Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23758/15.8T8LSB.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA VALIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
CRÉDITOS LABORAIS
REMISSÃO ABDICATIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1- Uma vez cessada a relação laboral são livremente disponíveis os créditos laborais emergentes da relação de trabalho, da sua violação ou da sua cessação.
2- Da declaração emitida pelo trabalhador de que recebeu determinada quantia referente a acerto de contas, não tendo nada mais a receber da empregadora, não se pode extrair que evidencia a vontade de não impugnar a validade dos contratos a termo que celebrou com aquela, nem que renuncia aos direitos que eventualmente lhe advenham do vencimento da respectiva causa.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


AA, contribuinte (…), residente na Rua (…) com a profissão de Escriturário, intentou a presente acção, sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB, S.A. com sede social na Avenida (…) Lisboa, pedindo que esta seja julgada procedente e, em consequência:
a) Seja declarada a nulidade dos contratos de trabalho a termo, bem como da cláusula que fixa o prazo do contrato a termo e o Autor considerado como trabalhador efectivo;
b) Seja declarada a nulidade do despedimento do Autor, por ilícito, por inexistir justa causa e processo disciplinar;

Seja a Ré condenada:
a) A reintegrar o Autor no seu posto de trabalho com todos os direitos e antiguidade incluindo a progressão na carreira se este não vier a optar pela indemnização até à audiência de julgamento e a pagar-lhe o montante de 717,34 € das retribuições vencidas, bem como as vincendas até ao trânsito em julgado de presente acção.
b) No total de valor 771,34 € acrescidos de juros à taxa legal.
c) A pagar ao Autor as diferenças salariais no montante de 1.852,65 €.
d) A pagar ao Autor o acréscimo previsto na cláusula 46, nº 5 do CCT no montante de 1.913,62 €.

Invocou para tanto e em síntese:
- Iniciou o seu trabalho para a Ré no dia 11 de Maio de 2013, tendo celebrado um adicional ao contrato de trabalho a termo no dia 17 de Abril de 2014 por um período de 12 meses;
-No dia 2 de Junho de 2014, entre o Autor e a Ré foi celebrado um acordo que fez cessar a relação de trabalho entre Autor e Ré com a antiguidade e condições reconhecidas ao dia 11 de Maio de 2013;
-A R. fez terminar o contrato de trabalho do A. no dia 10/05/2015, através de carta enviada no dia 14 de Abril de 2015;
(…)
- A cessação do contrato de trabalho a termo do A. ocorreu sem qualquer fundamento e quando na avaliação de desempenho do trabalho realizado era considerado excelente;
(…)
- A comunicação feita ao A., pela R., no dia 14 de Abril 2015, configura um despedimento sem justa causa;
- Era devida ao Autor a retribuição de 717,34 € correspondente ao nível IV, da tabela salarial, do CCT referido, sendo que a R. apenas lhe pagou a retribuição mensal de 631,94 €, estando, assim, em dívida as diferenças salariais a partir de 1 de Junho de 2014 até 10 de Maio de 2015, nos montantes que indica; e
-A Ré também nunca pagou ao Autor o acréscimo de 20% a que alude o nº 5, da cláusula 46º do CCT aplicável, valor que lhe é devido.

Realizou-se a audiência de partes, não tendo sido obtida a sua conciliação.

Notificada a Ré para contestar veio fazê-lo por excepção e por impugnação.

Por excepção invocou:

A remissão abdicativa:
-Aquando da cessação do contrato de trabalho entre A. e R., esta pagou-lhe, a título de compensação pela cessação do contrato, a quantia de 568,75€.
-Mais pagou ao A. a quantia de 675,21€(3 x 225,07€), que correspondem às partes proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, a título de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho.
-Tais pagamentos constavam do processamento que continha o fecho de contas;
-Em 11 de Maio de 2015, o A. recebeu, para além do certificado de trabalho, um cheque no valor de 1.920,03€, com o nº. 961890703, tendo em contrapartida emitido uma declaração expressa referente ao acerto de contas, na qual declarou ter recebido “por cheque nº. 961890703 o valor de 1.920,03 €”, mais declarou “nada mais tendo a receber da BB;
-Com tal declaração o A. deu quitação total dos créditos, declarando-se pago de todos os créditos, remindo assim toda e qualquer obrigação vencida ou emergente da relação existente entre as partes;
-Pelo que, deve a R. ser absolvida de todos os pedidos deduzidos na presente acção, considerando-se extintos por remissão os créditos que eventualmente detivesse sobre a ora R.

Da Compensação:
- Caso a acção seja julgada procedente e a Ré condenada a reintegrar o A. ou a pagar-lhe a indemnização prevista no art. 391º do Código do Trabalho, a percepção do valor já pago a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho representaria um enriquecimento do A. sem causa e à custa do património da ora R, pelo que tal quantia deverá, nesse contexto, ser devolvida à R., procedendo-se ao respectivo desconto, como compensação sobre os créditos que eventualmente venham a ser reconhecidos ao A. em resultado da declaração de invalidade da cessação do contrato de trabalho.
(…)
Conclui pedindo que a acção seja julgada improcedente com a consequente absolvição dos pedidos.
O Autor respondeu invocando que a Ré não tem razão quando alega que pagou a título de cessação do contrato de trabalho ao A. uma compensação de 568,75 €, que a R. pagou apenas a compensação legal decorrente da lei, não havendo pois qualquer negociação e que o A. apenas deu quitação de recebimento dos valores que constam do recibo e do acerto de contas emergentes do fim do contrato de trabalho, não existindo, pois, qualquer compensação negociada paga ao A. pela R. pela cessação do contrato de trabalho, pelo que deve improceder a excepção peremptória invocada pela Ré.

Em 12.01.2016 foi proferido despacho saneador que conheceu da excepção peremptória invocada pela Ré, nos seguintes termos:
A) Da Excepção Peremptória da Remissão Abdicativa
(…)
4.Decisão
Face ao exposto, decide julga-se procedente a excepção peremptória da remissão abdicativa deduzida pela Ré e, por via disso, mais se decide julgar improcedente a presente acção intentada pelo Autor AA contra a Ré BB, SA e, consequentemente, absolve a Ré do pedido contra si formulado pelo Autor.
Sem custas por o Autor está isento delas.
Notifique-se e registe-se”.

Inconformado, o Autor recorreu e apresentou as seguintes conclusões:
(…)
Termina pedindo que seja proferido Acórdão que substitua a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” e considere que não existe remissão abdicativa com a assinatura de declaração de quitação de créditos pagos, pela Recorrida, emergentes de obrigações legais por cessação do contrato de trabalho a termo certo fazendo-se deste modo justiça.

A Ré contra alegou, formulando as seguintes conclusões:
(…)

Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

O recurso foi admitido na forma, com o modo de subida e efeito adequados.

Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou parecer no sentido de vislumbrar insuficiente fundamentação para o provimento do recurso.

Notificadas as partes do parecer, não responderam. 
          
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso.
Sendo pacífico que o âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), nos presentes autos importa apreciar se o tribunal a quo errou ao julgar procedente a excepção peremptória da remissão abdicativa.

Fundamentação de facto.
Os factos com relevo para a decisão são os considerados no relatório que antecede e para o qual se remete.

Fundamentação de direito.
Analisemos, então, se o tribunal a quo errou ao julgar procedente a excepção peremptória da remissão abdicativa.
Nesta sede, defende o recorrente, no que é contrariado pela recorrida, que não há renúncia abdicativa com o alcance dado pelo tribunal “a quo”, designadamente para o Recorrente poder impugnar a validade do contrato de trabalho a termo certo, porquanto os créditos pagos são o resultado das obrigações legais da Recorrida pela não renovação do contrato e que o sentido que se pode tirar da declaração assinada, pelo Recorrente, só pode ser a que há remissão abdicativa no estrito limite dos valores recebidos e que constam da declaração quitação, sendo que fora dos elementos que constam da declaração outorgada pelo Recorrente não existe remissão abdicativa ou renúncia ao direito de impugnar judicialmente a validade do contrato a trabalho a termo certo.

