Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7230/13.3TBALM-A.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: AVALISTA
CRÉDITO BANCÁRIO
NOVAÇÃO
LIVRANÇA
TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Tendo o avalista subscrito igualmente o contrato de crédito do qual emerge a obrigação subjacente à emissão desse título e que determinou a entrega de livrança por si avalizada, em branco e com autorização de preenchimento, pode aquele opor ao credor e beneficiário da ordem de pagamento assim titulada as exceções decorrentes da relação creditória principal que determinam a extinção dessa obrigação, na medida em que ainda nos encontramos no domínio das relações imediatas.
São requisitos da novação: a) a existência de “animus novandi”, traduzido na declaração de vontade expressa de substituir a obrigação antiga por uma nova; b) a existência e validade da obrigação primitiva; e c) a validade da nova obrigação.
Não se pode inferir uma novação da simples modificação da obrigação primitiva relativa a elementos meramente acessórios da relação creditória, como sejam da alteração de prazos de pagamento ou das taxas de juros convencionadas. É necessário que haja alteração de elementos essenciais da relação obrigacional, como sejam o objeto, a causa ou os sujeitos, tendo de se provar sempre a existência da intenção expressa de convencionar a substituição da obrigação antiga por uma obrigação nova.
Sendo o aval constante de livrança entregue em branco, com autorização de preenchimento, destinado a garantir o cumprimento de obrigações emergente de determinado contrato que atingiu o seu termo, a execução fundada nesse título, movida contra o avalista, deve apenas corresponder as obrigações constituída durante a vigência do contrato a que se refere essa garantia.
Não tendo o avalista dado o seu acordo no contrato inicial à possibilidade de manutenção da garantia para lá do termo máximo inicialmente estabelecido no contrato de crédito, apesar do credor ter acordado com os demais codevedores a prorrogação da relação creditória e a manutenção das garantias dadas, a garantia pessoal de pagamento emergente desse aval deixa de produzir efeitos e não pode compreender a satisfação do crédito por incumprimento do devedor principal ocorrido após o termo do contrato primitivo.
A dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do Art. 6.º n.º 7 do R.C.P., é de conhecimento oficioso pelo Tribunal da Relação e deve ser apreciado no acórdão que decide sobre a responsabilidade e condenação das partes em custas para efeitos de recurso.

Sumário (art.º 663º nº 7 do CPC)– Da exclusiva responsabilidade do relator
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRELATÓRIO:


Cândida M., executada nos autos principais, veio deduzir oposição mediante embargos à execução para pagamento de quantia certa, contra a Caixa..., invocando a sua ilegitimidade passiva, por não ter assinado as livranças dadas à execução, a ineptidão do requerimento executivo por falta de indicação de causa de pedir do requerimento executivo e a prescrição das obrigações cambiárias. Tendo ainda alegado, em suma, a inexistência de pacto de preenchimento válido das livranças assinadas em branco, a inexistência da relação subjacente à sua emissão e a inexigibilidade da obrigação relativamente à executada. No final, pediu que fosse julgada procedente a oposição assim deduzida à execução e, em consequência, que a mesma fosse declarada extinta contra a executada, determinando-se a suspensão da execução sem prestação de caução.

Recebidos os embargos, a exequente contestou pugnando pela improcedência das exceções invocadas, concluindo no sentido de serem os embargos de executado julgados improcedentes por não provados.

Por despacho de fls 140 a verso foi deferida à requerida suspensão da execução, ao abrigo do Art. 733.º n.º 1 al. b) do C.P.C. e designada data para a realização de audiência prévia.

Foi aí então proferido despacho saneador, que julgou não enfermar a petição de ineptidão e que as partes eram as legítimas, fixando os temas de prova e o objeto do litígio, e admitindo-se os meios de prova requeridos pelas partes.

Cumpridas as diligências instrutórias prévias, foi designada data para audiência final, finda a qual veio a ser proferida sentença, que julgou os embargos por procedentes, declarando extinta a execução contra a embargante.

É dessa sentença que a exequente-embargada ora recorre, tendo apresentado as seguintes conclusões:
A.Decidiu o Tribunal a quo pela procedência dos Embargos de Executado, considerando que os dois contratos adicionais celebrados em complemento ao contrato originário, se tratavam de contratos novos, definindo este facto como Novação Objetiva;
B.Em consequência, como a Recorrida/Embargante/Avalista não subscreveu os contratos adicionais, se encontrava exonerada das responsabilidades assumidas;
C.O artigo 859.º do Código Civil diz que existe Novação Objetiva quando “o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga.”, acrescentando o artigo 859.º do mesmo diploma legal que “A vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada;
D.No caso em apreço, a Recorrida não assinou qualquer declaração ou de outra forma expressa manifestou o seu acordo na novação do contrato. Não existe aqui, por parte da Recorrida, qualquer manifestação expressa da vontade, elemento essencial para que se considere efetiva a Novação Objetiva;
E.Neste sentido veja-se o acórdão da Relação de Lisboa n.º 2656/07.4TBAMD-A.L1-1 e 23-1-1976: CJ,1976, 1.º -206;
F.No nosso caso concreto, da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal produzida não resulta que, em momento algum, a CEMG tenha autorizado a desvinculação da avalista embargante/Recorrente ou até que a mesma tenha celebrado novo contrato em substituição do originário.
G.E não se diga que os adicionais correspondem a contratos novos já que, tais documentos em seu texto admitem claramente a sua dependência com o contrato originário, uma vez que se trata exatamente da mesma obrigação;
H.Não se pode deixar de concluir que NUNCA foi intenção das partes celebrar contrato novo, que a obrigação, sua origem e garantias se mantêm AS MESMAS, tendo apenas sido alterados os prazos de pagamentos e os spreads contratados inicialmente;
I.Não se diga ainda que a falta de assinatura da Recorrida nos contratos adicionais a exonera de qualquer responsabilidade pois na prática, era desnecessária já que, o contrato originário (subscrito pela Recorrida) prevê na Cláusula 8.º. ponto 5.º a possibilidade de aditamentos;
J.Mesmo que assim não se considerasse teria que se olhar para a falta de assinatura como uma lacuna que seria preenchida pelas disposições do contrato primitivo, por remissão das cláusulas 7.º e 9.º dos contratos adicionais;
K.Não existe no caso concreto, na mesma medida Novação Subjetiva, pois da análise disposições legais, resulta como evidente, que haverá lugar a novação, quando se verifique, por um lado, a substituição do devedor/obrigado por um novo devedor, o que importará a extinção da obrigação primitiva e a constituição de uma nova obrigação, com a consequente exoneração do devedor por parte do credor. Por outro lado, que a vontade em contrair a nova obrigação em substituição da antiga, seja expressamente manifestada.
L.No caso concreto nada disto se verificou, não tendo NUNCA, o Recorrente exonerado a Recorrida das obrigações subscritas.
M.Entendeu ainda a Sentença recorrida que ainda que não existisse Novação da dívida, que existiria Má-Fé por parte da ora Recorrente, traduzida num abuso de direito pois não se poderia “pedir à avalista, que não teve qualquer conhecimento e intervenção nos adicionais aos contratos que subscreveu, o valor que esta avalizou em contratos que deveriam estar extintos, pelo menos, desde 2008”.
N.Ora, um caso típico de abuso do direito é a proibição do venire contra factum proprium, variante esta que radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois que pressupõe duas atitudes dela, espaçadas no tempo, sendo a primeira contrariada pela segunda, o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e correção, uma manifesta violação dos limites impostos pelo princípio da Boa-Fé;
O.Não será difícil de concluir que a conduta da Recorrida/Embargante se enquadra inteiramente neste instituto jurídico já que, assinou livremente um contrato, assumiu uma obrigação, aceitou que esse mesmo negócio jurídico poderia ser prorrogado, e no fim vem dizer que pelo contrário, esperava que tal contrato terminasse em 2008 e que por isso, as suas legítimas expectativas se mostraram frustradas.
P.Como se mostrará claro após toda a exposição feita, existe no caso concreto uma conduta pautada pela Má-Fé, reconduzida a um abuso de direito, mas por parte da Recorrida que, assumiu perante a Recorrente um compromisso, criando nesta uma expectativa que se viu frustrada pela sua recusa em cumprir com o estipulado no contrato.
Em função do assim exposto, pede que os embargos de executado sejam considerados improcedentes, revogando-se assim a decisão de primeira instância.

A Recorrida respondeu em contra-alegações e, mesmo não apresentando conclusões, pugnou pela manutenção da sentença recorrida nos seus precisos termos, considerando que se verificou efetiva novação, quer relativamente à livrança de 20 de abril de 1999, no valor de €347.396,63, referente a empréstimo concedido apenas pelo prazo de 6 meses, quer relativamente à livrança de 9 de setembro de 2003, no valor de €466.581,07, que se referia a empréstimo pelo prazo máximo de 5 anos, não tendo intervindo nos adicionais posteriormente acordados com a exequente em setembro de 2008 e outubro de 2013, que assim não foram por si garantidos.

IIQUESTÕES A DECIDIR.
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).

Assim, em termos sucintos as questões essenciais a decidir são:
a) Saber se houve novação objetiva e/ou subjetiva das obrigações subjacentes às livranças dadas à execução; e
b) Saber se houve abuso de direito do exequente ao exigir o cumprimento de obrigações avalizadas que se encontravam extintas.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

IIIFUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença sob recurso julgou por provada a seguinte factualidade:
1. A exequente é portadora das duas livranças que constituem os títulos dados à execução e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2. A embargante apôs a sua assinatura no verso das livranças dadas à execução, após a menção “dou o meu aval aos subscritores”.
3. A livrança dada à execução foi preenchida pela exequente, designadamente quanto ao seu valor e data de vencimento.
4. As livranças dadas à execução foram assinadas na sequência da celebração dos contratos de fls. 224 a 226 e 100 a 107 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5. A embargante assinou os contratos referidos no ponto antecedente.
6. Foi celebrado entre a exequente e entre a sociedade executada, a executada Maria... e Rui... o acordo designado “Adicional a Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente” de fls. 108 a 114 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7. Foi celebrado entre a exequente e a sociedade executada o acordo designado “Adicional a Contrato de Mútuo” de fls. 115 a 117 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8. As livranças dadas à execução foram preenchidas pela exequente na sequência do incumprimento dos dois acordos mencionados nos dois pontos antecedentes.
9. Antes do preenchimento das livranças, a embargada, através de um seu funcionário, contactou telefonicamente a embargante, dando-lhe conta do incumprimento.
*

O tribunal julgou ainda não provado que a exequente enviou à embargante as cartas de interpelação cujas cópias constam de fls. 96 a 98 e 118 a 120 destes autos.

Tudo visto, cumpre apreciar.

IVFUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Delimitado o objeto do recurso nos termos já expostos e tendo em atenção as questões que cumpre apreciar, como já enunciámos, o que se pretende é que seja revogada a sentença recorrida pela improcedência dos fundamentos com base nos quais foram os embargos de executado julgados por procedentes. O que implica saber se houve novação objetiva, ou novação subjetiva, com a consequente extinção da obrigação cartular avalizada pela embargante e se houve abuso de direito do exequente ao reclamar o pagamento de uma obrigação avalizada pela embargante que alegadamente já se mostraria extinta.

Prejudicadas estão, por não fazerem parte do objeto do recurso, o julgamento feito pela 1.ª instância relativamente às exceções dilatórias de ineptidão do requerimento inicial executivo e de ilegitimidade e, bem assim, da exceção perentória de prescrição da obrigação cartular exequenda.

Da novação objetiva e subjetiva da relação subjacente.
A sentença recorrida considerou procedente a alegada inexistência da relação creditória subjacente à emissão dos títulos dados à execução, por considerar que a mesma se extinguiu por novação.

Conforme resulta do teor da sentença: «(…) dos factos provados resulta que a embargante assinou os contratos de fls. 92 a 93 e 100 a 107 dos autos, tendo as livranças dadas à execução sido assinadas na sequência da celebração desses contratos.
«Sucede que se provou que, entretanto, foram celebrados dois acordos designados “Adicional a Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente” e “Adicional a Contrato de Mútuo”. Qualquer um desses “adicionais” não contém a assinatura da embargante, não sendo esta neles parte contratante.
«Mais se provou que as livranças dadas à execução foram preenchidas pela exequente na sequência do incumprimento dos dois “adicionais”.
«Ora, perante estes factos provados considero que estamos perante novação objetiva da dívida exequenda, que consiste na extinção contratual da obrigação primitiva em virtude da constituição de uma obrigação nova, que vem ocupar o lugar da primeira – vide Art. 857º do Código Civil.
«Com efeito, compulsados os dois “adicionais” verifica-se que as partes contraentes (que não a embargante), de forma clara, constituíram uma nova obrigação, designadamente com prazos mais alargados e diferentes taxas de juros – em substituição da anteriores, pelo que importa considerar que esta novação foi manifestada de forma expressa – Art. 859º do Cód. Civil. Tanto assim é que do “adicional a contrato de abertura em conta corrente” de fls. 108 a 114, consta que os aí terceiros outorgantes declaram manter o aval pessoal na livrança.
«Assim sendo, de harmonia com o disposto no Art. 861º, nº 1, do Código Civil, fica extinta a garantia prestada pela embargante, que não assinou o “adicional”.»

A sentença recorrida entende depois ainda que, caso tal assim se não se entendesse, então sempre estaríamos perante uma novação subjetiva da dívida, nos termos do Art. 858º do C.C..

O Recorrente não concorda com este entendimento, porque sustenta não haver manifestação expressa da vontade do exequente no sentido de extinguir a obrigação inicial, dado não ter assinado qualquer declaração nesse sentido ou de outra forma acordado na novação do contrato.

No caso, defende o Recorrente que não só não autorizou a desvinculação da avalista, aqui embargante e Recorrida, como entende que não celebrou novos contratos em substituição dos originários, porquanto os denominados “contratos adicionais” foram acordados na dependência dos contratos primitivos e tratam da mesma obrigação.

Como indícios dessa conclusão, refere o Recorrente, são a própria denominação dos documentos, identificados pelo título “adicional a contrato de crédito em conta corrente”; a menção aos contratos originais e à manutenção das livranças subscritas e avalizadas pela Recorrida nesses contratos; e a declaração de que é mantido a aval pessoal nas livranças subscritas pela devedora nos termos definidos pelos contratos originais.

No que se refere à falta de assinatura da Recorrida nos contratos adicionais, entende o Recorrido que a mesma não seria necessária, porque a Cláusula 8.º. ponto 5.º dos contratos originários estabeleciam expressamente que: «AS TERCEIRAS OUTORGANTES declaram expressamente acordar na prestação de aval na referida livrança nas condições e para os efeitos previstos no presente contrato, dando o seu consentimento ao preenchimento da mesma nos termos da presente cláusula, durante todo o período de vigência do contrato, bem como nas eventuais prorrogações do mesmo».

Mesmo que assim não se considerasse, defende ainda o Recorrido, que haveria uma lacuna a preencher nos termos acordados nas cláusulas 7.ª e 9.ª, respetivamente, que dizem o seguinte: «Em tudo o resto se mantém o convencionado no contrato inicial celebrado em 9 de Abril de 2003» e «Em tudo o mais se mantém o então convencionado». Pelo que, se mantiveram as garantias prestadas e não há novação objetiva, nem intenção de exonerar a embargante das suas obrigações.

No que se refere à novação subjetiva, o Recorrente também se opõem à procedência deste fundamento precisamente com o mesmo argumento emergente do Art. 859.º do C.C.. Ou seja, não se verificou no caso a regra da obrigatoriedade de declaração expressa que aqui também aqui se aplica. Desde logo, por não existir novo devedor que substitua o originário, nem estarmos perante uma nova obrigação, sendo que o Recorrente nunca exonerou a Recorrida da obrigação subscrita. Ao que acresce ainda que o ónus de prova desse facto extintivo da obrigação competia à Recorrida e não teria sido cumprido.

Contrariando esta posição, a Recorrida chama a atenção para o facto de terem sido dadas à execução duas livranças.

Assim, na primeira, emitida em 20 de Abril de 1999, com data de vencimento de 13 de outubro de 2013, no montante de €347.396,63, que foi por si assinada na qualidade de avalista, teve por base um contrato de mútuo celebrado com o Recorrente em 20 de Abril de 1999 e que se mostra junto aos autos a fls 224 a 226, constando da sua cláusula 6.ª uma autorização de preenchimento. No entanto, desse contrato consta igualmente, na sua cláusula 2.ª que:
«1- O presente contrato é celebrado pelo prazo de seis meses renovável por sucessivos e iguais períodos nas condições dos números seguintes.
«2- O prazo considera-se renovado por iguais períodos, com a verificação das seguintes condições:
«a) - Apresentação pela PARTE DEVEDORA à CEMG, de um pedido, por escrito de renovação do contrato com uma antecedência mínima de 15 dias em relação ao termo do período contratual ou suas renovações.
«b) - Aceitação pela CEMG do pedido de renovação, a qual será comunicada à PARTE DEVEDOR, por escrito, indicando o valor da taxa de juro para a renovação;
«c) - Aceitação da nova taxa de juro pela PARTE DEVEDORA.
«d)- Apresentação, conjuntamente com o pedido de renovação, pelos avalistas de declaração escrita em que se obriguem a manter o aval pelo período da renovação.

Ora, a invoca a Recorrida, nunca ter enviado ao Recorrente declaração assumindo manter o aval prestado em 20 de Abril de 1999, para garantia do empréstimo concedido pelo prazo de seis meses. Pelo que, a garantia por si prestada extinguiu-se em 20 de outubro de 1999, tendo-se assim verificado igualmente uma violação do pacto de preenchimento da livrança.

No que se refere à segunda livrança, emitida em 9 de setembro de 2003, com data de vencimento de 7 de novembro de 2013, no montante de €466.581,07, igualmente assinada pela Recorrida na qualidade de avalista, foi aquela entregue ao Recorrente com base no “contrato de abertura de crédito em conta corrente” junto aos autos a fls 100 a 107, que a Recorrida de igual modo subscreveu, dele constando o pacto de preenchimento da sua cláusula 8.ª, sendo que da cláusula 2.ª estava estabelecido que o contrato era celebrado por 3 anos, renovável por períodos anuais, até ao máximo de 2 anos. Pelo que, o contrato tinha a duração máxima de 5 anos, terminando obrigatoriamente em 3 de abril de 2008. Data em que o aval prestado pela Recorrida perdeu a sua validade.

A tudo acresce que sobre o contrato de conta corrente foram celebrados dois “Adicionais”. Um primeiro em 22 de setembro de 2008, quando o contrato original já se encontrava caducado, e um segundo em 17 de outubro de 2011, tendo-se assim estabelecido um novo contrato, com prazos mais alargados (de 5 para 7 anos) e alteração da taxa de juro, sendo que a Recorrida neles não teve qualquer intervenção, não os tendo assinado, nem deles constando o seu nome.

Com estes factos, conclui a Recorrida que não pode deixar de concordar com a sentença proferida pelo Tribunal a quo quando afirma estarmos perante novação objetiva da dívida exequenda, tal como estabelecido no Art. 857º do C.C., pois os contratos originais estavam extintos, não podendo assim haver renovação de contratos cujo prazo máximo já havia decorrido, sendo que a Recorrente não assinou nenhum documento donde resultasse a assunção da manutenção da garantia de pagamento.

Contrapostas as posições, cumprirá realçar que a Recorrida foi demandada na ação executiva principal como avalista em duas livranças que servem de título executivo.

O dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por si afiançada, mantendo-se a sua obrigação, mesmo que a obrigação por si garantida seja nula, por qualquer razão que não seja vício de forma (Art. 32.º “ex vi” Art. 77.º da L.U.L.L.).

Estamos assim perante uma obrigação autónoma, que subsiste independentemente da validade da relação creditória principal.

O Art. 17.º da L.U.L.L. estabelece que os devedores identificados nesses títulos de crédito não podem opor ao legítimo portador as exceções fundadas nas relações pessoais delas com o beneficiário original do título ou dos portadores anteriores. No entanto, no domínio das relações imediatas, esta exceção não se aplica (Vide, a propósito: Ferrer Correia in “Lições de Direito Comercial”, 1.º, pág. 187 e 188).

Esta regra aplica-se igualmente ao avalista, nomeadamente se ele tiver intervindo pessoalmente no contrato de onde emerge a emissão da letra ou livrança.

Neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4/3/2008 (Proc. n.º 07A4251 – Relator: Moreira Alves), de onde se destaca o seguinte sumário:
«I - Tendo o oponente assinado o contrato de mútuo, embora exclusivamente na qualidade de avalista de uma livrança subscrita pelos mutuários e entregue à mutuante nos termos contratuais, significa isto que, no caso concreto, existe claramente entre a exequente (credora cambiária) e a oponente (avalista), uma relação causal, subjacente ao aval, por via da qual se estipulou determinado pacto de preenchimento para a livrança em branco subscrita pelos mutuários e avalizada pela oponente.
«II - Quer dizer, no caso, estamos no domínio de relações imediatas, mesmo em relação à oponente avalista, pelo que lhe era lícito chamar à colação o não cumprimento do dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais integradas no contrato de mútuo, pelo menos daquelas relacionadas com o não cumprimento e com o preenchimento da livrança avalizada.
«III - Pela mesma ordem de razão, podia, no caso concreto, a oponente opor ao credor cambiário a exceção de preenchimento abusivo da livrança.»

Na mesma linha temos também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/10/2013 (Proc. n.º 4720/10.3T2AGD-A.C1 – Relator: Alves Velho): «Quando o avalista tenha tomado parte no pacto de preenchimento de livrança em branco, subscrevendo-o, devam ser qualificadas de imediatas as relações entre ele e o tomador ou beneficiário da livrança – pois que não há, nesse caso, entre o avalista e o beneficiário do título interposição de outras pessoas -, o que confere ao dador da garantia legitimidade para arguir a exceção, pessoal, da invalidade do pacto de preenchimento.»

E ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/3/2009 (proc. n.º 08B3815 – Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) de cujo sumário consta:
«1.- Tendo intervindo na celebração do pacto de preenchimento de uma livrança incompleta, o avalista pode opor ao beneficiário a exceção material do preenchimento abusivo, quando a execução foi por este instaurada.
«2.- Cabe então ao avalista o ónus da prova dos factos constitutivos dessa exceção.»

Portanto, a Recorrida, em oposição à execução, mediante dedução de embargos de executado, poderia opor ao Recorrente, exceções emergentes da relação principal subjacente à emissão dos títulos de crédito dados em execução, aí de incluindo a novação.

A novação é regulada no Código Civil como uma das causas de extinção das obrigações.

É neste contexto que o Art. 857.º do C.C. estabelece que: «Dá-se a novação objetiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga.»

Por seu turno o artigo 858.º do Código civil, que regula a novação subjetiva, diz o seguinte: «A novação por substituição do credor dá-se quando um novo credor é substituído ao antigo, vinculando-se o devedor para com ele por uma nova obrigação; e a novação por substituição do devedor, quando um novo devedor, contraindo nova obrigação, é substituído ao antigo, que é exonerado pelo credor.»

Acrescenta depois o Art. 859.º que: «A vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada.”
A novação é deste modo uma das causas de extinção das obrigações que consiste «na convenção pela qual as partes extinguem uma obrigação, mediante a criação de uma nova obrigação em lugar dela» (vide: Antunes Varela in “Obrigações Em Geral”, Vol. II, 7.ª Ed., pág. 230).

A novação ao diz-se objetiva sempre que a nova obrigação se constitui entre os mesmos credor e devedor da obrigação antiga, podendo consistir na mudança do objeto da obrigação (v.g. uma obrigação de entrega de coisa é substituída pela entrega de dinheiro ou vice versa) ou na alteração da fonte ou causa da obrigação (v.g. a entrega de quantia em dinheiro a título de pagamento de preço em contrato de compra e venda passa a ser a título de empréstimo).

Diz-se que há novação é subjetiva sempre que se verificar mudança de algum dos sujeitos da obrigação, podendo ela consistir na vinculação do devedor perante um novo credor ou na substituição do obrigado, exonerado pelo credor, por um novo devedor.

No entanto, como refere Menezes Leitão (in “Direito das Obrigações, Vol. II – Transmissão e Extinção das Obrigações. Não cumprimento e Garantias do Crédito”, 3.ª Ed., pág. 204): «(…) para que em qualquer dos casos referidos exista novação, terá que haver sempre a intenção das partes de extinguir a anterior obrigação, criando uma nova em sua substituição. Efetivamente a ausência deste elemento, o que as partes realizarão será apenas uma modificação da obrigação primitiva, e não uma novação».

Ou, como esclarece Antunes Varela (in Ob. Loc. Cit., pág. 231): «Essencial em qualquer dos casos, para haver novação, é que os interessados queiram realmente extinguir a obrigação primitiva por meio da contratação de uma nova obrigação. Se a ideia das partes é a de manter a obrigação, alterando apenas um ou alguns dos elementos, não há novação (Schuldersetzung ou Schulderungsvertrag, como mais explicitamente dizem os autores alemães), mas simples modificação ou alteração da obrigação (Abanderungsvertrag ou Inhaltsänderung)».

A dificuldade está sempre em perceber em que casos as partes pretendem apenas a modificação da obrigação e os casos em que existe uma efetiva vontade de substituir a obrigação primitiva por uma outra nova.

A este respeito, Antunes Varela (in Ob. Loc. Cit. pág. 233), com a sua habitual assertividade e argúcia, escrevia: «Se a alteração resultante da convenção das partes se reflete apenas em elementos acessórios da relação creditória (prorrogação, encurtamento, aditamento ou supressão dum prazo; mudança do lugar de cumprimento; estipulação, modificação ou supressão de juros; agravamento ou atenuação de cláusula penal, etc.) nenhumas dúvidas se levantarão, em regra, acerca da persistência da obrigação e da manutenção dos seus elementos não alterados.
«Quando, pelo contrário, a alteração convencionada atinja elementos essenciais da relação obrigacional (o objeto, a causa, os sujeitos), o seu sentido pode já ser radicalmente distinto.».

Mais à frente discorrendo sobre o critério a considerar pelo legislador, refere ainda o mesmo Autor: «No entender de Larenz, parece serem as conceções do comércio jurídico que ajudam, em último termo, a distinguir uns dos outros. Segundo Vaz Serra, será lícito presumir que houve intenção de novar, quando a relação obrigacional se apresente «economicamente com uma relação por completo diferente da que existia».

«Trata-se, porém, de critérios extramente vagos e imprecisos.
«Mais firme e certeiro é o critério que procura o aliquid novi da vontade dos contraentes, como elemento decisivo da qualificação. O que importa saber é se as partes quiseram ou não, com a modificação operada, extinguir a obrigação, designadamente as suas garantias ou acessórios. É para esse alvo prático (animus novandi) que o julgador deve apontar diretamente, com os instrumentos facultados pela interpretação e integração da declaração negocial. E é nesse sentido que os artigos 859.º e 840.º encaminham a resolução da dúvida que as várias espécies concretas possam suscitar ao intérprete» (Antunes Varela in “Obrigações Em Geral”, Vol. II, 7.ª Ed., pág.s 234 e 235).

No que se refere aos requisitos legais da novação, todos estão fundamentalmente de acordo que eles são os seguintes:
A) A existência e prova do animus novandi, traduzida na vontade efetiva de substituir a antiga obrigação, emergente duma declaração expressamente manifestada.
«(…) [N]ão basta os simples facta concludentia, em as declarações tácitas se apoiam» (Antunes Varela, Ob. Loc. Cit., pág. 238) e «(…) não se pode inferir uma novação através da simples modificação da obrigação, com alterações do prazo de pagamento, taxas de juros, prestação de garantias (…). Só há novação se as partes exteriorizarem diretamente o animus novandi, o que implica não se permitirem presunções de novação, nem poder resultar essa declaração tacitamente através de factos concludentes» (Menezes Leitão, Ob. Loc. Cit., pág.s 205 a 206).
B) A existência e validade da obrigação primitiva.
Este requisito justifica-se, porque se a obrigação primitiva falta, por já não existir à data da novação ou por, entretanto, ter sido declarada nula ou anulada, dispõe o Art. 860.º n.º 1 que «fica a novação sem efeito». A novação não constitui deste modo nenhum negócio abstrato, tem como pressuposto e causa a existência duma obrigação (vide: Antunes Varela in Ob. Loc. Cit., pág. 239 e Menezes Leitão in Ob. Loc. Cit., pág. 207). O que significa que é lícito ao devedor recusar o cumprimento da nova obrigação como se ela não existisse, sendo a novação ineficaz se a obrigação primitiva já não existia ao tempo em que a segunda foi constituída.
C) A validade da nova obrigação.
Isto, porque nos termos do Art. 860.º n.º 2 do C.C., se for declarada a invalidade da nova obrigação, “renasce” a obrigação primitiva, visto que caduca a causa da sua extinção, que foi a constituição da nova obrigação (Antunes Varela in Ob. Loc. Cit., pág. 239). A este propósito o Art. 813º do Código de Seabra dispunha que «Se a novação for nula, subsistirá a antiga obrigação».

Sucede que, esse renascimento pode afetar os interesses de terceiros que garantiram o cumprimento dela com o seu património, admitindo-se que compreensivelmente pudessem contar com a extinção dessas garantias. Daí que, sendo a causa da nulidade ou da anulação imputável ao credor, não renascem com a antiga obrigação as garantias prestadas por terceiro, a não ser que este conhecesse o vício da nova relação, na altura em que se operou a novação (Art. 860.º n.º 2, 2.ª parte, do C.C.). A lei vem assim tutelar a confiança do terceiro garante que legitimamente deixa de contar com a eventual necessidade de satisfazer a obrigação.

No que se refere aos efeitos da novação, para além do principal, relativo à extinção da obrigação inicial, há ainda a considerar que caducam as garantias (pessoais e reais) que asseguravam essa obrigação primitiva. Como refere Antunes Varela (In Ob. Loc. Cit., pág. 240) não poderia aceitar-se que a garantia prestada para assegurar o cumprimento de certa dívida passasse a cobrir dívida diferente, sem o consentimento de quem prestou a garantia.

No entanto, o Artigo 807.º do Código de Seabra admitia a possibilidade de manter as garantias para o novo crédito desde que:
a)- fosse expressa a reserva das garantias ou acessórios a manter; e
b)- houvesse consentimento do terceiro, sempre que a reserva lhe dissesse respeito.

Estes mesmos princípios mantêm-se, no essencial, no Art. 861.º do C.C. vigente, admitindo-se assim essa possibilidade em aberto, precisamente por não se considerar razoável a solução de forçar os interessados à constituição de novas garantias, quando a sua intenção é apenas a de manter as já existentes, embora ao serviço duma nova obrigação (Antunes Varela in ob. Loc. Cit., pág. 241).

Também existe unanimidade doutrinária no entendimento de que a reserva das garantias prestadas pelo devedor ou por terceiro possam constar logo do documento constitutivo da primitiva obrigação ou da própria garantia, desde que haja “reserva expressa”, como decorre do Art. 861.º, n.ºs 1 e 2 (Nesse sentido: Antunes Varela in Ob. Loc. Cit., pág. 242 e Menezes Leitão Ob. Loc. Cit., pág. 208). Este último Autor refere mesmo que basta para tal «que no ato de constituição da obrigação primitiva ou da garantia se estabeleça que esta se manterá para a obrigação que eventualmente fosse criada por novação».

Resta apenas dizer ainda que a novação extingue os meios de defesa relativos à obrigação antiga, que assim deixam de ser oponíveis, salvo estipulação em contrário (Art. 862.º do C.C.).

Em face do exposto, só valendo a declaração expressa para efeitos de apuramento da vontade de novar (Art.s 859.º e 217.º n.º 1, 1.ª parte, do C.C.), a expressão dessa vontade deveria resultar de declaração expressa escrita, considerando a forma escolhida pelas partes para contrair os vínculos obrigacionais em causa.

Ora, o primeiro contrato, junto de fls 92 a 93, com data de 20 de abril de 1999, não foi objetivamente sujeito a nenhum aditamento que tenha sido junto aos autos. Pelo que, relativamente ao mesmo, na ausência de prova documental de que resulte o contrário, não podemos falar sequer em novação, porque não há qualquer manifestação de vontade expressa pelo banco exequente nesse sentido.

A questão da novação só se poderia colocar relativamente ao segundo contrato, junto de fls 100 a 107, datado de 9 de abril de 2003. Este, sim, foi objeto de 2 aditamentos: o de fls 108 a 114, com data de 22 de setembro de 2008; e o de fls 115 a 117, com data de 17 de outubro de 2011.

É claro de ambos os aditamentos que os mesmos se reportam unicamente a alterações ao contrato de 9 de abril de 2003 (v.g. primeiro considerando de ambos os aditamentos a fls 109 e fls 115) e, sendo certo que existem condições do crédito assim concedido que foram alteradas, nomeadamente taxas de juros, spreads e prazos que são alargados, é também por de mais evidente que não existe aí nenhuma declaração de vontade expressa no sentido de extinguir por novação o contrato originário.

Pelo contrário, o que é pretendido pelas partes contratantes, como facilmente seria compreendido por um declaratário normal colocado na sua posição (Art. 236.º n.º 1 do C.C.), é intenção de prorrogação do vínculo contratual por mais tempo, na medida em que tal satisfaz os seus interesses. É para isso que chegaram a acordo, introduzindo as alterações ao contrato que entenderam por convenientes.

Não foi alterada a causa, nem o objeto das obrigações emergentes dos contratos, havendo meras modificações de obrigações acessórias. Pelo que, julgamos assim que não poderia ser julgado que no caso houve novação objetiva.

Das declarações formalizadas por escrito nos contratos não resulta que tivesse havido qualquer “animus novendi”, nem expresso, nem sequer tácito. Houve só a intenção de alterar algumas condições acessórias da relação contratual assim estabelecida e só no que se refere ao segundo dos contratos em menção. Pois quanto ao primeiro, nem sequer se verificou qualquer alteração objetiva do acordado, permanecendo as partes vinculadas ao seu cumprimento estrito (Art. 406.º n.º 1 do C.C.).

O que se acaba de dizer, estende-se de igual modo à alegada novação subjetiva, que efetivamente também não ficou demonstrada, porque não resulta dos autos provada qualquer convenção subscrita por todos os intervenientes obrigados pelos contratos, nos termos da qual o exequente tenha manifestado de forma expressa a sua vontade exonerar a embargante das garantias por si prestadas.

Como já vimos, nada nos autos consta relativamente ao primeiro dos contratos dos autos, que não foi objeto de qualquer aditamento ou declaração escrita complementar.

Relativamente ao segundo contrato, como referido houve dois aditamentos, sendo que pelo primeiro (de fls 108 a 114), na cláusula 4.ª, as aí identificas como terceiras outorgantes, declaram «manter o aval pessoal na livrança subscrita pela PARTE DEVEDORA, nos exatos termos definidos no contrato inicial, com as alterações decorrentes do presente adicional, dando o seu consentimento ao preenchimento da mesma, durante todo o período de vigência do contrato» (sic. - fls 114)

No segundo aditamento consta apenas dos considerandos a menção a uma garantia hipotecária que se mantém (cfr. cit. doc. a fls 115).

Em qualquer dos casos, a devedora principal manteve-se sempre a mesma: A “SULERG - Projetos Construção Sul, Lda.” (cfr. cit.s doc.s a fls 100, 108 e 115). Pelo que, não houve novação subjetiva, ainda que a Recorrida não figure nos aditamentos aos contratos como parte contratante.

Nessa medida, o que se verificou foi somente que a embargante não foi parte nos contratos que titulam os dois aditamentos em menção. Mas não houve declaração de exoneração da mesma como garante das obrigações assumidas pela devedora principal nos contratos originais, nem houve substituição das garantias no que se refere às livranças com aqueles entregues.

Em suma, deveria proceder a apelação na parte das conclusões que sustentam a necessidade de revogação da sentença recorrida quanto ao fundamento da verificação da extinção da obrigação subjacente às livranças dadas em execução com base na novação.

2. Do abuso de direito na exigência do cumprimento de obrigações avalizadas extintas.
A sentença recorrida remata finalmente a apreciação do mérito dos embargos do seguinte modo: «De todo o modo, e ainda que se entendesse que inexiste qualquer novação da dívida, sempre seria abuso de direito e violador dos princípios da boa-fé vir pedir à avalista, que não teve qualquer conhecimento e intervenção nos adicionais aos contratos que subscreveu, o valor que esta avalizou em contratos que deveriam estar extintos, pelo menos, desde 2008 – vide cláusulas 2.ªs dos contratos de fls. 100 a 107 e 224 a 226.»

O Recorrente veio opor-se a semelhante conclusão, por entender não estarem reunidos os requisitos do abuso de direito, nomeadamente tendo em atenção a cláusula 8.ª, ponto 5, do contrato primitivo, que prescrevia claramente a possibilidade de prorrogações do contrato para lá do termo ali convencionado, não havendo assim qualquer frustração de expectativas, nem acordo sobre extinção imperativa e irrevogável do contrato em 2008. Deste modo, não pode ser imputado ao Recorrido qualquer comportamento de má-fé.

A Recorrida veio defender o contrário, sustentando que o contrato celebrado em 9 de abril de 2003 caducou, por ter atingido o seu termo em 9 de abril de 2008, sendo que o aval por si prestado para garantir o cumprimento do contrato celebrado em 20 de abril de 1999 encontrava-se extinto desde 9 de outubro de 1999. Nessa medida, a exequente agiu de má-fé, havendo legítima expectativa de que os contratos garantidos se haviam extinguido, sendo que a Recorrida não assumiu o compromisso de avalizar os contratos celebrados em setembro de 2008 e outubro de 2013, não merecendo por isso qualquer censura o seu comportamento.

A questão tal como ela é agora colocada já nada tem a ver com a novação das obrigações emergentes dos contratos avalizados, mas com a invocada inexigibilidade de cumprimento de obrigações que alegadamente se mostram extintas por causa do termo do contrato.

O Art. 334.º do C.C. do C.C. estabelece que: «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito». No entanto, a exceção que está efetivamente em apreciação não se prende diretamente a violação do princípio da boa-fé, como facto que obsta ao exercício legítimo de um direito, mas sim a alegada inexistência do próprio direito como facto impeditivo do seu exercício.

A causa que determina a inexigibilidade da obrigação de pagamento de quantia certa peticionada não é o desrespeito do princípio da boa-fé ou a tutela da confiança relativamente a um direito existente, mas que não pode ser exercido por razões de justiça, nos termos do Art. 334.º do C.C..

A causa que determina a inexigibilidade da obrigação peticionada é a própria inexistência do direito. Pelo que, a sentença recorrida, de certo modo, errou no alvo, ao apelar à aplicação “in extremis” de um instituto jurídico que não chega a relevar para o caso. Pelo menos, no que estritamente se refere à mera consideração da procedência dos embargos.

Para a procedência dos embargos basta que se chegue à conclusão de que não assiste ao exequente o direito por si invocado, para ser evidente que o mesmo não pode ser exercido.

Assim, o que está em causa, em primeiro lugar, é um contrato de abertura de crédito em conta corrente para apoio a tesouraria, celebrado por escrito datado de 20 de abril de 1999 (cfr. doc. de fls 92 e 93 - ou melhor de fls 224 a 226, que constitui a versão integral do documento junto à contestação).

Nos termos desse contrato o exequente concedeu à sociedade devedora um crédito até ao limite de Esc. 50.000.000$00 (cfr. cláusula 1.ª – a fls 224), pelo prazo de 6 meses, renovável por sucessivos e iguais períodos (cfr. cláusula 2.ª n.º 1 a fls 225).

Mas essa renovação de prazo não era automática. Estava condicionada pela verificação dos pressupostos indicados nas alíneas a) a d) do n.º 2 da cláusula 2.ª, como é ressalvado pelo final do n.º 1 da mesma cláusula (cfr. cit. doc. a fls 225).

Para além de haver necessidade de ser apresentado um pedido de renovação por escrito (al. a) do n.º 2 da cláusula 2.ª), da aceitação por escrito da credora (al. b) do n.º 2 da cláusula 2.ª) e da aceitação da nova taxa de juro pela devedora (al. c) do n.º 2 da cláusula 2.ª), sobreleva que o pedido de renovação deveria ser instruído com a apresentação pelos avalistas de «declaração escrita em que se obriguem a manter o aval pelo período da renovação» (sic. – fls 225).

Ora, não foi feita prova desse último requisito da renovação, nomeadamente no que se refere à avalista, aqui Recorrida, que não era devedora principal.

A Recorrida estava apenas obrigada, nos termos da cláusula 6.ª, em caso de incumprimento do contrato, por força de uma obrigação cambiária, constante de livrança em branco, por si assinada como avalista e com autorização de preenchimento.

Mas, o aval e autorização de preenchimento era só concedido nos termos e nas condições previstas nesse contrato, como decorre textualmente do n.º 5 da cláusula 6.ª (cfr. cit. doc. a fls 226). O que, naturalmente compreende a cláusula 2.ª em toda a sua extensão, que levam à conclusão inequívoca de que o contrato foi celebrado por 6 meses, que só eram renováveis mediante apresentação de pedido escrito, instruído com nova declaração escrita subscrita pelos avalistas onde os mesmos assumissem manter o aval pelo período da renovação.

Como nada disso se verificou no caso concreto, porque não foi feita prova por escrito, como se impunha (Art. 223.º n.º 1 do C.C.), inevitável é a conclusão que o aval concedido pela Recorrida relativamente ao primeiro contrato deixou de produzir efeitos e de a vincular em 20 de outubro de 1999 (Art. 406.º do C.C.).

As eventuais renovações posteriores, que comprovadamente motivaram o incumprimento do contrato e o preenchimento da livrança entregue para titular a dívida do mesmo, claramente que não estavam compreendidas na declaração de aval e autorização de preenchimento que a Recorrida assumiu nos termos desse contrato.

Por outras palavras, a declaração de garantia de cumprimento emergente do aval estava delimitada no tempo e pelas condições estabelecidas no contrato original e, nessa medida, não tinha por objeto a satisfação de obrigação de pagamento constituída posteriormente e a que se reporta efetivamente a presente execução.

No que se refere ao segundo contrato de abertura de crédito em conta corrente, datado de 9 de abril de 2003, junto de fls 100 a 107, o crédito concedido foi até ao limite de €700.000,00 e destinava-se à aquisição e infraestruturação de um prédio rústico aí identificado (cfr. cláusula 1.ª n.º 1 – doc. a fls 101).

O contrato foi estabelecido pelo prazo de 3 anos, com renovações anuais até ao máximo de 2 anos (Cfr. cláusula 2.ª n.º 1 – doc. a fls 102). Mas desta feita, pelo menos até ao limite máximo de 2 anos, previa-se que a renovação anual do contrato era tácita, se o credor não exigisse o pagamento imediato da dívida (Cfr. cláusula 2.ª n.º 2 – doc. a fls 102).

Uma vez mais, a Recorrida estava obrigada ao cumprimento das obrigações emergentes para a sociedade devedora por força de obrigação cambiária, constante de livrança em branco, por si avalizada (cfr. cláusula 8.ª n.º 2 e n.º 5 – doc. a fls 105 a 106), constando expressamente que: «As TERCEIRAS OUTORGANTES [entre elas a ora Recorrida] declaram acordar na prestação do aval na referida livrança nas condições e para os efeitos previstos no presente contrato, dando o seu consentimento ao preenchimento da mesma, nos termos da presente cláusula, durante todo o período da vigência do contrato, bem como nas eventuais prorrogações» (sic. – cfr. doc. a fls 106).

Sucede que as prorrogações previstas no contrato eram apenas duas, como decorre da cláusula 2.ª, onde perentoriamente se estabelecia um prazo máximo de 2 anos de renovações anuais. Pelo que, este contrato, nos precisos termos acordados, tinha um prazo de vigência máximo expectável de 5 anos, tendo terminado a 9 de abril de 2008.

É certo que depois houve mais dois aditamentos. Um primeiro a 22 de setembro de 2008 (já depois do termo máximo inicialmente previsto) e, um segundo, a 17 de outubro de 2011 (cfr. doc.s de fls 108 a 117). Só que a Recorrida não assinou quaisquer desses acordos posteriores, não sendo os mesmos a si oponíveis.

Esses contratos apenas vinculam quem neles figura como partes outorgantes (Art. 406º n.º 1 do C.C.), o que evidentemente não é o caso da Recorrida. Ficando assim claro as prorrogações acordadas “a posteriori” extravasaram o sentido e conteúdo da fiança inicialmente prestada pela embargante.

Acresce que o incumprimento contratual verificado, que motivou o preenchimento da livrança dada para titular essa dívida, já ocorreu no contexto desses contratos adicionais. Pelo que, o aval prestado pela Recorrida, bem como a autorização de preenchimento por si subscrita, não compreende as responsabilidades contratuais assim constituídas.

Apesar da autonomia da obrigação de garantia de pagamento que emerge para o dador do aval (Art. 32.º da L.U.L.L.), no domínio das relações imediatas, a medida do conteúdo da fiança dada à obrigação subjacente é oponível ao credor, condicionando nos mesmos termos a subsistência da garantia prestada.

Em suma, a avalista, aqui Recorrida, não garantiu o cumprimento de nenhuma das obrigações exequendas que estão tituladas pelas livranças dadas à execução e, nessa medida, não assiste ao exequente o direito de crédito correspondente à execução dessa garantia. Improcedendo assim nesta parte a apelação, sendo nessa medida que deverá manter-se a sentença recorrida.

3.Da dispensa do remanescente da taxa de justiça.
Resulta do Art. 6º, n.º 7 do R.C.P. que: «Nas causas de valor superior a €275.000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Conforme decorre do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/5/2016 (Proc. n.º 670/14.2T8CSC.L1-2, disponível em www.dgsi.pt) mesmo que esta questão não seja suscitada pelas partes, o juiz pode dela tomar conhecimento oficiosamente na sentença ou despacho final (no mesmo sentido: Ac.s R.L. de 28/4/2016, Proc. n.º 473/12.9TVLSB-C.L1-2, e de 15/10/2015, Proc. n.º 6431/09.3TVLSB-A.L1-6, disponíveis em www.dgsi.pt).
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/2/2017 (Proc. N.º1864/05.7TMLSB-B.L1-1, disponível em www.dgsi.pt), entende-se que a lei confere ao juiz um “poder-dever” de formular um juízo de proporcionalidade quanto ao montante das custas calculado segundo as regras do R.C.P. (no mesmo sentido: Ac.s R.L. de 14/1/2016, Proc. n.º 7973/08.3CLRS-A.L1-6; e de 16/6/2015; proc. n.º 2264/906.7TVLSB-A.L1-1, disponíveis em www.dgsi.pt).

A literalidade do n.º 7 do Art. 6.º do R.C.P. aponta no sentido de que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem que ser formulado, ou oficiosamente apreciado, em momento necessariamente anterior à elaboração da conta de custas.

Estando em causa matéria atinente à responsabilidade por custas, por regra, será na decisão final que a questão da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser decidida (Art.s 607.º n.º 6, 608º n.º 2, 663.º n.º 2 e 679.º do C.P.C. - Nesse sentido: Salvador da Costa in “As Custas Processuais - Análise e Comentário”, 2017 – 6.ª Ed., pág.134). O que deve considerar-se aplicável ao acórdão que tome conhecimento do recurso e condene as partes em custas.

No caso, a ação de embargos de executado tem valor superior a €275.000,00 e tem plena justificação a ponderação oficiosa da dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça, pelo menos para efeitos do presente recurso.

A nosso ver, essa dispensa, em função da relativa complexidade da causa, não pode ser total, mas deverá corresponder à redução ao montante que exceder 1/5 do valor da taxa remanescente ainda em dívida.

VDECISÃO
Com os fundamentos expostos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Mais julgamos, oficiosamente, ao abrigo do Art. 6.º n.º 7 do R.C.P., determinar a dispensa parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte que exceder 1/5 do valor ainda em dívida e para efeitos da presente apelação.
As custas pelo apelante (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).

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Lisboa, 16 de janeiro de 2018


                             
(Carlos Oliveira)                             
(Maria Amélia Ribeiro)
(Dina Monteiro)