Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1093/20.0T9VFX.L1-5
Relator: ANABELA CARDOSO
Descritores: PODER DE CORRECÇÃO DE PAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: O poder de correcção dos pais sobre os filhos poderá constituir uma causa de exclusão da ilicitude do crime de violência doméstica [ou de ofensa à integridade física, ou coacção ou ameaça, ou qualquer outro tipo de crime que proteja bens jurídicos de que o filho seja titular], se exercido com finalidade exclusivamente educativa, na justa medida em que se mostre ter sido necessário, adequado e proporcional, criterioso e moderado, e inserido no conjunto de poderes-deveres que integram o exercício das responsabilidades parentais, mas o seu exercício deve assumir carácter excepcional.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


1.No Processo Comum, com julgamento com intervenção do Tribunal Singular, 1093/20.0T9VFX, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira, Juiz 2, foram julgados os arguidos, LC e DC, tendo sido proferida sentença, datada de 24 de Novembro de 2021, que decidiu:

“Pelo exposto, julgo a acusação procedente por provada e, em consequência, decido:
a)-Condenar o arguido DC pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p.p. art. 152°, n.° 1, al. d) e n.° 2, al. a) do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
b)-Condenar a arguida LC pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p.p. art. 152°, n.° 1, al. d) e n.° 2, al. a) do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
c)-Suspender a execução da pena de prisão aplicada aos arguidos pelo período de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses, mediante a condição de nesse período cada um dos arguidos pagar à ofendida a quantia de € 1000,00 fixada a título de indemnização, devendo o arguido efectuar o pagamento à ordem dos presentes autos, nos termos conjugados do art.° 51.°, n.° 1, al. a), do C.P. e art. 21.°, n.° 2 da Lei n.° 112/2009, de 16.09. e acompanhada de regime de prova que deverá assentar, entre outros, nos seguintes objectivos a serem delineados em plano individual de reinserção social a traçar pelos Serviços de Reinserção Social a favor do arguido: frequência de um curso sobre a problemática da violência doméstica, a articular pela DGRSP em data e local a indicar pelos Serviços de Reinserção Social; comparência em entrevistas com técnico da DGRSP, com a periodicidade por este definida e ainda manterem a inserção laboral, nos termos dos art.º 50.°, n.ºs 1, 2, 3 e 5, 52.°, n.° 1, al. b) e c) e 53.°, todos do C.P.
d)-Condenar os arguidos no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s, bem como no pagamento dos demais encargos legais - art.° 513.°, 514.° do C.P.P. e art.° 8.°, n.° 9 e tabela III do R.C.P.
Quanto ao pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante EML na qualidade de legal representante da ofendida MMD, julgo o mesmo parcialmente procedente e, em consequência, decido:
e)-Condenar o demandado DC a pagar ao demandante a quantia de € 1000,00 (mil euros) pelos danos patrimoniais sofridos, absolvendo-o do demais peticionado;
f)-Condenar a demandada LC a pagar ao demandante a quantia de € 1000,00 (mil euros), absolvendo-a do demais peticionado;
g)-As custas ficam a cargo de demandados e demandante na proporção do decaimento, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal - cf. art. 527°, n.° 1 e 2, do Cód. Proc. Civil, ex vi do art. 523° do Cód. Proc. Penal.
Cumpra-se o disposto no art.° 372°, n° 5 do CPP.
Após trânsito, remeta boletim à D.S.I.C. e comunique a presente decisão à DGRSP, solicitando a elaboração do plano de reinserção social.
Comunique ainda a presente decisão ao Juízo Central de Família e Menores de Vila Franca de Xira.”
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2.Não se conformando com o teor desta decisão dela recorreu a arguida.
Da motivação de recurso apresentada extraiu as seguintes conclusões [depois de mandadas aperfeiçoar]:
I.O objecto do presente recurso respeita à nulidade dos factos dados como provados descritos nos pontos 3, 4, 5, 9, 10, 12, 13 e 14 da douta sentença devendo os mesmos serem dados como não provados;
II.O Tribunal violou o princípio do in dubio pro reo (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) fundamentando a condenação em juízos de probabilidade.
III.A douta Sentença proferida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, previsto no artigo 410º nº 2 a) do C.P.P.
IV.Em virtude da prova produzida impunha-se decisão diversa, que se traduz na modificação da decisão da matéria de facto dada como provada, por incorrecto julgamento do tribunal a quo, pelo disposto nos termos dos artigos 431º e 412º nº 3, ambos do C.P.P.
V.O Tribunal recorrido aplicou, incorrectamente, a agravante prevista do n.º 2 do artigo 152º do C.P., porquanto não ficou demonstrado nem foi considerado que a conduta da Arguida se funda em actos violentos e de real perigosidade para a vítima.
VI.Ao invés, no máximo, a alteração da qualificação jurídica deve verificar-se com imputação à Arguida, tão só, do crime punido pelo artº 143º C.P., o que, ainda assim, se entende por não ter resultado provado.
VII.Os actos praticados pela Recorrente consubstanciam o exercício do poder de correcção dos pais (da mãe). (cf. o artigo 36.º, n.º 5, da CRP; artigo 1878.º do C. Civil).
VIII.Pelo que, a ilicitude dessa conduta está excluída, nos termos do art. 31º, nº 1 e nº 2, alínea b), do Código Penal.
IX.Não foram respeitados os pressupostos para a aplicação do previsto nos art.º 40º e 71º do C.P. no que respeita à determinação da medida da pena.
X.Conforme dado como provado, pelo Tribunal a quo, a Recorrente não tem antecedentes criminais.
XI.Entende a Recorrente que não estamos perante exigências de prevenção especial elevadas.
XII.A sentença recorrida viola os critérios de equidade previstos nos artºs 496º e 494º do C.C..
XIII.O pedido de indemnização civil deve ser julgado improcedente, por falta de prova.
XIV.Se, ainda assim, for entendido condenar a Recorrente no pagamento de indemnização, tal valor deverá ser quantificado em respeito aos efectivos critérios de equidade tendo em conta as condições económicas da Recorrente dadas como provadas e ainda a falta de nexo causal e inexistência dos danos ou reais lesões da ofendida.”
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3.Admitido o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, ao mesmo respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, sustentando que não merece qualquer reparo a sentença proferida nos autos.

Apresentou as seguintes conclusões:
1.O Tribunal a quo considerou correctamente como provados os factos 3, 4, 5, 9, 10, 12, 13 e 14 da matéria de facto;
2.A formação da convicção do Tribunal está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova;
3.A sentença explica o percurso intelectual e lógico realizado para concluir pela prova dos factos e, em especial, para ter conferido maior credibilidade à versão da ofendida do que à versão da arguida;
4.Os factos impugnados pela Recorrente foram correctamente dados como provados, não tendo o Tribunal a quo incorrido em qualquer erro.
5.Os factos praticados pela arguida excedem ostensivamente o poder-dever de correcção dos pais e, face à sua gravidade, encontram-se correctamente subsumidos no crime de violência doméstica;
6.A pena aplicada à arguida mostra-se consentânea com as finalidades da punição;
7.Apenas com a condição imposta à arguida de se sujeitar ao acompanhamento da DGRSP e cumprir o regime de prova será possível com tal pena acautelar as exigências de prevenção geral e especial que subjazem à aplicação da mesma;
8.Não enferma, assim, a sentença de qualquer dos vícios invocados pela recorrente.
9.Deste modo, deverá tal sentença ser mantida nos seus precisos termos.”
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4.Neste Tribunal da Relação de Lisboa, a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu fundamentado Parecer no sentido da confirmação da decisão recorrida, nos seus precisos termos, e do não provimento do recurso.
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5.Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência.
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6.O objecto do recurso versa a apreciação das seguintes questões:
-Do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
-Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento;
-Violação do princípio “in dubio pro reo”;
-Do enquadramento jurídico-penal;
-Da medida da pena;
-Do pedido de indemnização de indemnização civil.
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7.Da decisão recorrida, com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta o seguinte:

“Da instrução e discussão da causa, e com interesse para a respectiva decisão, resultou provado que:
1)A ofendida MMD nasceu a 30/10/2009.
2)A ofendida MMD é filha da arguida LC e residia, à data dos factos que se descreverão, com esta e com o seu companheiro, o arguido DC, na Rua °, Vila Franca de Xira.
3)Desde datas não apuradas, naquela residência, quando a ofendida MMD  não se comportava como a arguida LC pretendia, que esta lhe desferia palmadas nas costas e nos braços.
4)Desde data não apurada, naquela residência, a arguida LC, em três ocasiões distintas, quando ofendida MMD  não se comportava como a arguida pretendia, que esta lhe desferiu chineladas, respetivamente nas pernas, nos braços e nas mãos.
5)No dia 19/5/2020, depois das 18h00, no interior daquela residência, a arguida LC, porque a ofendida MMD  não tinha feito os trabalhos da escola e porque queria telefonar ao seu progenitor, deu-lhe três palmadas nas costas.
6)Posteriormente, surgiu o arguido DC que disse à ofendida para vestir uns calções, o que esta fez.
7)Após, o arguido espalhou milho cru no chão e obrigou a ofendida MMD  a pôr-se de joelhos em cima do milho, o que esta fez, por tempo não concretamente apurado.
8)Depois, usando um cinto, enquanto a menor estava de joelhos em cima do milho, desferiu-lhe duas chicotadas na perna direita da ofendida, o que a fez chorar e gritar pela mãe.
9)No entanto, a arguida vendo a ofendida MMD  em cima do milho e a gritar por si, ignorou-a e nada fez, tendo o arguido DC dito à menor para “parar de fingir’".
10)Mais tarde, naquela residência, a arguida ainda disse à ofendida que se continuasse a portar mal, que levava outra cintada do arguido DC.
11)Em consequência das ações do arguido DC no dia 19/5/2020, a ofendida MMD, sofreu dor na anca direita, que lhe determinou direta e necessariamente, 5 dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.
12)Ao atuar do modo acima descrito, cada um dos arguidos agiu, em todas as condutas e situações, livre, voluntaria e conscientemente, no propósito de provocar na ofendida menor, com 10 anos de idade e total incapacidade de defesa perante adultos, em razão do seu desenvolvimento físico, as dores e lesões físicas que efetivamente lhe provocaram, e maltratá-la psiquicamente, ofendendo-a na sua dignidade pessoal, humilhando-a e diminuindo-a, bem sabendo que tais comportamentos eram idóneos a provocar na mesma, como provocaram, tanto sofrimento físico, como perturbações psicológicas, que afetaram o seu equilíbrio emocional.
13)Cada um dos arguidos agiu livre, voluntária e conscientemente bem sabendo que praticavam tais condutas, no interior da residência comum e perante menor, filha da arguida, com quem coabitavam.
14)Os arguidos sabiam que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal

Mais se provou que:
15)Oriundo do Brasil (Minas Gerais), o processo de socialização do arguido DC decorreu no seio do agregado familiar de condição socioeconómica mediana, constituído pelos pais e duas irmãs mais novas.
16)A dinâmica familiar foi descrita como funcional, havendo por parte dos progenitores preocupação na transmissão de valores e normas socialmente consentâneas. Na esfera económica não foram referidas restrições, porquanto ambos os progenitores mantinham atividade laboral estável.
17)Ao nível escolar, o arguido manteve um percurso sem problemáticas associadas, tendo concluído o 12° ano.
18)No campo profissional, ainda durante a frequência escolar, trabalhou com o pai num armazém de materiais de construção civil, durante os seus tempos livres. Aos 18 anos, quando deixou os estudos, mudou-se para São Paulo, onde trabalhou cerca de 2 anos na área da restauração. Acabou por regressar à casa dos pais, tendo trabalhado como motorista por um período de cerca de 6 meses.
19)O arguido DC decidiu, então, vir para Portugal, em busca de melhores condições de vida, sendo que à data integrou o agregado familiar de uma pessoa amiga da família.
20)Em Portugal, o arguido trabalhou por um curto período de tempo na “Logic”, tendo passado para a empresa “EDT” onde permaneceu cerca de três anos e meio. Nesta empresa exerceu as funções de motorista. Encontra-se há cerca de cinco meses desempregado, tendo referido como projeto futuro conseguir uma colocação como motorista na “UBER”.
21)A situação económica do agregado, foi descrita como modesta, tendo em conta que atualmente o arguido beneficia apenas do subsídio de desemprego e a esposa encontra-se de baixa médica, na sequencia de um acidente de trabalho.
22)No plano afetivo, o arguido DC mantinha uma relação de namoro que acabou por terminar após ter deixado o Brasil. Já em Portugal, conheceu LC, há cerca de três anos, através de amigos comuns. Entretanto, iniciaram uma relação de namoro, sendo que há cerca de ano e meio contraíram matrimónio. A menor MMD, integrou desde sempre o agregado familiar, uma vez que a sua tutela estava atribuída à mãe. De acordo com o relato do arguido, houve uma boa adaptação da menor à sua presença, sendo que a relação entre os dois apresentava laços de afetividade positivos.
23)No presente, o arguido reside apenas com a esposa (coarguida), uma vez que a enteada desde o surgimento do presente processo foi retirada à mãe e encontra-se sob os cuidados do progenitor que reside na Castanheira do Ribatejo. Em termos de dinâmica familiar, DC verbalizou que o ambiente familiar sofreu algumas alterações desde que a menor foi retirada, sendo que a esposa tem vindo a apresentar-se emocionalmente frágil, contudo, tem havido tanto da sua parte como da esposa, um esforço no sentido de manter um ambiente familiar salutar.
24)No plano pessoal, em contexto de entrevista, apresentou uma postura adequada, evidenciando aptidão em termos de capacidade de discernimento e de pensamento consequencial. No que concerne aos factos que conduziram ao presente processo, elaborou um discurso crítico face a uma abordagem global da tipologia do crime em causa. Relatou que se encontra ansioso com o desfecho do presente processo, temendo o impacto que o mesmo posa vir a ter na sua vida familiar
25)A arguida LC nasceu no Brasil, tendo crescido com os progenitores, sendo o segundo elemento de um grupo de três irmãos. Beneficiou de um contexto familiar integrador e protetor, referindo que os progenitores se separaram quando os filhos já eram adultos. Usufruiu de um quadro económico estável, sustentado no trabalho do progenitor (camionista) e da progenitora (empresária)
26)Apresenta um percurso escolar regular, tendo concluído a escolaridade equivalente ao 12°. Ano português. Ainda iniciou o curso superior de comunicação social, mas descontinuou a sua frequência, por não se identificar com as matérias curriculares. Já em Portugal, concluiu um curso em tecnologia de informação no centro de formação profissional de Santarém.
27)Viajou para Portugal em dezembro de 2007, ao encontro de amigas que já se haviam se fixado em Vila Franca de Xira, procurando melhores oportunidades de trabalho.
28)O seu trajeto profissional é marcado pela passagem por várias colocações, destacando o de rececionista e ajudante na realização de exames, numa clinica, e gestora num posto de abastecimento de combustíveis no Brasil e, já em Portugal, como operadora de armazém, funcionária de restauração e nas limpezas. Desde 2019 que labora na “lactaçores - união das cooperativas agrícolas dos lacticínios dos Açores”, desempenhando funções de operadora de consumo no armazém, tendo já efetivado. Em março de 2021, sofreu um acidente de trabalho, tendo sido operada a uma hérnia discal lombar em junho do mesmo ano. Encontra-se de baixa médica desde essa altura, estando a ser sujeita a fisioterapia. Não consegue prever quando retoma a atividade laboral, mas pensa que, nessa altura, por não poder fazer esforços físicos,será colocada nos serviços administrativos.
29)No que diz respeito à situação económica, LC destacou as despesas referentes à renda da casa (160 €) e a dois créditos para aquisição de veículo automóvel e motorizado (357 €). O contexto económico é percecionado como estável.
30)Em termos pessoais, destacou a vivência em comum mantida durante sete anos com EM, da qual nasceu a filha MMD, atualmente com 10 anos. A separação ocorreu de forma tempestiva, tendo a menor ficado entregue aos cuidados da progenitora.
31)Em 2017, a arguida conheceu DC, com quem veio a casar em junho de 2020.
32)A arguida e o cônjuge vivem na morada acima indicada, sendo a habitação descrita como detendo condições de habitabilidade. Até ao surgimento dos presentes autos, também integrava este núcleo familiar, MMD, ofendida nos autos. A dinâmica conjugal foi descrita como baseada na afetividade e no apoio mútuo, sendo que o cônjuge assumiu muitas vezes funções parentais, com uma boa relação com a menor.
33)No contacto com a CPCJ, constatou-se a existência de um processo de promoção e proteção, que foi remetido ao tribunal, uma vez que o progenitor da criança não deu o consentimento para aquele serviço intervir, preferindo que a situação fosse tratada no âmbito das responsabilidades parentais.
34)Desta forma, a arguida perdeu a guarda da filha, tendo sido estabelecido um regime de visitas, percecionado pela própria como extremamente rígido e que não promove uma reaproximação à descendente, não obstante a supervisão da segurança social. Acrescentou ainda que a comunicação com o progenitor da menor é difícil.
35)Junto da DGRSP, a arguida adotou uma atitude adequada e colaborante, prestando as informações solicitadas. O seu discurso revelou competências pessoais e sociais, ao nível da comunicação interpessoal (transmitiu as suas ideias e sentimentos com clareza), do pensamento consequencial (procura antecipar os resultados das suas ações para si e para os outros) e da descentração (apresenta-se empática), mostrando-se favorável às convenções.
36)A constituição de arguida, teve forte impacto emocional em LC, que com o cônjuge, não se identifica com qualquer tipo de comportamento agressivo. Transmitiu o seu desalento face à existência do processo e ao seu conteúdo, apresentando um humor depressivo. Na abordagem dos possíveis desfechos judiciais, expressou apreensão perante a possibilidade de uma condenação, tendo expetativas num resultado positivo, nomeadamente de arquivamento.
37)Em abstrato, revelou capacidade crítica face a situações similares às constantes dos autos, reconhecendo a necessidade de regulação social.
38)A arguida apresenta competências pessoais e sociais compatíveis com uma vivência socialmente ajustada, não se detetando sinais de alarme social.
39)A arguida LC é operadora de armazém, mas encontra-se de baixa médica, auferindo um rendimento mensal no valor de € 665,00;
40)Reside em casa arrendada, suportando uma renda no valor de € 160,00
41)Tem uma filha, a ora ofendida MMD;
42)Possui o 12.° ano de escolaridade
43)O arguido encontra-se desempregado há alguns meses, auferindo um subsidio de desemprego no valor de € 504,00;
44)Não tem filhos;
45)Possui o 12.° ano de escolaridade;
46)Os arguidos não possuem antecedentes criminais;

B)FACTOS NÃO PROVADOS:

Da instrução e discussão da causa, e com interesse para a respectiva decisão, resultou não provado que:
a)- Nas circunstâncias descritas no ponto 9), a arguida LC disse à menor para parar de fingir.

C)MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
(…)

IV.ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL:
Os arguidos encontram-se acusados da prática, cada um deles, de um crime de violência doméstica, p.p. pelos art°s 152°, n°s 1, al. d) e n.° 2, al. a) do Código Penal.