Vejamos:

De acordo com o artigo 863º do Código Civil:

“1- O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor.
2- Quando tiver o carácter de liberalidade, a remissão por negócio entre vivos é havida como doação, na conformidade dos artigos 940º e seguintes.”
Sobre a noção do instituto da remissão, causa de extinção das obrigações, escreve o Professor Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, Vol.II, 3ª Edição, pag. 209: “ A remissão da dívida é, por conseguinte, a renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com a aquiescência da contraparte.”

E a págs. 211 e 218 da citada obra lemos: “ Ficou, de facto, bem assente no texto definitivo do artigo 863º, que a remissão necessita de revestir a forma de contrato (embora a aceitação da proposta contratual do remitente se possa considerar especialmente facilitada pelo disposto no artigo 234º), quer se trate de remissão donativa, quer de remissão abdicativa.”
(…)
Não basta, por conseguinte, a declaração abdicativa ou renunciativa do credor para extinguir a obrigação. Esse efeito só resulta do acordo entre os dois titulares da relação creditória, ainda que a lei seja especialmente aberta à prova da aceitação do devedor (art.234º).
(…)
A remissão tem como efeito imediato a perda definitiva do crédito, de um lado, e a liberação do débito, pelo outro.
E, uma vez extinta a obrigação, com ela se extinguem reflexamente os acessórios e as garantias pessoais ou reais, que asseguravam o seu cumprimento, sem necessidade da intervenção de terceiros que as tenham prestado.”

No que respeita à admissibilidade da remissão abdicativa no domínio das relações laborais, tanto a doutrina como a jurisprudência têm entendido, pacificamente, que na fase da cessação do contrato de trabalho tal instituto tem plena aplicação uma vez que a indisponibilidade de créditos provenientes de contrato de trabalho se impõe apenas durante a sua vigência.

Assim e como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.12.2010, in www.dgsi: “Cessada a relação laboral, já nada justifica que o trabalhador não possa dispor livremente dos eventuais créditos resultantes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.”

E no mesmo sentido, escreve-se no sumário do Acórdão da mesma Relação de 04.07.2011, igual pesquisa, “O direito à retribuição e aos restantes créditos laborais só se considera indisponível durante a vigência da relação laboral, ou seja, uma vez cessada a relação laboral nada justifica que o trabalhador não possa dispor livremente dos seus créditos laborais, quer salariais quer outros emergentes da relação de trabalho ou da respectiva cessação”.

Em igual sentido vide, entre outros, o Acórdão do STJ de 09.07.2015, in www.dgsi.pt em cujo sumário se escreve:” I – Cessada a relação juslaboral, o ex-trabalhador pode dispor livremente dos (eventuais) créditos laborais resultantes do contrato findo, da sua violação ou cessação, por terem deixado de subsistir os constrangimentos psicológicos existentes durante a constância do vínculo.
(…)”.

Perfilhando a jurisprudência citada, podemos concluir que, uma vez cessada a relação laboral são livremente disponíveis os créditos laborais emergentes da relação de trabalho da sua violação ou da sua cessação.

Regressando ao caso, consta-se que a Ré emitiu em nome do Autor o recebido de vencimento cuja cópia consta de fls. 50 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual consignou: «… Vencimento… 203,85… Subsídio de Férias…631,94… Subsídio de Natal… 225,07…. Indemnização p/Caducidade Contrato (V)… 568,75… Proporcional Subsidio Férias… 225,07… Mês Férias… 204,17… Proporcional Mês Férias… 225,07… Totais Abonos 2.401,41€ Descontos 481.39 € Valor Líquido 1.920,03 €…». (ponto 6 dos factos provados); Em 11 de Maio de 2015, o Autor recebeu um cheque no valor de € 1.920,03, com o nº. 961890703 (ponto 7 dos factos provados); Tendo em contrapartida, nessa mesma data, subscrito o escrito particular denominado «DECLARAÇÃO» cuja cópia consta de fls. 53 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual consignou:
«Eu, AA,… declaro ter recebido por cheque nº9618906703 o valor de 1.920,03 € (Mil novecentos e vinte euros e três cêntimos) referente a acerto de contas, não tendo nada mais a receber da BB…». (ponto 8 dos factos provados).

Ora, sobre caso idêntico ao destes autos já nos pronunciámos no Acórdão deste Tribunal proferido a 5 de Junho de 2013, na apelação nº 3705/11.7TTLSB.L1 no qual interveio como 2ª adjunta a ora relatora (o recorrente invoca Acórdão proferido pelo STJ no âmbito deste mesmo processo – Proc. nº 3705/11.7TTLSB.L1.S1.4ª Secção e com o mesmo entendimento), nos seguintes termos:
“A questão que se coloca é a de saber se estamos perante um mero recibo de quitação, isto é, um documento em que o A., na qualidade de credor se limita a declarar ter recebido a prestação que lhe é devida, constituindo o mesmo uma simples declaração de ciência certificativa do facto de que a prestação foi cumprida pelo devedor e recebida pelo credor; ou, se para além disso, atendendo àquele parágrafo final, existe também um acordo de remissão abdicativa, feito com a aquiescência da R., tendo o A. renunciado ao direito de exigir qualquer prestação a que eventualmente tivesse direito, nomeadamente em consequência da ilicitude do despedimento.
Como decorre do aludido artigo 236.º CC, «A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele» (n.º 1), porém, «Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida» (n.º 2).
Ora, atento o contexto em que foi emitido o documento e considerado o seu conteúdo, desde logo em termos de literalidade, não se vê que o mesmo tivesse em vista propor e obter o acordo do A. no sentido de renunciar à impugnação da validade dos contratos de trabalho a termo que celebrou com a R., nem tão pouco que esteja presente qualquer indício dessa vontade por parte dele de abdicar daquele direito e, caso o exercesse e obtivesse ganho, dos efeitos consequentes, nomeadamente quanto à reintegração e à compensação relativa aos ditos salários intercalares desde o despedimento até ao trânsito da decisão em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento.
O documento foi emitido pela R. na sequência do pagamento que fez ao A. das importâncias relativas ao acerto de contas na sequência da cessação do contrato de trabalho a termo e, como decorre do mesmo, nada evidencia que através dele tenha querido a R. excluir a possibilidade de se vir a discutir no futuro a validade dos contratos celebrados e da sua cessação, apresentando-o ao A. para obter dele acordo, no sentido de renunciar a esse direito.
A declaração final, subscrita pelo A., onde se lê “Mais declara não ter a haver ou a receber da EE – Companhia de Seguros, S.A qualquer outra quantia seja a que título for”, não permite de todo a interpretação com a abrangência que a R. defende.
O sentido que um declaratário normal pode deduzir dessa declaração é apenas de que a mesma se reporta à execução daqueles contratos e ao acerto devido por efeito da sua cessação, mas assente num pressuposto de validade dos mesmos ou, pelo menos, de não se colocar sequer essa questão.
Por um lado, o documento contém uma mera declaração de quitação daqueles valores que foram pagos ao A., respeitantes a Vencimento Base, Subsídio de Turno, Subsídio de Alimentação, Proporcional Subsidio de Natal e Compensação por não renovação de contrato. Por outro, através daquela declaração final, há efectivamente uma renúncia do A. a direitos de crédito que eventualmente pudesse ter sobre a R., mas com determinados limites bem definidos, nomeadamente, a não por em causa a correcção do valores que lhe foram pagos ou a invocar a falta de pagamento de qualquer outra quantia a outro título, fundada num qualquer facto que lhe conferisse esse direito na execução do contrato de trabalho, por exemplo, o pagamento de trabalho suplementar, trabalho prestado em dia de descanso, etc.
Conforme elucida João Leal Amado, «a remissão (..) pressupõe que o credor conhece o seu direito, tem consciência da sua existência, sabe que ele ainda se encontra insatisfeito, e pressupõe, também, que o credor quer extinguir esse crédito, tem vontade de o abandonar, de dele se demitir (..)» [Op. cit. pp. 223/224].
Em suma, embora se aceite que há contrato de remissão abdicativa, o mesmo não abrange - estando para além do seu objecto - a renúncia por parte do A. ao direito a impugnar a validade dos contratos de trabalho a termo que celebrou com a R., nem a reclamar os direitos que, em caso de vencimento na impugnação, por efeito da ilicitude do despedimento lhe assistam.
Neste mesmo sentido, num caso com configuração próxima, pronunciou-se Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 20-01-2010, em cujo sumário se pode ler o seguinte:
«I- A quitação é um documento em que o credor declara ter recebido a prestação que lhe é devida, constituindo uma simples declaração de ciência certificativa do facto de que a prestação foi cumprida pelo devedor e recebida pelo credor.
II- A remissão é a renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com aquiescência da contraparte, e provoca a extinção das obrigações visadas, resultando, assim, do acordo entre os dois titulares da relação creditória.
III- Não traduz um acordo de remissão abdicativa, mas antes uma mera quitação, a declaração exarada num documento, elaborado pela Ré, em que o Autor declara “haver recebido determinada a importância de € 1.996,54, por recibos e folhas de pagamento que ficam nos respectivos arquivos como liquidação de contas, correspondentes a todas as importâncias a que tinha (mos) direito e das quais dou (damos) plena e geral quitação, nada mais tendo, por consequência a reclamar, seja a que título for”, uma vez que dela não decorre qualquer vontade de remitir por parte do trabalhador.
IV - E esse documento também não mostra, mesmo em termos da sua literalidade, qualquer indício da vontade de que o Autor, com a sua subscrição, se aprestou a não impugnar a validade dos contratos de trabalho que celebrara com a Ré e, caso essa impugnação viesse a ser frutuosa, que renunciava a uma reintegração e aos salários ditos de «tramitação»
[Proferido no processo 2059/07.0TTLSB.L1.S1, BRAVO SERRA, disponível em www.dgsi.jstj].

Assim, não se reconhece razão à recorrente nesta linha de argumentação expendida nas conclusões 1 a 11, não merecendo a sentença recorrida, quanto a esta questão, censura.”

Ora, também no caso dos autos, face à declaração do Autor de que recebeu, por cheque o valor de 1.9020,03€ referente a acerto de contas, “não tendo nada mais a receber da BB”não podemos extrair, porque o texto da declaração não o permite, nem estão provados outros elementos que evidenciem outra interpretação, que o Autor manifestou o propósito de renunciar à impugnação da validade dos contratos de trabalho a termo que celebrou com a Ré e muito menos que tal declaração evidencie a vontade do Autor abdicar desse direito e caso o exercesse e obtivesse ganho, de abdicar dos respectivos efeitos, nomeadamente dos relativos à reintegração e aos salários de tramitação.

Na verdade, da declaração emitida pelo Autor apenas podemos extrair que recebeu a quantia a que alude referente a acerto de contas e que renunciou a direitos de crédito que, eventualmente, ainda pudesse ter sobre a Ré, mas relacionados com os valores recebidos e só, sendo certo que a declaração do Autor não permite extrapolar para uma renúncia do direito de impugnar a validade dos contratos que celebrou com a Ré, o que não tem a mínima expressão no documento assinado pelo Autor nem no contexto em que surge essa declaração.

E sendo assim terá de proceder a apelação com a consequente revogação do despacho saneador na parte em que julgou procedente a excepção da remissão abdicativa, que deverá ser julgada improcedente, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos até final.

Decisão.

Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar procedente o recurso e, em consequência:
- revogam o despacho saneador na parte em que julgou procedente a excepção peremptória da remissão abdicativa;
- Julgam improcedente a excepção peremptória da remissão abdicativa e determinam que os autos prossigam os seus ulteriores termos até final.
Custas pela parte vencida a final.


Lisboa, 13 de Julho de 2016


Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Claudino Seara Paixão
Decisão Texto Integral: