Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7/10.0IDSTB.L1-3
Relator: NUNO COELHO
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
AUSÊNCIA DO ARGUIDO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I-Nos crimes fiscais, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artº 50º do Código Penal, fica obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artº 14º, nº 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos.
II-Conforme doutrina fixada pelo acórdão do STJ nº 8/2012, publicado no DR, Iª série, nº 206, de 24.10.2012, no processo de determinação da pena, a opção pela suspensão da execução da pena de prisão, “...reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia”.
III-A razoabilidade desta condição tem de ser necessariamente avaliada e ponderada a montante, isto é, antes da declaração de imposição, o que implica ter-se uma imagem global do condicionamento, da real dimensão económica do dever imposto, bem como os condicionalismos inerentes ao agente.
IV-A escolha da pena de substituição é um prius em relação à imposição da condição: feita a opção pela pena suspensa, mas porque neste caso ficará subordinada a condição com contornos pré-definidos, a opção não pode ser cega, tem que ser ponderada, havendo por isso, no exercício de um poder vinculado, de realizar-se essa tarefa adicional de previsão e prognose do impacto actual e futuro do condicionamento financeiro a que ficou sujeita a suspensão.
V-O entendimento que deve assumir a presença do arguido em julgamento veio a ser clarificado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão para fixação de jurisprudência nº 9/2012 de 8.03.201, publicado no DR Iª série nº 238 de 10.12.2012, em que a presença do arguido perde o carácter de princípio absoluto, para se afirmar primacialmente como um direito do arguido a estar presente, tendo este direito de opção do arguido como única excepção a de o tribunal considerar a sua presença absolutamente indispensável para a descoberta da verdade, caso em que a obrigação de presença lhe pode ser imposta, em nome do interesse público na administração da justiça.
VI-Deste modo, a “adopção de medidas necessárias e legalmente admissíveis” para obter a comparência do arguido, a que alude o artº 133º, nº 1, do CPP, só se justifica quando o tribunal adiar o julgamento, por considerar a presença do arguido indispensável, e destina-se a garantir a presença do mesmo na segunda data marcada para a audiência.
Decisão Texto Parcial:Acordam, em conferência, do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

Nestes autos foram (1) “R...”, Ld.ª, (2) J... e (3) A..., condenados nos seguintes moldes:

- a mencionada sociedade “R...”, Ld.ª, pela prática do crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artigos 12.º, n.º 1, 15.º e 104.º, n.ºs l e 2, do R.G.I.T., na pena de multa de 500 (quinhentos) dias, e pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 12.º, n.º 1, 15.º e 105.º, n.º 1 do R.G.I.T., e 30.º, n.ºs l e 2 do Código Penal, na forma continuada, na pena de multa de 350 (trezentos e cinquenta) dias, sendo que em concurso de penas foi condenada na pena única de 650 (seiscentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 10,00, o que perfez o montante de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros);

- o identificado arguido J..., pela prática, em co-autoria material de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigos 103.º e 104.º, n.º 2, do RGIT, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, com a obrigação de nesse prazo o arguido proceder ao pagamento à Administração Fiscal das quantias devidas a título nos anos de 2005 (€ 57.124,45) e 2006 (€ 62.326,36) (artigo 14.º, n.º 1, do RGIT), sem prejuízo das execuções fiscais em curso, e pela prática, em co-autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 12.º, n.º l, 15.º e 105.º, n.º l do R.G.I.T., e 30.º, n.ºs l e 2, do Código Penal, na pena de multa de 300 (trezentos) dias, à razão diária de € 10,00, perfazendo a multa global de € 3.000,00, ou na pena de prisão subsidiária de 200 dias; e

- a identificada arguida A..., pela prática, em co-autoria material de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigos 103.º e 104.º, n.º 2, do RGIT, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, com a obrigação de nesse prazo a arguida proceder ao pagamento à Administração Fiscal das quantias devidas a título nos anos de 2005 (€ 57.124,45 euros) e 2006 (€ 62.326,36) (artigo 14.º, n.º 1, do RGIT), sem prejuízo das execuções fiscais em curso, e  pela prática, em co-autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 12.º, n.º 1, 15.º e 105.º, n.º 1 do R.G.I.T., e 30.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de multa de 300 (trezentos) dias, à razão diária de € 10,00, perfazendo a multa global de € 3.000,00, ou na pena de prisão subsidiária de 200 (duzentos) dias.

No decurso da fase de julgamento, também em primeira instância, a arguida (3) A..., recorreu de vários despachos judiciais (indeferimento de prova de fls. 1021-1022, multa e obrigatoriedade da presença da arguida a fls. 1041 e indeferimento de prova de fls. 1172-1173), apresentando as suas alegações de recurso e o Ministério Público as suas alegações de resposta.

(...)

A arguida (3) A... e também o arguido (2) J..., inconformados com a sentença condenatória, apresentaram recurso da mesma.

(...)

Nesta instância de recurso, o Sr. Procurador-geral Adjunto invoca a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) do n.º 1 do Art.º 379.º do CPPenal, ficando, por ora, precludida a apreciação das demais questões. Na verdade, segundo a mesma promoção, não foi devidamente cumprida a doutrina que ressalta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, n° 8/2012, publicado no DR, I.ª série, n.º 206, de 24 de Outubro de 2012, que fixou jurisprudência nos seguintes termos: No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p.e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Assim, não terá sido cumprido pelo tribunal a quo, o dever de investigação e (ou) pronúncia sobre se os arguidos terão, ou não, condições de efectuar o pagamento da prestação tributária e legais acréscimos, como condição de suspensão, uma vez que foram condenados por crime de natureza fiscal, só podendo beneficiar daquela pena substitutiva, nos exactos termos do que dispõe o n.º 1 do Art.º 14.º do RGIT.

A arguida (3) A..., notificada do mesmo parecer, veio dizer que não se opunha ao prévio conhecimento da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, tal como suscitada pelo Ministério Público.

                                                                       ***

II. QUESTÕES A DECIDIR

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. Art.º 119.º, n.º 1; 123.º, n.º 2; 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPPenal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

Uma vez que foram interpostos recursos em momento anterior à decisão final, cuja apreciação, em função do regime de subida atribuído, foi deferida para apreciação conjunta com os que viessem a ser interpostos da decisão que pôs termo à causa, haverá que por eles começar, quer por uma razão de ordem, quer ainda para prevenir a hipótese da eventual solução que lhe possa ser conferida prejudicar a apreciação dos demais.

Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões efectuadas pelos recorrentes em todos os seus recursos, as questões que importa decidir sustentam-se:

(i.) na falta de fundamentação dos despachos que indeferiram a prova requerida pela arguida A... e que a condenou em multa (fls. 1021-1022 e 1041 dos autos);

(ii) na aventada violação do direito de defesa pelos descritos despachos de indeferimento;

(iii) na aventada nulidade do mencionado despacho que impôs a presença obrigatória da arguida recorrente;

(iv.) na nulidade por violação do direito de defesa e por falta de fundamentação do despacho de indeferimento do requerimento de prova, tal como exarado a fls. 1172-1173;

(v.) na nulidade da acusação por ausência de narração dos factos e da indicação das disposições legais aplicáveis;

(vi.) na alegada omissão de pronúncia da sentença sobre se os arguidos terão, ou não, condições de efectuar o pagamento da prestação tributária e legais acréscimos, como condição de suspensão da execução da prisão, uma vez que foram condenados por crime de natureza fiscal, só podendo beneficiar daquela pena substitutiva, nos exactos termos do que dispõe o n.º 1 do Art.º 14.º do RGIT;

(vii.) na aventada contradição entre a fundamentação e a decisão;

(viii.) na impugnação alargada da matéria de facto na qual se invoca erro notório na apreciação da prova;

(ix.) na impugnação estrita da matéria de facto, com análise destacada e especificada dos meios de prova, com a reapreciação da prova registada; e

(x.) na alegada violação do princípio da presunção de inocência dos arguidos (in dubio pro reo).

                                                                       ***

III. FUNDAMENTAÇÃO

Tendo em conta as questões objecto do recurso, das decisões recorridas (despachos de fls. 1021-1022, 1044 e 1172-1173 e sentença final) que é o seguinte:

(...).

C. Sentença final (Fundamentação e Parte Dispositiva)

II – Fundamentação:

Matéria de Facto Provada

            1) A sociedade por quotas, R..., Ldª, com sede em ..., n.º..., Almada, encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Almada sob o ..., tributado em IRC no regime geral, pelo exercício da actividade de “Restaurantes tipo tradicional” a que corresponde o CAE .... de 01.06.1998 a 06.03.2008, tendo procedido à alteração do exercício da actividade, passando esta a ser de “arrendamentos de bens imobiliários” a que corresponde o CAE .....

            2) Até ao dia 20.01.2004 era a arguida A... da Costa e o seu marido, JF..., quem exercia o cargo de sócios gerentes daquela sociedade.

            3) A partir de então, (20.01.2004) data do falecimento de JF..., a gerência da sociedade passou a ser exercida pela arguida e pelo arguido J..., seu filho.

            4) Ambos, ela como gerente de facto e de direito e ele como gerente de facto, exerciam a gerência do Restaurante “...”, explorado pela sociedade arguida “C..., Lda”.

            5) Nessa qualidade, entre outras incumbências, os arguidos eram responsáveis pela cobrança de receitas provenientes da actividade da sociedade arguida, pela emissão da respectiva facturação, pagamentos aos empregados e fornecedores, fecho da caixa ao final do dia, e pelo preenchimento e entrega ao Estado – Direcção-Geral dos Impostos, das declarações de imposto, nomeadamente de IRC e IVA, bem como pela entrega dos montantes relativos ao pagamento daqueles impostos.

            6) Assim, em sede de IRC, no exercício de 2005 e 2006, não declararam a totalidade das prestações de serviços efectuadas, tendo ocultado à Administração Tributária factos e valores referentes à sua actividade económica.

            7) Com efeito, no apuramento da matéria colectável, deduziram prejuízos fiscais a que não tinham direito.

            8) Essa ocultação e deduções indevidas causaram diminuição das receitas tributárias no montante de 57.124,45€, no ano de 2005 e de 62.326,35€, no ano de 2006, como melhor adiante se verá.

            9) Em sede de IVA, no exercício de 2005 e 2006, não procederam à entrega nos cofres do Estado do IVA liquidado aos seus clientes e apurado, nos montantes e períodos seguintes:

Exercício de 2005:

1.º Trimestre - 7 761,13€

3.º Trimestre - 7 777,11€

Exercício de 2006:

2.º Trimestre 7 747,29€

3.º Trimestre 8.696,61€

10) No restaurante a “...”, sito na Av.ª ..., Costa da Caparica, Almada, explorado pela arguida sociedade “C..., Ldª, foi instalado o programa informático denominado “WINREST”, cujas funções são o registo de vendas e de prestação de serviços, emissão dos respectivos talões de venda, facturas ou documentos equivalentes, o registo de recebimentos e de movimentos de conta-corrente.

            11) O referido programa vem sendo utilizado pela sociedade arguida, de forma continuada desde 06.01.2003.

            12) Nos anos de 2002, 2003, 2004, 2005, e 2006, a sociedade arguida realizou vendas de bens e prestações de serviços, tendo cobrado os preços respectivos aos seus clientes, os quais constituíram proventos em sede de IRC.

            13) No entanto, com o intuito de evitarem o pagamento do IRC devido ao Estado, os arguidos A... e J...., apagaram e alteraram o conteúdo dos ficheiros e, desta forma, manipularam a maioria dos ficheiros constantes nas pastas EXPORT, localizadas no disco local do computador existente no Restaurante “...”.

            14) Através da manipulação do sistema informático instalado, os arguidos não declararam a totalidade das prestações de serviços efectuadas nos montantes constantes do quadro seguinte:

            (...).

15) Nos anos de 2005 e 2006, a arguida Restaurante Churrasmar, Ld.ª, efectuou prestações de serviços e liquidou IVA, nos valores seguintes:

            (...)

16) A sociedade arguida nos anos de 2005 e 2006 apresentou declarações periódicas referentes a transmissão de bens e prestações de serviços, nos seguintes montantes:

            (...)

            17) As Declarações Anuais de Informação contabilística e fiscal e as Declarações de rendimentos apresentadas pelos arguidos (para os exercícios de 2005 e 2006) apresentam a seguinte demonstração de resultados e respectivos resultados contabilísticos e fiscais:

            (...)

            18) A sociedade arguida não declarou nem entregou a totalidade do IVA que liquidou, apropriando-se dos montantes descritos no quadro seguinte:

            (...)

            19) Em suma, os arguidos procederam à liquidação de IVA, o qual receberam dos seus clientes, todavia, não procederam à declaração desses valores, através do envio das respectivas Declarações Periódicas, que também não entregaram ao Estado, nos montantes seguintes:

7 761,13 Euros – 1.º Trimestre do ano de 2005;

7 777,11 Euros – 3.º Trimestre do ano de 2005;

7 747,29 Euros – 2.º Trimestre do ano de 2006;

8 696,61 Euros – 3.º Trimestre do ano de 2006.

20) Em sede de IRC, a arguida não declarou a totalidade das prestações de serviços efectuados, conforme descreve o quadro seguinte:

            (...).

21) Operadas as correcções, para os exercícios de 2005 e 2006, as prestações de serviços não declaradas pelos arguidos e acrescidas para efeitos de apuramento do Lucro Tributável, obtiveram os seguintes valores:

(...).

            22) Por outro lado, nas Declarações de rendimentos apresentadas pela sociedade arguida para os exercícios de 2005 e 2006, foram declarados prejuízos fiscais dedutíveis, correspondentes aos prejuízos fiscais verificados nos exercícios de 2002 e 2003

            (...)

            23) Constata-se, então, que sociedade arguida nos anos de 2003 e 2004, também não declarou a totalidade dos proveitos obtidos, omitindo prestações de serviços realizadas nos montantes de 190 590,25 Euros e 195 428,51 Euros, respectivamente.

            24) Ou seja, os resultados fiscais destes anos, considerados os verdadeiros valores de proveitos, ascenderam a:

2003 – 174 663,26 Euros (- 15 926,99 Euros + 190 590,25 Euros) e

2004 – 197 915,37 Euros (2 486,87 Euros + 195 428,51 Euros)

            25) Pelo que, no exercício de 2003, não só o resultado fiscal foi positivo, como também foi suficiente para absorver os prejuízos fiscais de 2002, concluindo-se que a sociedade arguida, nos exercícios seguintes, não tem direito a qualquer reporte de prejuízos, dado que:

-O resultado fiscal de 2003 foi positivo;

-O prejuízo fiscal de 2002 deveria ter sido deduzido integralmente no apuramento da matéria colectável do exercício de 2003;

            26) Assim sendo, após as necessárias correcções às matérias colectáveis, foram apurados os valores de 57.124,54€ em 2005, e 62 326,36€ em 2006, como vantagens patrimoniais ilegítimas que os arguidos obtiveram, como melhor consta do quadro seguinte:

            (...).

            27) Os arguidos agiram livre deliberada e conscientemente.

            28) Em sede de IRC, obtiveram uma vantagem patrimonial ilegítima no valor de 57.124,45€ no ano de 2005 e 62 326,36€, no ano de 2006, utilizando-a em proveito próprio e da sociedade arguida, sua representada, e que corresponde aos montantes de IRC que deveriam ter entregue e que não entregaram ao Estado.

            29) Os arguidos, A... e J..., sabiam que a sociedade arguida, sua representada, era sujeito de IRC e que se encontrava sujeita ao cumprimento das obrigações fiscais decorrentes daquele imposto, nomeadamente, declarar o seu rendimento anual real efectivo através da declaração que constitui a base da determinação da matéria colectável.

            30) Ambos os arguidos singulares, no quadro de uma mesma solicitação e por método idêntico, durante os anos de 2005 e 2006, através da viciação do Programa informático de registo de vendas/prestações de serviços instalado, procederam à emissão de talões com falsos valores, os quais entregaram na contabilidade, tendo os mesmos estado na base do preenchimento das declarações fiscais da sociedade arguida tendo obtido vantagens patrimoniais indevidas.

            31) Agiram com o propósito conseguido de ocultarem factos e valores que deveriam ter sido revelados à administração fiscal, com vista à determinação da matéria colectável e posterior determinação do imposto devido, impedindo assim a cobrança dos valores de IRC efectivamente devidos, lesando desta forma o Estado Português.

            32) Apesar de terem recebido dos seus clientes as importâncias descritas, e referentes às prestações tributárias a que se alude, não procedeu à declaração dos valores recebidos, através do envio das respectivas declarações periódicas nem entregou tais montantes ao Estado.

            33) Dessa forma, os arguidos – agindo no interesse e por conta da sociedade arguida, no exercício das suas funções de gerentes – passaram a dispor desses montantes, que fizeram seus, utilizando-os em proveito próprio e da arguida, sociedade que geriam, não obstante saberem que tais quantias pertenciam ao Estado e que as deveriam entregar à entidade competente nos prazos legalmente fixados, lesando-o, desse modo, nos valores atrás apurados.

            34) Ao apoderar-se dos referidos valores no período acima mencionado – dando-lhes outro destino – agiram os arguidos, no quadro de uma mesma solicitação e por método idêntico, com o propósito concretizado de se apossar dos mesmos para proveito próprio e da sociedade que representavam e em cujo interesse actuavam, sabendo que tais valores não lhes pertenciam, e que actuavam sem autorização e contra a vontade do Estado Português, causando-lhe, desse modo, os prejuízos patrimoniais acima mencionados.

            35) Não obstante terem consciência que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, os arguidos não se abstiveram de as prosseguir.

            36) Após o falecimento de JF, os arguidos desentenderam-se quanto à divisão do património da sociedade arguida.

            37) Em 18.06.2007, foi constituída a sociedade “B..., Lda”, cujos sócios passaram a ser J..., JA, L... e S....

            38) Tal sociedade, mediante arrendamento do espaço por parte da sociedade arguida, passou a explorar os restaurantes em causa, a partir de Janeiro de 2007.

            39) A sociedade arguida apresentou reclamação graciosa e recurso hierárquico das liquidações oficiosas de IRC, tendo ambas sido indeferidas.

            40) Foram instaurados os processos de execução fiscal no serviço de Finanças de Almada 3 para ressarcimento das quantias em divida.

            41) Os arguidos não tem antecedentes criminais.

            42) A arguida A.., nos anos de 2004 a 2007 teve períodos de baixa por doença.

            43) O arguido J... é sócio-gerente da sociedade “B..., Lda” e aufere € 708,00 mensais.

            44) È divorciado e tem duas filhas, de 6 e 4 anos de idade.

            45) Vive em casa própria pela qual paga € 300,00 mensais.

            46) Tem o 12.º ano de escolaridade.

            47) A arguida A... está actualmente sem actividade.

            48) Vive em casa própria em V....

            49) Tem a 4.ª classe.

            50) A arguida A... é uma pessoa de saúde muito frágil, o que a leva a médicos, centros de saúde ou hospitais e com baixas.
(...)

IV – Determinação da medida concreta da pena:

(...).

Face às condições económicas dos arguidos, entendo aplicar a razão diária de € 10,00.

            Pelo crime cometido pela sociedade arguida, cabe a pena de multa até 720 dias, sendo que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 5 Euros e 5000 Euros (Art.ºs 105.º n.º 1, 15.º n.º 1 e 12.º n.º 3, todos do RGIT), entendo fixar a pena de 350 dias.

Tendo em conta que não existem excepções para as pessoas colectivas, estando em concurso, deverá ser encontrada uma pena única, pelo que, atendendo aos limites fixados pelo artigo 12.º, n.º2 do RGIT, tendo por mínimo legal de 500 dias de multa e máximo legal de 850 dias de multa, entendo ser adequado a pena concreta única de 650 dias de multa, à razão diária de € 10,00, o que perfaz um montante global de € 6.500.00 (seis mil e quinhentos euros).

                                                           *

Quanto à pena de prisão de 2 anos, nos termos do artigo 50º, n.º 1, do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão não superior a cinco anos se “atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
A suspensão da execução da pena de prisão é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico, consubstanciando-se num poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os pressupostos estabelecidos no n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal. (Manuel Lopes Maia Gonçalves, Ob. cit., pág. 197)

Como referem os Conselheiros Leal-Henriques e Simas Santos “Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que a esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa.
Nessa prognose deve atender-se à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, ou seja, devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões da prevenção especial [...] Sendo favorável esse juízo de prognose deverá, então, o tribunal decidir se a simples censura do facto bastarão para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção (geral) do crime.” (Código Penal Anotado, anotação ao artigo 50º, Volume I, 3ª Edição, Editora Rei dos Livros, pág. 639)

Nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais registados e mostrando-se ambos inseridos em sociedade, pelo que o tribunal faz um juízo de prognose favorável à conduta futura de ambos os arguidos e crê que a simples ameaça de execução da pena afastará os arguidos da prática de futuros crimes e constituirá um incentivo para que estes não voltem a praticar estes factos.

Assim, entende-se por adequado suspender a execução da pena pelo período de 2 (dois) anos, com a obrigação de nesse prazo os arguidos A... e J... procederem ao pagamento à Administração Fiscal das quantias devidas a título nos anos de 2005 (€ 57.124,45 euros) e 2006 (€ 62.326,36), conforme determina, com carácter obrigatório, o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT e a orientação dominante na jurisprudência, sem prejuízo das execuções fiscais em curso.
Os arguidos deverão ainda ser condenados em taxa de justiça e nas demais custas (artº 513º e 514º do Cod.Proc.Penal).

