Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
680/14.0TVLSB.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: SEPARAÇÃO JUDICIAL DE BENS
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: - Pertence às Varas Cíveis a competência, em razão da matéria, para apreciar o pedido de separação judicial de bens.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Relação de Lisboa

          S... intentou contra V..., acção de simples separação judicial de bens, solicitando que fosse decretada a separação judicial de bens entre ambos.

Com este processo pretende obstar a que a execução instaurada contra o seu cônjuge, execução fiscal nº 3239201001030698, pendente no Serviço de Finanças de Lisboa -7, possa vir a prosseguir contra os bens comuns do casal, nos termos do art. 20 do Código de Procedimento e Processo Tributário.

Foi proferida decisão que declarou a incompetência absoluta do Tribunal (em razão da matéria), absolvendo o réu da instância, com fundamento no facto de que com a entrada em vigor das Leis 41/2013, de 26/6 e 23/2013 de 5/3, os processos de separação de bens nos casos de penhora dos bens comuns do casal, são da competência do Cartório Notarial – fls. 31 e 32.





Inconformada a autora apelou, alegando e formulando as conclusões que se transcrevem:
A. Entendeu a sentença de que ora se recorre declarar a incompetência absoluta do Tribunal a quo por entender que Lei 23/2013 de 5/3 (Regime Jurídico do Processo de Inventário), atribui competência aos Cartórios Notariais para os processos de separação de bens nos casos de penhora de bens comuns do casal, designadamente no art. 81/1 – cfr. sentença recorrida, entendimento com o qual não pode a recorrente conformar-se.
B. A recorrente requereu, junto do tribunal a quo, a simples separação de bens, nos termos dos arts. 1767 e sgs. CC.
C. Com efeito, do art. 1770 CC resulta que, após ser decretada a simples separação de bens por sentença transitada em julgado, procede-se à partilha que “(…) pode logo ser feita nos cartórios notariais, e, em qualquer outro caso, por meio de inventário, nos termos previstos em lei especial.”

D. Mas, primeiramente, terá que ser decretada pelo tribunal competente que, in casu, terá que ser o tribunal civil.
E. Com efeito, dada a não inclusão da acção de simples separação de bens entre as matérias da competência do Tribunal de Família no que concerne a cônjuges e ex-cônjuges, a competência para o processamento e julgamento da mesma é dos tribunais cíveis, consoante resulta do art. 94 da Lei 3/99 de 13/1 (LOFTJ).
F. Mais concretamente as Varas Cíveis, nos termos do art. 97 da LOFTJ, por força do valor dado à acção.
 



G. Acresce que não se trata, a acção de simples separação de bens, de um processo especial, como se advoga na sentença de que ora se recorre, mas sim de um processo comum — cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 17/03/20094.
H. Acresce que, a simples separação de bens terá que ser decretada judicialmente, porquanto se trata de uma excepção ao princípio da imutabilidade do regime de casamento.
I. Com efeito, os cônjuges não podem dispor extra-judicialmente do direito à separação judicial de bens, de acordo com o art. 1714/1 CC.
J. Estando o carácter litigioso do pedido de simples apreciação de bens ilustrado no art. 1768 CC.
K. E a vincar a indisponibilidade deste direito, refere o art. 1771 CC: “A simples separação judicial de bens é irrevogável” – cfr. Ac. TP de 21/4/2004.
L. Pelo que dúvidas não podem existir quanto à necessidade da separação de bens requerida pela recorrente ter de ser decretada judicialmente.
M. No que respeita ao regime referenciado pelo Tribunal a quo para justificar a sua incompetência: O Regime Jurídico do Processo de Inventário, mais concretamente o art. 81/1 da Lei 23/2013 de 5/3, não poderá aquele ter aplicação in casu, quer por todo o sobredito.
N. Quer pelo facto de não se verificarem os pressupostos alternativos de que depende a sua aplicação: existir penhora de




bens comuns do casal ou for decretada a insolvência de um dos cônjuges.
O. Como resulta da matéria de facto vertida na acção apresentada pela recorrente.
P. Destarte, a sentença recorrida labora em erro de julgamento, que expressamente se invoca, com todas as consequências legais.
Q. Tendo violado os arts. 1714, 1767 a 1771 CC e os arts. 94, 97 da Lei 3/99 de 13/1.
R. Por tudo impondo-se a revogação da sentença e, consequentemente, seja a 12ª Vara Cível de Lisboa julgada competente para apreciar a acção de simples separação judicial de bens intentada pela recorrente.

Não foram deduzidas contra-alegações.

          Dispensados os vistos, cumpre decidir

Atentas as conclusões das apelantes que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – arts. 639 e 640 CPC – a questão que cabe decidir é a de saber se o Tribunal Cível, mais concretamente a 12ª Vara Cível, é ou não competente, em razão da matéria, para apreciar o pedido de separação judicial de bens.

Vejamos, então.

Sustenta a apelante/autora que a 12ª Vara Cível é o tribunal competente para conhecer da acção – separação judicial de bens – ao invés do Cartório Notarial.

O pedido formulado pela autora é o de que se decrete a separação judicial de bens entre o casal/cônjuges.

Na vigência do DL 303/2007 de 24/8 (CPC- LV) o processo de separação de bens nos termos do art. 825 (penhora de bens comuns do casal), ou em caso de falência de um dos cônjuges, aplicava-se o regime do processo de inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, com as especialidades constantes do art. 1406, ou seja, corria por apenso aos processos de execução ou de insolvência.

Este art. foi revogado pela Lei 23/2013 de 5/3 – art. 6 – que aprovou o regime jurídico do processo de inventário.

Este regime jurídico, atribuiu aos Cartórios Notariais a competência para efectuar os actos e termos do processo de inventário e da habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra, podendo os Notários remeter o processo para os meios judiciais comuns que pode ter lugar não só por iniciativa do Notário, como também das partes – cfr. arts. 3/1 e 16.

Este Regulamento Jurídico, à semelhança do que sucedia na vigência do CPC anterior (DL 303/2007 – art. 1406), regula e prevê o processo para a separação de bens em casos especiais, a saber:

penhora de bens comuns e insolvência de um dos cônjuges – cfr.    art. 81.

Posteriormente, o DL 303/2007 foi revogado pela Lei 41/2013 de 26/6 (CPC - LN) cuja entrada em vigor aconteceu, em 1/9/2013, lei esta omissa relativamente às normas relativas à partilha de bens em casos especiais, nomeadamente, o inventário em consequência de separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou de declaração de nulidade ou anulação do casamento, bem como o processo para separação de bens em casos especiais – penhora de bens comuns e insolvência de um dos cônjuges.

Qualquer dos cônjuges pode requerer a simples separação judicial de bens quando estiver em perigo de perder o que é seu pela má administração do outro cônjuge – art. 1767 CC.

A separação só pode ser decretada em acção intentada por um dos cônjuges contra o outro – art. 1768 CC.

Após ser decretada a simples separação de bens por sentença transitada em julgado, procede-se à partilha que “… pode ser logo feita nos Cartórios Notariais e, em qualquer outro caso, por meio de inventário, nos termos previstos em lei especial – art. 1770 CC.

Ora, da leitura destes preceitos, constata-se que a separação judicial de bens é um processo litigioso porquanto só pode ser decretada em acção intentada por um dos cônjuges contra o outro, sendo que a partilha só tem lugar após trânsito em julgado da sentença que declarou a separação judicial de bens.

 

O pedido formulado pela apelante foi o da separação judicial de bens, a fim de obstar a penhora de bens comuns do casal.

Do alegado pela autora na sua p.i. constata-se a inexistência de qualquer penhora dos bens comuns do casal, bem como insolvência do cônjuge.

Assim, atento o exarado supra, afastada está a aplicação do regime previsto no art. 81 do Regulamento Jurídico do Processo de Inventário e, por maioria de razão, a competência dos Cartórios Notariais.

A competência jurisdicional do tribunal, competência em razão da matéria, afere-se pela relação material controvertida, tal como é apresentada pelo autor.

A regra da competência dos tribunais da ordem judicial é supletiva ou residual – são da sua competência as causas não atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional – arts. 66, 67 CPC e 18 da LOFT (Lei 3/99 de 13/1).

Compete às Varas Cíveis, art. 97 da LOFTJ: a) preparação e julgamento de acções declarativas cíveis de valor superior
à alçada do Tribunal da Relação em que a lei preveja a intervenção do tribunal colectivo; b) A preparação e julgamento das acções executivas fundadas em título que não seja decisão judicial, de valor superior à alçada dos Tribunais da Relação; c) A preparação e julgamento dos procedimentos cautelares a que correspondam acções da sua competência; d) Exercer as demais competências conferidas por lei. 

Destarte, e em consonância com os arts. citados supra, a conclusão a retirar é a de o litígio em questão é da competência das Varas Cíveis, in casu, a 12ª Vara Cível.

 Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revoga-se a decisão, determinando-se que o Tribunal competente para julgar a acção é a 12ª Vara Cível.

Sem custas.

Lisboa, 17/12/2014

(Carla Mendes)

(Octávia Viegas)

(Rui da Ponte Gomes)