ No entanto, após o acordo de exoneração, ocorreu o PER da E e não podemos deixar de considerar que o plano homologado neste, e que reconheceu o crédito da autora, produz efeitos sobre o montante do crédito (com redução para 80% de capital) e pelas condições do seu pagamento, sendo certo que a condição mediante a qual este foi reconhecido – o pagamento pelo dono de obra – ocorreu e o prazo de 24 meses há muito também decorreu.
19\ Assim, vinculando-se a autora a esse plano, apenas será devido o pagamento de 80% do capital, ou seja, 913.280,06€ [este valor resulta da rectificação da sentença - TRL]. No que diz respeito às condições de pagamento, atenta a factualidade que foi provada (e não foi alegada sequer outra), considerando o tempo decorrido e o escopo do PER, não nos parece que faça sentido manter-se até porque apesar de se ter demonstrado que a referida factura foi paga não se demonstrou em concreto quando esse pagamento ocorreu, pelo que se contabilizar-se-ão juros apenas desde a citação, à taxa legal sobre aquele montante.
Da responsabilidade da 2ª ré:
20\ Estipula o artigo 491 do Código das Sociedades Comerciais que: “Aos grupos constituídos por domínio total aplicam-se as disposições dos artigos 501 a 504 do CSC e as que por força destes forem aplicáveis.”, dispondo o art.501/1 do CSC que “A sociedade directora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas antes ou depois da celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste.” É por isso aplicável aos grupos constituídos por domínio total (o domínio total pressupõe uma detenção, por parte da sociedade dominante, de 100% do capital social da dominada).
21\ O artigo 501 do CSC visa claramente a protecção dos credores. Esta justificar-se-ia porque a relação de subordinação existente permite à sociedade dominante dar instruções à dominada, instruções essas que esta fica obrigada a acatar, mesmo quando desvantajosas (art.º 503 do CSC). No limite, poderiam ser dadas instruções suicidárias, de tal modo que os credores da sociedade subordinada sairiam gravosamente prejudicados.
22\ Concordamos, por isso, com a autora que defende que, nos termos do disposto no artigo 501, a 2ª ré pode ser responsabilizada por dívidas da 1ª ré, independentemente de saber se se verifica ou a situação em que a sociedade dominante tem conhecimento e intervenção no giro comercial da dominada.
23\ Dispõe o artigo 501/2 que, a responsabilidade da sociedade directora não pode ser exigida antes de decorridos 30 dias sobre a constituição em mora da sociedade subordinada.
24\ Essa responsabilização dependeria sempre da alegação e prova de que 1ª ré havia sido interpelada para cumprir, algo que a autora [não] conseguiu demonstrar que fez, mas que se pode considerar – atento o que antes concluímos quanto ao crédito – [ter ocorrido] com a citação para a presente acção. Pelo menos a partir da citação a 1ª ré entrou em mora, pelo que nada obsta à condenação da 2ª ré [os parenteses rectos foram colocados por este TRL, correspondendo de forma evidente, pelo contexto, ao que a sentença quis escrever].
Do pedido reconvencional
25\ Em face do que concluímos, não há qualquer fundamento para o pedido reconvencional, tanto no que concerne a qualquer montante relativo a taxas aduaneiras como a encargos relativos a garantias bancárias, factualidade que não foi demonstrada pelas rés.
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Da nulidade da sentença (por falta de fundamentação)
A autora diz, desenvolvidamente, mas aqui em síntese, que:
O tribunal a quo limitou-se a dizer que o plano homologado produz efeitos sobre o montante do crédito, sem explicar porque razão assim entende, isto é, sem fundamentar. Tal implica a violação do disposto nos art.ºs 205/1 do CRP e 154 do CPC e por isso a nulidade do art.º 615/1-b do CPC.
Apreciação:
O tribunal fundamenta a aplicação do PER aos créditos da autora com o fundamento da adesão desta ao PER, o que é suficiente para o efeito, tanto que a autora não põe em causa essa conclusão. O que a autora discute, ver-se-á à frente, é que, por força de outros factos e de outras normas, não consideradas pela sentença, o PER deixou de produzir efeitos em relação aos créditos da autora e por isso estes não devem ser reduzidos. Mas isto será, como a autora diz, um erro de julgamento e não uma nulidade por falta de fundamentação.
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Da nulidade da sentença invocada pela rés
As rés entendem que a sentença recorrida enferma de nulidade, porquanto condenou as rés em quantidade superior à do pedido; isto com base no seguinte:
Resulta da sentença o que se segue, tomando por referência o PER a que a 1.ª ré recorreu [sic], em data anterior à integração da E no seu património: [as rés transcrevem aqui os §§ 18 e 19 da fundamentação de Direito da sentença recorrida e depois continuam].
Por um lado, encontrando-se suficiente demonstrado nos autos que se encontra em vigor um plano de recuperação da 1.ª ré (que incorporou a E no seu património após a homologação do plano), decide o Tribunal a quo, atendendo inclusive a que o crédito reclamado nesta sede se encontra relacionado no mesmo enquanto um crédito comum condicionado, deverá ser aplicado o perdão de capital e juros constante da ficha técnica correspondente.
Contudo, sem qualquer fundamento para tal, julga já o tribunal que, em termos de condições de pagamento, já não deverá ser observada a mesma ficha técnica do plano de recuperação, a qual dispõe claramente que, os créditos condicionados, caso e quando se tornarem efectivos, passarão a ser pagos conforme os demais créditos comuns, aplicando-se-lhes o perdão e o escalonamento previsto para os mesmos.
Nada nos autos conduz a uma conclusão de que o plano de recuperação da 1.ª ré (por via de E) já se não encontre em vigor.
Não há, pois, qualquer fundamento, legal ou material, para suportar uma clara violação do plano de recuperação aqui em causa, e respectiva sentença homologatória, por via da sentença a quo.
Ao crédito que vier a ser reconhecido nos autos deverão ser aplicados os termos do plano, seja em sede de perdão, seja em condições de pagamento, situe-se o referido plano em que fase do mesmo se encontre: só com os presentes autos, o crédito em causa, qualquer que seja o respectivo quantum, será determinado e iniciado o respectivo pagamento, da forma ali disposta.
É, assim, nula a presente decisão, por condenar a 1.ª ré e, consequentemente, a 2.ª ré quantidade superior à que, de facto, está a ser pedida, por violação expressa de sentença homologatória do plano de recuperação, transitada em julgado e em execução.
A decisão ora em causa é nula, por violação do disposto no artigo 609/1 do CPC, impondo-se a respectiva declaração e reposição da justiça através da correcta aplicação destes normativos, revogando-se a sentença proferida a quo, assim como incorre em violação do disposto no artigo 615/1-c do CPC.
Apreciação:
A autora pedia a entrega de duas quantias. A sentença condenou as rés a pagar 80% dessas quantias.
Não há condenação em valor superior ao pedido – nem a haveria se a condenação tivesse sido em 100% dessas quantias -, pelo que não se verifica a nulidade invocada.
A questão posta será apreciada a nível do Direito, como questão, também posta pela autora, da aplicação do Plano de revitalização. É apenas esta a questão que as rés discutem, sem discutirem o ‘quanto’ dos créditos excepto na parte em que impugnam a decisão da matéria de facto. Ora, a questão da aplicação do Plano tem autonomia sobre a questão do valor dos créditos e quanto a esta questão as rés não têm, fora da impugnação da matéria de facto, uma linha de texto de argumentação que seja.
Assinale-se que tudo o que foi dito pelas Partes no corpo das alegações dos recursos, é transcrito neste acórdão (excepção as partes do recurso da autora quanto às nulidades supridas).
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Do recurso sobre matéria de Direito
Diz a autora, na parte útil:
Erro de julgamento (redução do crédito da autora sobre a 1.ª ré)
O tribunal a quo errou no julgamento, ao condenar as rés e somente no pagamento de 80%, em vez de condenar no pagamento integral dos dois créditos peticionados (123.840€ e 1.017.760,08€).