(...).

                                                            ***

     Cumpre agora, nesta sede, analisar cada um dos fundamentos de recurso.

                                                                         ***

(i.) na falta de fundamentação dos despachos que indeferiram a prova requerida pela arguida A... e que a condenou em multa (fls. 1021-1022 e 1041 dos autos)

Sabe-se que a arguida A... alega no seu primeiro recurso que os primeiros despachos que lhe indeferiram a prova e que a condenaram em multa se não encontram fundamentados.

O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma realidade, ainda que com contornos variados, imanente a todos os sistemas de justiça que nos são próximos, mesmo que sejam detectáveis variáveis do grau de exigência em função das matérias em causa, do tipo de decisão ou da tradição histórica e cultural de cada país. Este dever constitui, nos modernos Estados de Direito, um dos pressupostos do chamado “processo equitativo” a que aludem o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. Esta mesma Constituição dispõe no n.º 1 do Art.º 205.º que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei".

Trata-se, aqui, de uma decisão relativa à instrução do processo em julgamento e que incide sobre os meios de prova requeridos pela aqui arguida/recorrente.

A vinculação constitucional a um modelo de fundamentação das decisões passa por garantir desde logo os princípios da completude e da indisponibilidade, com as constrições normativas adequadas e que decorrem também das exigências da suficiência, da coerência e da concisão. Assim, a decisão judicial, conforme o seu grau de latitude e especificidade (a fundamentação de uma sentença será distinta de um despacho dado no processo e um despacho com determinada incidência no percurso ou no destino do processo (na posição da parte requerente ou requerida ou então no próprio objecto processual) deverá ser mais fundamentado do que um despacho com pouca repercussão processual.

A fundamentação de uma decisão judicial do tipo dos despachos em causa passará sempre numa exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico dos argumentos que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.

Esta análise crítica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, será tomada determinada posição (v.g. deferimento ou indeferimento), com  a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar os argumentos em causa procedentes ou improcedentes e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.

Igualmente a fundamentação deve sempre ser suficiente, coerente e razoável, de modo a permitir cumprir as finalidades referidas que lhes estão subjacentes (endo e extra processuais, que foram referidas).

Finalmente, ter-se-á de reconhecer que a actividade de fiscalização e de controle por parte dos tribunais superiores, relativamente às decisões proferidas em 1.ª instância, só pode ser válida e eficazmente exercida se nas decisões se tiverem presentes os elementos de argumentação e de decisão acima apontados.

Ora compulsada a fundamentação dos despachos em causa é notório que os despachos aqui em causa não padecem do vício alegado da falta de fundamentação. Os mesmos compõem uma análise crítica das razões do indeferimento, na sua compatibilidade com os pressupostos da instrução e julgamento em presença, e com expressa invocação do Art.º 340.º do CPPenal e também dos demais dispositivos legais relativos às especialidades dos meios de prova que tinham sido requeridos – cfr. Art.ºs 150.º (reconstituição do facto), 151.º a 163.º (perícia) e 164.º a 170.º (documentos). Aliás, essa fundamentação expendida será posteriormente objecto da argumentação discordante da própria recorrente e que será apreciada também noutros fundamentos dos recursos intercalares.

  Assim sendo, em face do predito, julga-se improcedente este fundamento dos recursos intercalares.

(ii) na aventada violação do direito de defesa pelos descritos despachos de indeferimento

Segundo a mesma recorrente ocorreria ainda violação dos Art.ºs 340.º, n.º 1, do CPPenal e 32.º, da CRPortuguesa, nos referidos despachos instrutórios.

Ora, considera-se que se encontra desde logo votada ao insucesso a invocada violação do Art.º 32.º da Constituição. A crítica é tanto mais evanescente quanto condensando o Art.º 32.º da Constituição os princípios materiais do processo criminal, a mesma recorrente não identifica, como lhe é legalmente imposto, a norma violada; não vale a remissão genérica para este preceito do Art.º 32.º, exigindo-se que o recorrente identifique o segmento da norma alegadamente violada, o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal interpretou a norma e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou aplicada, nos termos do disposto no Art.º 412.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPPenal. Nada disso fez o recorrente e perante “o mundo” normativo vertido no Art.º 32.º da Constituição não conseguimos adivinhar o que pretende o recorrente, nem essa é, consabidamente, a nossa tarefa.

Quanto à invocada violação do Art.º 340.º, n.º 1, do CPPenal, também ela está votada ao insucesso.

Vejamos.

Postula o referido Art.º 340.º, no seu n.º 1: “O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e á boa discussão da causa”.

O objecto do processo é definido pela acusação e pronúncia, das quais devem constar todos os meios de prova em que assentam e as fundamentam, carreados para os autos e apreciados indiciariamente durante o inquérito e a instrução. Provas essas a ser (re)produzidas, discutidas e analisadas, publicamente, em audiência.

O Art.º 340.º não tem por finalidade permitir aos sujeitos processuais produzir novas provas, não arroladas no momento oportuno ou para suprir a inconcludência daquelas.

No que concerne aos elementos de prova requeridos pela arguida, em particular as provas periciais e por reconstituição do facto, não podemos esquecer o disposto no mesmo Art.º 340.º do CPPenal, onde se refere que o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e boa decisão da causa e indefere por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis, n.º 3, podendo ainda indeferir os requerimentos de prova se for notório que, n.º 4: - as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; - o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou - o requerimento tem finalidade meramente dilatória.

Compulsados os autos, não vislumbramos qualquer utilidade em o Tribunal ordenar a realização das provas requeridas pela arguida, para além daquelas que foram mesmo objecto de deferimento.

Por outro lado, no que concerne à requerida prova por perícia psiquiátrica, é certo é que a questão da imputabilidade diminuída, até 2 de Maio de 2012, nunca havia sido suscitada por esta arguida A..., nem o foi aquando do seu interrogatório, nem a mesma veio a juntar aos autos qualquer documento que atestasse imputabilidade diminuída. Aliás, nem a própria arguida aquando de tal pedido em sede de contestação sabia o que pretendia, pois levanta várias possibilidades (depressão profunda, neurose, ansiedade, pulsão, etc.).

Assim, sem prejuízo de mediante audição da arguida em sede de julgamento se levantar tal questão, o que acabou por não ocorrer, não existiam na altura, nem neste momento existem quaisquer elementos nos autos que apontassem para a necessidade de realização de tal perícia, pelo que andou bem o Mm.º juiz a quo ao indeferir tal diligência probatória uma vez que se revelava claramente dilatória.

No que concerne à prova por reconstituição do facto, também não se vislumbra a que título pretendia a arguida a realização de tal reconstituição e para que efeitos. Na verdade, a prova por reconstituição obedece aos requisitos previstos no Art.º 150.º do CPPenal que, manifestamente não estavam preenchidos no caso em presença, pelo que também andou bem o Mm.º juiz a quo ao indeferir tal diligência probatória uma vez que se revelava claramente dilatória.

Por último, devendo a prova documental ser produzida no decurso do inquérito ou da instrução e só excepcionalmente os documentos podem ser juntos até ao encerramento da audiência (n.ºs 1 e 2, do Art.º 165.º do CPPenal).

Tal dispositivo visa antes permitir ao tribunal, quando emerge da discussão da causa (e por isso não pôde resultar logo da acusação) a existência de provas não arroladas na acusação mas relevantes para a decisão a tomar, que determine oficiosamente ou a requerimento dos sujeitos processuais, a produção de tais provas que não puderam ser requeridas no momento oportuno mas agora se revelam pertinentes e adequadas para contribuir, de forma relevante, para a criterioso esclarecimento do caso ou do “recorte de vida” submetido à sua apreciação.

Aliás, como resulta do n.º 4 do Art.º 340.º, do CPPenal, “Os requerimentos de prova são ainda ser indeferidos se for notório que: a) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; b) O meio de prova é inadequado …”.

Por outro lado, como decidiu o Ac. do STJ de 26/11/1998, processo 504/98, citado por Maia Gonçalves no seu Código de Processo Penal Anotado, 13ª ed., em anotação ao Art.º 340.º, “o juízo de necessidade ou desnecessidade de diligências de prova não vinculada é tributário da livre apreciação crítica dos julgadores, na própria vivência e imediação do julgamento”.

De onde resulta que a procedência do recurso pressupõe a demonstração de que tal juízo é infundado. Pelo que se impõe que o recorrente demonstre a falta de fundamento desse juízo de oportunidade e necessidade formulado pelo tribunal quando indeferiu o requerimento de produção de novas provas.

Assim, concluindo, assentando as decisões recorridas num juízo sobre a desnecessidade e falta de oportunidade que as alegações de recurso não infirmam, sendo pelo contrário corroborados pelos elementos do processo atendíveis, este outro fundamento dos recursos interlocutórios tem que improceder.

(iii) na aventada nulidade do mencionado despacho que impôs a presença obrigatória da arguida recorrente

Quanto à determinada presença da arguida nas sessões de audiência de discussão e julgamento que também são por esta contestada, importa ter presente o disposto no Art.º 332.º, n.º 1, do CPPenal, que ainda estabelece, como regra, a obrigatoriedade da presença do arguido no julgamento.

Quanto a esta regra, estabelecem-se algumas excepções, nomeadamente, o arguido encontrar-se praticamente impossibilitado de comparecer, nomeadamente por idade, doença grave ou residência no estrangeiro, e requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência, vide o Art.º 334.º, n.º 2, do mesmo Código.

Por outro lado, no Art.º 333.º do mesmo CPPenal, admite-se a realização do julgamento sem a presença do arguido e em que a perspectiva do adiamento só se colocará se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade essa presença desde o início da audiência. Sendo que o arguido manterá sempre o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência.

O entendimento que deve assumir a presença do arguido em audiência em julgamento veio a ser clarificado pelo Supremo Tribunal de Justiça recentemente, no seu Acórdão para fixação de jurisprudência n.º 9/2012 de 8/3/2012, publicado no DR I.ª Série n.º 238 de 10/12/2012, disponível em http://dre.pt/pdf1sdip/2012/12/23800/0693106947.pdf. Veio o mesmo acórdão definir que “notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do n.º 1 do artigo 333.º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo”.

Nessa ponderação de interesses em certa medida contraditórios, a solução legal afigura-se ajustada e constitucionalmente insusceptível de censura. A presença do arguido perde o carácter de princípio absoluto, para se afirmar primacialmente como um direito do arguido a estar presente. Um direito disponível, que o arguido, enquanto sujeito processual autónomo e plenamente responsável, exercerá como entender. Não fica, porém, privado de defesa, no caso de optar por estar ausente, uma vez que será necessariamente assistido por defensor, escolhido ou nomeado.

A única excepção ao direito de opção do arguido é a de o tribunal considerar a sua presença absolutamente indispensável para a descoberta da verdade, caso em que a obrigação de presença lhe pode ser imposta, em nome do interesse público na administração da justiça.

A adopção das «medidas necessárias e legalmente admissíveis» para obter a comparência do arguido só se justifica, pois, quando o tribunal adiar o julgamento, por considerar a presença do arguido indispensável, e destina-se a garantir a presença do mesmo na segunda data marcada para a audiência (Art.º 312.º, n.º 2 do CPPenal). É esse o sentido da previsão contida no n.º 1 do Art.º 333.º Portanto, só quando há adiamento do julgamento, pela razão indicada, é possível, mediante as referidas medidas, impor ao arguido a sua presença.

O decretamento dessas medidas só tem sentido quando o arguido está obrigado a comparecer, já não quando a sua presença não é obrigatória.

No caso vertente, face aos elementos carreados para os autos, o Mm.º juiz a quo entendeu, que não havia qualquer fundamento para que a arguida A... não estivesse presente na audiência de julgamento, e que era importante a sua presença considerando os factos de que se encontrava acusada, isto sem prejuízo, como é evidente, de se remeter ao silêncio se assim o entendesse.

Evidente que tais situações tem de ser fundamentadas, e justificadas, sendo certo que tem de passar pelo crivo do próprio juiz que preside à audiência, isto é, têm de ser comprovadas, nomeadamente por suporte documental, o que significa que poderá o juiz após análise da situação entender o pedido injustificado e determinar a comparência do arguido em julgamento, eventualmente mediante a emissão de mandados de detenção, cfr. Art.º 334.º, n.º 1, e 333.º, n.º 1, ambos do CPPenal. Designadamente, como aconteceu na situação vertente, por considerar que era importante a presença da arguida para a descoberta da verdade neste caso.

Pelo que nada há criticar na posição assumida pelo Mm.º juiz que presidiu à audiência do julgamento no que respeita à presença da arguida e às diligência encetadas para assegurar a sua presença, não esquecendo aqui o sancionamento em multa pela falta injustificada.

Pelo que improcede mais este fundamento destes recursos interlocutórios.

 (iv.) na nulidade por violação do direito de defesa e por falta de fundamentação do despacho de indeferimento do requerimento de prova, tal como exarado a fls. 1172-1173

Tivemos ocasião de analisar acima (nos pontos i. e ii. desta fundamentação), que os vícios invocados da violação do direito de defesa e de ausência de fundamentação dos despachos de indeferimento de fls. 1021-1022 e 1041, se não encontravam presentes. Retoma-se aqui todos os argumentos ali discutidos e que aqui são válidos por todas as razões expostas.

Sempre se dirá, em reforço do que ficou expresso, nas provas requeridas pela recorrente, em particular as provas periciais e por reconstituição do facto, não se pode esquecer o disposto no Art.º 340.º do CPPenal, onde se refere que o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e boa decisão da causa e indefere por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis, n.º 3, podendo ainda indeferir os requerimentos de prova se for notório que, n.º 4: - as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; - o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito dúvidosa; ou - o requerimento tem finalidade meramente dilatória.

Compulsados os autos, não vislumbramos qualquer utilidade em o tribunal ter ordenado a realização das provas requeridas pela arguida, para além daquelas que vieram a ser efectivamente objecto de deferimento.

Na verdade, no que concerne à requerida prova por perícia psiquiátrica, é certo é que a questão da imputabilidade diminuída, até 2 de Maio de 2012, nunca havia sido suscitada pela mesma arguida A..., nem o foi aquando do seu interrogatório, nem a mesma, até há referida data, juntou aos autos qualquer documento que atestasse imputabilidade diminuída. Aliás, nem a própria arguida aquando de tal pedido em sede de contestação sabia o que pretendia, pois levanta várias possibilidades (depressão profunda, neurose, ansiedade, pulsão, etc.).

Assim, sem prejuízo de mediante audição da arguida em sede de julgamento se levantar tal questão, o que acabou por não ocorrer, não existiam na altura, nem neste momento existem quaisquer elementos nos autos que apontassem para a necessidade de realização de tal perícia, pelo que andou bem o Mm.º juiz a quo ao indeferir tal diligência probatória uma vez que se revelava claramente inócua para a descoberta da verdade e também dilatória, pelo que deve ser mantido o despacho recorrido.

No que concerne à prova por reconstituição do facto, também não se vislumbra a que título pretendia a arguida a realização de tal reconstituição e para que efeitos. Na verdade, a prova por reconstituição pericial obedece aos requisitos previstos no Art.º 150.º do CPPenal, que, manifestamente não estavam preenchidos no caso em presença, pelo que também andou bem o Mm.º juiz a quo ao indeferir tal diligência probatória uma vez que se revelava claramente dilatória.

Razão pela qual se consideram improcedentes também estes outros fundamentos suscitados nestes recursos interlocutórios.

(v.) na nulidade da acusação por ausência de narração dos factos e da indicação das disposições legais aplicáveis

Nas suas alegações dos recursos a arguida A... faz uma referência esparsa à nulidade da acusação que veio a ser objecto de julgamento, ao dizer que “a própria acusação padece de nulidade por violação ostensiva do Art.° 283.°, n.° 2, al. b) e al. c) do CPP”.

Vejamos, sabendo-se que a mesma nulidade é de conhecimento oficioso.

A acusação deduzida e que veio a ser objecto de julgamento satisfaz ou não os requisitos formais do Art.º 283.º, n.º 3, do CPPenal, maxime das als. b) e c), do n.º 3?

Dispõe-se ali que da peça processual em causa há-de constar “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática (...)” [alínea b)] e “a indicação das disposições legais aplicáveis” [ alínea c)].

O sentido desta exigência retira-se facilmente da estrutura acusatória conferida ao processo penal e das suas decorrências em termos de definição e alteração do objecto do processo. “A acusação é formalmente a manifestação da pretensão de que o arguido seja submetido a julgamento pela prática de determinado crime e por ele condenado com a pena prevista na lei ou requerida pelo Ministério Público”. “(...) É elemento essencial da acusação a indicação dos factos que fundamentam a aplicação da sanção, ou seja, os elementos constitutivos do crime. É que são estes que constituem o objecto do processo daí em diante e são eles que serão objecto do julgamento”. “(...) Entendemos ser da maior importância a indicação das disposições legais aplicáveis, pois é em função delas que se delimitam os factos e se formula o pedido de condenação.

Acresce que o conhecimento das disposições legais incriminadoras por parte do arguido é também objecto de julgamento e, por isso, que constituam também objecto da acusação e das fases subsequentes do processo” – assim, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Lisboa: Editorial Verbo, 2ª Ed., III, págs. 113/5.

Ora, constata-se que consta efectivamente do libelo acusatório a narração efectiva dos factos pelos quais todos os arguidos vieram a julgamento e que foram tomados em linha de conta no decurso dos trabalhos de julgamento (desde o recebimento da acusação e a todos os actos de instrução, de julgamento e até de proferimento da sentença final sob recurso).

Assim, contrariamente ao invocado pela recorrente, a peça acusatória, se bem que pudesse ter sido redigida em termos mais precisos, não sofre das deficiências que lhe são apontadas.

Na verdade, é um peça articulada, com desenvolvimento factual lógico onde estão descritos factos bem individualizados, o elemento subjectivo da actuação dos recorrentes e a qualificação jurídico-penal das respectivas condutas.

A exigência de indicação precisa na acusação dos factos imputados ao arguido, emanação clara do princípio acusatório consagrado no n.º 5, do Art.º 32.º, da Constituição, tem como implicação directa, que ninguém pode ser julgado por um crime sem precedência de acusação por esse crime, deduzida por órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. As garantias de defesa, a que se refere o Art.º 32.º, n.º 1, da Lei Fundamental, inculcam, assim, a necessidade de o arguido conhecer, na sua real dimensão, os factos de que é acusado, para que deles possa convenientemente defender-se.

Ora, os termos em que a acusação está deduzida, permitem, como se viu, aos recorrentes defenderem-se convenientemente já que lhes indicam com precisão os factos de que são acusados e respectiva qualificação jurídico-penal.

Improcede, pois, a invocada nulidade.

 (vi.) na alegada omissão de pronúncia da sentença sobre se os arguidos terão, ou não, condições de efectuar o pagamento da prestação tributária e legais acréscimos, como condição de suspensão da execução da prisão, uma vez que foram condenados por crime de natureza fiscal, só podendo beneficiar daquela pena substitutiva, nos exactos termos do que dispõe o n.º 1 do Art.º 14.º do RGIT

Nesta instância de recurso levanta-se, do mesmo modo, a questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia (alínea c) do n.º 1 do Art.º 379.º do CPPenal).

Alega o Ministério Público, nesta sede, que não terá sido cumprido pelo tribunal a quo, o dever de investigação e (ou) pronúncia sobre se os arguidos terão, ou não, condições de efectuar o pagamento da prestação tributária e legais acréscimos, como condição de suspensão, uma vez que foram condenados por crime de natureza fiscal, só podendo beneficiar daquela pena substitutiva, nos exactos termos do que dispõe o n.º 1 do Art.º 14.º do RGIT. Segundo o Ministério Público junto desta Relação, não foi devidamente cumprida a doutrina que ressalta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, n° 8/2012, publicado no DR, I.ª série, n.º 206, de 24 de Outubro de 2012, que fixou jurisprudência nos seguintes termos: No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p.e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Cumpre apreciar esta questão.

E, na verdade, analisando esta sentença, verifica-se desde logo que a mesma se encontra omissa no que respeita sobre estes pressupostos da suspensão da execução da prisão no que respeita aos crimes de fraude fiscal que foram entendidos como praticados. O que deveria ter realizado na obediência à doutrina agora fixada pelo mencionado Acórdão para fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012 de 12/9/2012, publicado no DR I.ª Série, n.º 206, de 24/10/2012, disponível em http://dre.pt/pdf1sdip/2012/10/20600/0598506019.pdfhttp://dre.pt/pdf1sdip/2012/10/20600/0598506019.pdf.

Diz-nos o mesmo acórdão que “no processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.”

Entende-se que esta interpretação uniforme é extensível, por sinonímia de razões, aos crimes de fraude fiscal que aqui também se encontram em causa e a que o tribunal a quo condicionou, na suspensão da sua punição, ao pagamento ao Estado da mencionada quantia tributária e legais acréscimos.

Na sentença impugnada por este recurso não encontramos devidamente cumpridas estas exigências adicionais na aplicação da suspensão da execução da prisão mediante a obrigatória condição de pagamento das prestações tributárias em falta.

Assim, no momento da determinação das penas, constata-se que o tribunal a quo invocou sumariamente, para ambos os arguidos aqui recorrentes, os pressupostos tipo do Art.º 50.º do Código Penal, determinando para eles a suspensão da execução das penas de prisão mediante a contrapartidas tributárias devidas, resultantes da condenação de ambos pela prática de crimes de fraude fiscal. Não procedeu à dita prognose ou antecipação do impacto financeiro para os arguidos da sujeição dos mesmos a essa prisão suspensa condicionada, o que deveria ter acontecido à luz deste entendimento jurisprudencial uniformizado. 

Vejam-se os fundamentos desta conclusão.

Com o RGIT a matéria passou a ser regulada no Art.º 14.º, norma inserta no capítulo II — Disposições aplicáveis aos crimes tributários — do Regime Geral, parte I — Princípios gerais.

Estabelece o Art.º 14.º, n.º 1, do RGIT:

1 — A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.

2 — Na falta do pagamento das quantias referidas no número anterior, o tribunal pode:

a) Exigir garantias de cumprimento;

b) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas sem exceder o prazo máximo de suspensão admissível;

c) Revogar a suspensão da pena de prisão.

As disposições dos Art.ºs 11.º, n.º 7, do antigo RJIFNA e 14.º, n.º 1, do actual RGIT divergem substancialmente do regime do Código Penal, no respeitante aos deveres que podem condicionar a suspensão da execução da pena.

Em primeiro lugar, nem na redacção originária do Código Penal (Art.º 49.º) nem na emergente da revisão de 1995 (Art.º 51.º) se sujeita obrigatoriamente a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento de quantia devida à vítima ou ao lesado.

Em segundo lugar, porque o Art.º 51.º, n.º 2, dispõe expressamente que os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir (princípio da razoabilidade).

No regime do RJIFNA, a partir de 1993, como agora no RGIT, a lei impõe obrigatoriamente a sujeição da suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento das quantias em dívida; o n.º 7 do Art.º 11.º daquele condicionava e o Art.º 14.º, n.º 1, deste continua a condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento das prestações em falta e legais acréscimos.

Em vez de se deixar ao critério do julgador a aplicabilidade caso a caso do cumprimento do dever de pagamento das quantias em dívida como condição da suspensão da execução da pena, a lei estabelece a obrigatoriedade da imposição desse dever, ou seja, aparentemente, sem se possibilitar a aplicação do Art.º 51.º, n.º 2, do Código Penal.

A norma estabelece uma correspondência automática entre o montante da quantia em dívida e o montante da quantia a pagar como condição de suspensão da execução da pena de prisão, sem possibilidade de graduação, tendo de ser a totalidade do devido sem possibilidade de uma qualquer redução.

É evidente a particularidade, a especial configuração que o regime tributário assume em relação ao conteúdo do Art.º 51.º do Código Penal, divergindo em relação a vários pontos.

O Tribunal Constitucional tem afirmado, uniformemente, quanto à exigência de pagamento, à margem da condição económica pessoal do responsável tributário, que nada tem de desmedida, por não se apresentar com a rigidez que aparenta, por na matéria reger o princípio rebus sic stantibus, concluindo pela inexistência de inconstitucionalidade na parte em que condiciona a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento pelo arguido do imposto em dívida e respectivos acréscimos.

A conformidade constitucional da norma do Art.º 14.º, n.º 1, do RGIT sempre foi apreciada na óptica dos interesses do arguido, na perspectiva da violação dos princípios da igualdade, adequação e proporcionalidade, e nunca analisada na perspectiva de limitação da liberdade de julgar.

As três razões pelas quais nesta jurisprudência se afasta a objecção de que se está a impor ao arguido um dever que se sabe de cumprimento impossível e, com isso, a violar os princípios da proporcionalidade e da culpa, são: (i) o juízo quanto à impossibilidade de pagar não impede legalmente a suspensão; (ii) sempre pode haver regresso de melhor fortuna; (iii) e a revogação não é automática, dependendo de uma avaliação judicial da culpa no incumprimento da condição; a revogação é sempre uma possibilidade e não dispensa a culpa do condenado; o não cumprimento não culposo da obrigação não determina a revogação da suspensão da execução da pena (dos Acórdãos n.ºs 256/03 e 427/08).

O Supremo Tribunal de Justiça também afastou a arguição de inconstitucionalidade da citada norma do RGIT.

A análise da sentença impugnada deixa claro que não foi este o entendimento seguido pelo tribunal a quo, o qual não procedeu à análise ponderada da razoabilidade económica e financeira da condição prescrita aos arguidos J... e A.... Isto é, a formulação de um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte de ambos os condenados, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura.

Como se pode constatar, esta doutrina agora fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça é directamente transponível para outros crimes fiscais, como o crime de fraude fiscal em presença, que consagra uma idêntica estrutura penal (pena de multa ou prisão) e que se encontra também sujeito aos critérios gerais do mencionado Art.º 14.º, n.º 1, do RGIT.

Dispõe o Art.º 103.º, n.º 1, do RGIT que: “Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:

a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;

b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária”.

Os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária, sendo que, os factos não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a € 15.000,00 (quinze mil euros) (Art.º 103.º, n.º 2 e 3, do RGIT, na redacção introduzida pela Lei nº 60-A/2005 de 30/12).

Por sua vez, dispõe o Art.º 104.º, n.º 2, do RGIT que os factos puníveis no Art.º 103.º são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando a fraude tiver lugar mediante facturas ou documentos equivalentes por valores diferentes dos valores reais.

Note-se que o resultado lesivo para efeitos de direito penal fiscal pode assumir várias formas. Pode traduzir-se no não pagamento puro e simples de um imposto devido; pode resultar na liquidação de um imposto em montante inferior ao legalmente previsto; pode consistir na obtenção de um benefício fiscal à margem da lei; pode ser a obtenção de um reembolso sem suporte legal.

No caso vertente, segundo diz a sentença impugnada, a sociedade arguida, através dos demais arguidos, em sede de IRC, no exercício de 2005 e 2006, não declararam a totalidade das prestações de serviços efectuadas, tendo ocultado à Administração Tributária factos e valores referentes à sua actividade económica. Com efeito, no apuramento da matéria colectável, como asseveram os factos provados, deduziram prejuízos fiscais a que não tinham direito. Essa ocultação e deduções indevidas causaram diminuição das receitas tributárias no montante de 57.124,45€, no ano de 2005 e de 62.326,35€, no ano de 2006.

De acordo com o Art.º 13.º do RGIT, na determinação da medida da pena atende-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime.

Com a aposição da condição a que fica subordinada a suspensão pretende-se a reparação integral do prejuízo causado, mas não só.

A razoabilidade da condição tem, a nosso ver, de ser necessariamente avaliada e ponderada a montante, isto é, antes da declaração de imposição.

De pouco valerá impor um dever económico de forma cega só porque a lei a impõe de forma automática, dir-se-ia, num posicionamento que roça a total e completa alienidade em relação ao concreto ser julgado e condenado, quando não só pelo exagero do montante, não arbitrado, mas imposto, pelo muito curto prazo assinado para o cumprimento e sobretudo pela já consabida sua deficiente capacidade de solvência, de cumprir o imposto, seria dentro de um juízo de normalidade das coisas da vida do cidadão comum, de um juízo de verosimilhança, de antever o inevitável incumprimento.

