Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1482/10.8T2AMD-B.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: DIVISÃO DE COISA COMUM
VENDA DE IMÓVEL
CASO JULGADO
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Todas as decisões tomadas no âmbito do processo de divisão de coisa comum , designadamente uma compra e venda do imóvel que constitui objeto da aludida ação de divisão de coisa comum - realizada pelo Sr. encarregado de venda, em nome e por determinação do Tribunal -, não tendo na referida acção sido objecto de impugnação, têm força de caso julgado
 - Por isso, vedado está a uma parte da referida acção, e agora através de uma ação autónoma, sindicar um procedimento que ele próprio orientou , como se de um tribunal de recurso se tratasse.
- É que, em rigor, deixou o autor - da acção autónoma – precludir o direito de anular a venda, o que consubancia a verificaçõ de exceção dilatória cuja consequência é a absolvição dos requeridos da instância quanto a tal pedido, nos termos do artigo 278, nº 1, alínea e) e 576º do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

J… intentou a presente ação declarativa contra M…e   J.., pedindo, além do mais, a declaração de nulidade da compra e venda celebrada no dia 7 de Novembro de 2018 com o 2º  réu, a ineficácia da mesma em relação ao autor, a restituição ao autor do direito de adjudicar e ser a escritura efetuada a seu favor.
Alega para o efeito que, no âmbito da venda realizada no processo de divisão de coisa comum a que estes autos estão apensos, manifestou ao encarregado de venda a intenção de adjudicar, ao abrigo do direito de preferência, pelo que a venda realizada ao 2º  réu não deveria ter sido efetuada.
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O autor foi notificado para se pronunciar quanto à eventual procedência da exceção dilatória inominada de falta de atualidade do litígio, por preclusão do direito de obter a anulação, tendo defendido que não existe caso julgado, por serem divergentes os objetivos da ação e que ficou a aguardar a tomada de posição a autorizar a venda ao autor.
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Foi,então, proferida esta decisão:
“....Termos em que se declara verificada a exceção dilatória inominada de falta de preclusão do direito do autor pelo que, em consequência, indefere liminarmemnte a petição inicial apresentada, nos termos do artigo 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, nº 2 e 590.º  do CPC.
Custas a cargo do autor (artigos 527º' do CPC e 6º , n.º 1 do RCP e tabela anexa àquele diploma).”
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É esta decisão que o A impugna, formulando estas conclusões:
1. O recorrente na acçao principal manifestou a sua intenção de adquirir o imovel
2. Para isso apresentou diversos requerimentos
3. Nenhum deles foi respondido
4. Antes foi realizada a venda ao seu inquilino
5. Sem que fosse sequer dado a preferência ao A
6. Apos este ter tomado conhecimento da venda
7. Agiu e fê-lo com a acçao que ora se recorre
8. A qual não deveria sequer ter sido interposta pois o bem deveria ter-lhe sido adjudicado a si, pois sempre o pediu
9. O recorrente entrou com ação a pedir a nulidade desse negocio
10.  Nessa acçao depositou o preço de 17.000.00 euros
11.  O A, é confrontado com a obstrução desse direito
12.  Pois não lhe é permitido sequer litigar
13. Porquanto o tribunal recorrida considera que existe a preclusão do direito
14.  Quando o que existiu sempre foi o não deixar que o recorrente o exercitasse vide doc. 1 e os documentos anexos
15. Por fim indefere liminarmente a ação, quando nada obsta ao seu prosseguimento e conhecimento do mérito da causa
16. E o recorrente exerceu esse direito logo que tomou conhecimento da venda a terceiros
17.  Pois nem sequer foi notificado para exercer preferência
18.  O que possui em causa a legalidade do negócio, e desta forma, o negocio realizada com terceiro esta inquinado
19.  O negocio possui vícios graves de forma , que inevitavelmente tem como consequência a nulidade que se requereu na acçao e foi negado
20.  O recorrente apenas pede o é seu de direito que o património que é seu se mantenha na sua posse, não cre ser pedir muito
21.  E sente que a justiça só se realizará a justiça que dever ser aplicada aos homens quando esta sentença for revogada
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Compulsados o processo nº 1482/10.8T2AMD apura-se o seguinte:
1) M… propôs uma acção especial de divisão de coisa comum contra J…,o  apelante , a fim de que fosse definida a situação jurídica de um imóvel ,loja nº4 do rés do chão do prédio urbano em regime de propriedade horizontal situado na freguesia e concelho … ,por natureza, indivisivel
2)  O R contesta ,alegando que o imóvel é de sua exclusiva propriedade.
3)  Por decisão de 1-10-2012  foi agendada a realização da conferência de interessados a que alude o artº 1056 CPC ,uma vez que a questão levantada pelo R já se encontrava definitivamente resolvida.
4) O R  ,ora apelante , não compareceu .Por isso,foi ordenada a venda do imóvel nos termos do artº1056 nº2 CPC ) e convidaram-se as partes a pronunciarem-se quanto à modalidade da venda e valor a atribuir ao imóvel
5) Por decisão de 21-3-2013 foi decidido que a venda se efectue por propostas em carta fechada e que o valor é o equivalente a 70% do valor tributário
6) Esta última diligência não teve lugar ,ordenando-se a sua repetição
7) Esta última não teve lugar ,a fim de se indagar se sobre o imóvel pendia uma penhora .
8) Constatou-se ,posteriormente, que sobre o imóvel pendiam ónus e encargos
9)  Foi ordenada a citação dos credores à luz do artº 786 CPC
10) Por decisão,datada de 19-05-2015 foi ordenada a venda do imóvel mediante propostas em carta fechada .O valor a anunciar corresponde a 85%do valor tributário
11) No auto de abertura de propostas ,datado de 9/9/2015 ,por falta de propostas , determinou-se a venda por negociação particular
12) O Tribunal autorizou que a venda se efectuasse pelo preço de e 20.000,00
13) Foi interposto recurso desta decisão,o quel foi julgado improcedente.
14) O SR encarregado de venda informa que o proponente é N…
15) Por decisão de 2-5-2018 o sr Encarregado de venda é notificado para se pronunciar sobre a proposta apresentada . Foi também ordenada a notificação da A M… e do , agora A , J.. para se pronunciarem sobre a proposta ,devendo este último apresentar ,querendo ,melhor proposta ,sob pena de poder perder a oportunidade para o fazer
16) A fls 418 o Sr encarregado da venda informa que conseguiu uma nova oferta para o imóvel no valor de €17.000,00 e queo proponente é o Rendeiro J….
17)  A fls 422 foi ordenada a notificação do requerido ,ora apelante, para esclarecer se pretende adquirir o imóvel pelo preço de€ 17.000,00,ou se nada tem a opor quanto à venda pelo preço indicado.
18) O requerido nada disse ,pelo que por despacho datado de 9-10-2018 , foi autorizada a venda pelo preço de € 17.000,00.
19) Posteriormente ,o requerido pronunciou-se ,formulando a intenção de adquirir o imóvel , mas atenta a extemoraneidade ,o requerimento foi desentranhado.
20) E por escritura pública outorgada a 7/11/2018 foi formalizada a compra e venda com o proponente Jorge Baptista
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Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente ( artº663 nº2 ,608 nº2.635 nº4 e 639mº1 e 2 do Código de Processo Civil ),,sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso  ,exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, o que aqui se discute é saber se há lugar à excepção dilatória insuprível .
         
Vejamos ...
Compulsados os autos de divisão de coisa comum, constatamos que o ,agora, Autor e apelante, devidamente citado e posteriormente notificado de todos os actos e diligências [1]de forma consistente por legal , não praticou qualquer acto que o levasse a adquirir o imóvel:
- relembramos que , a fls 418 o Sr encarregado da venda informa que conseguiu uma nova oferta para o imóvel no valor de €17.000,00 e que o proponente é o Rendeiro J.... Por isso , a fls 422 foi ordenada a notificação do requerido ,ora apelante, para esclarecer se pretende adquirir o imóvel pelo preço de€ 17.000,00,ou se nada tem a opor quanto à venda pelo preço indicado.
O requerido nada disse ,pelo que por despacho datado de 9-10-2018 , foi autorizada a venda pelo preço de € 17.000,00.
Posteriormente ,o requerido pronunciou-se ,formulando a intenção de adquirir o imóvel, mas atenta a extemporaneidade ,o requerimento foi desentranhado.
O que concluir?
O Autor intenta a presente ação declarativa, por apenso a ação especial de divisão de coisa comum, em que é parte passiva, pedindo a declaração de nulidade da compra e venda celebrada no dia 7-11-2018, assim como a escritura celebrada, por violação do artigo 823.º e ss. do CPC e 416º  e 1308 do CC e ainda declarada ineficaz a relação de venda realizada entre o encarregado de venda e o 2º réu, E consequentemente ser restituído o direito ao autor de adjudicar.
O que o Autor pretende é inutilizar a escritura de compra e venda do imóvel que constitui objeto da ação de divisão de coisa comum, realizada pelo Sr. encarregado de venda, em nome e por determinação do Tribunal.
Por isso, a haver qualquer vício de que enfermasse a tramitação daqueles autos , incluindo o despacho que determinou a venda deveria o A ter interposto o respectivo recurso.
Não o tendo feito , todas as decisões tomadas no âmbito do processo de divisão de coisa comum tem força de caso julgado
Com efeito, a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere no objecto da acção posterior; visa obstar a que a situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença,  e  , não exige a tríplice identidade a que alude o art. 581.º do CPC.
Termos em que, bem andou o Sr Juiz ao decidir :
“....o que ocorre é a preclusão do direito do autor vir nesta ação obter do tribunal a anulação ou declaração de ineficácia de uma venda judicial, que orientada pelo tribunal sob o controlo das partes, através da possibilidade de invocar nulidades, reclamar ou recorrer.
Acresce que o autor tinha a possibilidade de adquirir o imóvel no processo de venda, bastando fazer uma proposta mais elevada ao Sr. encarregado de venda, do que foi reiteradamente informado.
O autor tinha uma sede própria e um prazo para invocar vícios da venda, a preterição de formalidades essenciais e, até, de fazer propostas de compra ou de invocar o direito de preferência, com vista a que o tribunal reconhecesse esse direito.
Não o fez ou fê-lo parcialmente, tendo sido proferida decisão sobre a questão da preferência (ou da inexistência de direito) assim como foi proferida decisão a autorizar a venda.
O autor pretende agora que este tribunal, através de uma ação autónoma, sindique um procedimento que ele próprio orientou, como se de um tribunal de recurso se tratasse.
Admitir este desiderato é equivalente a aceitar soluções distintas para o mesmo direito ou que decisões da primeira instância possam revogar ou contradizer decisões tomadas pelo mesmo tribunal noutro processo, no qual o autor era parte (e que, por isso, podia conformar), e que decisões que autorizaram o Sr. encarregado de venda a celebrar a escritura de compra e venda, e que transitaram em julgado, fossem alteradas em sucessivas ações intentadas sobre o assunto.
Permitir tal atuação é acolher, a nosso ver, uma violação grave do princípio da segurança jurídica e do respeito por decisões ali tomadas.
A tutela jurisdicional visa a resolução de litígios atuais e não para regular situações em que o direito já deixou de existir ou de merecer proteção.
Destarte, consideramos que o direito de anular a venda não existe, por ter precludido, uma vez que a oposição a tal acto deveria ter sido exercido na ação especial de divisão de coisa comum, além de que não pode o tribunal considerar a existência de um direito de preferência que já declarou entender não existir.
Consideramos, assim, que falta um dos pressupostos processuais da lide que é o da atualidade do litígio, exceção dilatória inominada. Tendo precludido o direito do autor, é procedente a exceção dilatória, cuja consequência é a absolvição dos requeridos da instância quanto àqueles pedidos, nos termos do artigo 278º, nº 1, alínea e) e 576º  do NCPC).
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Síntese:  todas as decisões tomadas no âmbito do processo de divisão de coisa comum tem força de caso julgado.
Por isso , precludiu tendo precludido o direito do autor, é procedente a exceção dilatória, cuja consequência é a absolvição dos requeridos da instância quanto àqueles pedidos, nos termos do artigo 278, nº 1, alínea e) e 576 do CPC.
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Pelo exposto,acordam em julgar a apelação improcedente e confirmam a decisão impugnada.
Custas pelo apelante.
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Lisboa, 9 de Maio de 2019

Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida e Costa
Carla Mendes

[1] Tal como decorre do que acima está exposto.