Estatui tal preceito, sob a epígrafe violência doméstica, o seguinte na redacção aplicável ao caso vertente:

1– Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a)- Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b)- A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c)- A progenitor de descendente comum em 1.° grau; ou
d)-A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 No caso previsto no número anterior, se o agente:
a)-Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
b)-Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento;
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.

3 Se dos factos previstos no n.° 1 resultar:
a)-Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b)-A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
4Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de um a dez anos.”
Em termos sistemáticos, o referido preceito encontra-se integrado na parte especial do Código Penal, no Título I, dedicado aos “crimes contra as pessoas” e, dentro deste, no Capítulo III, destinado aos “crimes contra a integridade física”.
Com efeito, a função deste artigo é prevenir as frequentes e, por vezes, tão subtis e perniciosas formas de violência na família, cuja dinâmica, habitualmente, se caracteriza por ciclos de violência conjugal que, ao longo do tempo, vão sendo caracterizados por um aumento de frequência, intensidade e perigosidade, dos quais, muitas vezes, as crianças são testemunhas silenciosas e, consequentemente, vítimas indirectas.
Efectivamente, é a violência dentro da família aquela que suscita maiores preocupações, não tendo sequer escapado à atenção do Conselho da Europa que a caracterizou como “acto ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um ou outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade” (Projecto de Recomendação e de Exposição de Motivos, do Comité Restrito Sobre a Violência na Sociedade Moderna - 33.a Sessão Plenária do Comité Director para os Problemas Criminais, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 335, pág. 5 e segs.; cf. ainda CP Anotado, Simas Santos e Leal Henriques, Vol. II, pág. 298).
Américo Taipa de Carvalho afirma que, em última instância, o bem jurídico protegido por este crime é a saúde, bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, o qual pode ser prejudicado por toda uma multiplicidade de comportamentos que afectem a dignidade pessoal da vítima - in Comentário Conimbricense, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 332.
De facto, o bem jurídico protegido pelo crime de violência doméstica é a saúde física e mental da vítima, ou seja, é a própria pessoa individual e a sua dignidade humana que se visa proteger com o citado preceito legal. O âmbito punitivo deste tipo de crime inclui os comportamentos que lesam esta dignidade.
Como tal, o tipo de crime pressupõe uma conduta que integra o tipo objectivo e que são susceptíveis de, singularmente consideradas, integrarem em si mesmas, outros crimes, tais como, os de ofensa à integridade física simples, ameaça, injúria e difamação.
A autonomização do crime de violência doméstica, porém, implica que tais condutas não sejam atomisticamente consideradas mas, antes, valoradas globalmente, estabelecendo-se uma relação de concurso aparente, por existir uma relação de especialidade face ao comportamento reiterado do tipo de ilícito em análise.
A criminalização destas condutas, com a consequente responsabilização penal dos seus agentes, resultou da progressiva consciencialização ético-social da gravidade individual e social destes comportamentos ocorridos no seio da família que, nas palavras de Américo Taipa de Carvalho, ob. cit., p. 330, “(...) não mais podiam constituir feudos sagrados, onde o direito penal se tinha de abster de intervir”.
No que se refere ao elemento objectivo deste tipo de crime, exige-se, desde logo, que o agente se encontre numa determinada relação com o sujeito passivo, designadamente, se encontre numa relação de coabitação, sendo que no caso vertente ainda se impõe que a vítima seja particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, como efectivamente ocorre nesta situação dado que a ofendida tinha apenas 10 anos de idade e encontrava-se numa situação de dependência económica da sua mãe e padrasto, ora arguidos, com quem residia.
Com a autonomização do crime de violência doméstica face ao crime de maus tratos e com a reforma penal subjacente efectuada, deixou o legislador de exigir, no tipo objectivo dos dois crimes, a reiteração das condutas, afirmando agora, de forma expressa, que o comportamento do agente, quer no caso do art. 152° quer para efeitos do art. 152°-A n°1 al. a), ambos do CP, pode ser “reiterado ou não”, esclarecendo assim a polémica jurisprudencial e doutrinal existente antes de tal reforma.
No que se refere ao elemento subjectivo, este tipo de crime exige o dolo por parte do agente que o executa, sendo o respectivo conteúdo variável em função da espécie de comportamento do agente. No caso de maus-tratos físicos, o dolo estende-se ao próprio resultado danoso da integridade física.
De facto, o ponto de referência quanto à verificação deste crime reside, não na reiteração mas sim na gravidade do mau trato, da ofensa, traduzida esta por uma intensidade acrescida, por crueldade, insensibilidade ou até vingança.
Ora, esta intensidade da gravidade inerente à própria expressão “maus tratos”, leva-nos a concluir no caso vertente pelo cometimento do crime por parte dos arguidos.
Isto porque, decorre da factualidade provada que a arguida, para além de desferir palmadas nas costas e braços da ofendida, também lhe desferiu chineladas, pelo menos em três ocasiões distintas, atingindo-a nas pernas, braços e mãos.
Por outro lado, na situação ocorrida no dia 19.05.2020, a arguida deu três palmadas nas costas da ofendida e, apesar de ter visto a sua filha ajoelhada em cima do milho e a gritar por si, ignorou-a e nada fez, dizendo-lhe ainda que se continuasse a portar-se mal levava outra cintada do arguido DC .
Ora, toda esta actuação traduz uma conduta cuja gravidade é intensa e permite efectivamente qualificar o comportamento como mau trato, não só físico, mas também psíquico, na medida em que, apesar de ouvir a sua filha chamar por si, a arguida ignorou-a e nada fez, colocando-se do lado do arguido DC, chegando mesmo a ameaçar que aquele a iria agredir novamente caso persistisse naquele comportamento.
Por outro lado, e no que respeita à actuação do arguido DC, cumpre igualmente salientar que os meios utilizados pelo mesmo para a agredir a menor - utilização do cinto e obrigar a mesma a vestir uns calções e depois ajoelhar-se em cima do milho cru - revestem intensa gravidade, reflectindo esta conduta efectiva crueldade e insensibilidade, estando obviamente preenchido o conceito de mau trato constante da norma legal em apreço.
De facto, a gravidade neste caso não resulta apenas dos meios empregues, mas também das marcas físicas e psíquicas que provocaram na menor, sendo evidente o sofrimento físico e a perturbação psicológica que sentiu e que foi resultante da actuação dos arguidos.
É claro que, no juízo sobre se determinado comportamento deve ser qualificado de «maus tratos», não pode deixar de se ter em consideração as condicionantes sociais, culturais, económicas e outras dos indivíduos envolvidos. Na verdade, comportamentos vulgares num círculo social podem não ser aceitáveis para outras pessoas. Contudo, esta ponderação das diversas condicionantes tem como limites as exigências mínimas interiorizadas pelo Direito e pela generalidade dos cidadãos. O Direito tem também uma função conformadora da sociedade, podendo impor a todos os seus membros determinados comportamentos, mesmo que alguns não se sintam ética ou moralmente vinculados a eles - nesse sentido, são hoje inadmissíveis castigos pretensamente correctivos que seriam aceites (e até louvados) há 100 ou 200 anos.
Do exposto resulta que, em nosso entendimento, verifica-se o preenchimento do elemento objectivo “mau trato”, pois a actuação de ambos os arguidos reveste gravidade suficiente para ser enquadrada no tipo legal de maus-tratos.
Contudo, e porque os arguidos encontravam-se encarregues de cuidar da menor e zelar pela sua educação e bem-estar, impõe-se, desde logo, aferir se a conduta dos arguidos foi ilícita ou se, pelo contrário, agiu no âmbito do dever educacional e de correcção que lhe é imposto.
Conforme se refere no Acórdão do STJ datado de 05.04.2006 - in www.dgsi.pt -, “na educação do ser humano justifica-se uma correcção moderada que pode incluir alguns castigos corporais ou outros. Será utópico pensar o contrário e cremos bem que estão postas de parte, no plano científico, as teorias que defendem a abstenção total deste tipo de castigos moderados”.
Taipa de Carvalho - in Comentário Conimbricense, Tomo I, em anotação ao art. 152° - , refere que a "finalidade educativa pode justificar uma ou outra leve ofensa corporal simples " e Paula Ribeiro de Faria - também no Comentário Conimbricense do Código Penal, a páginas 214 do Tomo I -, afirma que " de acordo com o ponto de vista maioritário a ofensa da integridade física será justificada quando se mostre adequada a atingir um determinado fim educativo e seja aplicada pelo encarregado de educação com essa intenção ".
Do mesmo modo, o STJ no seu Ac. de 10.10.95 - que se pode ver sumariado em www.dgsi.pt -, entendeu que "os pais detêm o poder-dever de corrigir moderadamente os filhos ".
Este poder-dever de correcção levanta, todavia, problemas delicadíssimos de fronteira. A este propósito, continua o aresto supramencionado - Acórdão do STJ datado de 05.04.2006- referindo que “Há que saber até onde pode ir considerando, consequentemente, insusceptível de preenchimento de qualquer ilícito criminal o que fica aquém. Sempre com a consciencialização de que estamos numa relação extremamente vulnerável e perigosa quanto a abusos. (...) A linha de fronteira passa por dois pontos: Um reportado à finalidade da correcção, o outro à sua adequação à educação do menor. O bem do menor concretizado na sua educação terá se ser sempre a finalidade da correcção. De fora ficam, pois, os casos, muito frequentes, em que o agente procura (conscientemente ou não) projectar no educando os seus próprios problemas, encontrando neste um elemento de descarga emocional”.
Para aferição da adequação mostra-se, então, crucial, fazer apelo à figura do "bom pai de família”.
Nesse sentido, e seguindo ainda a linha de raciocínio do STJ, qual é o bom pai de família que, por uma ou duas vezes, não dá palmadas no rabo dum filho quando aquele lhe desobedece sistematicamente? Ou que não manda um filho de castigo para o quarto quando ele não quer fazer os trabalhos de casa?
Pode mesmo dizer-se que a abstenção do educador constituiria, ela sim, um negligenciar educativo.
Acontece, porém, que, no caso dos autos, para além de palmadas nas costas e nos braços, a arguida desferiu chineladas que atingiram a ofendida nas pernas, nos braços e mãos e, apesar de ter visto a mesma ajoelhada em cima de milho cru, a chamar por si e a chorar, a arguida nada fez, tendo ainda ameaçado a sua filha que levaria outra cintada do arguido DC se se portasse mal.
Por seu turno, o arguido DC pediu à ofendida que vestisse uns calções e obrigou a mesma a pôr-se de joelhos em cima do milho, após o que desferiu duas chicotadas, usando um cinto para o efeito, atingindo-a na perna direita, o que a fez chorar e gritar pela mãe.
Ora, estas condutas excedem de forma evidente o poder/dever de correcção dos arguidos, atenta a utilização de diversos objectos (chinelos, cinto, milho cru) que, atenta a sua natureza, acarreta uma brutalidade desnecessária, exagerada e desproporcionada, susceptível de provocar não só dores físicas de alguma intensidade, mas também perturbação psicológica de manifesta gravidade.
Aliás, veja-se as lesões físicas que tal actuação provocou na menor e bem assim o facto das mesmas serem visíveis no dia seguinte (conforme resulta das fotografias), já depois da situação ter ocorrido, o que é demonstrativo da violência que foi empregue e, em consequência, das dores sentidas.
De facto, entendemos que os arguidos excederam o seu dever educacional de correcção, não sendo a sua conduta adequada a atingir um fim educativo, pois agiram de forma desproporcionada e com uma brutalidade desnecessária, sendo que o arguido DC actuou até de forma premeditada, pois decidiu o castigo corporal que iria infligir à ofendida quando lhe pediu para vestir calções, não podendo a sociedade aceitar este tipo de comportamento, razão pela qual a intervenção do Direito Penal se mostra justificada.
Com efeito, excluindo-se a licitude da conduta dos arguidos enquanto integradora do poder/dever de correcção, impõe-se concluir que se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivo do tipo de crime de violência doméstica que é imputados aos arguidos.
Atentas as considerações supra expostas, não podemos deixar de enquadrar o comportamento dos arguidos na prática do crime de violência doméstica que lhes é imputado, porquanto a sua actuação se mostra intolerável em termos sociais e extremamente desadequada e excessiva em termos educacionais.
No caso vertente, tal como já referimos anteriormente, da matéria de facto dada como provada resultam factos suficientes para preencher os elementos objectivos e subjectivo do crime de violência doméstica imputado aos arguidos, importando notar que a ofendida tinha apenas 10 anos de idade à data dos factos.
Com efeito, os arguidos estavam cientes da vulnerabilidade da ofendida em razão da idade e, ainda assim, não se abstiveram de agir do modo descrito, causando-lhe sofrimento físico e psíquico.
A este propósito refira-se que pessoas particularmente indefesas, para efeitos de preenchimento do tipo de ilícito criminal previsto no art. 152.°, n.° 1, al. d) do C.P., são “aquelas que se encontram numa situação de especial fragilidade devido à sua idade precoce ou avançada, deficiência, doença física ou psíquica, gravidez ou dependência económica do agente” (vide comentário do Código Penal, Paulo Pinto de Albuquerque, 2.a edição, pág. 465).
Ora, no caso vertente, afigura-se evidente que a ofendida se encontrava numa situação de especial fragilidade e vulnerabilidade, não só decorrente da sua idade, mas também da dependência económica que tinha em relação aos arguidos, com quem vivia, pelo que se verificam os elementos constitutivos deste tipo legal de crime.
De salientar que, no caso vertente, é imputada aos arguidos a prática do crime de violência doméstica por referência ao n.° 2, al. a) do art. 152.° do Cod. Penal, uma vez que os factos ocorreram contra menor e na residência comum (que neste caso é também a residência da vítima), pelo que se deve considerar preenchida esta circunstância qualificativa dos factos.
Assim sendo, dúvidas não restam que se mostram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivo do tipo de ilícito criminal imputado aos arguidos, sendo que inexistem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, impondo-se, pois, a condenação dos mesmos pelo crime porque vêm acusados.

