Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1441/11.3TJLSB.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: LOCAÇÃO
CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/05/2012
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: É nula, nos termos do artº 19º alª c) do DL. 446/85 de 25.10, a cláusula penal constante das Condições Gerais de um contrato de locação de bem móvel segundo a qual, no caso de cessação antecipada do contrato, a locadora pode exigir o pagamento de todos os alugueres até ao fim do contrato, por envolver desproporção entre a sanção prevista e o eventual prejuízo que a locadora possa sofrer.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
            G…,S.A. intentou contra A…,S.A., acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, pedindo que seja: a) julgada válida a resolução do contrato de locação nº ... celebrado entre A. e R., por incumprimento definitivo culposo da R. comunicada extrajudicialmente por carta datada de 12.04.2011; ou se assim não for entendido, declarada a resolução do contrato pelos fundamentos alegados; b) a R. condenada a pagar à A. as quantias de € 3.164,61, de alugueres vencidos e não pagos de Abril a Junho de 2010 e de Janeiro a Junho de 2011, € 245.09, respeitante a despesas administrativas com custos de Avisos da locadora, gestão de cobrança e custos de retorno de entradas de débito directo, € 16.040,43, correspondente ao valor dos alugueres vencidos antecipadamente com a comunicação da resolução (cláusula penal), e € 1.375,88 correspondente aos juros de mora vencidos desde a data do respectivo vencimento até 29.08.2011; c) a R. condenada a restituir à A. o bem locado, em bom estado de conservação e de funcionamento, e a suportar os custos de tal restituição; d) a R. condenada a pagar à A. as quantias que se vierem a liquidar a final, no acto de pagamento voluntário, em execução de quantia certa, a título de: juros de mora vincendos, desde 30.08.2011 até integral pagamento, a liquidar às taxas convencionadas, sobre os montantes devidos a título de alugueres e taxa legal para as transacções comerciais acrescida de 5% em relação a dívidas de outra natureza; e indemnização convencionada compulsória pela mora na restituição do bem, liquidada em € 23,76 por cada dia de mora, desde a data da sentença (ou desde 01/04/2015) até efectiva restituição correspondente a 1/30 do dobro do valor previsto para o aluguer mensal.
            A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese:
            A R., procurando dotar as suas instalações com uma fotocopiadora multifunções, contactou em Janeiro de 2010 a empresa “C, Lda.”, tendo escolhido o equipamento marca Konica Minolta, no valor de € 16.800,00, IVA incluído, nessa sequência apresentando uma proposta de locação do referido equipamento à A., que tem por objecto o aluguer de equipamento de escritório e a aquisição dos referidos equipamentos para aluguer.
            A. e R. vieram a celebrar o contrato de locação identificado pelo nº ..., com a duração de 60 meses, relativo ao equipamento escolhido pela R., ficando esta de pagar 60 alugueres mensais no montante de € 347,76 cada um (IVA incluído), a pagar trimestralmente, por débito directo em conta logo indicada.
A A. pagou à fornecedora o bem locado, que foi entregue à R., no estado de novo, iniciando-se o prazo de 60 meses em 1.04.2010.
A R. não pagou a factura relativa aos alugueres de Abril a Junho de 2010, nem depois de interpelada para o fazer por 2 vezes, nem a factura relativa aos alugueres de Janeiro a Março de 2011, não obstante interpelada para o efeito, pelo que em 12.04.2011, a A. remeteu à R. comunicação de resolução do contrato por falta de pagamento de alugueres, pedindo a devolução do bem locado e o pagamento da indemnização correspondente ao valor dos alugueres que se venceram antecipadamente, tudo nos termos do contrato.
A R. nada pagou, nem restituiu o bem locado.
Caso o bem não seja restituído, tem a A. direito a indemnização nos termos do contrato.

Regularmente citada, a R. não contestou.
Foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência: 1) declarou validamente resolvido, com efeitos à data de 19/04/2011, o contrato de locação nº ..., celebrado entre A. e R.; 2) condenou a R. a entregar à A. o bem objecto do contrato de locação em causa nestes autos, em bom estado de funcionamento, ressalvado o seu desgaste pelo decurso do tempo e uma normal e prudente utilização do mesmo, no local indicado pela A. na carta de resolução e a suportar os custos da restituição do referido bem; 3) declarou nulas e de nenhum efeito as cláusulas contratuais gerais do contrato dos autos, que a A. designa por “Secções” e correspondentes aos “pontos” do contrato que a seguir se transcrevem, por desproporcionados e contrários à boa fé contratual, nos termos do disposto nos artºs 12º, 15º, 16º e 19º, al. c) do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, na redacção dada pelo DL nº 220/95, de 31 de Agosto, e D: nº 249/99, de 7 de Julho: 1., nº 2: “O locatário (Locatário) tem a obrigação de amortização total dos custos do locador (Locador) incorrido em conexão com a aquisição do bem locado e com a execução do contrato, bem como do lucro estimado” (…) 17, nº 1: “Tendo em atenção que o Locador adquiriu o bem locado para benefício do Locatário, caso o Locador exerça o seu direito de cessação sem aviso prévio ou caso o Locatário cesse o contrato de acordo com a Secção 13, o Locador poderá exigir o pagamento de todos os alugueres até ao fim do contrato”; 4) condenou a R. a pagar à A.: 4.1) € 2.451,70, correspondente a alugueres vencidos, facturados e não pagos, na vigência do contrato, entre Abril de 2010 a Abril de 2011; 4.2) € 712,91, a título de indemnização, equivalente ao montante estipulado para o aluguer mensal, facturado e não pago, relativo aos meses de Maio e Junho de 2011; 4.3) A título de indemnização, o equivalente ao montante de € 289,80, acrescido do IVA que for devido à taxa em vigor, estipulado para o aluguer mensal, por cada um dos meses que decorrer, e vencido mensalmente, desde Julho de 2011 até à efectiva entrega do bem locado à A., ou até ao trânsito em julgado da presente sentença, caso entretanto não tenha sido o referido bem restituído à A.; 4.4) O valor de € 19,32, acrescidos de IVA à taxa em vigor à data do pagamento, por cada dia de mora que ocorrer na restituição do bem locado, desde a data do trânsito em julgado da presente sentença até efectiva restituição do mesmo à A.; 4.5) O montante de € 245,09, relativo a “despesas administrativas”; 4.6) O pagamento dos seguintes juros de mora: 4.6.1) juros de mora, às taxas legais sucessivas para juros comerciais, determinados de acordo com a Portaria nº 597/2005, de 17 de Julho, e respectivos Avisos da DGT, acrescidas de 8%, quanto ao montante de € 2.451,70, referido em 4.1, desde a data do respectivo vencimento de cada uma das facturas, até efectivo e integral pagamento; 4.6.2) juros de mora, às taxas legais sucessivas para juros comerciais, determinados de acordo com a Portaria nº 597/2005, de 17 de Julho, e respectivos Avisos da DGT, acrescidas de 8%, quanto ao montante de € 712,91 (€ 356,455 x 2 meses), referido em 4.2, desde a data do vencimento de cada montante mensal, respectivamente, 01/05/2011 e 01/06/2011), até efectivo e integral pagamento; 4.6.3) juros de mora, às taxas legais sucessivas para juros comerciais, determinados de acordo com a Portaria nº 597/2005, de 17 de Julho, e respectivos Avisos da DGT, acrescidas de 5%, sobre os seguintes montantes facturados, relativos a despesas administrativas: - quanto ao montante de € 117,78, desde 03/10/2010, até efectivo e integral pagamento - quanto ao montante de € 12,30, desde 26/01/2011, até efectivo e integral pagamento; 5) absolveu a R. do pedido de € 16.040,43, peticionado a título de indemnização compensatória pelos prejuízos causados pelo incumprimento do contrato de locação (cláusula penal), correspondente ao valor dos alugueres vencidos antecipadamente com a comunicação de resolução, remetida à R. em 14/04/2011, e respectivos juros moratórios nos termos peticionados pela A.