Vejamos porquê.
Ficou provado na sentença (facto ff)) que os créditos dos presentes autos são os mesmos que foram reclamados pela autora e reconhecidos no âmbito do PER da 1.ª ré. Tratavam-se de créditos sob condição. A condição seria o recebimento, pela 1.ª ré, do Dono de Obra (O).
Ficou provado na sentença (facto ii)) que a autora optou, no âmbito do PER da 1.ª ré por receber 80% valor do capital, em 8 anos sem juros, sendo a primeira prestação paga 24 meses após o trânsito em julgado da sentença homologatória do PER que ocorreu em 03/12/2014.
Ficou também dito na sentença que “No que diz respeito ao PER, não é impugnado o teor do plano, a sua homologação e o reconhecimento do crédito reclamado como crédito sob condição”.
Ficou também dito na sentença que “a condição mediante a qual este foi reconhecido – o pagamento pelo dono de obra – ocorreu e o prazo de 24 meses há muito também decorreu”.
Ora, provando-se, como se provou, que a autora é credora dos montantes de 123.840€ e 1.017.760,08€, deveriam as rés terem sido condenadas no seu pagamento integral, ainda que com a ressalva (sem conceder) de que esse pagamento poderia sofrer as contingências do PER, isto é, poderia reduzir-se a 80%, se a 1.ª ré estivesse a cumprir o plano de revitalização ou, na hipótese contrária, não reduzir-se, se a 1.ª ré estivesse a incumprir o plano de revitalização.
Dito de outra forma (sem conceder): não obstante os créditos serem de 123.840€ e 1.017.760,08€, a autora só estaria legitimada a exigir da 1.ª ré o pagamento de 80% desses montantes, se esta estivesse a cumprir o plano de revitalização.
O que Tribunal a quo não podia fazer era declarar judicialmente reconhecido o perdão definitivo de 20% do capital, sem sujeição a qualquer condição, como parece ter feito com esta sentença!
Note-se que o PER reveste uma natureza essencialmente negocial e extrajudicial, imperando nele o primado da vontade dos credores, restando para o tribunal um papel residual. Ao tribunal onde pender o PER apenas cabe sindicar a observância, como pressuposto do seu juízo sobre a homologação, da regularidade dos procedimentos subjacentes e da legalidade do conteúdo do plano.
O perdão de 20% acordado pela 1.ª ré com os credores no âmbito do seu PER está sujeito à condição de a 1.ª ré cumprir o acordo, integral e tempestivamente. Se a 1.ª ré não cumprir o plano de revitalização, a própria lei prevê, no artigo 218/1 do CIRE, a consequência desse incumprimento: fica sem efeito a moratória e o perdão acordados.
Por isso, e em primeiro lugar, deveria o tribunal a quo ter condenado as rés no pagamento à autora da quantia total e integral dos seus dois créditos de capital.
A isto ainda acresce o seguinte:
O Tribunal a quo afirmou na sentença, como acabou de se referir, que “a condição mediante a qual este [crédito] foi reconhecido – o pagamento pelo dono de obra – ocorreu e o prazo de 24 meses há muito também decorreu”.
Ora, se há muito que se verificou a condição e há muito que decorreu o prazo de carência de 24 meses acordado com os credores no âmbito do PER e, mesmo assim, a 1.ª ré não pagou qualquer quantia à autora, todos concordamos que aquela incumpriu o plano de revitalização, no que concerne ao crédito da autora.
Isto posto,
Dispõe o artigo 218/1-a do CIRE que: Salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso, a moratória ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito: Quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor;”.
Existiu discussão sobre se esta norma se aplicaria ao PER, sendo maioritária a opinião de que se aplicava. A este propósito, veja-se o acórdão do STJ, de 27/05/2021, proc. 101/19.1T8ANS-A.C1.S1: “VII - Tendo o legislador sido omisso acerca das consequências jurídicas do incumprimento do plano, aplica-se, por analogia, o regime (legal supletivo) previsto no art.º 218.º do CIRE”.