VDA MEDIDA DA PENA:

Definido o enquadramento jurídico da conduta dos arguidos, há que determinar a medida da pena a aplicar ao mesmo.
O crime de violência doméstica é punido com pena de prisão de dois a cinco anos - art. 152.°, n.° 1, al. d) e n.° 2, al. a) do C.P.
O art. 40° do Código Penal estabelece as finalidades da punição, consagrando que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e estabelecendo um limite à determinação da medida da pena quando estatui que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Assim, é entre os limites máximo e mínimo fixados na lei que deve ser determinada a medida concreta da pena, apelando ao critério da culpa, com a sua função fundamentadora e limitadora, e aos critérios de prevenção - especial e geral.
“A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é encarada e interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral), será sempre a finalidade principal a prosseguir no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade das normas violadas, e o máximo, que a culpa do agente consente: entre esses limites, no equilíbrio entre as prevenções (geral e especial) e no respeito a conferir à culpa (no já adequado a ela, no ainda adequado a ela, e no correctamente ajustado a ela), se satisfarão as finalidades das penas ” - Ac. STJ de 11/11/1999, Proc. n° 959/99, citado por Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos, in Código Penal Anotado, 1° volume, Editora Rei dos Livros, 2002, pág.575.
De facto, a determinação concreta da pena acha-se, antes de mais, em função da culpa do agente, das exigências de prevenção especial, ligadas à reinserção social e a fins de prevenção geral, pugnando pela defesa da sociedade com consequente contenção de criminalidade. A estes motores de determinação da medida da pena acrescem todos os outros que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente de modo a proporcionar uma dupla função à pena a aplicar: por um lado, a mesma tem de ser justa e adequada ao caso concreto, por outro lado, tem de ser suficiente para desmotivar a generalidade das pessoas de seguirem ou enveredarem por comportamentos semelhantes.
No que concerne ao crime de violência doméstica, impõe-se salientar que este tipo de ilícito criminal apenas admite a aplicação de pena de prisão.