Inconformada com a decisão, dela apelou A., formulando, no final das alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1.ª) As cláusulas contratuais previstas na Secção 1, n.º 2 e 17, n.º 1 das Condições Gerais de Locação não são nulas, nem inválidas, nem violadoras da boa fé ou do equilíbrio das prestações entre as partes.
2.º) A ora Recorrida escolheu o bem locado e a fornecedora, cuja aquisição solicitou à ora Recorrente, para que esta disponibilizasse a sua utilização através de aluguer, tendo a Locadora adquirido o bem e pago pela respectiva aquisição o preço de 16.800,00 € em como contrapartida do pagamento pela Locatária de 60 alugueres mensais de 289,80 € (acrescidos do IVA);
3.ª) Ficou convencionado no contrato de locação que os bens locados foram adquiridos no interesse da Locatária e exclusivamente para lhe serem alugados, tendo a Locatária assumido a obrigação de pagar à Locadora 60 alugueres, para amortização integral, quer dos custos de aquisição, quer das despesas normais de execução do contrato, quer ainda o lucro estimado com o negócio;
4.ª) O montante acordado para os alugueres mensais teve em consideração a duração do contrato, o preço de aquisição do bem, as despesas normais de execução do contrato e o lucro estimado, pelo que se o contrato tivesse duração inferior o montante dos alugueres teria que ser superior de forma a que fosse pago o total acordado;
5.ª) A sentença recorrida não considerou provados os factos alegados na p.i. nos artigos 33.º, 71.º a 81.º, que deverão fazer parte da matéria de facto provada, para fundamentar a obrigação assumida de pagar indemnização compensatória / cláusula penal;
6.ª) A G R disponibilizou à ora Recorrida a utilização do bem que esta escolheu, mediante retribuição, ou seja, com a obrigação de pagamento de uma quantia total correspondente à soma de 60 alugueres mensais, e com a obrigação de restituir o bem quando o contrato cessasse;
7.ª) A cláusula constante da Secção 1, n.º 2 das Condições Gerais de Locação não afecta a tipicidade do contrato de locação, correctamente qualificado na sentença, nem o invalida parcialmente;
8.ª) A indemnização compensatória peticionada no pedido 2.3) resultante da conjugação dos deveres previstos na Secção 1, n.º 2 e 17, n.º 1 das Condições Gerais de Locação, que são válidas, com o Tribunal da Relação reconheceu nos acórdãos proferidos nos Processos n.os 2596/10.0TVLSB, de 06/10/2011; 1866/10.1YXLSB, de 21/10/2011 e 680/10.9YXLSB, de 15/12/2011;
9.ª) A Locatária obrigou-se a pagar 17.388,00 € (acrescido do IVA), dos quais só pagou 1.738,80 € (acrescido do IVA), que cobriam o investimento da Locadora com a aquisição do bem escolhido pela Locatária, as despesas normais de execução do contrato (emissão e envio de facturas e a apresentação a pagamento por débito directo) e a margem de lucro estimada (188,00 € em 60 meses).
10.ª) Ao não condenar a Ré no pedido constante do ponto 2.3 do petitório inicial, a sentença recorrida não fez justiça, pois deixou por ressarcir os danos emergentes e os lucros cessantes causados pela Locatária ao incumprir o contrato de locação, concretamente a obrigação de amortização integral dos custos de aquisição do bem locado, as despesas de execução e o lucro estimado;
11.ª) A indemnização compensatória peticionada no pedido 2.3) do petitório inicial no montante de 16.040,43 € inclui o IVA, que poderá ser julgado não ser devido por se tratar de indemnização e ser reduzido para 13.041,00 €, é devida nos termos do contrato de locação celebrado (Secções 1, n.º 2 e 17, n.º 1 das Condições Gerais de Locação), pelos danos emergentes e lucros cessantes que a Ré, ora Recorrida, causou por incumprimento definitivo e culposo do contrato de locação, cuja resolução extrajudicial, foi julgada válida na sentença recorrida;
12.ª) Ao não condenar a Ré na quantia peticionada no ponto 2.3) do petitório, a sentença recorrida julgou incorrectamente os factos alegados na p.i. e violou as disposições legais previstas nos artigos 405.º, 798.º, 799.º, 566.º e 564.º, 801.º, n.º 2, 810.º e 811.º, todos do Código Civil, julgando inválida cláusulas contratuais que não violam a boa fé, nem preenchem os requisitos previstos nos art. 16.º e 19.º, al. c) do DL 446/85;
14.ª) A Recorrida deverá ser condenada no pagamento à Recorrente da cláusula penal peticionada e apenas se assim não for entendido, nos termos do art. 1045.º, n.º 1, do CC, desde 01/07/2010 até à data da sentença e nos termos do 1045.º, n.º 2, desde a data da sentença e não do seu transito em julgado, conforme pedido 4.2);
15.ª) Os custos/despesas suportados pela Locadora, com a aquisição do bem locado e execução do contrato não teriam existido se não tivesse sido celebrado o contrato de locação com a ora Recorrida, pelo que a resolução do contrato, porque considerada válida, não poderá deixar de ter as consequências previstas na lei, nomeadamente nos artigos 432.º e seguintes do Código Civil;
16.ª) A reposição da situação que existia implica o ressarcimento dos danos através do pagamento da indemnização compensatória convencionada, ao abrigo da liberdade contratual, devendo a assim a sentença ser revogada na parte que não condenou a Ré no pedido 2.3);
18.ª) A Recorrida deverá ser exclusivamente responsável pelo pagamento das custas judiciais, já que a elas exclusivamente deu causa com o seu incumprimento do contrato de locação.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida na parte em que julgou inválida as cláusulas contratuais previstas na Secção 1, n.º 2 e 17,n.º 1, das Condições Gerais de Locação aceites pela Recorrida, e substituído por acórdão que condene a Recorrida integralmente nos pedidos 2.3), 4.3) (desde a data da sentença) e 5.º).
Não foram apresentadas contra-alegações.

            QUESTÕES A DECIDIR.
            Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da apelante (art. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC) as questões a decidir são:
            a) da nulidade da cláusula contratual prevista na Secção 1, nº 2 das Condições Gerais de Locação – da factualidade provada;
b) da nulidade da cláusula contratual prevista na Secção 17, nº 1 das Condições Gerais de Locação e da improcedência parcial do pedido.

Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
           
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
            O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1º) A A. é uma sociedade comercial que tem por objecto social, entre outras, a actividade de aluguer de equipamento de escritório, de máquinas e de equipamento informático, conforme certidão de registo comercial (cfr. fls. 55 a 58).
2º) A R. é uma sociedade comercial.
3º) Em Janeiro de 2010, a R. contactou ou foi contactada pela empresa “C, Lda.”, pretendendo utilizar o seguinte equipamento, que escolheu: uma fotocopiadora de marca Konica Minolta, modelo Bizhub C220, melhor identificada na factura nº …, de 13/01/2010 – cfr. fls. 59 a 63 e 65.
4º) O equipamento escolhido pela R. Locatária tinha, em Dezembro de 2010, o valor comercial de € 16.800,00 (IVA incluído) – cfr. fls. 65.
5º) Em alternativa à aquisição, a R. optou pela locação do referido equipamento, tendo então tido conhecimento da ora A, como empresa vocacionada para o aluguer de equipamentos como o que pretendia utilizar.
6º) A. e R. celebraram, o contrato de locação, denominado “Locação Clássica – Contrato de Locação para Clientes Empresariais – Corporate Clients”, a que foi atribuído o nº ... dele fazendo parte as “Condições Gerais de Locação” e os “termos e Condições Gerais Relativas ao seguro de propriedade”, conforme documento nº 2 junto aos autos a fls. 59 a 63.
7º) Consta das duas folhas do “Contrato de Locação Nº …”, que fazem fls. 59 e 60 dos autos:
“Nome do Locatário: A M, S.A. Rua …, 123, …, … Telefone: …
Termo inicial base:-----
Meses 60 Aluguer líquido mensal: 289,80 EUR, acrescido de IVA à taxa legal aplicável, actualmente 57,96 EUR
Aluguer ilíquido mensal: 347,76 EUR.
Taxa de serviço (prestação única): EUR 75,00 acrescido de IVA.
As mensalidades do aluguer deverão ser pagas antecipadamente no primeiro dia de calendário do trimestre respectivo. As prestações serão pagas através de débito directo (…)”, e consta a fls. 59 dos autos o NIB com indicação de A M, S.A. como titular da conta.
8º) O referido equipamento foi entregue à Locatária em 14/01/2010, em estado de novo, conforme “Confirmação de Aceitação” junta aos autos e que se dá por reproduzida, tendo a R. declarado que se encontrava em “condições perfeitas e de funcionamento” e que correspondia às “características asseguradas pelo fornecedor” – cfr. fls. 64.
9º) O bem locado e respectiva fornecedora foram escolhidos pela Locatária.
10º) Após a entrega do bem locado à Locatária, a Locadora procedeu ao pagamento do preço do bem descrito na Factura nº …, de 13/01/2010, emitida pela Fornecedora em nome da Locadora, ora A., com data de 13/01/2010 – cfr. fls. 65.
11º) O período de locação de 60 meses iniciou-se no 1º dia do trimestre seguinte à aceitação, ou seja, em 01/04/2010, terminando em 31/03/2015.
12º) A Locadora, ora A., emitiu e enviou à Locatária, ora R. quatro facturas, relativas à taxa de serviço e proporcional de alugueres de 14/01/2010 a 31/03/2010, e aos alugueres de Julho a Dezembro de 2010, que foram pagas.
13º) A Locadora, ora A., emitiu e enviou à Locatária, ora R., para a morada constante do contrato, as seguintes facturas:
- Factura/Recibo nº 11320/2010, com data de 26/03/2010, relativa a alugueres de Abril a Junho de 2010, no montante de € 1.043,28 (IVA incluído), vencida em 03/04/2010 – cfr. fls. 66;
- Factura/Recibo nº 32284/2010, com data de 28/09/2010, relativa a “custos de advogado”, no montante de € 117,78 (IVA incluído), vencida em 03/10/2010 – cfr. fls. 67;
- Factura/Recibo nº 3015/2011, com data de 17/12/2010, relativa a alugueres de Janeiro a Março de 2011, no montante de € 1.051,97 (IVA incluído), vencida em 01/01/2011 – cfr. fls. 68;
- Factura/Recibo nº 13359/2011, com data de 26/01/2011, relativa a “custos de aviso”, no montante de € 12,30 (IVA incluído), vencida em 26/01/2011 – cfr. fls. 69;
- Factura/Recibo nº 21562/2011, com data de 16/03/2011, relativa a alugueres de Abril a Junho de 2011, no montante de € 1.069,36 (IVA incluído), vencida em 01/04/2011 – cfr. fls. 70.
14º) Apresentadas a pagamento por débito directo, nas respectivas datas do vencimento, as referidas facturas foram devolvidas com a informação de “Sem saldo”.
15º) Quando detectou a falta de pagamento, a Locadora, ora A., enviou à R. Locatária um Aviso, datado de 03/05/2010, reclamando o pagamento da factura relativa aos alugueres de Abril a Junho de 2010 e o custo de aviso, no montante de € 5,00 – cfr. fls. 71.
16º) A Locatária não pagou.
17º) Com data de 16/06/2010, o mandatário da Locadora enviou uma carta à Locatária, interpelando para o pagamento da quantia em dívida, no montante total de € 1.128,28, que incluía a factura em dívida no valor de € 1.043,28, e “custos de aviso”, no montante de € 10,00, e “honorários do advogado” pela interpelação, no montante de € 75,00 – cfr. fls. 72 e 73.
18º) A Locatária não respondeu nem pagou.
19º) Com data de 05/07/2010, a locadora enviou à Locatária carta sob o “Assunto: Último aviso antes da resolução do contrato por falta de pagamento de alugueres – Incumprimento do contrato de Locação nº …”, sendo então liquidados juros de mora à taxas convencionadas, no montante de € 1.161,06 (€ 1.043,28 + € 10,00 de custos de aviso + € 75,00 de honorários de advogado + € 32,78 de juros) – cfr. fls. 74 e 75.
20º) A Locatária entregou à Locadora o cheque da Caixa Geral de Depósitos nº …, com data de emissão de 2010/09/06, sacado pela sociedade A, S.A., no montante de € 1.161,06, referido na carta de 05/07/2010 – cfr. fls. 76.
