Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
262/19.0T8VPV.L1-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: BOMBEIRO VOLUNTÁRIO
CONTRATO DE TRABALHO
CAUSA PREJUDICIAL
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I - “Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda"
II –Ainda que a prejudicialidade seja parcial, cumpre determinar a suspensão da instância, se o prosseguimento da acção potenciar a prática de actos inúteis.
III – Tendo sido instaurada acção no Tribunal Administrativo e Fiscal, com vista à anulação da deliberação hierárquica, que manteve a decisão de aplicação da pena de demissão a um bombeiro voluntário, pena essa que esteve subjacente à declaração da caducidade, ao abrigo do artigo 14.º n.º 8 da Portaria 10/2010, de 28 de Janeiro, do contrato de trabalho também vigente, ocorre uma situação de prejudicialidade, ainda que parcial (face à questão da inconstitucionalidade deste preceito legal também suscitada nestes autos), que justifica a suspensão da instância, nos termos do disposto no artigo 272º nº1 do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
AAA instaurou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma de processo comum, contra a BBB,  pedindo
- seja declarada a nulidade do seu despedimento, por ilícito, decretando-se que subsiste o vínculo laboral e condenando-se a Ré a reintegrá-lo no seu posto e local de trabalho, com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedido, isto sem prejuízo de aquele optar, em substituição e até à data da sentença, pela indemnização por antiguidade;
- seja a Ré condenada a pagar-lhe as prestações pecuniárias vincendas, relativas às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença e a liquidar em execução desta, acrescidas de juros à taxa legal, desde o vencimento de cada uma dessas importâncias;
- ser a Ré condenada a pagar-lhe a quantia de 500€, a título de danos não patrimoniais.
Alega que
- foi admitido pela Ré em 15-06-1990 mediante a celebração de contrato de trabalho a termo certo, para exercer as funções de maqueiro de ambulância. Ultimamente exercia as funções de adjunto do Comando.
- pelo seu trabalho, auferiu, no ano de admissão, a quantia mensal de 43.000$00, acrescida do subsídio de refeição, no valor de 350$00. Actualmente exerce as funções de adjunto do comando;
- simultaneamente, era bombeiro voluntário no corpo de bombeiros voluntários da BBB;
- em 28 de Novembro de 2018, a Ré mandou instaurar dois processos disciplinares contra o Autor pelos mesmos factos, um enquanto bombeiro voluntário, adjunto do comando, uma vez que passou a desempenhar essas funções, e outro enquanto trabalhador da referida associação, também enquanto adjunto do comando;
- em 02 de Janeiro de 2019, a Ré notificou-o da decisão disciplinar no âmbito do processo disciplinar enquanto bombeiro voluntário;
- desta decisão, apresentou recurso hierárquico para o Conselho de Disciplina, que decidiu confirmar a pena de demissão, tendo intentado a respectiva acção de impugnação de acto administrativo, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada;
- a Ré, aproveitando a referida demissão do Autor, enquanto bombeiro voluntário, invocou a caducidade do contrato de trabalho, com base no artigo 14º nº8 da Portaria 10/2010 de 28 de Janeiro;
- a Ré, ao chamar à colação a prestação do Autor enquanto bombeiro voluntário, para fazer cessar a relação de trabalho que detinha com este, está a fazer tábua rasa daquele que é o verdadeiro motivo da presente acção, a saber, a protecção do Direito do Trabalho;
- quando os diplomas específicos aplicáveis ao voluntariado consignam alguma preferência no estatuto de bombeiro, é para atribuir direitos àquele que for bombeiro, não para lhos sonegar enquanto trabalhador;
- devem falecer os argumentos vertidos pela Ré de fazer prevalecer o estatuto de bombeiro voluntário sobre o de trabalhador ou de subsumir ao voluntariado a prestação no âmbito da actividade profissional dos trabalhadores;
 - foi ilicitamente despedido;
- a caducidade do contrato determinada pela Ré deve ser considerada ilegal, e o referido artigo da Portaria inconstitucional;
- ademais, ninguém pode ser punido duas vezes pela mesma situação;
- encontra-se desempregado em consequência da rescisão do seu contrato de trabalho devido à conduta da Ré,  a qual lhe causou e causa grande preocupação, ansiedade e angústia, pois deixou de ter qualquer rendimento para fazer face às suas necessidades básicas, como, por exemplo, alojamento, alimentação, etc, passando a viver da ajuda de familiares.
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Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação.
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A Ré contestou, arguindo desde logo a excepção de litispendência, alegando que a presente acção é idêntica à causa em curso no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, o que acontece quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. Sem prescindir, defende que, no limite, deverá ser suspensa a instância, nos termos do disposto no artigo 272º do CPC, face à acção interposta pelo Autor no TAF de Ponta Delgada e que constitui causa prejudicial relativamente a esta acção.
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Foi proferida decisão que determinou a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da sentença proferir no processo nº 262/10.0BEPDL do TAF de Ponta Delgada.
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É a seguinte fundamentação da decisão “No que concerne à invocada excepção de litispendência cumpre dizer o que se segue: A litispendência é uma figura que se reporta à pendência simultânea de duas causas judiciais.
E, em princípio, não vislumbramos como possível que se verifique uma situação de litispendência entre processos administrativos e judiciais, mesmo que as questões em apreço sejam semelhantes, porquanto as competências materiais dos tribunais das duas ordens são muito distintas.
E é exactamente isso que se passa nestes autos.
De forma sumária dir-se-á que o trabalhador (aí na veste de bombeiro voluntário) impugnou junto do TAF a decisão do Conselho de Disciplina que confirmou a pena de demissão (aplicada pela ré).
Questão distinta (e «subsequente») é a trazida a juízo (comum): nesta sede o trabalhador pretende, no essencial, que não opere a caducidade do contrato de trabalho prevista no artº 14º, nº 8 da Portaria nº 10/2010.
Ou seja, no âmbito do processo administrativo é impugnada a decisão que confirmou a demissão (enquanto voluntário) e nesta sede é impugnada a decisão (da mesma Associação, é certo) que afirmou a caducidade do contrato de trabalho. Não vemos que exista qualquer sobreposição/identidade dos pedidos, o que desde logo obsta a que se possa ter por verificada a litispendência (cfr. artº 580º do CPC).
Com os fundamentos expostos, julga-se improcedente a invocada excepção de litispendência. Questão distinta, mas conexa, prende-se com o pedido de suspensão:
Como se vem de referir, a caducidade invocada pela Associação assenta precisamente na decisão de demissão proferida no processo disciplinar de que o autor foi alvo enquanto bombeiro voluntário. Constitui-se, portanto, como questão prejudicial relativamente aos presentes autos.
 Por ser assim, determina-se a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da sentença a proferir no processo do TAF supra identificado.”
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Inconformado, o Autor interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
1. O Apelante pugna no presente recurso para este Tribunal de Relação de Lisboa, pela revogação total do despacho proferido em 1º instância que determinou a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da sentença a proferir no processo do TAF de Ponta Delgada, com o nº262/10.0BEPDL;
2. Isto porque foi o ora Apelante, admitido ao serviço da Ré em 15/06/1990, mediante a celebração de um Contrato de Trabalho a Termo Certo, para sob as suas ordens e direção, exercer as funções de maqueiro de ambulância, mediante o recebimento da retribuição de 43.000$00, acrescido de um subsídio de refeição, no valor de 350$00;
3. Simultaneamente o trabalhador era bombeiro voluntário do corpo de bombeiros voluntários da BBB, relação de voluntariado essa que se rege pelas disposições legais constantes do Decreto-Lei nº 248/2012 de 21 de Novembro e ainda pela Portaria nº 10/2010, de 28 de Janeiro de 2010;
4. Em 28 de Novembro de 2018 a Ré, mandou instaurar dois processos disciplinares contra o ora Apelante, sobre os mesmos factos, ou seja, um enquanto adjunto de comando, uma vez que aquele passou a desempenhar essas funções, e outra enquanto trabalhador da referida associação, também enquanto adjunto de comando, sendo que às referidas notas de culpa, as quais versavam sobre a mesma matéria fáctica, o ora Apelante, no prazo legal, apresentou as suas Respostas;
5. No dia 02 de janeiro de 2019, a Ré notificou o Apelante da decisão disciplinar no âmbito do processo disciplinar enquanto bombeiro voluntário, o qual culminou com a aplicação imediata da pena de demissão como bombeiro voluntário do referido corpo de bombeiros, sendo que da referida decisão, o A. em 19 de Janeiro de 2019 apresentou o competente Recurso Hierárquico para o Conselho de Disciplina;
6. O referido Concelho de Disciplina decidiu confirmar a pena de Demissão, sendo que desta decisão o A. intentou a correspondente ação judicial de impugnação de ato administrativo, a qual corre os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, sob o nº77/19.5BEPDL, Unidade Orgânica;
7. E a Ré aproveitando a referida demissão do A. enquanto bombeiro voluntário do seu corpo de bombeiros voluntários, veio invocar a caducidade do contrato de trabalho do A., com efeitos a 14 de Março de 2019, recorrendo para tal ao disposto no nº 8, do artigo 14º da Portaria nº 10/2010, de 28 de Janeiro, caducidade essa do contrato de trabalho que se impugna para todos os efeitos legais na presente ação judicial;
8. Ora, a R. ao celebrar com os ora trabalhadores um contrato de trabalho, investiu-se na qualidade de empregador, o que a submete ao regime decorrente da legislação laboral, não detendo por isso a qualidade bombeiro voluntário alguma prevalência sobre a qualidade de trabalhador subordinado, ou vice versa, isto porque o voluntário é o individuo que, de forma livre, desinteressada e responsável, se compromete, de acordo com as suas aptidões e no seu tempo livre, a realizar ações de uma organização promotora (art. 3º da Lei 71/98, DE 3/11);
9. E o trabalhador é aquele que exerce a sua atividade profissional remunerada com contrato de trabalho e sujeito às disposições legais que regem a relação laboral;
10. Chamar à colação, como faz a R. , a prestação do A. enquanto bombeiro voluntário, para fazer cessar a relação de trabalhado que a mesma detinha com o A., é fazer tábua rasa daquele que é o verdadeiro motivo desta ação e do presente recurso, que é a proteção do Direito ao Trabalho;
11. E, quando os diplomas específicos aplicáveis ao voluntariado consignam alguma preferência no estatuto de bombeiro, é para atribuir direito àquele que for bombeiro, não para lhos sonegar enquanto trabalhador;
12. Esta é a única interpretação possível em face da Constituição da República Portuguesa que estatui no seu art. 53º que a garantia da segurança no emprego, “implica, naturalmente, a compressão, no domínio das relações laborais, da autonomia privada, da liberdade empresarial e de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, T.I, 501);
13. Devem falecer pois, os argumentos vertidos pela R. de fazer prevalecer o estatuto de bombeiro voluntário sobre o de trabalhador ou de subsumir ao voluntariado a prestação no âmbito da atividade profissional dos trabalhadores;
14. Daqui se conclui que o trabalhador ora A. e aqui Apelante, foi ilicitamente despedido pelo que deveria o referido trabalhador ser reintegrado no posto de trabalho que ocupava, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, bem como a Ré ao atuar do modo descrito, violou, o princípio constitucional do direito do trabalhador à Segurança no Emprego (cfr. Art.53º da CRP.);
15. E, a caducidade do contrato de trabalho determinada pela R., apesar de prevista no art. 14º nº8 Portaria nº10/2010, de 28 de Janeiro de 2010, deve ser considerada ilegal e o referido artigo da portaria, inconstitucional por violar o Principio Constitucional ínsito na Lei Fundamental no seu artigo 58º nº1 com a epígrafe “Direito ao Trabalho”;
16. Ora, face aos factos descritos supra, dúvidas não devem subsistir quanto à existência da ilicitude do comportamento da Ré traduzida na sua decisão de fazer caducar o contrato de Trabalho do Apelante e a subsequente decisão de não lhe pagar as remunerações a que tinha direito;
17. Consequentemente, a decisão da Ré de fazer caducar o contrato de trabalho do A. deve ser considerada ilícita por assentar num dispositivo legal que viola claramente a Constituição, como na sua génese não esteve a apreciação da aptidão do trabalhador para o exercício das funções para que foi contratado – maqueiro de ambulância, uma vez que estava a exercer as funções de adjunto de comando, pelo que tal decisão não foi precedida do necessário procedimento disciplinar integral;
18. Ademais, ninguém pode ser punido duas vezes pela mesma situação, sendo este um princípio fundamental de um estado de direito como é caso do Estado Português;
19. Posto isto, todos os factos e atitudes desenvolvidas pela Ré, violam os direitos fundamentais do trabalhador, nomeadamente, o Direito à retribuição, o direito ao trabalho e à ocupação efetiva e não têm qualquer base legal que os sustente;
20. Urge ainda referir que na data em que o Apelante recebeu a carta com a comunicação da caducidade do seu contrato de trabalho, encontrava- se a exercer as suas funções de Adjunto de Comando e não de Tripulante de Ambulância;
21. Nesta medida nunca podia a Ré fazer caducar o contrato de trabalho do A., fazendo-se valer do disposto no art. 14º nº8 Portaria nº10/2010, de 28 de Janeiro de 2010;
22. Não obstante tudo o referido supra, a Ré ora Apelada, requereu ao Tribunal a Suspensão da Instância alegando em síntese que o Tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificativo;
23. Uma vez mais, parece haver alguma confusão por parte do Réu ao pretender que a presente ação fique dependente do desfecho da ação administrativa, porquanto como aliás já se referiu exaustivamente a causa de pedir e o pedido, são totalmente diferentes, bem como os pressupostos de facto e de direito em que se consubstanciam os dois processos judiciais;
24. No caso dos presentes autos estamos perante a suposta caducidade de um contrato de trabalho, a qual é manifestamente ilegal e assenta em preceitos legais que vão contra os direitos constitucionais do A. enquanto trabalhador, ação essa que reveste caracter urgente, atendendo às consequências inerentes à comunicação de uma caducidade do contrato de trabalho que se pretende que seja declarado inexistente, ilegal e inconstitucional;
25. No processo judicial que corre termos no TAF de Ponta Delgada, o A. ora Apelante, impugnou a decisão do conselho de disciplina que confirmou a sua pena de demissão como bombeiro voluntário que lhe foi aplicada;
26. E a relação de trabalho que está subjacente aos presentes autos, não pode ficar a aguardar o desfecho de outra ação judicial que em nada tem a haver com a mesma, e ainda porque o que está aqui em causa é o direito ao trabalho, o direito à remuneração e o direito à ocupação efetiva do trabalhador, direitos esses essenciais e constitucionalmente consagrados na Lei Fundamental, e que não podem ficar suspensos e a aguardar a resolução de uma outra ação judicial, e o seu trânsito em julgado.
27. Fica assim o A. ora Apelante, sem receber qualquer remuneração, bem como fica impossibilitado até de recorrer ao subsídio de desemprego para fazer face às suas despesas mensais com habitação, alimentação, despesas medicamentosas e outras, bem como do seu agregado familiar, por tempo indeterminado e aguardar o desenrolar de uma ação judicial que pode demorar anos, tendo em conta a morosidade dos processos judiciais, nomeadamente, os que correm termos nos Tribunais Administrativos, o que não se concebe.
28. Com o devido respeito, que é muito, o despacho recorrido viola assim os inerentes valores e princípios constitucionais inscritos, nomeadamente, nos arts. 58º e 59º nº1. al. a), e) do texto Constitucional.
Por estas razões, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se totalmente o despacho recorrido, ordenando-se a produção de outro que determine o prosseguimento dos autos, tudo com as demais consequências, fazendo assim V. Exas., a mais elevada, costumada e nobre JUSTIÇA!”
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A Ré contra-alegou, concluindo nas suas alegações que
A) Não merece qualquer censura o Despacho recorrido que foi proferido no mais estrito e rigoroso cumprimento da lei.
B) Com efeito, a presente acção repete a causa em curso no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada que corre seus termos sob o nº262/10.0BEPDL.
C) A presente acção é idêntica àquela, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
D) Tanto numa como noutra são sujeitos processuais o ora Recorrente e a ora Recorrida.
E) Tanto numa como noutra acção se pretende a reintegração do Recorrente nos quadros da Recorrida, sendo que na presente acção se pretende tal efeito através da anulação da comunicação de cumprimento do disposto no nº8 do artigo 14º da Portaria nº10/2010, de 28 de Janeiro, no sentido de que a aplicação da “pena disciplinar de expulsão a bombeiro do quadro activo que seja TA, após comunicação à Direcção da Associação Humanitária, importa na caducidade do contrato de trabalho”, e na acção a decorrer no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada se pretende tal efeito através da anulação exactamente da decisão que determinou a aplicação da sanção disciplinar em causa com a consequente condenação da Recorrida na adopção das “condutas necessárias ao restabelecimento dos direitos subjectivos e interesses legítimos” do Recorrente, no qual se incluem, exactamente, a reintegração nos respectivos quadros, estando-se, assim, perante o mesmo pedido.
F) Por outro lado, tanto numa como noutra acção a causa de pedir é, exactamente, a mesma, consubstanciando-se nos comportamentos do Recorrente – a “mesma matéria fáctica” reconhecida pelo A. em 6º da p.i. - que levaram à aplicação da sanção disciplinar que determinou a cessação da ligação do Recorrente à Recorrida como bombeiro voluntário, tripulante de ambulância (TA) que implicou, nos termos da citada Portaria, a caducidade do respectivo contrato de trabalho, alegando-se na acção interposta perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, exactamente aquilo que se alega na presente acção, nomeadamente, nos artigos 35º a 43 da petição inicial, que e dão aqui por integralmente reproduzidos, para todos os legais efeitos e, de igual modo, a inconstitucionalidade da norma ínsita no nº8, do artigo 14º da Portaria nº10/2010, de 28 de Janeiro. Tudo conforme petição do A. no citado processo no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada de que se juntou cópia na contestação dos presentes autos. (Cfr. doc 1).
G) No fundo, o que o Recorrente pretende é através da utilização de duas distintas instâncias alcançar o mesmo objectivo da sua reintegração, procurando que isso suceda de uma ou outra forma, criando na ordem jurídica a possibilidade de duas decisões contraditórias, com os efeitos evidentes e perniciosos, de tal contraditoriedade eventual, sobre a mesma factualidade e a mesma pretensão jurídica.
H) Por tudo o que fica alegado, teria de ser, necessariamente, suspensa a instância conforme requerido pela Recorrida e determinado pela Meritíssima Juiz a quo.
I) Efectivamente, conforme determina o artigo 272º do CPC, “o Tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
J) Ora, conforme demonstrado supra, não pode deixar de se concluir que a relação laboral entre Recorrente e Recorrida está relacionada com o vínculo como bombeiro voluntário, tripulante de ambulância (TA), tornando aplicável a Portaria nº10/2010, de 28 de Janeiro, nomeadamente o disposto no nº8 do seu artigo 14º, no sentido de que a aplicação da “pena disciplinar de expulsão a bombeiro do quadro activo que seja TA, após comunicação à Direcção da Associação Humanitária, importa na caducidade do contrato de trabalho”.
 K) Pelo que, só depois de se avaliar a licitude da decisão de cessação do vínculo do Recorrente com a Recorrida como bombeiro voluntário, tripulante de ambulância (TA), que decorre no âmbito da citada acção perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, se poderá avaliar a legalidade da comunicação da cessação do vínculo profissional.
L) Termos pelos quais é evidente a necessidade de suspensão da instância até que se decida a acção pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada.
M) O Recorrente, como já o havia feito com a petição inicial, enviesa as suas alegações e pretensão com vista a alcançar um objectivo ilegal por contrário ao determinado na citada Portaria nº10/2010, de 28 de Janeiro.
N) Com efeito, o A. apresenta e faz assentar a sua pretensão com o falso pressuposto de que a comunicação da Recorrida de cumprimento do disposto no nº8, do artigo 14º, da Portaria nº10/2010, de 28 de Janeiro, no sentido de que a aplicação da “pena disciplinar de expulsão a bombeiro do quadro activo que seja TA, após comunicação à Direcção da Associação Humanitária, importa na caducidade do contrato de trabalho”, resultaria de uma opção desta ou, nas palavras abusivas da petição inicial, um “aproveitamento” da Recorrida – “a Ré aproveitando a referida demissão do A. enquanto bombeiro voluntário, veio invocar a caducidade do contrato de trabalho do A. como assalariado”, cfr art. 10º da pi. - daquilo que, afinal, impõe a lei.
O) Porém, a contrário do que alega o Recorrente a Recorrida não tinha outra opção que não fosse o cumprimento da lei.
P) Isto é, a Recorrida limitou-se a cumprir a citada norma que impõe a caducidade do contrato de trabalho do bombeiro voluntário, no caso tripulante de ambulância, ao qual tenha sido aplicada uma pena de cessação do respectivo vinculo, como é o caso dos autos.
Q) A caducidade do contrato de trabalho do Recorrente não resulta, pois, de uma opção da Recorrida, mas como uma consequência legal, automática, directa e imediata da aplicação da sanção disciplinar em apreço, nos termos do citado nº8, do artigo 14º da Portaria nº10/2010 de 28 de Janeiro.
R) Nem poderá ser invocado o Acórdão citado pelo Recorrente que não tem ligação directa com o caso dos autos, não lhe sendo aplicável a norma supra citada por a mesma ter aplicação na Região Autónoma dos Açores.
S) A referida norma não é inconstitucional.
T) Na verdade, tal norma deriva das especiais características e responsabilidades da actividade em causa e das especiais relações de confiança, segurança e relevância das funções de bombeiro, nomeadamente ao nível de um sector crucial para a sociedade como é a Protecção Civil.
U) O Recorrente tinha a categoria de tripulante de ambulância.
V) Exercia transitoriamente a função de adjunto de comando, por nomeação, e mantinha a referida categoria de tripulante de ambulância (TA), tornando-lhe, directa e necessariamente, aplicável a referida Portaria nº10/2010, de 28 de Janeiro
W) Não existe, por isso, qualquer tipo de ilegalidade ou violação de qualquer direito do Recorrente por parte da Recorrida.
X) Não havendo, por isso, sequer, qualquer despedimento do A. promovido pela Ré, lícita ou ilicitamente, mas apenas a caducidade legal do seu contrato de trabalho.
Y) Não há qualquer violação de qualquer princípio ou norma legal ou constitucional.
Z) O Despacho recorrido fez a melhor interpretação do artigo 272º do CPC, pelo que mantendo-o Vossas Excelências a habitual JUSTIÇA!
VII- DA ISENÇÃO DE CUSTAS
 Conforme alegado e demonstrado com a Contestação, a Recorrida é uma pessoa colectiva de direito privado sem fins lucrativos e de utilidade pública, assim declarada pela Resolução do Governo Regional dos Açores nº208/87, de 25 de Junho, conforme documentos que se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Considerando tudo que fica acima alegado, a Ré está isenta de custas, nos termos da alínea f) do nº1 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais, uma vez que sendo uma pessoa colectiva privada sem fins lucrativos está a actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições e para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo estatuto de utilidade pública que lhe está reconhecido e atribuído.”
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A Exma Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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O Autor exerceu o contraditório, concluindo como no recurso.
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Os Exmos Desembargadores Adjuntos dispensaram os vistos.
Cumpre apreciar e decidir
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II – Objecto
Considerando o teor das conclusões apresentadas, cumpre decidir se ocorre motivo para a suspensão da instância.
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III – Fundamentação de Facto
Os factos relevantes para a decisão do recurso são os que resultam do relatório que antecede e ainda que (provados por acordo e documentalmente):
- O Autor exercia para a Ré as funções de bombeiro voluntário e tinha um contrato de trabalho com a Ré.
- A Ré aplicou ao Autor a pena disciplinar de demissão, no âmbito das suas funções de bombeiro voluntário.
- A Ré, em 25 de Março de 2019, comunicou ao Autor que “Na sequência da comunicação do Comandante do Corpo de Bombeiros desta Associação da aplicação a V.Exa da sanção disciplinar de demissão, confirmada pelo Conselho de Disciplina em 9 de Março de 2019, cuja decisão foi notificada em 14 de Março de 20189, e considerando o disposto no nº8 do artigo 14º, da Portaria nº 10/2010, de 28 de Janeiro, no sentido de que a aplicação da “pena disciplinar de expulsão a bombeiro do quadro activo que seja TA, após comunicação à Direcção da Associação Humanitária , importa na caducidade do contrato de trabalho”, dá-se por fundo o presente processo disciplinar por inutilidade superveniente, atendendo à cessação do respectivo vínculo laboral nos termos sobreditos, com efeitos a 14 de Março de 2019 (…)”.
- Na acção 262/10.0BEPDL, que corre termos no TAF de Ponta Delgada, o Autor formula o seguinte pedido: a anulação da deliberação do Conselho de Disciplina da BBB, que manteve a decisão e aplicação da pena de demissão, negando provimento ao Recurso Hierárquico interposto pelo Autor, e a condenação da Ré “a adoptar as condutas necessárias ao restabelecimento dos direitos subjectivos e interesses legítimos violados, sendo que a decisão se consubstanciará na admissão do Autor e reintegração do mesmo na carreira de Bombeiro Voluntário”.
- Nessa acção, o Autor invoca desde logo uma série de nulidades do processo disciplinar, a saber a imprecisão e incorrecção da nota de culpa, com impossibilidade de exercício do contraditório, o facto de não se referir, na nota de culpa, onde se encontra o processo disciplinar para consulta, o facto de, quanto ao instrutor, não ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 25º da Portaria 32-B/2014, de 7 de Fevereiro. Impugna os factos de que é acusado na nota de culpa e que conduziram à sanção de demissão.
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IV – Apreciação do Recurso
A factualidade alegada aponta para a existência de um contrato de trabalho, celebrado entre o Autor e a Ré.
É certo que o Autor também exerceu funções de bombeiro voluntário.
A Lei 32/2007 de 13 de Agosto, que define o regime jurídico as associações humanitárias de bombeiros, define-as como “pessoas colectivas sem fins lucrativos que têm como escopo principal a protecção de pessoas e bens, designadamente o socorro de feridos, doentes ou náufragos, e a extinção de incêndios, detendo e mantendo em actividade, para o efeito, um corpo de bombeiros voluntários ou misto, com observância do definido no regime jurídico dos corpos de bombeiros.” (artigo 2º nº1)
De acordo com o disposto no artigo 35º do mesmo diploma legal, “O regime jurídico dos contratos de trabalho entre as associações humanitárias de bombeiros e o pessoal integrado no quadro de comando e no quadro activo do respectivo corpo de bombeiros que exerce funções remuneradas é definido em diploma próprio, a publicar no prazo de 180 dias após a publicação da presente lei.”, diploma que não foi ainda publicado.
Tem igualmente interesse para a análise do caso, o Decreto-lei 241/2007 de 21 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 48/2009 de 04 de Agosto, que “define o regime jurídico aplicável aos bombeiros portugueses no território nacional, sem prejuízo das competências dos órgãos do governo próprio das regiões autónomas”. Este diploma define os direitos, deveres e regalias dos bombeiros, o regime de Segurança Social aplicável, as regras referentes à assistência médica e medicamentosa, ao regime de seguros, as questões relacionadas com a actividade operacional dos bombeiros, a saber, faltas e licenças ao serviço em situações de emergência, à mobilidade, à estrutura de comando e carreiras, ao regime disciplinar e ao fardamento.
Como se afirma no respectivo preâmbulo “Esta iniciativa vai, portanto, no sentido de criar um regime jurídico dos bombeiros portugueses que determine deveres e direitos, defina as regalias a que têm acesso e as condições em que esse acesso se concretiza, determine as responsabilidades do Estado e das autarquias locais perante cada uma das obrigações resultantes e clarifique as responsabilidades do Fundo de Protecção Social do Bombeiro, que é gerido, desde 1932, pela Liga dos Bombeiros Portugueses.
No presente decreto-lei definem-se as regras de exercício da função, por parte dos bombeiros voluntários dos quadros de comando e activo, bem como as incompatibilidades entre o exercício da função de bombeiro e a prestação de serviços ou fornecimento de bens à entidade detentora do mesmo corpo de bombeiros.
Na sequência deste diploma, foi publicado o Decreto Legislativo Regional 10/2015/A de 9 de Abril, que “Adapta à REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES o Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de Junho, alterado pela Lei n.º 48/2009, de 4 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 249/2012, de 21 de Novembro, que define o regime jurídico aplicável aos bombeiros portugueses no território nacional.”, “Com a alteração introduzida pela Lei n.º 48/2009, de 4 de agosto, foi alargado às regiões autónomas o âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de junho, tendo sido salvaguardada também, através do seu artigo 1.º-A, a integração dos bombeiros das regiões autónomas no recenseamento nacional dos bombeiros portugueses, regulado pelo Decreto-Lei n.º 49/2008, de 14 de março.
O presente decreto legislativo regional procede à adaptação do  Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de junho, na redação atual, reportando às entidades públicas regionais competentes, as atribuições e competências nele imputadas às diversas entidades nacionais. Além disso, permite que os bombeiros açorianos possam aceder ao conjunto de direitos e regalias consagrado no referido diploma, de acordo com a nossa especificidade insular.” (sic preâmbulo).
Compulsado este diploma legal, o mesmo nada refere quanto à celebração e execução de contratos de trabalho com bombeiros profissionais.
Também nada refere quanto à matéria prevista no artigo 28º do Decreto-Lei 241/2007, a saber quanto ao serviço em situação de emergência, nos termos do qual “Os bombeiros profissionais que integram corpos mistos e voluntários podem desempenhar funções, no mesmo corpo de bombeiros e como trabalho voluntário, para além das horas normais de trabalho, desde que essas funções se desenvolvam em situações consideradas de emergência.” Considerou o legislador não se tratar de matéria permeável às especificidades insulares, não ocorrendo qualquer adaptação do preceito legal em causa, pelo que tem o mesmo aplicação aos bombeiros insulares.
O que resulta do alegado pelo Autor é que o mesmo desempenhou funções como bombeiro profissional e voluntário, cumulando ambas as qualidades.
Não existindo diploma legal específico que defina o regime jurídico dos contratos de trabalho celebrados para o exercício das funções de bombeiro – bombeiro profissional - cumpre aplicar ao contrato de trabalho celebrado entre um bombeiro e a sua Associação de Bombeiros o regime comum do Código do Trabalho, subordinando o regime contratual estipulado à lei ordinária (e constitucional) em vigor.
Ora, nada impede que o bombeiro assuma simultaneamente as duas qualidades, a de bombeiro profissional, e a de bombeiro voluntário, e que, atenta a natureza ou essência jurídica dos respectivos estatutos, derivem consequências diversas no âmbito da relação com a Ré, sendo certo que a natureza do vínculo que liga o bombeiro voluntário à sua corporação não é coincidente com a que caracteriza a sua relação de trabalho subordinado à mesma corporação.
Como resulta do artigo 3º nº2 da Portaria 703/2008 de 30-07, que aprova o Regulamento Disciplinar dos Bombeiros Voluntários, “Os bombeiros voluntários, no exercício das suas funções, estão exclusivamente ao serviço do interesse público, de acordo com os fins prosseguidos pela entidade detentora que cria e mantém o corpo de bombeiros.
Assim, “por razoes de interesse público, a valência/qualidade de "Bombeiro voluntário" dever prevalecer sobre a de trabalhador contratado, decorrente dum contrato privado.
Tal não significa, porém, que os efeitos jurídicos da primeira anulem ou neutralizem os da segunda.”[1]
Ora, aplicando estes ensinamentos ao presente caso, constata-se que, na pessoa do Autor, e de acordo com o alegado, coincidem duas qualidades: a de trabalhador da Ré – bombeiro/tripulante maqueiro/adjunto do Comandante – e de bombeiro voluntário.
Foi demitido das suas funções de bombeiro voluntário.
Foi-lhe instaurado procedimento disciplinar, com vista ao despedimento, na sua qualidade de trabalhador dependente (bombeiro profissional).
Perante a aplicação da pena de demissão no processo movido ao Autor na sua qualidade de bombeiro voluntário, a Ré declarou a caducidade do contrato de trabalho celebrado com o Autor.
O Autor interpôs recurso de ambas as decisões, da primeira para o Tribunal Administrativo e Fiscal e da segunda para o Tribunal comum.
Analisemos agora se estamos pendente a alegada causa prejudicial, por via do processo 262/10.0BEPDL, a justificar seja a instância suspensa.
O art. 272º nº1 do CPC, permite que o tribunal possa “ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
Alberto dos Reis esclarece o que deve considerar-se questão prejudicial: “Denomina-se questão prejudicial aquela cuja solução é necessária para se decidir uma outra.[2]
Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda[3]
A prejudicialidade "...pressupõe uma coincidência parcial de objectos processuais simultaneamente pendentes em causas diversas" (cfr Ac STJ de 18-02-1993)[4] e refere, citando Miguel Teixeira de Sousa, Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXIV, que a prejudicialidade a que se refere o citado art. 279º, nº 1[5], verifica-se quando a dependência entre objectos processuais é acidental e parcialmente consumptiva e pode definir-se como a situação proveniente da impossibilidade de apreciar um objecto processual (o objecto processual dependente) sem interferir na análise de um outro (o objecto processual prejudicial).
Causa prejudicial é aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.[6] 
Ou, como se afirma no acórdão desta Relação de 24-10-2019[7], subjacente à suspensão prevista no art. 272º do CPC, está a “mera circunstância de estar já pendente uma outra acção onde se discute uma determinada questão ( independentemente da sua natureza e independentemente de ela se integrar ou não no âmbito de competência do tribunal da causa) da qual depende o julgamento que nesta ação importa efectuar.
II.– Entende-se por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.
Ou seja, ocorre uma situação de prejudicialidade quando a decisão prejudicial possa determinar a inutilidade da decisão no processo cuja instância ficou suspensa.
Analisemos a causa de pedir em ambas as acções:
Na acção 262/10.0BEPDL, o Autor invoca desde logo uma série de nulidades do processo disciplinar, a saber a imprecisão e incorrecção da nota de culpa, com impossibilidade de exercício do contraditório, o facto de não se referir, na nota de culpa, onde se encontra o processo disciplinar para consulta, o facto de, quanto ao instrutor, não ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 25º da Portaria 32-B/2014, de 7 de Fevereiro. Impugna os factos de que é acusado na nota de culpa e que conduziram à sanção de demissão.
Conclui pedindo que seja anulada a deliberação do Conselho de Disciplina da BBB, que manteve a decisão e aplicação da pena de demissão, negando provimento ao Recurso Hierárquico interposto pelo Autor, e a condenação da Ré “a adoptar as condutas necessárias ao restabelecimento dos direitos subjectivos e interesses legítimos violados, sendo eu ral decisão se consubstanciará na admissão do Autor e reintegração do mesmo na carreira de Bombeiro Voluntário”.
Nos presentes autos, está em causa o contrato de trabalho que vincula Autor e Ré e o facto de esta ter feito prevalecer o estatuto de bombeiro voluntário sobre a sua prestação laboral, para declarar a caducidade do contrato de trabalho, como consequência da aplicação da pena de demissão no âmbito do estatuto de bombeiro voluntário, concluindo o Autor pela ocorrência de um despedimento, que considera ilícito.
É certo que na acção 262/10.0BEPDL o Autor refere que, na sequência da pena de demissão aplicada, a Ré fez caducar o seu contrato de trabalho, o que reputa de ilegal e até inconstitucional, mas não é essa a causa de pedir da referida acção, como também se constata pelo pedido formulado.
Ora, para a hipótese de o Tribunal Administrativo vir a considerar que o processo disciplinar é nulo, ou que não ocorre motivo para a aplicação da pena de demissão, ou seja, para o caso do pedido formulado naquela acção proceder, temos uma questão de prejudicialidade relevante, dado que a declaração de caducidade do contrato de trabalho fundou-se no disposto no artigo 14º nº8 da Portaria 10/2010, de 28 de Janeiro, nos termos do qual “8 - A aplicação de pena disciplinar de expulsão a bombeiro do quadro activo que seja TA, após comunicação à Direcção da Associação Humanitária, importa na caducidade do contrato de trabalho.”
Para a hipótese de o Tribunal Administrativo vir a considerar que ocorreram motivos para a decisão de aplicação da pena de demissão, a prejudicialidade não será total. E não será total, porque, ainda neste caso, a primeira instância terá de aferir acerca da constitucionalidade da norma plasmada no nº8 do artigo 14º da referida Portaria, que é uma questão relevante para a decisão da causa. É certo que o tribunal a quo podia desde já decidir acerca desta questão da constitucionalidade, e, sendo caso disso, aguardar então o desfecho do processo 262/10.0BEPDL, mas afigura-se que os prejuízos dessa opção superariam as vantagens, desde logo por potenciar a prática de actos que se poderiam vir a revelar inúteis (ex interposição de recurso dessa decisão).
Daqui decorre que o que se discute no processo 262/10.0BEPDL interfere na decisão da presente acção, seja por via da existência de uma causa prejudicial seja por via da ocorrência de motivo justificado.
Mantém-se, pois, a decisão recorrida, improcedendo o recurso.
***
V – Decisão
Face a todo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo Autor AAA, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.
Registe.
Notifique.

Lisboa, 2020-04-29
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Filomena Manso
Duro Mateus Cardoso
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[1] Cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 14-10-2004 – Processo 833/04.
[2] In Comentário ao Código de Processo Civil, vol 1º, segunda edição, pág. 286.
[3] Autor e obra citados pág. 268.
[4] in BMJ 424-587
[5] Actualmente artigo 272º nº1 do CPC.
[6] Acórdão da Relação de  Lisboa de 08-06-2011 – Proc 4569/07.0TTLSB.L1-4.
[7] Processo 25645/18.9T8LSB.L1-6.