Ora, atentas as disposições conjugadas dos art.º 40° e 71° do Código Penal, são de considerar os seguintes factos, no que respeita ao arguido DC :
As exigências de prevenção geral são elevadas atentas as prementes necessidades de pôr cobro a comportamentos do tipo do assumido pelo arguido, consabido que o fenómeno da violência doméstica constitui uma violação dos direitos humanos, sendo um problema especialmente complexo, com facetas que entram na intimidade das famílias e das pessoas, agravado por não ter, regra geral, testemunhas, e de ser exercida em espaços privados. É, pois, urgente desincentivar eficazmente este tipo de comportamento, que causa alarme e insegurança na comunidade, por colocar frequentemente em causa valores de particular relevo, como a vida ou a integridade física, e por via disso se revestir de acentuada perigosidade.
-A ilicitude da conduta é assinalável, atendendo aos actos praticados pelo arguido e os meios utilizados pelo mesmo para molestar fisicamente a ofendida, a idade da vítima;
-O dolo é intenso, uma vez que o arguido agiu sempre com consciência da ilicitude da sua conduta e ainda assim persistiu em praticá-la, apesar de saber as respectivas consequências;
-A ofendida sofreu lesões físicas que lhe causaram dores, pelo que sofreu mal-estar físico, mas também psíquico, sendo patente que estes acontecimentos e a conduta do arguido perturbaram-na psicologicamente e afectaram a sua saúde mental, encontrando-se fragilizada emocionalmente;
-O arguido admitiu parcialmente os factos;
-O arguido encontra-se inserido social e familiarmente;
-O arguido não possui antecedentes criminais;
Pelo exposto, entende este tribunal, tendo sempre em conta o limite da culpa do arguido, não obstante as considerações de prevenção geral tecidas, condenar o mesmo com uma pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, a qual se mostra justa e adequada.
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No que respeita à arguida LC, atentas as disposições conjugadas dos art.º 40° e 71° do Código Penal, são de considerar os seguintes factos:
-As exigências de prevenção geral são elevadas atentas as prementes necessidades de pôr cobro a comportamentos do tipo do assumido pela arguida, consabido que o fenómeno da violência doméstica constitui uma violação dos direitos humanos, sendo um problema especialmente complexo, com facetas que entram na intimidade das famílias e das pessoas, agravado por não ter, regra geral, testemunhas, e de ser exercida em espaços privados. É, pois, urgente desincentivar eficazmente este tipo de comportamento, que causa alarme e insegurança na comunidade, por colocar frequentemente em causa valores de particular relevo, como a vida ou a integridade física, e por via disso se revestir de acentuada perigosidade.
-A ilicitude da conduta é assinalável, atendendo aos actos praticados pela arguida e à idade da vítima;
- A ofendida sofreu lesões físicas que lhe causaram dores, pelo que sofreu mal-estar físico, mas também psíquico, sendo patente que estes acontecimentos perturbaram-na psicologicamente e afectaram a sua saúde mental, encontrando-se fragilizada emocionalmente;
-A arguida admitiu parcialmente os factos;
-A arguida encontra-se inserida social e familiarmente;
-A arguida não possui antecedentes criminais;
Pelo exposto, entende este tribunal, tendo sempre em conta o limite da culpa da arguida, não obstante as considerações de prevenção geral tecidas, condenar a mesma com uma pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, a qual se mostra justa e adequada.
Da suspensão da execução da pena de prisão
Estipula o artigo 50° do Código Penal que, “O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
É sabido que as penas devem ser aplicadas com um sentido pedagógico e ressocializador. Assim, quando aplica uma pena de prisão não superior a 5 anos, o tribunal tem o poder-dever de suspender a sua execução, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável sobre a conduta futura do arguido. (cf., entre outros, Maia Gonçalves, CP Anotado, 15a edição, pág. 197; Ac. STJ de 11 de Maio de 1995; Ac. STJ de 27 de Junho de 1996, ob. cit. Pág. 199).
Tal juízo não deverá assentar numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição.
Um juízo de prognose pressupõe uma valoração do conjunto dos factos e da personalidade do arguido, quanto a saber se, em termos prospectivos, a imagem global indicia positivamente uma esperança fundada de se ressocializar em liberdade. Se, o que está em causa não é qualquer certeza, mas apenas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, entende o tribunal suspender a execução da pena em que o arguido será condenado.
No caso sub judice, o tribunal valora o facto dos arguidos estarem inseridos do ponto de vista profissional e social e de não possuírem antecedentes criminais, factualidade que, na nossa perspectiva, permite concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Assim, a pena aplicada aos arguidos deverá consciencializá-los da gravidade e censurabilidade da sua conduta, motivando-os ao futuro cumprimento das normas socialmente vigentes.
Trata-se aqui de uma pena com manifesta eficácia intimidativa, que estamos em crer que servirá de necessário e suficiente contraestímulo à reiteração futura do comportamento ora sancionado.
Esta opção pela suspensão da execução da pena representará uma derradeira oportunidade concedida aos arguidos no sentido de, ainda em liberdade, assumir no seu projecto de vida um comportamento compatível com o dever-ser jurídico-penal.
Pelo exposto, determina-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada aos arguidos pelo período de 2 anos e 4 meses, atento o disposto no n.° 5 do art. 50.° do C.P.
Isto é, estamos em crer que, a opção pela suspensão da execução da pena de prisão, contem virtualidades suficientes para uma desejada esperança de readaptação social em liberdade, estimulando-se, assim, o sentido de autorresponsabilização dos arguidos.
Dispõe o art. 50°, n° 2 do C.P. que o «Tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
Por sua vez, dispõe o art. 51°, n° 1, al. a) do C.P. que a "A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime nomeadamente: a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou em parte que o Tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea.
De facto, dispõe ainda o art. 21°, n° 2 da Lei n° 112/2009, de 16.09. que "Para efeito da presente lei, há sempre lugar á aplicação do disposto no art. 82°-A do C.P.P., excepto nos casos em que a vitima a tal expressamente se opuser".
De acordo com o art. 21°, n°2 do da Lei n° 112/2009, de 16.09. e com vista a imprimir na consciência dos arguidos a censurabilidade da sua conduta e a motivá-los ao futuro cumprimento das normas vigentes que a suspensão da execução da pena deve ser subordinada ao dever dos arguidos efectuarem o pagamento de uma compensação à ofendida conforme melhor explicaremos de seguida.
Nestes termos, atenta a previsão da al. a) do n°1, do art. 51° do C.P. conjugada com o art. 21°, n°2, da Lei n° 112/2009, de 16.09, subordina-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada aos arguidos, ao dever de os mesmos, no período dessa suspensão, procederem ao pagamento da quantia que vier a ser fixada a título de indemnização à ofendida.
O arguido deverá efectuar tal pagamento à ordem dos presentes autos, após o que o Tribunal entregará tal montante à ofendida, através do seu legal representante.
De acordo com o art. 51° n° 2 do C.P. os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.
Cumpre referir que é nosso entendimento que a obrigação que estamos a impor aos arguidos em nada excede a razoabilidade, adequação e proporcionalidade, seja relativamente às exigências de prevenção (geral e especial) que se impõem no caso, dada a dilação do prazo para o pagamento da quantia em causa. Pretende-se desta forma, motivar os arguidos ao não cometimento de futuros crimes da mesma natureza, consciencializando-os das consequências gravosas dos actos que praticaram.

Por seu turno, estabelece ainda o art. 52.°, n.° 1 e n.° 3 do C.P.:

1O tribunal pode impor ao condenado o cumprimento, pelo tempo de duração da suspensão, de regras de conduta de conteúdo positivo, susceptíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade, nomeadamente:
a)-Residir em determinado lugar;
b)-Frequentar certos programas ou actividades;
c)-Cumprir determinadas obrigações.”
De realçar ainda que, nos termos do disposto no art. 34-B, n.° 1 da Lei n° 112/2009, de 16.09., a suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova.
Deste modo, e para além da condição de pagamento de indemnização à ofendida e considerando as circunstâncias do caso concreto, é entendimento do Tribunal determinar a suspensão da execução da pena de 2 anos e 4 meses de prisão por 2 anos e 4 meses, acompanhada de regime de prova, nos termos do disposto no art.º 50.°, n.ºs 1, 2, 3 e 5, 52.°, n.° 1, al. b) e c), n.° 3 e 53.°, todos do C.P., assente, entre outros, nos seguintes objectivos a serem delineados em plano individual de reinserção social a traçar pelos Serviços de Reinserção Social a favor dos arguidos:
-Frequência de um curso sobre a problemática da violência doméstica, a articular pela DGRSP em data e local a indicar pelos Serviços de Reinserção Social;
-Comparência em entrevistas com técnico da DGRSP, com a periodicidade por este definida;
-Manterem a inserção laboral;

VIDA PENA ACESSÓRIA

Nos termos do disposto no n.° 4 do art. 152° do Cód. Penal na sua actual redacção, pode ser aplicada ao arguido a pena acessória de proibição de contacto com a vítima, pelo período de seis meses a cinco anos.
No caso dos autos, tendo em conta que os arguidos e a ofendida já não residem na mesma habitação, que actualmente a situação está mais pacificada e considerando a relação de parentesco existente e bem assim o regime de visitas que tem sido implementado, entendemos que não se mostra adequada a aplicação da pena acessória prevista no mencionado art. 152° n.° 4, motivo pelo qual não se procede à sua aplicação.

VIIDO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL:
EML, na qualidade de legal representante da ofendida, deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, peticionando o pagamento da quantia global de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) pelos danos não patrimoniais sofridos por aquela.
De acordo com o art. 129° do Código Penal a responsabilidade civil emergente de crime é regulada pela lei civil, o que vale por dizer que, neste âmbito, quem pratica um crime está obrigado a indemnizar os lesados pelos danos resultantes do facto ilícito e culposo que haja praticado (art. 483° do Código Civil).
De harmonia com o disposto no art. 483° do Cód. Civil “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
São, assim, elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao agente; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O facto tem de ser voluntário, ou seja, dominável pela vontade do agente. Para efeitos de responsabilidade civil, o facto consiste num comportamento ou uma forma de conduta humana.
No entanto, para que o facto voluntário gere a obrigação de indemnizar é necessário que o mesmo seja ilícito, consistindo a ilicitude na infracção de um dever jurídico. A ilicitude tanto pode traduzir a violação de direitos subjectivos alheios como consistir na violação de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, como é o caso das normas que regulam a circulação rodoviária.
A culpa traduz-se no juízo de censura ético-jurídica sobre o comportamento do agente que podia e deveria ter agido de outro modo, é o desvalor atribuído pela ordem jurídica ao facto voluntário do agente, que é visto como axiologicamente reprovável.
O dano ou prejuízo traduz-se na “ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.” (cf. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, Almedina, 7.a edição, pág. 477).
Os danos podem revestir natureza patrimonial ou não patrimonial conforme digam ou não respeito a interesses materiais, ou seja, consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária.
Ora, apenas os danos resultantes directa e necessariamente da conduta do agente podem ser objecto de reparação, pois como dispõe o art.° 563°, do CC, “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
A obrigação de indemnizar supõe, assim, um nexo causal entre o facto e o prejuízo. O facto causador da obrigação de indemnizar deve ser a causa do dano, no sentido de dano real.
Ora, tendo em consideração a factualidade que foi dada como provada, entendemos que no caso vertente se encontram, pois, preenchidos os elementos constitutivos da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, constituindo-se os arguidos na obrigação de indemnizar a ofendida pelos danos sofridos e que decorreram da prática do crime que lhes é imputado, sendo certo que foram peticionados apenas danos não patrimoniais.
Por outro lado, e considerando a natureza do ilícito criminal em apreço, importa atender ao disposto no artigo 21°, n°s 1 e 2 da Lei 112/2009, de 16.09 que estabelece o seguinte:
1-À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.
2-Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.°- A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser”
Por seu turno, dispõe o art. 82° A do C.P.P. o seu n°1 que “Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos do art. 72° e 77, o Tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a titulo de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vitima o imponham”.
De facto, caso a ofendida não tivesse deduzido pedido de indemnização civil nos autos, o Tribunal teria sempre de apreciar a fixação de uma compensação à vítima a título de reparação pelos prejuízos sofridos.
Ora. relativamente à indemnização pelos danos não patrimoniais, importa considerar o disposto no art. 496° do Cód. Civil que manda atender aos danos morais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
Nestes danos inserem-se as dores, desgostos, perturbações e sofrimentos resultantes do facto ilícito e que, como foi dito, mereçam a tutela do direito.
Trata-se de reparar um prejuízo concreto consistente na privação ou diminuição do gozo de bens insusceptíveis de avaliação pecuniária, como a saúde, por exemplo.
A indemnização a arbitrar por danos de natureza não patrimonial não visa reconstituir a situação que existia se a lesão não se tivesse ocorrido, mas sim compensar de alguma forma as dores físicas e morais sofridas e, também, sancionar a conduta do lesante.
Na fixação do seu montante, é necessário recorrer ao princípio da equidade e às circunstâncias referidas no art. 494° do Cód. Civil, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e da lesada e as demais circunstâncias do caso, ou seja, a perturbação e sofrimento vivenciado pela ofendida, não esquecendo os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência a fim de evitar subjectivismos e, consequentemente, decisões injustas, devendo o montante indemnizatório consubstanciar compensação para os danos suportados.
Ora, in casu, importa desde logo salientar que era peticionado o pagamento da quantia de € 4500,00 respeitante aos danos não patrimoniais sofridos e que resultam da actuação dos arguidos.
Tal montante não pode deixar de ser considerado excessivo face à factualidade dada como provada, às condições socioeconómicas dos arguidos e aos padrões indemnizatórios adoptados na jurisprudência.
Assim, tendo em consideração a factualidade dada como provada, designadamente o sofrimento da demandante que se reflectiu em sofrimento físico e psíquico; a culpa dos arguidos e as circunstâncias em que os factos ocorreram e ainda as condições socioeconómicas dos arguidos, e ainda os padrões indemnizatórios adoptados na jurisprudência, considera-se adequado fixar indemnização à ofendida, devendo cada um dos arguidos pagar à mesma a quantia de € 1000,00 (mil euros) a título de danos não patrimoniais, julgando-se assim parcialmente procedente o pedido cível, absolvendo-se os arguidos do demais peticionado.
As custas cíveis ficam a cargo de demandados e demandante na proporção do decaimento, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal - cf. art. 527°, n.° 1 e 2, do Cód. Proc. Civil, ex vi do art. 523° do Cód. Proc. Penal.”
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8.Apreciação das questões que são objecto do recurso interposto:

- Impugnação da matéria de facto:
Veio a recorrente requerer a modificação da decisão sobre a matéria de facto dada como provada, conforme o disposto nos arts. 410º nº 2 a), 412º nº 3 e 431º, todos do CPP.
Alega, para o efeito, que o tribunal a quo julgou incorretamente os factos que deu como provados sob os nº 3, 4, 5, 9, 10, 12, 13 e 14, que deveria ter considerado não provados, por deles não existir qualquer prova, ou, no mínimo prova contraditória, enfermando, por isso, a sentença proferida do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, previsto no art. 410º nº 2 al. a) do CPP, impondo-se decisão diversa se o tribunal tivesse valorado as declarações por si prestadas, tal como as prestadas pelo coarguido e não sobrevalorizando as declarações da ofendida, desta forma pretendendo impugnar a matéria de facto provada, nos termos do art. 412º nº 3 do CPP.

Apreciando:

A recorrente pretende impugnar a matéria de facto dada como provada, sem fazer, contudo, uma distinção clara entre a invocação dos vícios previstos nas alíneas do nº 2 do art. 410º e os requisitos da impugnação da matéria de facto, a que se refere o nº 3 e respectivas alíneas e o nº 4 do art. 412º, todos do C.P.P.

É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
Para a verificação de qualquer um dos vícios previstos no artigo 410º nº 2 alíneas a) a c) do Código de Processo Penal, ou seja, - de insuficiência para a decisão da matéria de facto (al. a); - da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (al. b); e - do  erro notório na apreciação da prova (al. c), que até são de conhecimento oficioso, exige-se, antes de mais, que resultem de uma forma ostensiva do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugados com as regras de experiência comum, e sejam perceptíveis por uma pessoa média, o que significa, além do mais, inadmissibilidade de apelo a elementos exteriores à mesma decisão.
Entende a recorrente existir, no caso, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto no art° 410°, n° 2, alínea a) do Código de Processo Penal, por não existir qualquer prova dos factos dados como provados, designadamente dos que indicou.
O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada verifica-se quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição – cf. Ac do STJ de 06.04.2000, in BMJ nº 496, p.169.
Este vício, na esteira do entendimento exposto no Ac. da Relação do Porto de 26.05.1993, proc. 9350062, sumário disponível in www.dgsi.pt, tributário do princípio do acusatório, tem de ser aferido em função do objecto do processo, traçado naturalmente pela acusação, ou pronúncia, pelo que só quando os factos recolhidos pela investigação do tribunal se ficam aquém do necessário para concluir pela procedência ou improcedência da acusação se concretizará tal vício.  
A insuficiência a que se refere a alínea a) do nº 2 do art. 410º do CPP é, no fundo, a que decorre da omissão de pronúncia, pelo Tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados, ou como não provados, todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa, ou resultado da discussão.
Este vício não tem a ver com a insuficiência da prova, como parece entender a recorrente, mas com a falta de averiguação de factos necessários à decisão.
Daí que a alínea a) do nº 2 do art. 410º do CPP se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP), que é insindicável em reexame da matéria de direito – neste sentido, vide Leal Henriques e Simas Santos, in Código de Processo Penal Anotado, t. II, p. 737, Ed. Rei dos Livros 2004.
No caso, a recorrente, em sede de alegações de recurso, não indicou qualquer facto relevante que o tribunal tenha deixado de apreciar, nem este tribunal o detecta, já que não se vislumbra a existência de nenhuma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois os factos provados definem todos os elementos do tipo, permitem graduar o dolo, a ilicitude e a culpa e todas as circunstâncias pertinentes para a determinação da medida da pena, termos em que não se verifica o invocado vício.
*

Relativamente à pretendida impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412º do CPP, cumpre mencionar que:

Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12-6-2008 (Proc. nº 07P4375, em www.dgsi.pt): a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º)” – também, neste sentido, o Ac. RL, de 10.10.2007, proc. nº 8428/2007-3, in www.dgsi.pt.
Daí que o tribunal de recurso só possa alterar o decidido se as provas indicadas pelo recorrente que o tribunal vai ouvir ou ler, sem a imediação, nem a oralidade, impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n°3 do art.° 412º do CPP).
Conforme se escreve no Acórdão da Relação de Évora, de 1 de Abril de 2008 proferido no P.° 360/08-1.a, acessível em www.dgsi.pt: “Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente.»

No caso, a recorrente, conforme já referimos, pretende impugnar a matéria de facto, por erro de julgamento, mas não cumpriu o ónus de especificação imposto pelo nº 3 e nº 4 do artº 412º do CPP, pois, apesar de ter indicado os concretos pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, não indicou os concretos meios de prova que impunham decisão diversa, pois limitou-se a fazer alusão às suas próprias declarações e às dos coarguido, assim como da ofendida, mas sem indicar ou transcrever as passagens da gravação dos depoimentos gravados em que se funda a sua impugnação.

Na realidade, não se percebe quais são as provas que, quanto a cada um desses indicados factos, na óptica da recorrente, impunham decisão diversa da proferida e que passagens dos concretos depoimentos eram, para esse efeito, relevantes, já que a recorrente se limitou, de uma forma geral e global, a afirmar que não foi feita prova dos factos que o tribunal a quo deu como provados, já que este não valorizou, como devia, as declarações que prestou, tal como as do coarguido, e sobrevalorizou as declarações da ofendida, mas não indicou as concretas passagens e os concretos minutos de tais depoimentos que, no seu entender, impunham uma decisão diversa, ou seja, sem proceder à conexão entre os elementos da prova produzidos e a interpretação que deles faz.

A discordância com a valorização da prova efetuada pelo tribunal a quo tem que estar assente em provas que permitam concluir de forma diversa daquela em que aquele concluiu, não bastando, para o efeito, a mera discordância.

E, observada a decisão recorrida, verificamos que o tribunal recorrido, de modo exaustivo e rigoroso, fundamentou a credibilidade que lhe mereceram as declarações dos diversos intervenientes ouvidos em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente os motivos pelos quais não conferiu credibilidade à versão dos factos relatada pelos arguidos, salientando que chegou até a ser discrepante, entre si, em relação a alguns factos, e, por outro lado, os motivos de ter dado credibilidade ao depoimento prestado pela ofendida, considerado, já por si, espontâneo e sincero, em função da forma como foi prestado e na medida em que foi corroborado por outros elementos probatórios, designadamente pela restante prova testemunhal e pelo inequívoco teor da prova pericial e prova documental.

O que a recorrente tem é uma diferente convicção da valoração/apreciação da prova, mas não cabe à mesma substituir a sua convicção à convicção do julgador.

Cabe-lhe, isso sim, individualizar os concretos factos que, em seu entender, não deviam ter sido considerados provados e aqueles que, pelo contrário, o deveriam ter sido e explicar as razões para cada uma das apontadas divergências, como decorre das alíneas a) e b) do citado n.º 3 do art.° 412.° do C.P.P.

Exigência que não se mostra cumprida, nem nas conclusões, nem ao longo de toda a motivação, termos em que, por falta de cumprimento do ónus de especificação previsto no referido n°3 do art.° 412.° do C.P.P., está este tribunal de recurso impossibilitado de reapreciar a matéria de facto.

É verdade que o art 417º nº 3 do CPP estipula que se a motivação do recurso não contiver conclusões, ou destas não for possível deduzir total, ou parcialmente, as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do art 412º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado, ou não ser conhecido na parte afectada.

No entanto, o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (art. 417º nº 4 do CPP).
Ou seja, só é possível o convite para a correcção quando essa correcção se processa dentro dos termos da própria motivação e não constitua uma substituição, mesmo que parcial da motivação.

Como vem referido no Ac. da Relação de Coimbra de 2 de Abril de 2008, no processo 604/05.5PBVIS.C1, quando o recorrente expõe consistentemente as razões concretas da sua discordância, mas depois, por lapso, não as assinala devidamente nas conclusões, existem razões que se fundamentam na proibição de excesso, no princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado no art 18º nº 2 da CRP, que justificam a convite e a consequente possibilidade de correcção.

Porém, quando o recorrente no corpo da motivação do recurso, como é o caso, não enunciou as especificações, o convite à correcção não se justifica, porque, para se obter a harmonização entre as conclusões, o corpo da motivação e a obrigação legal de especificação, seria necessária uma reformulação substancial das motivações e das conclusões, o que significaria a concessão da possibilidade de um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade de prazo de apresentação do recurso - neste sentido decidiram, entre outros, o acórdão da RLx de 20/10/99, in CJ, XXIV, 4, 153; e Acs da Rel. Coimbra nº 140/2004, processo nº 565/2003 de 10/3/2004 (DR II série, nº 91 de 17/4/2004); de 30/1/02, in CJ XXVII, 1, 44 e 45; de 07.07.2010 (proc.520/08.9GAACB.C1) e de 13.12.2017 (proc. 177/15.0GAANS.C1), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.

No caso vertente, e na medida em que, nem na motivação, nem nas conclusões, a recorrente cumpriu o ónus de especificação, imposto pelo nº 3 e 4 do art. 412º do CPP, apresentando, neste segmento, apenas um ataque à forma como o tribunal a quo valorou a prova produzida, numa crítica global à produção e valoração/apreciação da mesma, não se justifica o convite ao aperfeiçoamento, impondo-se a rejeição liminar, no que tange a qualquer pretendida impugnação alargada da matéria de facto.
*

Da violação do princípio “in dubio pro reo:
Alega, ainda, a recorrente a falta de certeza da prova produzida em julgamento, sustentando que a sua condenação só pode ter resultado de uma apreciação da prova efectuada em violação do princípio “in dubio pro reo”.

Vejamos:
Não havendo nos termos da fundamentação da decisão recorrida qualquer margem de dúvida quanto à prática dos factos provados, pela recorrente, nada permite a formulação de qualquer juízo de dúvida que pudesse ser solucionada com recurso ao princípio “in dubio pro reo”.

Com efeito, e de acordo com a jurisprudência uniforme dos tribunais superiores, verbi gratia, o Ac. do TRL de 29 de Junho de 2006, proferido no processo nº 3759/06 da 9ª Secção, disponível em www.pgdlisboa.pt: o princípio in dubio pro reo só se aplica no domínio da prova quando o tribunal tenha ficado numa situação de non liquet, ou seja, com sérias dúvidas relativamente aos factos, que em tal situação teria de ser resolvida a favor do arguido”, ou, ainda, nas palavras do Ac. do TRL de 2 de Novembro de 2006, também disponível em www.pgdlisboa.pt: O tribunal só lança mão do princípio in dubio pro reo – corolário do princípio constitucional da presunção da inocência (artº 32º nº 2 da CRP) – se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e da liberdade de apreciação (artº 127º CPP), tivesse conduzido à subsistência, no espírito do julgador, de uma dúvida positiva invencível sobre a verificação ou inexistência de um facto relevante para a descoberta da verdade.

Ora, perscrutada, mais uma vez, a decisão recorrida dela não resulta ter havido qualquer dúvida quanto à culpabilidade da arguida, quanto aos factos dados como provados, assim como quanto ao preenchimento da plenitude dos elementos constitutivos do ilícito criminal pelo qual foi a mesma, muito justamente, condenada, pelo que improcede, também, nesta parte, o recurso, por não ter existido qualquer violação do princípio “in dubio pro reo”.
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Da qualificação jurídica dos factos:
A este título, vem a recorrente sustentar que não ficou demonstrado, nem foi considerado que a sua conduta se fundou em actos violentos e de real perigosidade para a vítima, tendo o tribunal recorrido aplicado, incorrectamente, a agravante prevista do n.º 2 do artigo 152º do Código Penal.

Mais alega que, no máximo, a alteração da qualificação jurídica se deve verificar com a imputação, tão só, do crime punido pelo artº 143º C.P., o que, ainda assim, entende não ter resultado provado, por os actos por si praticados consubstanciarem o exercício do poder de correcção dos pais (da mãe), nos termos dos artigos 36.º n.º 5 da CRP e 1878.º do C. Civil, desta forma concluindo que a ilicitude dessa conduta está excluída, perante o preceituado no art. 31º, nº 1 e nº 2, alínea b), do Código Penal.

Apreciando:

Socorrendo-nos dos preceitos legais invocados pela recorrente, observamos que:

O art. 1878º do Código Civil refere que as relações entre pais e filhos não deverão ser relações de autoridade e subordinação, mas de respeito mútuo.
Por seu turno, o artigo 36º nº 5 da Constituição da República Portuguesa estabelece que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
Como salientam diversos autores [entre outros, cf. Taipa de Carvalho, Comentário do artigo 152º do Código Penal, in Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial, Tomo I, dirigido por Figueiredo Dias, 2ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 520 e 521; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa: Universidade Católica editora, 2008, p.142], o poder de correcção dos pais sobre os filhos poderá constituir uma causa de exclusão da ilicitude do crime de violência doméstica [ou de ofensa à integridade física, ou coacção ou ameaça, ou qualquer outro tipo de crime que proteja bens jurídicos de que o filho seja titular], se exercido com finalidade exclusivamente educativa, na justa medida em que se mostre ter sido necessário, adequado e proporcional, ou seja, inserido no conjunto de poderes-deveres que integram o exercício das responsabilidades parentais, mas o seu exercício deve assumir carácter excepcional.

O direito de correção, como causa de justificação, ocorre, assim:
se o agente atuar “com finalidade educativa e não para dar vazão à sua irritação, para descarregar a tensão nervosa ou, ainda menos, pelo prazer de… ou para lograr aquilo que apeteceria chamar um efeito de prevenção geral ou especial de intimidação”;
se o castigo for “criterioso e, portanto, proporcional, no sentido de que ele deve ser o mais leve possível”;
se o castigo for “sempre e em todos os casos moderado, nunca atingindo o limite de uma ofensa qualificada ou de todo o modo atentatória da dignidade do menor” – [neste sentido, o acórdão da Relação de Évora, de 10.04.2012, in www.dgsi.pt, citando Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, 2004, tomo 1, pág. 468].

O direito e dever de educação dos pais sobre os filhos passa por os fazer entender o significado e repercussões negativas do seu modo de proceder, ou de pensar, e de lhe dar as necessárias competências pessoais para não repetir, sem, contudo, como se verifica no caso em apreciação, se recorrer à agressão física, à ameaça, à intimidação, à crueldade, ou a qualquer outro tipo de agressão psicológica.

Veja-se que, no caso, perante o factualismo provado, que nenhuma censura nos mereceu, teremos de concluir que os factos praticados pela arguida excedem manifestamente o poder-dever de correção dos pais e que, perante a sua gravidade, se encontram corretamente subsumidos no crime de violência doméstica, por que foi condenada.

Com efeito, resultou provado, para além do mais, que:
4)Desde data não apurada, naquela residência, a arguida LC, em três ocasiões distintas, quando a ofendida MMD  não se comportava como a arguida pretendia, que esta lhe desferiu chineladas, respetivamente nas pernas, nos braços e nas mãos.
5)No dia 19/5/2020, depois das 18h00, no interior daquela residência, a arguida LC, porque a ofendida MMD  não tinha feito os trabalhos da escola e porque queria telefonar ao seu progenitor, deu-lhe três palmadas nas costas.
6)Posteriormente, surgiu o arguido DC que disse à ofendida para vestir uns calções, o que esta fez.
7)Após, o arguido espalhou milho cru no chão e obrigou a ofendida MMD  a pôr- se de joelhos em cima do milho, o que esta fez, por tempo não concretamente apurado.
8)Depois, usando um cinto, enquanto a menor estava de joelhos em cima do milho, desferiu-lhe duas chicotadas na perna direita da ofendida, o que a fez chorar e gritar pela mãe.
9)No entanto, a arguida vendo a ofendida MMD  em cima do milho e a gritar por si, ignorou-a e nada fez, tendo o arguido DC dito à menor para “parar de fingir”.
10)Mais tarde, naquela residência, a arguida ainda disse à ofendida que se continuasse a portar mal, que levava outra cintada do arguido DC .[bold e sublinhado nossos].

Temos, assim, como decorre da factualidade provada, que a arguida, para além de desferir palmadas nas costas e braços da menor, sua filha, também lhe desferiu chineladas, pelo menos em três ocasiões distintas, atingindo-a nas pernas, braços e mãos.

Por outro lado, na situação ocorrida no dia 19.05.2020, a arguida deu três palmadas nas costas da ofendida e, apesar de ter visto a sua filha ajoelhada, em cima do milho e a gritar por si, ignorou-a e nada fez, dizendo-lhe, ainda, que se continuasse a portar-se mal levava outra cintada do arguido DC .

Ora, a factualidade apurada não está seguramente incluída no poder de correcção dos pais, no caso, da mãe, sobre a filha, à data, uma criança de 10 anos de idade, já que estamos perante castigos corporais absolutamente desnecessários, inadequados, desproporcionais e irrazoáveis à gravidade das condutas imputadas à ofendida [traduzindo-se estas condutas da ofendida: “não se comportava como a arguida pretendia” (…) “não tinha feito os trabalhos da escola e porque pretendia telefonar ao seu progenitor”], pelo que a ilicitude da conduta da recorrente não está excluída, nos termos do art. 31º, nº 1 e nº 2, alínea b), do Código Penal, como por si sustentado.

E não se invoque que foi o arguido DC quem desferiu as chicotadas com o cinto, na perna da ofendida, quando aquela já se encontrava de joelhos, em cima do milho cru, em calções, e não a arguida, pois esta presenciou os factos e nada fez, negando ajuda quando a filha gritou por si, para além de a ter ameaçado que se continuasse a portar-se mal, levava outra cintada do DC ”.

Toda esta actuação traduz uma conduta que se reveste de intensa gravidade, reflectindo uma efectiva crueldade e insensibilidade, estando obviamente preenchido o conceito de mau trato constante da norma legal em apreço, não só físico, mas, também, psíquico, na medida em que, apesar de ouvir a sua filha chamar por si, a arguida ignorou-a e nada fez, colocando-se do lado do arguido DC , chegando mesmo a ameaçar que aquele a iria agredir novamente caso persistisse naquele comportamento.

E a gravidade, neste caso, não resulta apenas dos meios empregues, mas, também, das marcas físicas e psíquicas que provocaram na menor, sendo evidente o sofrimento físico e a perturbação psicológica que sentiu e que foi resultante da actuação dos arguidos, que, em muito, ultrapassou a mera finalidade educativa, porventura, justificativa de uma ofensa corporal (art.º 143º do CP), mas que não pode justificar, atentas as circunstâncias concretas em que os factos ocorreram,  os maus tratos que aqui se observam.

O direito dos pais educarem os filhos não abrange o direito de os agredir, de ofender a sua integridade física e psíquica.[1]

Excluindo-se a licitude da conduta da arguida, enquanto integradora do poder/dever de correcção, não restam, pois, quaisquer dúvidas que os factos apurados assumem gravidade suficiente para integram o conceito de maus tratos físicos e psicológicos, típicos da incriminação da violência doméstica.

Importa, ainda, atender que a ofendida tinha apenas 10 anos de idade, à data dos factos.

Pessoas particularmente indefesas, para efeitos de preenchimento do tipo de ilícito criminal previsto no art. 152.°, n.° 1, al. d) do C.P., são aquelas que se encontram numa situação de especial fragilidade devido à sua idade precoce ou avançada, deficiência, doença física ou psíquica, gravidez ou dependência económica do agente” (vide comentário do Código Penal, Paulo Pinto de Albuquerque, 2.a edição, pág. 465).

No caso, é inquestionável, como bem se considerou na sentença recorrida, que a ofendida se encontrava numa situação de especial fragilidade e vulnerabilidade, não só decorrente da sua idade, mas, também, da dependência económica que tinha em relação aos arguidos, com quem vivia, pelo que se verificam os elementos constitutivos do tipo legal de crime imputado à arguida.

E, tendo os factos ocorrido contra menor e na residência comum, fica, também, preenchida a circunstância qualificativa dos factos, prevista no nº 2, al a), do art. 152º do CP, o que torna o crime punível com pena de prisão de 2 a 5 anos.

Assim sendo, dúvidas não restam que se mostram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito criminal imputado à arguida e pelo qual foi condenada, sendo que inexistem quaisquer causas de exclusão da ilicitude, ou da culpa, nenhuma censura nos merecendo, por isso, a subsunção jurídica efectuada pelo tribunal recorrido, pelo que, também, nesta parte, improcederá o recurso.
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Da pena aplicada:
Invoca, ainda, a recorrente que o tribunal recorrido não sopesou devidamente todas as circunstâncias a ponderar na determinação da medida concreta da pena, não tendo sido respeitados os pressupostos para a aplicação do previsto nos art.º 40º e 71º do C.P., desde logo por não ter antecedentes criminais, não se estando, assim, perante exigências de prevenção especial elevadas. Mais sustenta que o regime de prova que lhe foi fixado deverá ser revogado, pois o grau de ilicitude e as exigências de prevenção especial são reduzidas.

Apreciando:

Como refere a decisão recorrida, o crime de violência doméstica aqui em causa é punido com pena de 2 a 5 anos de prisão.

A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40º, nº 1, do Código Penal – não podendo ultrapassar a medida da culpa – nº 2.

Nos termos do artigo 71º do Código Penal, para a determinação da medida da pena cumpre atender à culpa do agente, às exigências de prevenção e, bem assim, às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele.

De acordo com estes princípios, o limite superior da pena é o da culpa do agente. O limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.

A pena tem de corresponder às expectativas da comunidade. Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras de prevenção especial de socialização.

É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade. – Cfr. Ac. do STJ de 23/10/1996, in BMJ, 460, 407 e Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, págs. 227 e segs.

No caso, perante o quadro exposto na decisão recorrida, verificamos que todas as circunstâncias invocadas pela recorrente, na motivação do seu recurso, foram atendidas na determinação da pena concreta fixada.

Como bem considerou a sentença recorrida, na situação em apreço, o grau de ilicitude é elevado, o que decorre dos actos praticados pela arguida e da idade da vítima. A ofendida sofreu lesões físicas que lhe causaram dores, pelo que sofreu mau estar físico, mas, também, psíquico, sendo patente que estes acontecimentos a perturbaram psicologicamente e afectaram a sua saúde mental, encontrando-se fragilizada emocionalmente. Elevada se mostra, igualmente, a intensidade do dolo, agindo a recorrente com dolo directo. Apesar da primariedade da arguida e de se ter considerado que a mesma se encontrava inserida social e familiarmente, circunstâncias que foram atendidas pelo tribunal recorrido, não podemos deixar de considerar que a recorrente só admitiu parcialmente os factos, pelo que não há uma verdadeira interiorização do desvalor da sua conduta, adoptando uma postura de desresponsabilização e ligeireza em relação aos factos praticados, o que aliado à forte intensidade criminosa revelada, não permite descurar as necessidades de prevenção especial, contrariamente ao por si sustentado. As exigências de prevenção geral são igualmente acentuadas, atenta a necessidade de dar uma resposta adequada à comunidade e às prementes necessidades de pôr cobro a comportamentos do tipo dos praticados pela arguida, como bem se salientou na decisão recorrida.

Perante este quadro, considerando o elevado grau do ilícito e da culpa, assim como as exigências de prevenção geral e especial, que se fazem sentir, é manifesto que não pode ser atendida a pretensão da recorrente de outra ter sido a sua pena, quer quanto à medida fixada [2 anos e 4 meses de prisão – situada muito próxima do limite mínimo da pena abstracta, suspensa na sua execução pelo mesmo período], que se apresenta proporcional e adequada à conduta criminosa da recorrente, quer quanto à sua subordinação ao regime de prova, assente, entre outros objectivos, a serem delineados em plano individual de reinserção social, a traçar pelos Serviços de Reinserção Social, a favor dos arguidos, na frequência de um curso sobre a problemática da violência doméstica e na comparência em entrevistas com Técnicos da DGRSP, o que revela preocupação com as necessidades de reinserção da arguida e com a devida protecção de bens jurídicos, conforme estabelece o art. 40º nº 1 do CP.

Com efeito e como bem se observou na decisão recorrida, nos termos do disposto no art. 34º-B, nº 1 da Lei nº 112/2009, de 16.9, a suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica é sempre subordinada ao cumprimento de deveres, ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova. 

Não assiste, assim, qualquer razão à recorrente quando pretende a aplicação de uma pena suspensa simples, que não seria, pela gravidade dos factos em apreço, consentânea com as finalidades da punição, termos em que, como bem se decidiu na sentença recorrida, apenas com a condição imposta à arguida de se sujeitar ao acompanhamento da DGRSP, e cumprir o regime de prova fixado, será possível acautelar as exigências de prevenção geral e especial, que se impõem no caso concreto, não enfermando a sua fixação de qualquer violação ao disposto nos artigos 40.º, 50º, 51º, 52, 53º 70.º e 71.º, todos do Código Penal, ou a qualquer princípio constitucional
*

Do pedido de indemnização civil:
A recorrente põe, igualmente, em causa a sua condenação no pagamento à ofendida da indemnização arbitrada [1.000,00 €], por danos não patrimoniais, pedindo que o pedido de indemnização civil seja considerado improcedente, por não provado.

Apreciando:

Nesta parte, o recurso é de rejeitar, por inadmissibilidade, como decorre do disposto nos artigos 400.º, n.º 2, 414º nº 2 e 3 e 420º nº 1 al. b), todos do Código de Processo Penal e art. 44.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, na medida em que o valor do pedido (4.500,00 euros) é inferior à alçada do tribunal recorrido, fixada em 5.000,00 euros, à data da dedução do pedido de indemnização e a decisão impugnada (1.000,00 euros) não é desfavorável à recorrente em valor superior a metade desta alçada.
*

Decisão:

Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pela arguida, LC, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Custas pela arguida recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UCs.


(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)



Lisboa, 17 de Maio de 2022



Juíza Desembargadora Relatora: Anabela Simões Cardoso
Juiz Desembargador Adjunto: Jorge Antunes




[1]«Educação não significa punição mas implica ensinar e corrigir sem violência (física ou psíquica)» (Cristina Dias, A criança como sujeito de direitos e o poder de correcção, Revista JULGAR - N.º 4 – 2008, p.15).
No mesmo sentido, cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo: 317/09.9GFSTB.E2, de 11-03-2014, disponível in wwww.dgsi.pt., em cujo sumário se pode ler: “I - A educação ou correcção dos filhos não se compadecem, nos tempos que correm e nas sociedades atuais, com quaisquer formas de violência física ou mental que atentem contra a dignidade da pessoa, em tudo contrárias ao dever de proteção que recai sobre os pais, enquanto responsáveis pelo seu desenvolvimento equilibrado e harmonioso. II - O poder-dever de educar ou corrigir supõe, sempre, por um lado, que o agente atue com essa finalidade e, por outro, que os castigos infligidos sejam criteriosamente ponderados e proporcionais à falta ou faltas cometidas, o que é de todo incompatível com a violência física, com castigos corporais ou com castigos humilhantes e atentatórios da dignidade do menor, pois estes nunca serão adequados ou justificados pelo dever de educar.”