Com a nova redacção dada pelo DL 79/2017, de 30/06, ao artigo 17.º-F, n.º 13 do CIRE, a discussão perdeu actualidade. Passou a dizer-se expressamente que “É aplicável ao plano de recuperação o disposto no n.º 1 do artigo 218.º”.
Da conjugação do artigo 17.º-F/13 e 218/1 do CIRE resulta que, em caso de incumprimento do plano de revitalização, fica sem efeito a moratória ou o perdão, isto é, ocorre a repristinação dos créditos originais.
Logo, pretendendo-se, por exemplo, proceder à sua execução, o título executivo a apresentar será o correspondente a tais créditos originais e não a sentença homologatória do plano de recuperação conjugada com a lista de créditos reconhecidos no PER e/ou com interpelação, pois, por um lado aquele acordo mostra-se extinto e, por outro lado, aquela lista, ainda que definitiva, não importa um verdadeiro reconhecimento dos créditos.
Subsumindo ao caso concreto, tendo o Tribunal a quo considerado que há muito que se verificou a condição do crédito da autora e que também há muito que decorreu o prazo de carência de 24 meses concedido pelos credores do PER à 1.ª ré, estava o Tribunal a quo obrigado a concluir que o plano de revitalização foi incumprido quanto ao crédito da autora. Logo, o perdão de 20% do capital previsto no plano ficou sem efeito, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 218/1 do CIRE.
A este propósito veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 09/03/2017, proc. 3038/14.7T8GMR-A.G1: […]
A manter-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo (sem conceder), a autora fica com uma sentença para executar somente quanto a 80% daquilo que na realidade, é credora.
O que o Tribunal a quo fez, ao tomar esta decisão, foi premiar o incumprimento da 1.ª ré no âmbito do seu PER - já que viu perdoado 20% do capital, não obstante o reconhecimento de que i) há muito se verificou a condição (recebimento do dono de obra O), ii) há muito decorreu o prazo de carência de 24 meses e iii) nunca pagou à autora.
O Tribunal a quo deveria, antes, isso sim, ter condenado as rés no pagamento da totalidade dos créditos. Caso a autora instaurasse acção executiva para cobrança destes montantes e a 1.ª ré estivesse a cumprir o plano de revitalização - o que, como também ficou provado nesta sentença, não acontece – esta só teria que apresentar embargos de executado, provando isso mesmo e que tinha direito à redução da quantia exequenda, quanto ao capital, para 80% do valor.
Assim, a decisão a proferir pelo Tribunal a quo deveria, por isso, ser de condenação das rés no pagamento de 100% dos créditos de capital reconhecidos no PER e peticionados nos presentes autos. Só assim se faz cumprir o PER e não se premeia o incumprimento da 1.ª ré.
Não tendo assim procedido, andou mal o Tribunal a quo. Deve a sentença ser revogada, condenando-se as rés no pagamento à autora das quantias de 123.840€ e 1.017.760,08€.
*
Erro de julgamento (redução do crédito da autora sobre a 2.ª ré)
O Tribunal a quo colocou a 2.ª ré na posição de beneficiar de um perdão que não negociou no âmbito de um PER próprio.
Ora, o perdão depende da condição de a devedora cumprir integral e tempestivamente o plano de revitalização acordado com os credores. Se ocorrer incumprimento, ocorre a repristinação do crédito originário (100%).
Se o devedor for declarado insolvente, os credores reclamarão 100% do seu crédito (sem perdão). Compreende-se que assim seja, na medida em que, na hipótese contrária, premiar-se-ia o incumprimento do devedor. Ora, com uma decisão que condena as rés no pagamento de 80% dos créditos à autora, significa que a 2.ª ré vê a sua dívida automaticamente reduzida, sem qualquer justificação legal para isso, isto é, sem o ter contratualizado com a autora.
Deveria, ao menos, o Tribunal a quo ter feito a ressalva de que, à 2.ª ré não se aplica o perdão contratualizado com a 1.ª ré, pelo que estará aquela, sempre e em qualquer caso, sujeita ao dever de pagamento da totalidade dos créditos.
Não tendo assim procedido, andou mal o Tribunal a quo. Deve a sentença ser revogada, condenando-se a 2.ª ré no pagamento à autora do pedido.           
Apreciação:
Dos créditos da autora e da aplicação do Plano
Por força dos factos dados como provados em i\ e j\ a antecessora da 1.ª ré comprometeu-se a entregar à [H, agora MI] o valor de 123.840€, relativos à elaboração do projecto de M, o que faria nos 3 dias úteis seguintes ao do recebimento pelo dono da obra, desse mesmo valor” e “a diligenciar e encetar todos os esforços para que todos os condicionalismos existentes à liquidação da factura 7/2011, sejam ultrapassados de modo a que o dono da obra O proceda ao seu pagamento, no valor em 1.017.760,08€, a ser transferido para o NIB a indicar pela H”.
Os 123.840€ foram recebidos parte (45.087,11€) antes de 24/08/2016 (segundo a 1.ª ré diz na comunicação que consta da alínea r dos factos provados) e a parte restante em Out2019 (facto y).
Quanto aos 1.017.760,08€ a 1.ª ré já os recebeu em Junho e Julho de 2016 embora com deduções (factos y, z, bb e cc).
Os valores que a 1.ª ré aceita que já recebeu, ela já os devia ter transferido para a autora (isto, para já, sem considerar as questões subsequentes).
Os valores que ela não recebeu não os pode transferir. O direito da autora dependia do facto constitutivo de a 1.ª ré ter recebido os valores (art.º 342/1 do CC), pelo que a autora só tem direito aos valores que se provem ter sido recebidos efectivamente pela 1.ª ré. Esta não se comprometeu a entregar os 1.017.760,08€, nem garantiu essa entrega, mas a fazer esforços para que a factura correspondente fosse paga.
Quanto ao que foi efectivamente recebido dos 1.017.760,08€, a 1.ª ré diz que houve outras deduções para além das dadas como provados nos factos já referidos. Ou seja, invoca a dedução de 482.752€ a que se refere na comunicação dada como provada em (r). Mas não provou essa dedução, para além de que o teor da comunicação em causa logo indiciava que não se tinha verificado essa dedução pelo dono da obra, sendo antes uma dedução que ela, 1.ª ré, entendia poder fazer. Daí que em relação às outras deduções se refira como deduções já definitivas, afirmação que repete em (t), mas já não diga o mesmo em relação a estas; de resto, na contestação, admitia que o valor pago tinha sido de 642.865,94€ - que era o resultado da subtracção das deduções de 374.894,14€ aos 1.017.760,08€ - e não 160.113,88€. Mais, aqueles 482.752€ tinham a ver com taxas alfandegárias, que a 1.ª ré invocava a propósito de outros valores que eventualmente viessem a ser devidos na sequência do desenvolvimento  dos trabalhos na 2.ª empreitada, que nada, logo à primeira vista, pareciam ter a ver com o Aditamento ao contrato (facto j) pois que este se referia a uma factura já emitida em 2011, não referindo qualquer desenvolvimento futuro da empreitada. Seja como for, as rés nada provaram quanto a isto, ou seja, no que importa, que tenha havido, realmente, deduções de 482.752€. O que se prova é que a 1.ª ré recebeu 1.017.760,08€ - 374.984,14€ (factos cc e dd), ou seja 642.865,94€.
A autora, por sua vez, põe em causa mesmo as deduções provadas em (cc) e (dd) e impugnou a decisão da matéria de facto, com o resultado de ter sido aditado aos factos provados que a autora só aceitou parte daquelas deduções (cc1). Mas o que a autora aceitou não importa. Já se viu que ela só tem direito a receber aquilo que provou que foi recebido pela 1.ª ré.
Tudo isto tem a ver com o Acordo e o Aditamento em causa nos autos, em (i) e (j) dos factos provados, mas também tem a ver com a condição a que os créditos da autora ficaram sujeitos por força do PER da E entretanto incorporada na 1.ª ré.
Condição que resulta do que está transcrito no facto (x): o que foi reclamado, reconhecido e homologado no PER foram créditos da autora sob “condição do seu recebimento pelo dono da obra O.”
Esta condição verificou-se (e portanto a partir de então podem-se produzir os efeitos do negócio: art.º 270 do CC) quanto aos valores recebidos pela ré (isto é, sem as deduções dos valores (cc) e (dd)).
As rés sugerem que a condição só estaria preenchida quando estivessem determinados os valores que a 1.ª ré recebeu efectivamente, o que só aconteceria com a sentença recorrida. Mas o crédito – tudo isto só vale em relação ao crédito dos 1.017.760,86€ - não era ilíquido, era, sim, um crédito litigioso. A 1.ª entende que só tinha que pagar os valores que tinha recebido, enquanto que a autora entendia que tinha direito ao valor de todo o crédito. Em relação ao que a 1.ª ré tinha recebido não se punha nenhum problema de liquidez. E também o facto de a 1.ª ré entender que recebeu menos do que aqui se dá como provado, não tem a ver com a liquidez do que recebeu, mas sim com um litígio quanto ao que recebeu. Os valores, fossem eles quais fossem, sempre foram certos. Pelo que a condição não era uma condição “ilíquida” que só se preenchesse com a determinação do que fosse devido pela autora.
Em suma, pelo menos desde 31/07/2016 a 1.ª ré tinha que entregar os 642.865,94€, pelo menos desde 24/08/2016 tinha que entregar mais 45.087,11€ e pelo menos desde 31/10/2019 tinha que entregar mais 78.752,89€.
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A autora considera que os créditos não são créditos de dinheiro da 1.ª ré a pagar autora, mas sim obrigações de transferência de quantias que eram do dono da obra.
A autora não renova este argumento no recurso.
E faz bem em não o renovar: o contrato de mandato de que falam a autora e a sentença (a ré fala num contrato de gestão, mas, para além do mais, os factos que alegava não desvirtuavam a obrigação da ré em praticar actos jurídicos por conta da autora, pelo que não se vê razão para discordar da qualificação do contrato como de mandato: art.º 1157 do CC) não era um mandato representativo, pelo que o dinheiro que a 1.ª ré recebesse se incorporava no seu património (art.º 1180 do CC: Mandatário que age em nome próprio: O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários destes).
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Da perda de efeitos da moratória e do perdão
Os créditos foram reclamados pela autora antes, necessariamente, da homologação do Plano cujo trânsito ocorreu 03/12/2014 (facto hh). Eles deviam ter sido pagos, diminuídos em 80% do valor do capital, em 8 anos sem juros, sendo a primeira prestação paga 24 meses após o trânsito em julgado da sentença homologatória do PER que ocorreu em 03/12/2014 (facto ii). Em 03/12/2016 já a ré tinha recebido quase 700.000€ do crédito reclamado de 1.141.600,08€, pelo que a condição já se tinha verificado quando, em 03/12/2016, devia ter sido realizada uma primeira prestação. Decorreram entretanto mais de 6 anos e a 1.ª ré não pagou nada. Sendo que depois disso, em 14/02/2017, a autora interpelou, por escrito, a 1.ª ré para a entrega das quantias (facto w).
Assim, estão verificados os pressupostos da previsão do art.º 281/1-a do CIRE, aplicável por força do art.º 17.º-F/13 do CIRE, pelo que, em consequência, e como diz a autora, a moratória e o perdão do plano homologado ficaram sem efeito, pelo que não devia ter sido aplicado, na sentença, o perdão de 80%, a nenhuma das rés.
Assim, a 1.ª ré tinha que pagar o que devia 687.953,05 (= 642.865,94€ + 45.087,11€) desde 15 dias depois da interpelação, isto é, 02/03/2017. Em 31/10/2019 devia pagar os 78.752,89€ que faltavam.
E a 2.ª ré respondia também por tal dívida, desde a citação/ /interpelação, nos termos da sentença recorrida, não postos em causa.
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Das consequências da alteração de matéria de facto.
Tudo o que foi dito para cima teve a ver com a aplicação do Plano aos créditos da autora e isso implicou a questão da verificação da condição a que os créditos estavam sujeitos. Para esse efeito, teve-se que apurar em que é que eles consistiam e, por isso – mas apenas por isso - chegou-se à questão do seu valor.
Para esse apuramento foi irrelevante o aditamento aos factos resultado da impugnação da decisão da matéria de facto. Não importa – segundo a posição adoptada – que a autora tivesse aceite ou não a dedução de determinados valores.
Portanto, a posição assumida acima quanto ao valor dos créditos, que não foi objecto do recurso por nenhuma das partes, não implica a alteração do valor dos créditos da autora.
Admitir-se que uma decisão autónoma não recorrida pudesse ser modificada só porque a propósito de outra questão, essa sim recorrida, se chegou à conclusão que a solução da primeira devia ser outra, era o mesmo que admitir-se que uma decisão pudesse ser alterada apesar de não ter sido objecto de recurso.
Apesar disso, o aditamento do facto resultante da impugnação da decisão da matéria de facto tem um inevitável reflexo na decisão de Direito, sem passar pela aceitação do valor dos créditos a que se chegou por aquela via, mas antes com base no seguinte: se a autora – como se vê em cc1 - aceitou a dedução dos dois primeiros valores referidos em cc, não pode ter direito a eles.
Assim, pelo menos esses valores têm de ser deduzidos aos valores a receber pela autora.
Sendo que esses dois valores são de 197.565,90€ e de 65.377,38€, no total de 262.943,28€.
Portanto, tendo a sentença recorrida reconhecido à autora o valor dos créditos reclamados de 123.840€ e 1.017.760,08€ (= 1.141.600,08€), a que aplicou indevidamente (porque ele tinha ficado entretanto sem efeito) um perdão de 20%, é ao valor de 1.141.600,08€ (sem perdão) que têm de ser deduzidos os 262.943,28€, ficando os créditos da autora reduzidos a 878.656,80€.
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Nenhuma das partes pôs em causa a decisão quanto aos juros, pelo que ela se mantém.
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Custas
A sentença tinha condenado as rés a pagar à autora 913.280,06€.
A autora com o recurso quis subir o valor para 1.141.600,08€, mas o valor foi baixado para 878.656,80€, pelo que perde o recurso. A autora tem apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, pelo que não há lugar a custas.
As rés com o recurso queriam que o valor a pagar baixasse para 160.113,88€. De 913.280,16€ para 160.113,88€ há um intervalo de 753.166,28€. O valor foi diminuído em 34.623,26€. Se 753.166,28€ = 100, 34.623,26€ = x; logo, as rés tiveram um ganho de 4,6%, o que corresponde a uma perda de 95,4%.         
Na acção, a autora pedia 1.141.600,08€ e ganhou 878.656,80€. Logo, o decaimento foi de 23,03%.      
*
Pelo exposto, julga-se o recurso da autora improcedente e parcialmente procedente o recurso das rés, diminuindo-se para 878.656,80€ o valor a pagar por elas à autora, acrescido de juros desde a citação (07/11/2019), à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, mantendo-se, no demais, a sentença recorrida.
Recurso da autora: sem custas de parte.
Recurso das rés: custas, na vertente de custas de parte, pelas rés em 95,4% (sem custas quanto à autora).
Custas da acção, na vertente de custas de parte: sem custas quanto à autora e 76,97% pelas rés.

Lisboa, 30/03/2023
Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas