Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
104/12.7IDLSB.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA CONDICIONADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- O Acórdão de fixação de Jurisprudência n.º 8/2012 de 12/9/2012, estatui que, «no processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia»;

II-É isto que o extenso acórdão fixa, e dele não se retira de todo, ao contrário do que por vezes é afirmado, que uma pena de prisão pela prática de qualquer crime fiscal, (quadro do ACFJ), possa ser suspensa na sua execução desde que se “prove” que o arguido não tenha possibilidade de pagar o montante não pago á entidade tributária;

III- No que tange aos crimes tributários ( a todos referidos no RGIT ), tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento, como condição para a suspensão de uma pena de prisão, quando do juízo de prognose realizado existirem condições para que essa obrigação possa ser cumprida, sejam eles punidos com pena de prisão ou multa, ou só com pena de prisão, impondo-se nestes casos fazer uma interpretação conjugada do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, do RGIT e o artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal;

IV- Outra solução que se encontrasse, iria colidir de forma clara com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos contidos na Constituição da República Portuguesa, mormente os princípios da igualdade, razoabilidade e da proporcionalidade.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


RELATÓRIO

Os arguidos M... e E... foram nos presentes autos condenados pela prática dos seguintes crimes:

O arguido M... pela prática, em co-autoria, de dois crimes de fraude fiscal qualificada p. e p. pelo artº 104, ns. 1 e 2, al. a) do RGIT, o primeiro na pena de 1 ano e 6 meses de prisão (IVA) e o segundo na pena de 2 anos e 6 meses de prisão (IRC);

 Em cúmulo, condenar o arguido na pena única de 3 anos de prisão;

Nos termos do artº 14 do RGIT, conjugado com o artº 50 do C. Penal, suspender a execução da pena de prisão por igual período;

 Condenar o arguido E... pela prática, em co-autoria, de dois crimes de fraude fiscal qualificada p. e p. pelo artº 104, ns. 1 e 2, al. a) do RGIT, o primeiro na pena de 1 ano e 6 meses de prisão (IVA) e o segundo na pena de 2 anos e 6 meses de prisão (IRC);

 Em cúmulo, condenar o arguido na pena única de 3 anos de prisão;

Nos termos do artº 14 do RGIT, conjugado com o artº 50 do C. Penal, suspender a execução da pena de prisão por igual período;

          Não se conformando com o acórdão proferido, veio o MºPº interpor recurso daquele acórdão a folhas 1095 e seguintes, apresentando entre o mais as seguintes conclusões:

 

CONCLUSÕES:
- Os factos praticados pelos arguidos, e que o acórdão recorrido descreveu com rigor, causaram prejuízos significativos ao Estado;
- O Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012, publicado no DR, 1ª Série, de 24.10.2012, não tem in casu aplicação por não estar em causa a pena do n.º 1 do art.º 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias;
- No domínio da criminalidade fiscal, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos - art. 14º do RGIT.
- Neste particular, não existe qualquer poder discricionário do tribunal de optar ou não pela aplicação da referida condição: ou suspende a execução da pena de prisão e impõe a condição ou não suspende a execução da pena de prisão.
- Nestes termos, optando o tribunal pela pena de suspensão da execução da prisão, deve, sempre e em todos os casos, subordiná-la ao cumprimento do pagamento da prestação tributária e acréscimos legais em dívida.

- Quanto à previsível impossibilidade de pagamento da quantia em divida não podemos esquecer que no caso em análise as condições pessoais e económicas dos arguidos, dadas por assentes não serão muito diferentes das de milhões de cidadãos que gerem os seus recursos – não raras vezes bem mais parcos.

- Face às condições económicas dos arguidos, mesmo na tese defendida pelo tribunal colectivo, sempre seria prematuro que, desde já, se realizasse um juízo de impossibilidade futura de cumprimento, sem atender, por um lado, a um eventual regresso de “boa fortuna”, até porque os arguidos continuam activos profissionalmente e possuem valores e património de que podem lançar mão, e por outro lado, sem ter em conta que isentar os arguidos de qualquer obrigação de pagamento é permitir que possam beneficiar da dissimulação ou dissipação dos valores de que se apropriaram (ou da sua conversão em outros valores, ocultáveis ou ocultados), pactuando com tal dissimulação ou dissipação, a que acresce ainda o dever que os arguidos têm de procurar, pelos meios adequados e num prazo razoável, prover ao cumprimento da obrigação, em conformidade, com a sua situação patrimonial, nem que seja apenas de forma parcial.


- Optando-se pela suspensão da execução da pena aplicada aos arguidos, teria, pois, necessariamente de se lhes impor o cumprimento estrito de obrigações que os levassem a reparar as consequências danosas dos seus actos, por forma a evitar dar aos intervenientes processuais a sensação de que o crime pode, afinal, compensar;
- Do mesmo modo, levar-se-ia pedagogicamente os arguidos a interiorizar a censura ética que deve impender sobre condutas deste tipo, respondendo-se ainda a uma legítima expectativa do Estado – e, sobretudo, da sociedade – e cumprindo-se as demais finalidades visadas pela punição.

- Pelo exposto entende-se que o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 14º, 1 do RGIT e 50º e 51º do Código Penal.

- Pelo que, consequentemente, requer-se a alteração do presente acórdão recorrido por outro que proceda à suspensão da pena aplicada, pelo mesmo período, condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, estabelecendo, para o efeito, um plano de pagamentos, que imponha aos arguidos a realização efectiva de um esforço para o seu cumprimento.
Vªs. Exªs., no entanto, apreciarão e decidirão assim se fazendo a costumada

JUSTIÇA!

 O recurso foi  admitido a folhas 1118, tendo sido fixado o seu efeito e regime de subida.

 Os arguidos junto da primeira instância responderam, vide folhas 1124 a 1139 e 1140 a 1144 à motivação do recurso apresentado pelo MºPº, pugnando a final dever ser mantido na íntegra a decisão recorrida, cujo teor se tem por reproduzido, mas pugnando ambos a final dever improceder o recurso interposto.

                   Remetidos os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, a Digna Procuradora Geral Adjunta, em 14 de Setembro de 2016, em douto parecer, louva-se em que seja julgado improcedente o recurso apresentado, estribando-se na resposta apresentada pelo MºPº, junto da 1ª instância.

Foi cumprido o artº 417º nº 2 do C.P.P.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o presente recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma, cumprindo agora apreciar e decidir.

Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso.

FUNDAMENTAÇÃO

De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.

Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).

O recurso interposto de uma sentença abrange, em princípio, toda a decisão, vide artigo 402º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Admite, porém, a lei que o recorrente limite o recurso a uma parte da decisão quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas – artigo 403.º, n.º 1, do mesmo diploma.

No caso, o MºPº restringiu o recurso que interpôs à questão da escolha e determinação da sanção, o que é legalmente admissível – alínea d) do n.º 2 do citado artigo 403.º do Código.

Por isso, os poderes de cognição deste tribunal encontram-se limitados a essa parte da decisão, objecto da apreciação que se fará infra.

O objecto do recurso interposto pelo MºPº o qual é delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento da seguinte questão e relativamente aos dois arguidos:

1.  Que se proceda à suspensão das penas aplicadas a ambos os arguidos, pelo mesmo período, condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, estabelecendo, para o efeito, um plano de pagamentos, que imponha aos arguidos M... e E... tal obrigação.

             Vejamos então:

O acórdão sob censura tem o seguinte teor, nos segmentos que ora nos interessam:

 (…)

I - RELATÓRIO

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo o Ministério Público acusa

M...,

E...,

MIU...., com sede na

E…, Lda., com sede Imputando aos arguidos a prática de quatro crimes de fraude fiscal qualificada, na forma consumada, p. e p. pelo artº 104, ns 1 e 2, al. a) do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5/6

Os arguidos M... e “MIU...” requereram a abertura da instrução e foram pronunciados pelos factos e dispositivos legais constantes da acusação.

II - FACTOS PROVADOS

Discutida a causa apurou-se o seguinte:

1. A sociedade “MIU...” encontrava-se colectada em IRC desde 11.08.2005, pela actividade de “comércio, importação, exportação e representação de produtos e equipamentos informáticos, desenvolvimento de software, consultoria e formação na área de informática” tendo cessado actividade em 31.01.2012.

2. Esta sociedade, enquanto manteve actividade, foi sempre representada pelo arguido M..., a quem cabia tomar todas as decisões em nome e no interesse da “MIU.... Informática”;

3. Em sede de IVA, a “MIU...”, estava enquadrada, no regime normal de periodicidade mensal até 31.12.2008 e de periodicidade trimestral a partir de 1.01.2009;

4. A primeira sociedade arguida desenvolveu uma actividade real e lucrativa de compra e venda de licenças e sobretudo de prestação de serviços;

5. A sociedade “E...,Lda.”, dedicou-se designadamente à análise, concepção e programação de sistemas informáticos e outras actividades conexas;

6. O arguido E... era o seu representante, agindo em nome e no interesse da sociedade “E.A. Contreiras”;

7. Em data não apurada de 2009, o arguido M... solicitou ao arguido E... a emissão de facturas fictícias pela “E...Lda” para que fossem utilizadas pela “MIU...”;

8. Como contrapartida, o arguido E... recebia 50% do IVA respectivo (mencionado nas facturas), pago através de transferências bancárias efectuadas para a conta da segunda sociedade arguida, na Caixa Geral de Depósitos;

9. De todas as facturas que a segunda sociedade arguida emitiu à primeira sociedade arguida, entre os anos de 2009 e 2011, só as facturas ns. 135, 168, 183, 191, 196 e 199 tinham subjacentes serviços efectivamente prestados;

10. As restantes facturas foram emitidas a pedido do arguido M... nas

circunstâncias acima descritas;

11. Para dar maior credibilidade às facturas, o arguido Marco Aurélio transferia para a conta da segunda sociedade arguida, sedeada na Caixa Geral de Depósitos, os valores das facturas e o arguido E... transferia, de imediato, o valor correspondente para contas do primeiro arguido;

12. Da conta nº x, da Caixa Geral de Depósitos, em nome da sociedade “MIU....” foram feitas transferências, para as contas ns. x e y, da Caixa Geral de Depósitos, tituladas pela sociedade “E...,Lda.” e para a conta ns. z, da mesma instituição bancária, titulada por E...;

13. Posteriormente, das contas tituladas pelas sociedades arguidas e da conta titulada pelo arguido E... foram transferidos valores para as contas ns. a e b, da Caixa Geral de Depósitos, tituladas ou co-tituladas pelo arguido M....;

14. Residualmente ainda foram movimentadas, com a mesma finalidade, duas contas no Banco Santander Totta;

15. O valor correspondente a metade do IVA era depositado na conta da segunda sociedade arguida;

16. Para compensar, na sua contabilidade, os proveitos das facturas fictícias que emitia à primeira sociedade arguida, o arguido E... pesquisava no “Google” firmas com a mesma actividade e emitia facturas em nome dessas empresas, que depois contabilizava como custos;

17. A primeira sociedade arguida entregou as declarações periódicas de IVA, sem os respectivos meios de pagamento, durante os anos de 2009-2011;

18. No âmbito de uma acção inspectiva, ao exercício de 2010, a primeira sociedade arguida entregou declarações periódicas de substituição;

19. O IVA apurado, nas referidas declarações, com referência ao exercício de 2010, foi

assim distribuído pelos seguintes montantes e períodos:

A) 2010/3T - €13.820,00

B) 2010/6T - € 9.468,00

C) 2010/9T - €11.172,00

D) 2010/12T - €18.679,50

20. Em sede de IVA, deduziu indevidamente o montante global de €87.625,50, suportado por facturas fictícias:

A) 2009 - € 53.040,00

B) 2011 - € 31.774,50

21. Em sede de IRC foram feitas as seguintes correcções aos custos da primeira sociedade arguida:

A) 2009 - € 261.700.00

B) 2010 - € 281, 67

C) 2011 - € 160.263,34

22. Na regularização no âmbito da acção inspectiva a primeira sociedade arguida entregou uma declaração de substituição modelo 22, tendo reconhecido como facturas fictícias, no ano de 2010, o montante de € 251.740,00;

(…)

24. Em relação ao terceiro trimestre de 2009, quarto trimestre de 2010 e primeiro e segundo trimestres de 2011 – os valores de outros períodos foram arquivados com os fundamentos constantes do despacho de arquivamento de fls. 704 - a vantagem patrimonial ilegítima totaliza € 73.404,00;

25. Em sede de IRC foi corrigida a matéria colectável nos anos de 2009, 2010 e 2011,

tendo sido obtida pela primeira sociedade arguida uma vantagem patrimonial ilegítima no montante total de € 192.149, 28, distribuída pelos seguintes exercícios:

2009 - € 67.943,66

2010 - € 68.405,99

2011 - € 55.799,6

26. Porém, não foi pago o imposto apurado em falta;

27. A segunda sociedade arguida procedeu também à entrega de declarações de substituição para os anos de 2008, 2009 e 2011, deixando de incluir as facturas emitidas para a primeira sociedade arguida;

28. Assim, nos períodos acima referidos a sociedade arguida “MIU...” e o arguido M... obtiveram uma vantagem patrimonial indevida, no montante de €265.553,28 – correspondente a € 73.404,00 de IVA e € 192.149, 28 - em colaboração com a sociedade arguida “E...,Lda” e do arguido E...;

29. Ambos os arguidos tinham consciência de que as facturas inseridas no registo contabilístico das sociedades arguidas, de que eram legais representantes, eram elementos fiscalmente relevantes;

30. Ainda assim, os arguidos, actuando na qualidade de representantes das sociedades arguidas, sabendo que tais facturas eram forjadas, utilizaram-nas, inserindo-as na contabilidade das empresas, com vista a obterem benefícios económicos indevidos em sede de IRC e IVA, designadamente, contabilizando custos de actividade que não existiram e deduzindo IVA não pago, à custa da defraudação do património do Estado;

31. Com esta actuação, os arguidos procuraram fazer crer perante terceiros que os elementos constantes das facturas forjadas eram verdadeiros, ou seja, que tinham sido efectuados os serviços nelas inscritos às sociedades arguidas, colocando desta forma em causa a veracidade e a credibilidade que revestem perante terceiros os documentos emitidos por particulares, abalando a confiança que os mesmos assumem perante a generalidade das pessoas, assim causando um prejuízo ao Estado e a terceiros;

32. Os arguidos pretendiam assim evitar que as sociedades arguidas, de que eram gerentes, tivessem que proceder ao pagamento das quantias monetárias pelas mesmas devidas em sede de IRC e de IVA ao Estado Português e dessa forma aumentar o acervo de bens da sociedade, à custa do património fiscal do Estado e dos demais contribuintes, como efectivamente aconteceu;

33. Os arguidos actuaram sempre, na qualidade de representantes das sociedades arguidas, em nome e no interesse destas, com o inequívoco propósito de alcançarem para si e para as sociedades, como alcançaram, benefícios indevidos, à custa da defraudação da Fazenda Nacional;

34. Ambos os arguidos agiram em comunhão de esforços, deliberada, livre e conscientemente, cientes da reprovabilidade das suas condutas;

35. O arguido E... confessou integralmente os factos descritos na acusação;

36. Os arguidos M..., E... e as sociedades arguidas não têm condenações registadas nos respectivos certificados de registo criminal;

Sobre as condições pessoais do arguido E... apurou-se que:

37. O arguido é natural do Brasil, oriundo de uma família da classe média;

38. Concluiu a licenciatura e pós graduação em informática de sistemas e consultoria;

39. Em 2000 iniciou no Brasil actividade profissional nesta área, altura em que foi convidado por colegas de profissão para vir trabalhar para Portugal;

40. Em território nacional constituiu a empresa “E...,Lda.”;

41. Estabeleceu uma união de facto e manteve uma vida pessoal equilibrada e desafogada

 (economicamente);

42. Em 2008 sofreu o primeiro impacto da crise financeira mundial e nacional e viu reduzirem-se os seus rendimentos;

43. Na mesma altura nasceu-lhe um filho, situação que lhe criou alguma pressão a nível financeiro;

44. Em 2011 adquiriu, com a sua companheira, uma outra sociedade, a “W...Lda.” para tentar diversificar a sua actividade económica, alargando-a a serviços de estética e comercialização de produtos cosméticos;

45. Actualmente recebe o salário mínimo nacional através da empresa “E...Lda” e aufere um rendimento liquido de 700 € da empresa “W...Lda.”;

46. A companheira aufere um rendimento líquido mensal correspondente a 300€;

47. Dedica grande parte dos seus tempos livres à família;

48. Correm termos no serviço de finanças de Cascais 1 vários processos de execução fiscal contra a “E...Lda, Lda.”

49. A “E...Lda”, em Junho de 2012, apresentou à AT pedido de pagamento em prestações da quantia exequenda no valor de 68.591, 64;

50. A AT deferiu parcialmente o pedido e autorizou a sociedade arguida a pagar mensalmente a quantia de 4.895,51€;

51. A sociedade arguida apresentou recurso hierárquico, pugnando pelo pagamento em sessenta prestações mensais por manifesta impossibilidade de pagar o valor autorizado, o qual foi liminarmente rejeitado;

52. O arguido M... trocou emails com o Serviço de Finanças de Lisboa 8 sobre possibilidades de pagamento em prestações da divida tributária;

Comarca de Lisboa

(…)

E assim sendo, inexistindo causas de exclusão da culpa ou da ilicitude resta determinar as penas a aplicar aos arguidos.

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Pena abstracta

Ao crime de fraude fiscal qualificada p. no artº 104, nº 2, al. a) aplica-se, em abstracto, pena de prisão de 1 a 5 anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas.

A taxa diária da pena de multa para as pessoas colectivas, de acordo com o disposto no artº 15 do RGIT, corresponde a uma quantia entre €5 e €5000, fixada em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos.

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Pena concreta

A sua determinação far-se-á tendo, nomeadamente, presente o critério previsto no artº 71 do Código Penal, “... em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial.”, atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, todavia deponham a favor do agente ou contra ele” e o disposto no artº 70 do mesmo Código segundo o qual “se ao crime forem aplicáveis , em alternativa, pena privativa ou não privativa da liberdade, o tribunal deverá dar preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade de acordo com o art.º 40 do C.P.).

As ideias base que devemos ter presentes são as de que as finalidades da aplicação de uma pena residem, primordialmente, na tutela dos bens jurídicos, na reinserção do arguido na comunidade e a de que a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

Assim, em primeiro lugar, a medida da pena há-de ser aferida pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados. Teremos que encontrar, como ponto de referência, o limiar mínimo abaixo do qual já não será comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a tutela de tais bens jurídicos, respondendo às expectativas da comunidade na reposição da norma jurídica violada.

Este ponto será o limite mínimo da moldura penal concreta.

Por outro lado, a culpa do arguido fornecer-nos-á o limite absolutamente inultrapassável na medida da pena, mesmo atendendo a considerações de carácter preventivo.

Resta referir que se dispõe no artº 13 do RGIT – preceito a que, neste particular, devemos atender por estarem em causa crimes tributários - que na determinação da pena atende-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime.

Dito isto, importa agora considerar as seguintes circunstâncias:

O dolo que reveste a forma de dolo directo de mediana intensidade, face aos condicionalismos que estiveram subjacentes à actuação dos arguidos, o impacto da crise financeira mundial e nacional que provocou uma redução da actividade de muitas empresas e uma diminuição dos seus rendimentos;

O grau de ilicitude dos factos que é mediano/baixo, atentos os valores globais das vantagens patrimoniais indevidas obtidas pelos arguidos - €265.553,28, correspondente a € 73.404,00 de IVA e € 192.149, 28 de IRC.

A gravidade das consequências, também mediana, face aos meios de que a administração fiscal dispõe, através das reversões, execuções físicas e penhoras, de vir a recuperar a totalidade ou grande parte dos prejuízos que sofreu.

As circunstâncias em que os arguidos praticaram os dois crimes, já anteriormente referidas.

A ausência de antecedentes criminais e inexistência de processos pendentes desta ou de outra natureza, situação comum aos dois arguidos e às empresas que representam.

A confissão integral dos factos por parte do arguido E... e o arrependimento demonstrado e os esforços desenvolvidos pelos dois arguidos para reporem a verdade fiscal e pagarem as quantias em divida parecendo, contudo, neste último caso, mais consistentes os esforços desenvolvidos pelo arguido E..., único que se mantém a viver e a trabalhar em Portugal, que apresentou à A.T. propostas concretas de pagamento em prestações e que tem património penhorado.

A duração da actividade dos arguidos - três anos.

O tempo decorrido desde a prática dos factos - seis anos.

A inserção social e familiar do arguido E.... As suas condições económicas que se afiguram modestas, a crer nas declarações do próprio arguido, no relatório social e nos já mencionados requerimentos que apresentou à administração fiscal para pagamento em prestações.

Factores que nos levam a concluir que a culpa do arguido é mediana e as exigências de prevenção especial não são muito elevadas.

Já as exigências de prevenção geral são muito elevadas, face à proliferação deste tipo de crimes, à natureza do bem jurídico protegido com a presente incriminação e à prática generalizada da evasão fiscal.

Assim, tudo ponderado, julgam-se adequadas as seguintes penas para cada um dos arguidos:

- pelo crime de fraude fiscal relativo ao IVA, 1 ano e 6 meses de prisão;

- pelo crime de fraude fiscal relativo ao IRC, 2 anos e 6 meses de prisão;

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Cúmulo jurídico das penas

Uma vez determinadas as penas concretamente aplicáveis a cada um dos crimes praticados pelos arguidos, impõe-se, nos casos em que estes tenham cometido uma pluralidade de ilícitos, proceder à formulação de cúmulo jurídico de penas (artº 77 do C. Penal).

Numa tal situação, entende-se que, face às penas parcelares, não deverá o Tribunal lançar mão de medidas alternativas ou substitutivas das penas fixadas, só devendo fazê-lo, se for caso disso, face à pena única que venha a ser encontrada (Figueiredo Dias, em Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 285).

Assim sendo, nos casos em que se imponha o cúmulo jurídico, passa o Tribunal a dispor de uma moldura penal única, sendo o seu limite mínimo determinado pela mais alta das penas parcelares fixadas, e o limite máximo composto pela soma de todas as penas que integrem o cúmulo (art. 77º, nº 2 do Código Penal).

Na determinação da pena única, irá então o Tribunal, dentro da moldura assim determinada, ponderar, em conjunto, os factos, o grau de ilicitude dos mesmos, o grau de culpa, as exigências de prevenção especial, e as necessidades de prevenção geral já apontadas.

“(…) tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.

Para determinar a pena única, o Supremo Tribunal de Justiça, como refere em acórdão do de 8/1/2009, “vem seguindo o método de encontrar, entre aqueles dois limites, um ponto que se obtém pela adição, ao limite mínimo, duma fracção da soma das restantes penas, ponto a partir do qual, para cima ou para baixo, há-de ser calculada a pena, sem esquecer que, para garantir a proporcionalidade das penas, tem de se fazer intervir um factor de compressão, que deverá ser tanto maior quanto a pena mais se aproxime do limite máximo de 25 anos” (proc. nº 3925/08, www.dgsi.pt).

Refere-se ainda em acórdão do STJ de 1/6/2006 que “Na generalidade dos casos (conciliando a tendência da jurisprudência mais “permissiva” em somar, à “maior”, ¼ - ou menos - das demais, com a jurisprudência mais “repressiva” que àquela usa adicionar metade - ou mais - das outras), esse ponto de convergência poderá achar-se, genericamente, adicionando à pena “maior” 1/3 das restantes” (proc. nº 1037/06, www. dgsi. pt).

No caso vertente, é inquestionável aquela relação de concurso, já que qualquer um dos crimes foi cometido antes de algum deles ter sido objecto de decisão judicial transitada em julgado.

A pena será balizada entre um mínimo de 2 anos e 6 meses de prisão e um máximo de 4 anos de prisão.

Ponderando a globalidade dos factos apurados, a natureza dos crimes aqui em causa, a personalidade dos arguidos, as suas motivações para a prática dos crimes, a sua conduta antes e após os factos, e tudo o mais que se referiu sobre as condições pessoais do arguido E..., que nos dispensamos de repetir, e os critérios acima enunciados, parece-nos ajustada uma pena única de 3 anos de prisão para cada um dos arguidos.

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Razões da suspensão da execução da pena

Nos termos do artº 50 do C. Penal, aplicável por força do disposto no artº 3 do RGIT, o tribunal suspende a execução da pena de prisão não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Dispõe-se no artº 50, nº 2 que o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição subordina a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

Neste particular, dispõe-se no artº 14 do Regime geral das Infracções Tributárias (RGIT) que:

A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos (…)

Para além do pressuposto formal (pena não superior a cinco anos de prisão) a lei exige, para a suspensão, um pressuposto de ordem material, ou seja, a verificação, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do caso, de um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, no futuro, e nas infracções tributárias parece condicionar ainda a suspensão ao pagamento da quantia devida ao Estado.

A suspensão da pena de prisão é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico.

A lei estabelece pressupostos subjectivos determinados por finalidades político-criminais. São eles que permitem averiguar se o condenado, no futuro, tem capacidade para se integrar socialmente e não cometer novos crimes.

Assim, sempre que o julgador estiver apto a formular um juízo de prognose favorável, à luz de considerações de prevenção especial, sobre a possibilidade de ressocialização, deverá deixar de decretar a execução da pena.

Estão aqui em questão prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção. O que está em causa, depois de escolhida a pena privativa da liberdade, é determinar se existe a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada.

Nos casos em análise está verificado o pressuposto objectivo da suspensão da pena, uma vez que os arguidos foram condenados numa pena inferior a 5 anos de prisão.

Face ao que já foi dito sobre as circunstâncias em que os arguidos praticaram os crimes, a personalidade dos arguidos, o seu comportamento anterior e posterior à prática dos factos, a inexistência de antecedentes criminais, o tempo decorrido desde a prática dos factos e a sua inserção social e familiar, a interiorização da gravidade da sua conduta, existem razões fundadas e sérias para se concluir que estão reunidas as condições indispensáveis para que se formule um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro dos arguidos M... e E... e que a simples censura do facto, aliada à ameaça da prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Razão pela qual, o Tribunal irá suspender a execução da pena de prisão por igual período, que é o período consentido por lei (art.º 50/5 do C. Penal).

Conforme se mencionou supra, o artº 14 do RGIT , à primeira vista, parece condicionar a suspensão da pena de prisão ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais.

Porém, como se refere em acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que nos merece total acordo e que, por isso, seguimos de perto, o artº 14, nº1 do RGIT deve ser interpretado conjugadamente com o artº 51, nº2 do Código Penal, do que resulta que nos crimes tributários, tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento como condição de suspensão da pena de prisão quando do juízo de prognose realizado resultar que existem condições para que essa obrigação possa ser cumprida (processo 1467/11.7IDLSB.L1-3, acórdão de 26.02.2014, relator, desembargador Carlos Almeida www.dgsi.pt).

E, depois de traçado um breve panorama sobre a evolução legislativa do regime de suspensão da pena no C. Penal e no RGIT e de lembrar a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, através do acórdão nº 8/2012 – diz-se neste acórdão de fixação de jurisprudência que “ a suspensão da execução da pena de prisão , nos termos do artº 50, nº1 do Código Penal, obrigatoriamente condicionada , de acordo com o artº 14, nº1 do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia” – conclui, o mesmo acórdão, que, se da formulação de um juízo de prognose resultar a conclusão de que o arguido não tem qualquer possibilidade de, no prazo estabelecido legalmente, cumprir o dever que lhe é imposto por não ter meios financeiros que o permitam a imposição de um tal dever representaria uma obrigação cujo cumprimento não seria razoavelmente de exigir e contrariaria o disposto no artº 51, nº 2 do C.Penal.

Por isso, entendeu o Tribunal da Relação da Lisboa que, na situação que estava a analisar, tendo em conta o montante em dívida, e demais circunstâncias aplicáveis ao caso, não era possível exigir ao recorrente o pagamento, no prazo estabelecido, da quantia em dívida e que, nesse caso, a suspensão da pena não devia ficar condicionada ao pagamento desse valor tanto mais que a administração tributária poderia, a qualquer momento, instaurar execução contra o devedor.

Perfilhando a posição defendida neste acórdão e certos de que posição contrária consubstanciaria uma distinção restritiva dos direitos liberdades e garantias, entre quem tem capacidade económica, que pode ver a sua pena suspensa, e quem não tem, que é obrigado a cumprir pena de prisão efectiva, entende-se que também no caso em apreço, face ao montante em dívida e ao que se apurou sobre as condições económicas dos arguidos - no que respeita ao arguido M..., por via dos emails trocados com a AT e do encerramento da acitivdade da empresa - não deve a suspensão da pena, para a qual se mantém totalmente válido e inalterável o juízo de prognose já feito, ficar condicionada ao pagamento da prestação tributária.

Acresce que, neste caso, em concreto, a AT já dispõe dos meios necessários para obter o pagamento das quantias em dívida, através das execuções fiscais e das penhoras dos imóveis pertencentes ao arguido E....

Assim, pelos motivos expostos, a suspensão da pena de prisão aplicada aos arguidos não ficará condicionada ao pagamento durante o período da suspensão da prestação tributária em falta.

____________________

(…)

_________________________________

IV - DECISÃO

Em face de tudo o que se deixa dito decidem os Juízes do Tribunal Colectivo:

1. Absolver os arguidos de dois crimes de fraude fiscal p. e p. pelo artº 104, ns. 1 e 2, al. a) do RGIT;

2. Condenar o arguido M... pela prática, em co-autoria, de dois crimes de fraude fiscal qualificada p. e p. pelo artº 104, ns. 1 e 2, al. a) do RGIT, o primeiro na pena de 1 ano e 6 meses de prisão (IVA) e o segundo na pena de 2 anos e 6 meses de prisão (IRC);

3. Em cúmulo, condenar o arguido na pena única de 3 anos de prisão;

4. Nos termos do artº 14 do RGIT, conjugado com o artº 50 do C. Penal, suspender a execução da pena de prisão por igual período;

5. Condenar o arguido Elson sContreiras pela prática, em co-autoria, de dois crimes de fraude fiscal qualificada p. e p. pelo artº 104, ns. 1 e 2, al. a) do RGIT, o primeiro na pena de 1 ano e 6 meses de prisão (IVA) e o segundo na pena de 2 anos e 6 meses de prisão (IRC);

6. Em cúmulo, condenar o arguido na pena única de 3 anos de prisão;

7. Nos termos do artº 14 do RGIT, conjugado com o artº 50 do C. Penal, suspender a execução da pena de prisão por igual período;

8. Condenar a sociedade arguida “MIU...” pelo primeiro crime de fraude fiscal (IVA) na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de €8; (próxima do mínimo legal) e pelo segundo crime de fraude fiscal (IRC) na pena de 450 dias à mesma taxa diária de €8;

9. Em cúmulo condenar a sociedade arguida na pena única de 550 dias de multa à taxa diária de €8, o que perfaz a multa de € 4.400;

10. Condenar a sociedade arguida “E...,Lda.”, pelo primeiro crime de fraude fiscal (IVA) na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de €8; (próxima do mínimo legal) e pelo segundo crime de fraude fiscal (IRC) na pena de 450 dias à mesma taxa diária de €8;

11. Em cúmulo condenar a sociedade arguida na pena única de 550 dias de multa à taxa diária de €8, o que perfaz a multa de € 4.400;

*

(…)

Conhecendo, dir-se-á:

1. Deverá ser ou não suspensa a execução da pena de prisão que foi aplicada aos arguidos pelo Tribunal “ a quo” sob a condição de liquidarem a sua divida fiscal e legais acréscimos, conforme é pretendido pelo recorrente?

               

Considerando-se obviamente, o recurso interposto pelo MºPº, inexistem agora quaisquer outras questões prévias a decidir e é patente que não foi manifestamente impugnada a matéria de facto que foi dada como assente no acórdão recorrido, pelo que a mesma se tem por definitivamente imutável.

Estatui porém o art. 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sendo tais vícios também de conhecimento oficioso, sendo eles:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.     

                                                  

Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença/ acórdão que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente. Explicitando:          

   A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.

 Ora a tal respeito diremos que o vício previsto na al. a), do nº 2 do citado art.410º, do CPP, trata consabidamente de uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito.

Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, no “ Curso de Processo Penal”, Vol. III, pag.339/340 «é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada».

Antes de mais, é necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Para se verificar este fundamento, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida (desiderato que parece querer ser alcançado pelos recorrentes na arguição deste vicio), que são coisas distintas, e como tal não podem ser confundidas.

Pelo que se conclui não existir no acórdão recorrido qualquer insuficiência da matéria de facto que foi dada como provada para a decisão de direito que foi proferida em concreto, relativamente a ambos os arguidos, julgando-se improcedente neste segmento os recursos interpostos.

A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. O que ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. 

 E por fim, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.      

O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das “legis artis” (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).

 Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).                                          

Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.

Logo o erro notório na apreciação da prova é o “que se verifica quando da leitura, por qualquer pessoa medianamente instruída, do texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, for detectável qualquer situação contrária à lógica ou regras da experiência da vida” – Ac. STJ 2/2/2011 (rel. Cons. Pires da Graça), www.dgsi.pt.

Desta limitação resulta que fica “desde logo vedada a consulta a outros elementos do processo nem é possível a consideração de quaisquer elementos que lhe sejam externos”.

 É que o recurso tem por objecto a decisão recorrida e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida” - Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 339 (no mesmo sentido, isto é, entendendo-se que o erro tem que resultar do texto da decisão recorrida, sem recurso a outros quaisquer elementos, ainda que constantes do processo, vai a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores - cfr., por todos, os Acs. STJ de 2/2/2011 e de 23/9/2010 (rel. Maia Costa e Souto Moura respectivamente, www.dgsi.pt).

De forma particularmente clara exarou o STJ, no seu Ac. de 14/04/93, rel: Ferreira Vidigal, www.dgsi.pt, que: “para poder falar-se em erro notório na apreciação da prova refere-se que o colectivo, ao julgar a prova por si exibida, haja cometido um erro evidente, acessível ao observador comum e que o mesmo conste da própria decisão - e não já da motivação desta - por si só ou de acordo com as regras da experiência, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos, ainda que constantes do próprio processo”.

Ora neste caso e considerando-se a decisão em análise, resulta claro não padecer esta de qualquer enfermidade que a inquine com os atrás apontados vícios.

  Fazendo - se um escrutínio com a  leitura do acórdão posto em crise, facilmente se infere desde já que este não encerra em si qualquer incongruência, sendo claro, preciso,  e racionalizando, o como, o quando, e o porquê da decisão.

   Inexiste qualquer outro vício ou nulidade.

    Posto isto avancemos.

Cumpre assim apreciar e decidir:

Estabelece então o artº 14º do RGIT:

          Artigo 14.º

         Suspensão da execução da pena de prisão

1 - A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.

2 - Na falta do pagamento das quantias referidas no número anterior, o tribunal pode:

a) Exigir garantias de cumprimento;

b) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas sem exceder o prazo máximo de suspensão admissível;

c) Revogar a suspensão da pena de prisão.

Ora, quanto à suspensão da pena de prisão propriamente dita (…)O Código Penal, na redacção vigente na data da entrada em vigor do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, admitia que a pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos fosse suspensa por um período de 1 a 5 anos a contar da data do trânsito em julgado da decisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, fosse de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 50.º, n.ºs 1 e 5, do Código Penal.

Essa suspensão podia ficar subordinada ao cumprimento de deveres, à observância de regras de conduta ou a regime de prova – n.º 2 do mesmo preceito legal.

Entre os deveres que podiam ser impostos contava-se o de pagar dentro de certo prazo, no todo ou em parte, a indemnização devida ao lesado – alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º do Código Penal, não podendo os deveres impostos representar, em caso algum, obrigações cujo cumprimento não fosse razoável exigir ao condenado.

O RGIT, ao qual era aplicável subsidiariamente o Código Penal – alínea a) do artigo 3.º , continha, no seu artigo 14.º, disposições especiais quanto à suspensão da execução da pena de prisão. Aí se previa que essa suspensão fosse sempre condicionada, sendo esse o caso, ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária em dívida e dos acréscimos legais. Também previa as consequências do não pagamento dessas quantias, entre as quais se contava a revogação da suspensão da pena de prisão.

                Acontece que, posteriormente à entrada em vigor do RGIT, a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, introduziu significativas alterações nas disposições legais que regulavam o instituto da suspensão da pena de prisão sem que tenha alterado simultaneamente as disposições que se encontravam previstas naquele outro diploma.

O tribunal passou a poder suspender a execução de penas de prisão até 5 anos e o concreto período de suspensão passou a ter uma duração pré-estabelecida legalmente,  artigo 50.º, n.ºs 1 e 5, da nova redacção do Código Penal, sendo esta igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano. O prazo de suspensão continuou, portanto, a variar entre 1 e 5 anos mas a sua duração concreta deixou de ser fixada autonomamente pelo juiz, passando a resultar da medida da prisão imposta, no domínio dos crimes tributários, o período de suspensão da pena de prisão, tal como acontece no Código Penal, tem uma duração igual á da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.

Mas não é propriamente esta questão, a qual, de forma pacífica se veio a consolidar na Jurisprudência, que é posta em causa com a interposição do presente recurso.

O que verdadeiramente o move é a suspensão das penas de prisão, as quais na sua perspectiva, o MºPº, entende não poderem ser suspensas, sem que se imponha a condição contida no artº 14º do RGIT (pagamento da divida fiscal e legais acréscimos), nomeadamente no crime de fraude fiscal pelos quais os arguidos foram condenados, e pelos motivos que condensa nas suas conclusões.

Ora e “brevitatis causa” diremos que, inspeccionando o Acórdão de fixação de Jurisprudência n.º 8/2012 de 12/9/2012, publicado no DR I.ª Série, n.º 206, de 24/10/2012, disponível  in,http://dre.pt/pdf1sdip/2012/10/20600/0598506019.pdfhttp://dre.pt/pdf1sdip/2012/10/20600/0598506019.pdf., este fixou jurisprudência no sentido de que, «no processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia».

É isto que o extenso acórdão fixa, e dele não se retira de todo, ao contrário do que por vezes é afirmado, que uma pena de prisão efectiva pela prática de crimes fiscais, mormente de abuso de confiança (quadro do AC.), pode ser suspensa na sua execução desde que se “prove” que o arguido não tenha possibilidade de pagar o montante não pago á entidade tributária.

Ao invés, este na sua extensa fundamentação, de forma hábil, prática, inteligente, eficaz e justa, aponta para outra solução, que é a de se aplicar, ao invés uma pena de multa, quando se apure que o arguido não tem possibilidade de pagar a sua divida fiscal, tanto assim que a necessidade do juízo de prognose a que se reporta o acórdão de fixação de jurisprudência nº 8/2012 só se verifica quando o crime tributário em questão é punível com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução, nos termos do artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T.) ou outra pena não privativa da liberdade.

 Desta afirmação não temos qualquer dúvida, bastando para tal proceder a uma leitura atenta do mesmo.

Mas isto claro quando o crime o permite, ou seja quando tenha  na sua moldura penal a pena de prisão ou multa, coisa que  convenhamos não acontece no caso dos autos, bastando para tal atentar na sua estatuição ( artº 103 e 104º do RGIT):

Artigo 103.º

Fraude

1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:

a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;

b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;

c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15000.

3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.

  Contém as alterações dos seguintes diplomas:

   - Lei n.º 60-A/2005, de 30/12

  Consultar versões anteriores deste artigo:

   -1ª versão: Lei n.º 15/2001, de 05/06

Artigo 104.º

Fraude qualificada

1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:

a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;

b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;

c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;

d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária;

e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro;

f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;

g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.

2 - A mesma pena é aplicável quando:

a) A fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente; ou

b) A vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 50 000.

3 - Se a vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 200 000, a pena é a de prisão de 2 a 8 anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas colectivas.

4 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fim definido no n.º 1 do artigo 103.º não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber.

  Contém as alterações dos seguintes diplomas:

   - Lei n.º 64-B/2011, de 30/12

  Consultar versões anteriores deste artigo:

   -1ª versão: Lei n.º 15/2001, de 05/06

Tendo em conta o que atrás se referiu existe uma corrente jurisprudencial,  que  damos por exemplo o Ac. do TRP de 8-10-2014 , que conclui que, a jurisprudência fixada no AFJ nº 8/2012 não é aplicável ao crime de fraude fiscal qualificada p.p. pelo artº 104º RGIT porque é punível apenas com pena de prisão, não sendo possível a opção entre pena de prisão (eventualmente suspensa nos termos do artº 14º1 RGIT) e a pena de multa.

No entanto ao enveredar por tal solução ( que já parte, dizemos nós, de um pressuposto manifestamente errado), parece-nos que irá embater de forma clara com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos contidos na Constituição da República Portuguesa, mormente o princípio da igualdade, razoabilidade e da proporcionalidade, pois tendo aquele entendimento, este, gera manifestamente dois tipos de justiça, uma para os que têm e outra para os que não têm poder económico (na altura da condenação/ já para não falar também na diferenciação que estas normas geram quanto à proteção dada aos ofendidos atenta a sua qualidade), diferenciando com base no diferente estatuto económico dos arguidos, com as implicações e subjectividade que tal “ratio” acarreta o cumprimento ou não de uma pena efectiva de prisão.

Tendo em conta o atrás exarado entende-se que face a tal dicotomia se deverá interpretar conjugadamente o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT e o artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal, pelo que resulta que nos crimes tributários ( a todos referidos no RGIT ), tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento quando do juízo de prognose realizado resulte existirem condições para que essa obrigação possa ser cumprida (da formulação de um tal juízo de prognose pode resultar a conclusão de que o arguido não tem qualquer possibilidade de, no prazo estabelecido legalmente, cumprir o dever que lhe é imposto por não ter, nem ter expectativas de vir a ter, meios financeiros que o permitam e nessa situação, a imposição de um tal dever representaria para o condenado uma obrigação cujo cumprimento não seria razoavelmente de exigir, o que contrariaria o disposto no n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal) vide aqui, e seguindo de perto o  teor do AC TRL de 26.02.2014, acessível in, www.dgsi.pt/  , o qual sufragamos e dizendo nós, sejam eles punidos com pena de prisão ou multa ou só com pena de prisão.

No caso dos autos tendo em conta o montante da dívida, as condições económicas dos arguidos, não se pode exigir que estes paguem no prazo para o efeito estabelecido, a quantia em dívida e os legais acréscimos ou mesmo uma pequena parte dela, tanto mais que resulta do Acórdão recorrido, que a Autoridade Tributária já dispõe dos meios necessários para obter o pagamento das quantias em divida, através das execuções fiscais e das penhoras dos imóveis pertencentes ao arguido E..., pelo que no caso concreto, até poderíamos concluir que, em tese poderíamos correr o risco de a A.T. receber “ ab initio” em dobro a quantia devida, ou pelo menos mais do que o devido, e juros contados.

Logo, “in casu”, a suspensão da execução da pena aplicada aos arguidos não deve ficar condicionada ao pagamento dos montantes em dívida à Fazenda Nacional, conforme pretendia o MºPº.

Isto não significa obviamente que a Administração Tributária não possa e não deva, se vierem a ser conhecidos bens susceptíveis de penhora (que é, convenhamos o que estará a suceder), a instaurar execução contra os devedores para obter deles o pagamento das quantias em dívida.

Improcede assim o recurso interposto pelo MºPº.

    DISPOSITIVO

Em face do exposto acordam as juízas que compõem a 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em:

1.Julgar “in totum” não provido o recurso interposto pelo MºPº e ora recorrente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.

           2.Não é devida tributação.

Notifique e D.N.

      Lisboa, 27 de Outubro de 2016

     (Processado integralmente em computador e revisto pela relatora, artigo 94º nº 2 do Código de Processo Penal/ versos em branco;)

     

      Filipa Costa Lourenço

      Margarida Vieira de Almeida