21º) O referido cheque foi sucessivamente apresentado a pagamento, em 29/09/2010, 06/10/2010 e 14/10/2010, tendo sido devolvido por falta de provisão, conforme carimbos apostos no verso do mesmo – cfr. fls. 77.
22º) Com data de 26/01/2011, a Locadora enviou à Locatária um Aviso, do qual consta: “Saldo da conta corrente actual: Data: 12/01/2011 Descrição: SEM SALDO Débito: € 1.051,97. Data: 26/01/2011 Descrição: Custos de Aviso: € 12,30. Data: 26/01/2011 Descrição: Total em mora: € 1.064,27” – cfr. fls. 78 e 79.
23º) Com data de 10/02/2011, a Locadora, através da sociedade L, S.A., enviou uma carta à Locatária, reclamando o pagamento do crédito que detém sobre V. Exa(s), decorrente do incumprimento do contrato, e que corresponde ao(s) seguinte(s) montante(s):
Data de vencimento: 12/01/2011;
Valor: € 1.051,97
Factura 13359/12011, de 26/01/2011; Data de vencimento: 26/01/2011; Valor: € 13,20
Subtotal:
Valor: € 1.064,27
A SER ADICIONADO:
Custos de Aviso e Gestão de Cobrança:
Valor: € 110,70
Custos de retorno da entrada do débito directo:
Valor: € 4,31
Total do valor em dívida
Valor: 1.179,28 – cfr. fls. 80 e 81.
24º) A Locatária recebeu as cartas e não respondeu, nem procedeu a qualquer pagamento.
25º) Com data de 25/02/2011 a Locadora enviou à Locatária uma carta sob “Assunto:  Último aviso antes da resolução do contrato por falta de pagamento de alugueres – Incumprimento do Contrato de Locação nº …”, tendo sido liquidados juros de mora vencidos, à taxa convencionada, reclamando-se o pagamento de um total de € 1.196,13 – cfr. fls. 82 e 83.
26º) A Locatária recebeu a carta de 25/02/2011, não tendo efectuado qualquer pagamento nem deu qualquer justificação ou respondeu.
27º) Com data de 12/04/2011, face à ausência de respostas e ao incumprimento por parte da Locatária das obrigações de pagamento das quantias facturadas, nomeadamente vencidas desde Abril de 2010, a A. Locadora, nos termos previstos na Secção 15, nº2 das “Condições Gerais de Locação”, enviou à R., por carta registada com aviso de recepção, “Comunicação de resolução do contrato por falta de pagamento de alugueres – Incumprimento Definitivo do Contrato de Locação nº ...”– cfr. fls. 84 a 87.
28º) Na mesma comunicação de resolução do contrato, era solicitada a devolução e entrega à Locadora do bem locado, nos termos acordados, ou seja, por conta e risco da Locatária, até ao dia 20/04/2011, indicando a sede da A., em Lisboa, como local onde deveria ser restituído.
29º) Na referida comunicação de resolução foi reclamado o pagamento do montante de € 17.940,90, correspondentes a “todas as quantias em dívida, constantes da Conta Corrente em anexo”, montante que “foi calculado até à data acima indicada” (12/04/2011), e assim discriminado, no “Anexo 1. Extracto de Conta Corrente com os montantes em dívida”:
- Data de vencimento: 12/01/2011 Valor: € 1.051,95 Juros (13%): 90 dias € 34,19
- Data de vencimento: 26/01/2011 Valor: € 12,30 Juros (13%): 76 dias € 0,34
- Data de vencimento: 07/04/2011 Valor: € 1.161,06 Juros (13%): 5 dias € 2,10
- Data de vencimento: 07/04/2011 Valor: € 1.069,36 Juros (13%): 5 dias € 1,93
A SER ADICIONADO:
Custos de Aviso e Gestão de Cobrança: € 110,70
Custos de retorno de entradas: € 4,31
Total intermédio do valor em dívida: € 3.409,70
Juros: € 38,55
Valor pecuniário das rendas futuras: € 11.782,64
Valor total na data da resolução: € 17.940,90. – cfr. fls. 84 a 86.
30º) A Locadora adquiriu o bem locado exclusivamente para o alugar à Locatária.
31º) O valor dos alugueres e a duração do contrato ajustados tiveram em consideração o preço de aquisição do bem locado, as despesas normais de execução do contrato e o lucro esperado com o negócio.
32º) A Locatária não restituiu o bem locado à Locadora.
33º) A Locatária não comunicou à Locadora qualquer alteração da morada convencionada.
34º) A ora R. não recebeu nem reclamou nos Correios a carta de resolução, datada de 12/04/2011, expedida em 14/04/2011 – cfr. fls. 88 e 89.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Um dos pedidos formulados pela A. na presente acção era o da condenação da R. a pagar-lhe a quantia de “€ 16.040,43, correspondente ao valor dos alugueres vencidos antecipadamente com a comunicação da resolução (cláusula penal)”, sustentado no disposto no nº 1 do Ponto 17 das Condições Gerais do Contrato.
O tribunal recorrido julgou parcialmente improcedente este pedido, uma vez que declarou nulos os Pontos 1, nº 2 e 17, nº 1 das Condições Gerais do Contrato [1], por contrariarem “um valor fundamental das relações nos contratos sinalagmáticos que é o do equilíbrio das prestações entre as partes (artigos 12º, 15º, 16º e 19º, al. c) do DL nº 447/85, de 25/10, na redacção dada pelo DL nº 220/95, de 31/01 e do D.L. nº 249/99, de 07/07), e ainda por violação do disposto no artº 8º, alínea c) do mesmo dispositivo legal”, mas, ao abrigo do disposto no art. 1045º, nº 1 do CC, condenou a R. a pagar à A., “a título de indemnização, o equivalente ao montante de € 289,80, acrescido do IVA que for devido à taxa em vigor, estipulado para o aluguer mensal, por cada um dos meses que decorrer, e vencido mensalmente, desde Julho de 2011 até à efectiva entrega do bem locado à A., ou até ao trânsito em julgado da presente sentença, caso entretanto não tenha sido o referido bem restituído à A.”.
Insurge-se a apelante contra o decidido, sustentando não serem as referidas cláusulas contratuais nulas, devendo proceder, integralmente, o peticionado.
Apreciemos.
Separou a apelante a sua impugnação da decisão recorrida no que toca, por um lado, à nulidade da cláusula prevista na Secção 1, nº 2 das Condições Gerais da Locação, e, por outro, à nulidade da cláusula prevista na Secção 17, nº 1 das mesmas Condições Gerais.
Entendemos, porém, que a declaração de nulidade de parte da Secção 1, nº 2 das Condições Gerais decretada pelo tribunal recorrido apenas o foi na estrita medida da sua ligação com a Secção 17, nº 1, também na parte que se declarou nula, como melhor se explicará adiante, pelo que se apreciará conjuntamente da nulidade ou não das mencionadas cláusulas contratuais gerais.
Começa a apelante por sustentar que o tribunal recorrido não considerou provados os factos alegados nos arts. 33º e 71º a 81º da P.I., que deverão fazer parte da matéria de facto provada por serem relevantes para a questão em apreço.
O tribunal recorrido deu como assentes os factos supra elencados “com base nos documentos juntos aos autos e por confissão”, atenta a falta de contestação e o disposto no art. 484º do CPC, aplicável ex vi do art. 463º do mesmo diploma.
Nos termos do disposto no art. 659º, nº 3 do CPC, aplicável ex vi do disposto no art. 713º, nº 2 do mesmo diploma legal, cumpre apreciar se assiste razão à apelante quanto à alegada omissão.
Quanto à factualidade alegada nos arts. 33º, 75º e 80º da P.I., não assiste razão à apelante uma vez que o tribunal recorrido deu, efectivamente, como assente a alegada factualidade nos pontos 6º [2], 31º e 32º da fundamentação de facto supra.
Quanto ao alegado nos arts. 76º, 77º, 78º e 79º da P.I., trata-se de matéria manifestamente conclusiva, sendo, ainda, a do art. 76º repetição do alegado nos arts. 4º, 5º, 34º a 39º, 43º e 72º, pelo que nenhuma factualidade há a aditar à fundamentação de facto supra, no que respeita àqueles artigos da P.I.
Quanto à factualidade alegada no art. 71º da P.I., apenas a parte final deverá ser aditada à fundamentação de facto supra, uma vez que a primeira parte já se mostra assente no ponto 30º daquela.
O alegado no art. 72º da P.I. é conclusivo e reproduz o que consta de uma das Condições Gerais do contrato, que resulta assente no ponto 6 da fundamentação de facto.
A factualidade alegada nos arts. 73º e 74º da P.I. poderá relevar para a apreciação de mérito, pelo que se adita à fundamentação de facto supra.
Assim, aditam-se à factualidade de facto supra os seguintes factos:
35º) - A A. não teria adquirido e pago o bem locado se não tivesse celebrado o contrato objecto dos autos.
36º) O bem locado, quando for restituído, por ter sido usado, encontrar-se-á desvalorizado e não será novamente alugado.
37º) Os equipamentos do tipo do locado estão em constante evolução, aparecendo no mercado novos modelos e tecnologias, não existindo procura deste tipo de equipamento no estado de usados, seja para alugar seja para comprar, facto que a A. conhece por experiência própria, não tendo celebrado qualquer contrato de bens usados, em mais de 7500 contratos de locação já celebrados desde que iniciou a sua actividade em Portugal.
Assentes os factos, apreciemos da validade dos Pontos 1, nº 2 e 17, nº 1 das Condições Gerais do contrato objecto dos autos.
O tribunal recorrido declarou nulas as cláusulas contratuais acima referidas por serem, em si, contrárias à boa fé e violarem valores fundamentais do direito, na situação concreta em causa, designadamente o necessário equilíbrio das prestações nas relações contratuais, bem como, no contexto geral do sentido global das cláusulas contratuais em causa, o processo de formação do contrato singular celebrado e o teor deste, serem também manifestamente contrárias ao princípio da boa fé contratual e à confiança que o mesmo devia suscitar entre as partes, nos termos dos arts. 12º, 15º, 16º e 19º, al. c) do DL. 447/85 de 25.10, com as alterações introduzidas pelos DL. nº 220/95 de 31. 01 e nº 249/99 de 7.07.
            Insurge-se a apelante contra o decidido, propugnando pela validade da cláusula inserta na Secção 1º, nº 2, essencialmente por a mesma respeitar a liberdade contratual, na qual o tribunal recorrido interferiu sem justificação [3] , equilibrar as prestações de ambas as partes, sem que se afaste o regime jurídico do contrato de locação, e por a peticionada restituição de bens, atenta a factualidade provada, funcionar, apenas, como uma forma de pressão para que a locatária pague as quantias a que se obrigou para que o bem lhe fosse disponibilizado [4], e da cláusula inserta na Secção 17, nº 2 por a cláusula penal fixada ser justa e equilibrada.
            Salvo o devido respeito por opinião contrária, o tribunal recorrido não pôs em causa os critérios utilizados para a fixação do montante da prestação, nem foi nessa medida que entendeu ser nula a Secção 1, nº 2 das Condições Gerais do contrato, não tendo interferido, pois, com a liberdade contratual das partes nesta matéria.
E tanto assim é que quando, por recurso à norma supletiva aplicável (o art. 1045º, nº 1 do CC) fixou o montante indemnizatório por não ter a apelada restituído à locadora o bem objecto do contrato findo o mesmo por resolução, tomou por base “o equivalente ao estipulado para o aluguer mensal, no montante de € 289,80, acrescidos de IVA que for devido à taxa em vigor,…”.
O tribunal recorrido apenas entendeu ser nula a referida cláusula contratual na medida em que a obrigação assumida pela locatária - de amortização total dos custos do locador - se reflecte na cláusula 17, nº 1, no sentido de determinar a obrigação de pagar as prestações vincendas, mesmo em caso de cessação do contrato pela locadora, nomeadamente por resolução.
E é nesta medida que haverá que ponderar o equilíbrio das prestações.
            É inquestionável que o princípio basilar das relações negociais é o da liberdade contratual, plasmado no art. 405º do CC, nos termos do qual as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouverem, mas sempre dentro dos limites da lei.
            E não obstante tal princípio basilar da liberdade contratual, o que é um facto é que em causa está um contrato de adesão, com cláusulas gerais pré-estabelecidas, sujeito, pois, ao regime legal das cláusulas contratuais gerais definido pelo DL. 446/85 de 25.10.
            Como escreve Inocência Galvão Teles, in Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, pág. 334, “... o contrato é a afirmação por excelência da autonomia individual. Mas não pode dizer-se que viva num mundo puramente voluntarista e subjectivista. Ele tem sempre um lado objectivo e obedece a um princípio extra-individual. Possui, incrustado em si, um fim imanente, consubstanciado na sua função económica ou social típica. É excessivo dizer que não há no contrato “integração de uma ideia” mas o simples encontro de duas vontades, que seguem, cada uma, a sua ideia própria, e defini-lo como o tête-à-tête do credor e do devedor, do vendedor e do comprador. O contrato é alguma coisa mais: as partes não o vergam inteiramente ao império dos seus caprichos ou dos seus interesses. A homogeneização das relações económicas provoca, sem dúvida, um desequilíbrio de forças entre as partes contratantes. Mas as operações massificadas de venda de bens ou prestação de serviços não deixam por isso de assumir vestes contratuais: apenas reclamam intervenção tutelar do legislador para que o contrato não deixe de ser, como cumpre, um instrumento de justiça”.
            E sê-lo-á se entre as partes existir um adequado equilíbrio contratual de interesses, que se visa salvaguardar com a consagração do regime legal das cláusulas contratuais gerais, tendo em conta serem os contratos de adesão elaborados pelo emitente das condições gerais, aos quais os clientes apenas podem aderir, sem poderem interferir no conteúdo negocial que lhes é proposto, e tendo como única alternativa o não contratar [5].
            O eixo fulcral do sistema de fiscalização das cláusulas é constituído pelo princípio da boa fé consagrado no art. 15º do DL. 446/85 de 25.10, referindo José Manuel Araújo de Barros, in Cláusulas Contratuais Gerias, pág. 172 que “uma cláusula será contrária à boa fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes, resultar para o predisponente uma vantagem injustificável”, sendo-se sempre reconduzido à ideia de equilíbrio ou reequilíbrio das prestações, “a qual tem imanente, por sua vez, a de reposição de igualdade”.
O tribunal recorrido não interferiu com a forma como as partes acordaram o valor das prestações a pagar, mas tendo as cláusulas estipuladas em causa (apreciadas de forma conjugada) de ser apreciadas à luz do referido regime, atento o tipo de contrato em causa [6], necessário se torna ponderar se as mesmas estão de acordo com a boa fé contratual, respeitando o  equilíbrio das prestações das partes.
E, tal como o tribunal recorrido concluiu, afigura-se-nos que não, sendo, pois, nulas, pelos fundamentos analisados na sentença recorrida que apreciou a questão de forma exaustiva e clara, pelo que se remete para tudo quanto aí se escreveu, dispensando-nos de maiores considerações.
Ao contrário do sufragado pela apelante, a factualidade que, nesta sede, se acrescentou à fundamentação de facto em nada altera a fundamentação de direito da sentença recorrida, uma vez que, não obstante o tribunal recorrido não ter seleccionado os referidos factos como assentes, não deixou de os ponderar na sua apreciação, como resulta de fls. 123 a 125, 131, 133 e 134 dos autos.
Tal como referiu o tribunal recorrido, a factualidade dada como assente é irrelevante tendo em conta o tipo de contrato celebrado e o objecto social da apelante, estando em causa opções comerciais da apelante e o risco inerente ao tipo de negócio em causa.
A apelante insiste que não tem nenhum estabelecimento comercial com bens para alugar, que só comprou o bem porque a locatária o escolheu e para seu uso exclusivo, mas não pode escamotear o facto do contrato celebrado ter sido de locação (aluguer), pertencendo-lhe o bem, que adquiriu, integrando-se o contrato celebrado na sua actividade comercial [7].  
O que está em causa é aquilatar se as cláusulas em apreço são válidas à luz do regime das cláusulas contratuais gerais, nomeadamente dos artigos referidos pela sentença recorrida, estando em causa saber se estamos perante cláusulas relativamente proibidas por desproporcionadas face aos danos a ressarcir.
E tal apreciação haverá que ser feita tendo em conta o quadro negocial padronizado (nos termos da lei) e não o negócio concreto em que as cláusulas se inserem [8], e num juízo prévio reportado ao momento em que a cláusula é concebida [9].
Como se sumariou no Ac. da RL de 27.11.2003, in CJ, Tomo V, pág. 93, “o juízo sobre a desproporção de uma cláusula penal face aos danos a ressarcir deve ser efectuado “ex ante”, depois de se proceder a uma valoração prévia de tal cláusula de acordo com a sua compatibilidade e adequação ao ramo ou sector de actividade negocial a que pertence”.
Ora, no caso em apreço, estamos perante uma cláusula contratual que fixa uma cláusula penal que visa a reparação do dano resultante da cessação “antecipada” do contrato (sem prejuízo da sua natureza compulsória que visa compelir ao cumprimento das obrigações pelo locatário), e que se mostra desproporcionada ao valor dos danos a ressarcir, tendo em conta o tipo de negócio em causa.
É certo que a locadora assume neste género de contratos riscos, principalmente quando adquire o bem para o alugar por um período consideravelmente longo e atendendo a que a coisa locada pode já não ser susceptível de uma segunda utilização [10], sendo certo, porém, que nada obsta a que estes riscos sejam ponderados no valor dos alugueres fixados [11].
Contudo, não se poderá deixar de atentar que a cláusula vem equacionada para o caso da cessação antecipada do contrato [12], resultando da mesma a obtenção pela locadora da totalidade das prestações estipuladas, como se o contrato tivesse sido cumprido, com uma vantagem acrescida que é a de receber imediatamente a totalidade dos alugueres, com antecipação aos vencimentos contratados, com proveito do juro calculado para o tempo de duração do contrato [13].
Com o incumprimento e a resolução, a considerar-se válida a cláusula em exame, a locadora ainda ganharia mais do que com o cumprimento do contrato [14].
Concluímos, pois, como o tribunal recorrido, pela nulidade das cláusulas contratuais em apreço, não sufragando o entendimento perfilhado pelos acórdãos referidos pela apelante, nem o sustentado na apelação.

DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
                                                           *
Lisboa, 2012.06.05

Cristina Coelho
Maria João Areias
Luís Lameiras

Vencido, pelas seguintes razões
(artigo 713º, nº 1, final):

            Tenho as mais fundadas reservas sobre a invalidade da cláusula em questão.

            No essencial, o que nela se contém é uma cláusula penal com o conteúdo do valor dos alugueres até fim do contrato, para a hipótese da sua cessação antecipada, em particular quando motivada pelo incumprimento do locatário.

            O contrato é, no essencial, locativo; e é de adesão.
            Na prática, não há como lhe negar ainda uma vertente financeira.

            A autonomia da vontade privada constitui plataforma basilar no direito privado; e a incursão judiciária deve circunscrever-se aos casos de excesso intolerável.

            O artigo 19º, alínea c), do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, na proibição que comporta, apela, de um lado, ao “quadro negocial padronizado”, de outro, a um critério de “desproporção” relativamente aos “danos a ressarcir”.
            A cláusula que aí caia padece de nulidade (artigo 12º).

            A disciplina da invalidade da convenção negocial só é compatível, mesmo em contrato de adesão, com um vício que o inquine na sua génese. Quando nasce, a convenção, se for válida, não o deixa de ser de modo superveniente. E isto só pode significar que a “desproporção” ali tida em vista é aquela que previsivelmente ocorra tendo em conta os danos prováveis que urja ressarcir. Só este juízo de prognose é compatível com a dogmática negocial.

            A “desproporção” há-de, por outro lado, ser acentuada ou notória e sensível, como vem sendo entendido;[15] tendo em conta, do meu ponto de vista, o apontado juízo de probabilidade que seja possível intuir, em abstracto, do padrão de negócio.

            Ao negócio (locativo) a que os autos se referem anda ligada uma acentuada componente financeira. O bem dado em locação é adquirido especificamente para o efeito do contrato, limitando-se a locadora a despender o seu custo e, depois, a auferir o valor dos alugueres do locatário.
A este tipo de contrato – que a autonomia da vontade viabiliza – anda correntemente aliado, na sua componente patológica mais comum, que é a do incumprimento pelo locatário, um efeito de perda e dissipação do bem; ou, pelo menos, de uma não entrega (não restituição) prolongada que só vem a acontecer (quando acontece) no momento em que pouca importância ou valor lhe é já possível de reconhecer.

            É porventura esta a constatação de uma realidade que permite enquadrar a convenção de cláusulas penais algo severas, em defesa da execução adequada do contra-to, até final, e em salvaguarda do interesse financeiro da locadora.
            Qualquer cláusula penal não tem só função ressarcidora; mas comporta ainda uma função coercitiva, destinada a impelir ao cumprimento e em dissuadir ao incumprimento. Função que só é eficaz diante de alguma firmeza e solidez da pena.

            Assim, não me impressiona particularmente que, operando a cláusula penal, o locador venha a obter a mesma vantagem (ou até acrescida) como se o contrato tivesse sido cumprido. Será precisamente por isso que competirá cumpri-lo pontualmente, como é apanágio das obrigações (artigos 406º, nº 1, e 762º, nº 2, do Código Civil).
            Não se me afigurando que, só por isso, no negócio padronizado, se alcance um carácter manifestamente excessivo da cláusula penal – como cremos supor a norma proibitiva aplicada pela tese que, no acórdão, fez vencimento.

            Em suma; consideraria válida a cláusula, que a tese vencedora considerou nula, e nessa conformidade julgaria procedente a apelação.

Luís Filipe Brites Lameiras
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[1] Estipulam os referidos Pontos (Secções) das Condições Gerais do contrato: Secção “1. Bem e Amortização total do locatário, devolução do bem locado: 1. O bem locado é adquirido pelo Locador no interesse do Locatário, após indicação prévia do Locatário do bem a ser locado e da identidade do fornecedor do bem. … 2. O locatário (Locatário) tem a obrigação de amortização total dos custos do locador (Locador) incorrido em conexão com a aquisição do bem locado e com a execução do contrato, bem como do lucro estimado. Após cessação do contrato de locação, o Locatário deverá entregar o bem locado ao Locador (confrontar secção 19)” e Secção “17. Consequências da cessação prematura extraordinária: 1. Tendo em consideração que o Locador adquiriu o bem locado para benefício do Locatário, caso o Locador exerça o seu direito de cessação sem aviso prévio ou caso o Locatário cesse o contrato de acordo com a Secção 13, o Locador poderá exigir o pagamento de todos os alugueres até ao fim do contrato. A compensação com a poupança de custos ou a obtenção de benefícios relacionadas com a cessação antecipada – incluindo indemnizações pagas pelo seguro e outras indemnizações, se existirem (…) recebidas pelo Locatário estarão sujeitas às disposições legais. Os direitos do Locador tornam-se exigíveis com a recepção da notificação de cessação. O Locatário deverá ser considerado em incumprimento caso não realize o pagamento nos 30 dias subsequentes à recepção da notificação da cessação e dos danos enumerados. …”, tendo o tribunal recorrido declarado nulas as cláusulas contratuais acima referidas na parte em negrito.
[2] Ao remeter para o documento junto aos autos de fls. 59 a 63, tem por reproduzido o teor do documento, do qual constam quer a aceitação pela R. das Condições Gerais de Locação – fls. 60 -, quer o teor das mesmas.
[3] Alega a apelante que “O regime jurídico previsto no Código Civil relativo ao contrato de locação não estabelece quais os critérios que devem ser atendidos na fixação do valor dos alugueres e demais obrigações que as partes pretendem ajustar no âmbito da autonomia privada e liberdade contratual, nada impedindo que o valor do aluguer ajustado tenha em consideração o preço pago pela locadora, a duração do contrato, as despesas normais de execução do contrato e a margem de lucro que daí resulte para a locadora” pelo que, “ao julgar nula a cláusula contratual prevista na Secção 1, nº 2 das Condições Gerais de Locação, a sentença recorrida violou o art. 405º do CC, sem fundamento legal, pois não viola tal disposição contratual a boa fé ou o equilíbrio entre as prestações das partes”.
[4] O que não está de acordo com os termos em que a apelante formulou o pedido, nomeadamente ao peticionar a restituição do bem e a condenação da R. a pagar-lhe a indemnização convencionada compulsória pela mora na restituição do bem, “destinada a ressarcir os prejuízos causados pela R. por indisponibilidade do bem e a compelir o cumprimento da obrigação de restituição”.
[5] Que, as mais das vezes, nem alternativa é, face às fortes pressões económicas que não conseguem vencer a não ser através de uma adesão a tais contratos.
[6] De adesão.
[7] De acordo com a certidão junta a fls. 55 e ss. o seu objecto é o “aluguer de equipamento de escritório, de máquinas e de equipamento informático, incluindo software e hardware, actividades relacionadas e revenda de equipamentos usados. Aquisição de equipamentos informáticos, software e outros bens para aluguer e aluguer dos mesmos, …. Venda de equipamentos informáticos, software e outros bens, tanto novos como usados. …”.
[8] Entre outros, cfr. o Ac. do STJ de 12.06.2007, P. 07A1701, rel. Cons. João Camilo, in www.dgsi.pt.
[9] Cfr. José Manuel Araújo de Barros, in ob. cit., pág. 237.
[10] Nomeadamente pela desactualização alegada.
[11] Como foi o caso.
[12] “… caso o Locador exerça o seu direito de cessação sem aviso prévio ou caso o Locatário cesse o contrato de acordo com a Secção 13”, cessação prematura.
[13] Com respeito a um contrato de locação financeira, cfr. o Ac. do STJ de 2.05.2002, in CJ, Tomo II, pág. 43 e 44.
[14] Como se escreveu no Ac. da RL de 19.05.2005, P. 3847/2005-8, rel. Desemb. Salazar Casanova, in www.dgsi.pt – em que estava em causa contrato de locação financeira -, “o valor das rendas coincide com o proveito que a locadora pretende obter do negócio. Ao fazer coincidir esse proveito, que corresponde ao integral cumprimento do contrato, com os prejuízos decorrentes do incumprimento, evidencia-se uma desproporção manifesta ao nível da própria previsão dos prejuízos”.
[15] Almeida Costa e Menezes Cordeiro, “Cláusulas contratuais gerais (anotação do decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro)”, 1990, página 47.