Ao decretar-se a imposição da condição deve ter-se uma imagem global do condicionamento, da real dimensão económica do dever imposto, que a opaca fórmula legal de jeito algum deixa transparecer, em que se incluem juros compensatórios e moratórios, com vista à reparação integral, plena, a que pode ser acoplada, caso o juiz o entenda, o montante previsto na segunda parte do n.º 1 do Art.º 14.º do RGIT, ou seja, uma «quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa».

Na avaliação da opção pela suspensão não podem ser olvidados os condicionalismos inerentes ao agente e se é certo que a impossibilidade de cumprimento não integra os elementos constitutivos do tipo, tal avaliação tem de estar presente no juízo de opção pela substituição.

Apenas como adjuvante de compreensão não será despiciendo deitar um olhar sobre a situação pessoal e económica de cada um dos arguidos.

Com a aplicação da condição não se trata de pagar determinada quantia à entidade credora para a compensar do prejuízo por ela sofrido. Mais do que isso, trata-se de um crédito garantido pelo jus puniendi com que o Estado está investido. No caso, a arrecadação de receitas, complementos e seus derivados é assegurada através da imposição de uma sanção penal; a subordinação obrigatória da suspensão da execução da pena de prisão à exigência do pagamento do montante da dívida volve o instituto em instrumento de recuperação de dívidas fiscais, tornando -se numa medida sancionatória que cuida mais da vítima do que do delinquente.

Ora, o que é de aplicação automática é a condição, não a suspensão, que demanda formulação de lógico juízo prévio; para que se verifique a imposição do condicionamento necessário é que antes se tenha optado exactamente pela suspensão, uma suspensão com contornos especiais, mas exactamente por isso a merecer maiores cuidados.

A suspensão está subordinada, ela própria, à verificação de pressupostos, carecendo de avaliação a situação presente.

Como afirmar a presença do pressuposto material de suspensão sem atender à carga imposta? Aliás, na lei de autorização de 1993 referia -se a possibilidade de suspensão com imposição de pagamento; não é a suspensão que é imposta; uma vez eleita a solução de suspensão, sabido é que terá necessariamente aqueles contornos, aquela forma de reparação e não outra, a reposição na íntegra do devido, mas não só, pois acresce o demais, ultrapassando a condenação o montante do imposto e demais acréscimos, sem reduções, sem cortes, sem descontos.

Para que sobrevenha a aplicação da pena fixa em que consiste a «condição», necessário é que se opte pela suspensão; de contrário, que sentido teria falar em medida de sentido pedagógico e reeducativo?

O Art.º 14.º, n.º 1, alberga duas hipóteses. Uma primeira em que impõe o condicionamento e uma segunda, prevista na última parte do mesmo n.º 1, em que sem qualquer dúvida se abre a janela da liberdade de escolha e ponderação, pois caso o juiz o entenda, fica a suspensão condicionada ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.

A suspensão em si mesma não deixa de ser uma faculdade, como se acentua no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 242/2009, de 12 de Maio de 2009, processo n.º 250/09, da 2.ª Secção, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 75.º vol., p. 209, onde se afirma: «a norma do artigo 14.º do RGIT, ao estabelecer, de forma geral e abstracta, uma condição à faculdade de o tribunal decretar a suspensão da execução da pena de prisão, em todas as situações em que essa faculdade se lhe depare, assume claramente natureza de acto legislativo».

A escolha da pena de substituição é um prius em relação à imposição da condição. Prevendo a penalidade a alternativa prisão/multa, incidindo a opção sobre a pena de prisão, de duas, uma: ou é eleita a pena de prisão efectiva ou a pena de substituição, a pena suspensa. Mas porque no caso a suspensão ficará subordinada a condição com contornos pré-definidos, a opção não pode ser cega, tem que ser ponderada, avaliada, porque senão deixa de ser um poder dever, o exercício de um poder vinculado, sem necessidade de específica fundamentação.

Nessa acepção, torna-se evidente que se terá de realizar essa tarefa adicional de previsão e prognose do impacto actual e futuro do condicionamento financeiro a que ficou sujeita a suspensão da execução das prisões a que foram condenados os arguidos recorrentes.

Sabemos que o tribunal a quo não se pronunciou concretamente sobre esta matéria, podendo dizer-se que se limitou a tomar como pressuposto que não devia ou não necessitava conhecer de tal matéria, fazendo-o por simples remissão para os pressupostos do Art.º 50.º do Código Penal.

Mas a verdade é que se impunha fazer esse conhecimento e a opção depois pelas eventuais penas substitutivas.

Não o fazendo incorreu o mesmo tribunal numa omissão de pronúncia que consubstancia uma (invalidade) nulidade de sentença, pois deixou de pronunciar-se sobre uma questão que devia apreciar – cfr. Art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do CPPenal.

Esta omissão de pronúncia não pode ser suprida por esta via de recurso (mesmo por via do disposto no n.º 4 do Art.º 379.º do CPPenal), pois esse exercício corresponderia à supressão de um grau de jurisdição no que respeita a esta precisa questão omitida.

A sentença deve ser anulada e os autos devem baixar ao tribunal de primeira instância para que nele se proceda à elaboração de nova sentença, conhecendo-se nela da questão mencionada que o mesmo tribunal deveria ter apreciado. Se necessário através da abertura do julgamento para realizar a prova adicional que habilite o tribunal com a recolha dos elementos probatórios de cariz sócio-económico de ambos os arguidos recorrentes, J... e A... que sejam necessários e suficientes para a tarefa cognitiva tomada como omitida.

Nos termos expostos, a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia quanto ao não apreciação da questão mencionada (previsão e prognose do impacto actual e futuro do condicionamento financeiro a que ficou sujeita a suspensão da execução das prisões a que foram condenados os arguidos recorrentes), devendo o tribunal a quo, pelo mesmo juiz, produzir uma nova sentença que dela conheça efectivamente, se necessário com a reabertura do julgamento para a produção dos meios de prova considerados suficientes e necessários para a consideração da situação sócio-económica actual e futura dos arguidos recorrentes J... e A....

                                                                       ***

Em face da procedência deste fundamento do recurso, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nesta instância, impondo-se decidir em dispositivo.

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IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes desta Relação em julgar não providos os recursos intercalares interpostos pela arguida A... e parcialmente providos os recursos interpostos pelos arguidos J... e A..., estes por fundamento diverso relativo à questão da determinação da pena de prisão dos crimes de fraude fiscal e da sua suspensão, anulando-se a sentença recorrida por omissão de pronúncia, nesta parte, e determinando-se a elaboração de uma outra sentença, pelo mesmo juiz, que contenha a apreciação da aludida matéria, se necessário antecedida de reabertura da audiência de julgamento para a produção dos meios de prova considerados suficientes e necessários para a consideração da situação sócio-económica actual e futura dos arguidos recorrentes J... e A....

                                                           ***    

Custas pelo decaimento dos recursos interlocutórios a cargo da arguida A..., com taxa de justiça em 4 UC’s, e sem custas no que respeita aos recursos da sentença final.

Notifique-se.

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Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (cfr. Art.º 94.º, n.º 2, do CPPenal).

            Lisboa, 10 de Abril de 2013

Nuno Coelho

Moraes Rocha

Decisão Texto Integral: