Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1223/12.5TBMTJ.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: HONORÁRIOS
PROVEITO COMUM DO CASAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - Resultando do laudo de honorários da Ordem dos Advogados que o montante dos honorários ajustados entre o advogado e o seu constituinte é claramente excessivo e portanto injustificado o benefício económico que o advogado pretende obter com os serviços de advocacia que prestou, o exercício do direito de crédito pelo montante dos honorários acordados excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim social e económico, que é o de o advogado obter uma compensação económica adequada pelos serviços prestados.
- O proveito comum do casal reporta-se a benefícios económicos e não a sentimentos, pelo que, nenhum facto provado havendo que revele ter a apelante mulher obtido outro benefício que não seja o alívio com a absolvição do seu marido num processo crime, não pode ser condenada a pagar ao apelado qualquer quantia pela prestação dos serviços jurídicos àquele no âmbito desse processo.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:


I – Relatório:


L... instaurou acção declarativa em 21/05/2012 contra D... e M... pedindo que os RR sejam condenados a pagar-lhe as seguintes quantias:

a) 51.350,00 € acrescida de IVA à taxa legal de 23% referente à parte das despesas e honorários que não foram pagos;
b) 4.291,81 € a título de juros vencidos até à data da instauração da acção, bem como juros vincendos, calculados à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
c) Todas as despesas com o presente processo e a providência cautelar apensa, nomeadamente, taxas de justiça e honorários do seu mandatário que se estimam em valor não inferior a Euros 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros).

Alegou, em síntese:

- no exercício da sua actividade profissional de advogado, prestou serviços jurídicos ao R. marido no âmbito de processo crime que culminou com a sua absolvição;
- tais serviços jurídicos prestados encontram-se descriminados na nota de despesas e honorários que remeteu ao R. marido por carta datada de 05/02/2009;
- os RR. nunca questionaram esses serviços;
- depois de receber a referida nota de despesas e honorários o R. marido deu conta que estava com dificuldades financeiras e pediu ao A. para aguardar algum tempo e posteriormente manifestaram-lhe o propósito de efectuar o pagamento em seis prestações mensais até Julho de 2010, o que o A. aceitou, vencendo-se a primeira no último dia do mês de Fevereiro de 2010;
- os RR apenas pagaram a quantia de 40.000 €;
- os RR são casados no regime de comunhão de bens adquiridos, andavam angustiados com a possibilidade de uma condenação civil e penal; com a absolvição do R. ambos deixaram de ter receio de o seu bom nome ser colocado na praça pública.

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Contestaram os RR, invocando, em resumo:

- o crédito do autor já prescreveu;
- a R. mulher é parte ilegítima;
- o valor de honorários reclamado pelo autor – Euros 91.530,00 – foi repudiado pelos réus, logo em Fevereiro de 2009 e é excessivo;
 - não é possível determinar, a partir da “nota de honorários e despesas” o fundamento das “despesas de expediente” e “despesas gerais.
Concluíram pela absolvição do pedido.

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O A. apresentou réplica, pugnando pela improcedência das excepções arguidas e concluindo como na petição inicial.

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Foi oficiosamente solicitado laudo de honorários ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados, que veio a ser elaborado.

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Na audiência prévia foi admitida a ampliação do pedido, formulada pelo A. por forma a incluir na quantia peticionada o IVA calculado à taxa actualmente em vigor, a incidir sobre o valor total da nota de honorários e despesas (Euros 91.530,00) e não apenas sobre a quantia não paga pelos réus; relegou-se para final a decisão sobre as excepções de ilegitimidade passiva e prescrição, identificou-se o objecto do litígio e enunciou-se os temas da prova.

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Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade e de prescrição e julgou parcialmente procedente o pedido condenando-se os RR a pagar ao A:

«a) A quantia de Euros 46.800,00 (quarenta e seis mil e oitocentos euros) a título de honorários, acrescida de IVA (imposto sobre o valor acrescentado) à taxa legal.
b) Juros de mora sobre a referida quantia de Euros 46.800,00 (quarenta e seis mil e oitocentos euros), à taxa legal de juros civis, sendo os vencidos nesta data no montante de Euros 5.282,63 (cinco mil duzentos e oitenta e dois euros e sessenta e três cêntimos) ao que acrescem os vincendos até integral e efectivo pagamento.
c) O montante de IVA à taxa legal sobre a quantia de Euros 40.000,00 (quarenta mil euros) de honorários já paga.
d) A quantia que em incidente de liquidação posterior se apurar como tendo sido o valor das despesas incorridas pelo autor com a execução do mandato judicial em causa nestes autos e respectivo IVA, até ao limite de Euros 4.730,00 (quatro mil setecentos e trinta euros) mais IVA.
e) Juros de mora, sobre o valor das despesas assim apuradas, à taxa legal de juros civis, desde a sentença de liquidação até integral pagamento.

II. Julgar, na restante parte, improcedente o pedido formulado pelo autor L... e do mesmo absolver os réus D... e M...».

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Inconformados, apelaram os RR, terminando a alegação com as seguintes conclusões:

I - Está em causa o valor que a Justiça dos Tribunais Portugueses pode ou deve, ou não pode e não deve, condenar os Recorrentes a pagar ainda mais ao Recorrido L... pelos serviços discriminados na “Nota de Despesas e Honorários” que constitui o documento de fis. 19 a 26; pagos que foram já exorbitantes €40.000,00.

II - Existem nos presentes autos os necessários elementos concludentes para determinar a correcta decisão da Justiça pela improcedência total dos pedidos.

III - São absolutamente tangíveis ao senso comum as razões para qualificar de abusiva a quantia total de € 91.530,00 a título de despesas e de honorários constantes do mesmo documento de fls. 19 a 26, como se retira da sua análise crítica no segmento de págs. 13 a 19 destas alegações de Apelação.

IV - A Sentença recorrida denegou a Justiça no caso concreto dos autos, omitindo toda e qualquer pronúncia sobre a inadequação do valor dos honorários cobrados pelo Recorrido aos Recorrentes - questão que foi taxativa e incompreensivelmente 'posta de lado' pelo Mmo. Tribunal a quo, não obstante estar elencada na alínea c) dos Temas da Prova para Audiência de Julgamento, a fls.

V - Tendo-se demonstrado nos autos que o Recorrente D..., entre Junho de 2010 e Julho de 2011, pagou ao Recorrido L... a quantia total de €40.000,00 (quarenta mil euros) a título de honorários e despesas pelas despesas e os serviços discriminados na 'Nota de Despesas e Honorários' que constitui o documento de fls. 19 a 26;

VI - E tendo o Conselho Superior da Ordem dos Advogados consignado, por unanimidade, que só seria concedido laudo por honorários no caso vertente se os mesmos tivessem originariamente sido de «montante nunca superior a 30.500,00 € acrescido do atinente IVA» [decisão esta constante do Acórdão CSOA de 5 de Abril de 2013 e reforçada pelo Acórdão do mesmo CSOA de 7 de Junho de 2013 (fls.163 a 170 efls.194 a 198];

VII -    Deverá o tribunal julgar improcedentes os presentes autos de condenação, in totum, sob pena de conferirem eficácia a um documento que atenta contra as normas profissionais da advocacia e notoriamente contra a Boa-Fé.

VIII - O facto do advogado ter liquidado em certa quantia os honorários por serviços que prestou a cliente não torna indiscutível a obrigação de pagar tal quantia. [Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. n° 7101/09.8TBBRG.G 1, 11110/2011].

IX - Verificando-se litígio quanto aos honorários devidos, e não tendo havido ajuste entre as partes nem havendo tarifas profissionais ou usos a levar em linha de conta, é ao tribunal que compete decidir, segundo juízos de equidade, acerca dos honorários que o cliente tem de pagar. [Idem] .

X - Nos dados deste caso concreto e ainda que possa ter o Mmo. Tribunal a quo ter dado por demonstrado um 'acordo' obtido pelo Recorrido sobre o Recorrente quanto ao pagamento dos honorários após a apresentação a pagamento do documento de f1s. 19 a 26 (acordo obtido abusivamente e no desconhecimento do Recorrente acerca das  práticas da advocacia):

i) Tal não oblitera os vícios de que enferma o documento de fls. 19 a 26;
ii) Tal não retira a natureza ilegal e abusiva dos exorbitantes honorários que o Recorrido pretende cobrar por via dos presentes autos;
iii) Tal não configura necessariamente que assista ao Recorrido a faculdade de exercer o seu direito de crédito abusivamente e  atentando contra os deveres impostos pela Boa-fé, em violação do disposto no art. 334º do Código Civil.

XI - Pelo contrário, tendo-se apurado nos autos que o advogado nunca deveria ter pedido mais de € 30.500,00 de honorários acrescido do atinente IVA - por meio de laudo da Ordem dos Advogados, de fls. 163 a 170 e fls. I 94 a 198 - e tendo-se apurado que lhe foram já pagos € 40.000,00 [Facto Provado nº 17J].

XII -  Deveria o Mmo. Tribunal a quo ter julgado que o exercício de um 'direito de crédito' para além dos já pagos € 40.000,00 atenta contra os limites impostos pela Boa-fé e contra o Direito vigente, em decorrência do art.334º do Código Civil.

XIII - O nº 2 do art. 1158º do Código Civil que, se o mandato for oneroso, a medida da retribuição seja determinada pelas tarifas profissionais; e que, na falta destas, seja determinada pelos usos; e que na falta de todas seja determinada por juízos de equidade.

XIV - Ora deste quadro normativo resulta que a fixação de honorários de advogado implique um juízo discricionário que tem necessariamente de se inserir na boa fé e nos procedimentos e normas da profissão da advocacia.

XV - Assim sendo, é manifesto o alcance decisivo do Laudo da Ordem dos Advogados, elaborado por profissionais do foro, a quem não se pode negar a autoridade quanto ao domínio das tarifas, dos usos profissionais e da equidade específica da advocacia.

XVI - A acção de honorários a advogado implica a emissão de um juízo com uma certa componente de discricionariedade, já que, para além da ponderação dos elementos do art. 65º do EOA, impõe que se atente no laudo da Ordem e se considerem critérios de equidade. [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. 07B4673, Unanimidade, 27- 05-2008].

XVII - Embora o laudo emitido pela Ordem dos Advogados se encontre sujeito ao principio geral da livre apreciação do tribunal (…) não pode negar-se-lhe o valor informativo de qualquer perícia nem de todo o modo arredar-se o respeito e atenção que o mesmo deve merecer, dada a especial qualificação de quem o emite. [Idem].

XVIII - Neste sentido, não deve o Tribunal condenar no pagamento de montantes de honorários que excedem os constantes do Laudo da Ordem dos Advogados, dado que este é o melhor critério para estabelecer os limites da Boa-fé.

XIX - É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito - tal como consigna o art.334º do Código Civil.

XX - O Mmo. Tribunal a quo errou de Direito ao condenar os Recorrentes a pagar mais honorários ao Recorrido para além dos €40.000,00 já pagos com base em um acordo e reduzindo a questão ao brocardo latino pacta sund servanda, vindo a proferir na realidade uma Decisão clamorosamente injusta.

XXI - Não obstante ter dado por provado um crédito dos honorários remanescentes (e IVA, e juros e despesas) a favor do Recorrido, o Mmo. Tribunal a quo errou de Direito ao ignorar o alcance do Laudo da Ordem dos Advogados de fls. 163 a 170 e fls. 194 a 198 quanto à definição da equidade e dos limites impostos pela Boa fé, e ao esquecer em absoluto o instituto jurídico do Abuso de Direito consignado no art.334º do Código Civil.

XXII - Pelo contrário, levando em conta o Ordem dos Advogados de fls. 163 a 170 e fls.194 a 198 quanto à definição da equidade e dos limites impostos pela Boa fé, e por aplicação do disposto no art. 334º do Código Civil, deverão improceder todos os pedidos dos autos por se entender que o exercício do direito de crédito do Recorrido quanto aos honorários remanescentes (e IVA, e juros e despesas) atenta contra os deveres impostos pela Boa fé.

XXIII - Assim sendo, deverá este Tribunal da Relação negar ao Recorrido a possibilidade de exercer o seu abusivo 'direito de crédito' quanto a cobrar aos Recorrente qualquer valor a título de honorários e despesas para além dos € 40.000,00 que já lhe foram pagos.

XXIV - E para tanto revogar a Sentença recorrida. Concreta e especificadamente:

XXV - as condenações contidas na 'Decisão' da Sentença recorrida, nas suas respectivas alíneas a), b), c), d) e e), deverão ser revogadas.

XXVI - Quanto à condenação contida na alínea a) da Sentença recorrida, a mesma deverá ser revogada porque está em infracção directa do art. 334º conjugado com o nº 2 do art. 1158º, ambos do Código Civil, e atento o Laudo da Ordem dos Advogados de fls. 163 a 170 e fls.194 a 198 quanto à definição da equidade e dos limites impostos pela Boa fé.

XXVII. Quanto à condenação contida na alínea b) da Sentença recorrida, a mesma deverá ser revogada porque está igualmente em infracção directa do art. 334º, conjugado com o nº 2 do art. 1158°, ambos do Código Civil, e também atento o Laudo da Ordem dos Advogados de fls. 163 a 170 e fls.194 a 198 quanto à definição da equidade e dos limites impostos peja Boa fé.

XXVIII - Quanto à condenação contida na alínea c) da Sentença recorrida, a mesma deverá ser revogada porque do valor pago para além dos € 30.500,00 definidos pela Ordem dos Advogados remanesce o suficiente para cobrir o IVA (que o próprio Recorrido nem cobrou) que fosse correspondente, encontrando-se assim também em infracção do art.334º, conjugado com o nº2 do art. 1158º, ambos do Código Civil.

XXIX - Quanto à condenação contida na alínea d) da Sentença recorrida, a mesma deverá ser revogada porque do valor pago para além dos € 30.500,00 definidos pela Ordem dos Advogados remanesce o suficiente para cobrir as despesas que pudessem ser apresentadas correctamente pelo Recorrido, encontrando-se assim também em infracção directa do art.334º, conjugado com o nº 2 do art. 1158º, ambos do Código Civil.

XXX - E quanto à condenação contida na alínea e) da Sentença recorrida, a mesma deverá ser revogada porque está consequentemente dependente das demais condenações.

XXXI - Em todo e qualquer caso, deve a Recorrente mulher ser considerada parte ilegítima nos presentes autos e ser absolvida dos pedidos, por o suposto crédito de honorários do Recorrido sobre o Recorrente marido não ter sido constituído com proveito comum do casal, cfr. art.1691º nº 1 alínea c) do Código Civil.

Nestes termos, e nos demais de Direito do douto suprimento de Vossas Excelências, no qual desde já se louvam os Recorrentes, deverá a douta Sentença ser revogada, e substituída pela improcedência total dos pedidos, assim se fazendo a habitual e tão necessária... JUSTIÇA!

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O A. contra-alegou defendendo a confirmação da sentença recorrida.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Questões a decidir:

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:

- se não deve o tribunal condenar no pagamento de honorários que exceda o constante do laudo da Ordem dos Advogados;
- se a condenação no pagamento de honorários para além dos 40.000 € já pagos viola o disposto no art. 1158º nº 2 do Código Civil, atenta contra os limites impostos pela boa fé e esquece o instituto do abuso do direito consagrado no art. 334º do Código Civil;
- se não deve subsistir a condenação no pagamento de despesas;
- se a R. mulher deve ser em qualquer caso absolvida do pedido por inexistir proveito comum do casal.

*

III – Fundamentação.

A) Na sentença recorrida vem dado como provado:

1. O autor está inscrito na Ordem dos Advogados com o número de cédula 9064 de Lisboa e exerce advocacia em regime de profissional.

2. A pedido do réu, o mesmo deslocou-se no dia 21 de Maio de 2004 ao Tribunal do Montijo - serviços do Ministério Público, para acompanhar aquele outro no primeiro interrogatório de arguido, no âmbito do processo criminal nº 41/00 que correu termos pelo 2º Juízo do referido Tribunal.

3. Desde então até ao termo desse processo criminal o autor exerceu as funções de mandatário do réu nesses autos.

4. Nessa qualidade e no exercício da actividade profissional de advogado, o autor prestou ao réu, durante o período compreendido entre 21 de Maio de 2004 e 2 de Fevereiro de 2009, um conjunto de serviços jurídicos no âmbito do referido processo criminal.

5. Esses serviços encontram-se descriminados na “nota de despesas e honorários” junta sob a forma de cópia de fls. 19 a 26, que aqui se dá por reproduzida.

6. O autor elaborou e apresentou no processo criminal contestações aos pedidos de indemnização civil deduzidos por E... (no valor de Euros 155.000,00), M... (no valor de Euros 100.000,00), L... (no valor de Euros 55.000,00) e F... e outros (no valor de Euros 790.000,00).

7. Os réus nunca questionaram os serviços prestados pelo autor e elogiaram, por diversas vezes, o trabalho pelo mesmo efectuado, sobretudo, depois do acórdão absolutório que pôs termo ao referido processo.

8. Esse processo criminal terminou com a prolação de um acórdão que absolveu o réu da prática de todos os crimes de que vinha acusado, ou seja, um crime de explosão previsto e punido pelo artº 272º, nº 1, alínea b) e nº 2 do Código Penal e de três crimes de homicídio por negligência, previstos e punidos pelo artº 137º, nº 1 do Código Penal e, ainda, da responsabilidade civil relativamente aos pedidos de indemnização formulados pelas famílias das vítimas.

9. O autor elaborou e remeteu ao réu (que a recebeu em dia de Fevereiro de 2009 posterior ao dia 5), em anexo a uma carta datada de 5 de Fevereiro de 2009, a “nota de despesas e honorários” referida no nº 5.

10. Na referida carta o autor escreveu:
“(…)
Tendo em consideração as excelentes relações profissionais e pessoais mantidas há longos anos, com V.Exa, nunca foi solicitado qualquer pagamento no âmbito deste processo.
No passado dia 2 de Fevereiro desloquei-me ao Tribunal do Montijo, onde tive oportunidade de consultar o processo e constatei que a sentença já transitou em julgado, pelo que V.Exa. está definitivamente absolvido.
Nesta conformidade, segue em anexo, nota de despesas e honorários respeitante a este caso (…).
Assim, a minha nota final de despesas e honorários pelos serviços prestado a V.Exa apresente um saldo a meu favor de €91.530,00 (noventa e um mil quinhentos e trinta euros) acrescido de IVA à taxa legal de 20%, cuja liquidação antecipadamente agradeço.
(…)”.

11. Depois de receber essa carta, o réu invocou perante o autor que estava com dificuldades financeiras, tendo solicitado aquele outro tempo para pagar, o que o autor aceitou.

12. Em 3 de Março de 2009 o réu e o seu irmão A... subscreveram o acordo escrito junto sob a forma de cópia de fls. 275 a 279, que aqui se dá por reproduzido, a que foi dada a denominação de “Aditamento ao Acordo celebrado em 27 de Fevereiro de 2009”, de cuja cláusula 3ª ficou a constar:

A sociedade M... S.A, obriga-se a pagar os honorários apresentados por carta ao Segundo Outorgante pelo Exmo. Senhor Dr. L..., Advogado, respeitantes ao processo crime, que correu termos pelo Tribunal da Comarca do Montijo, já transitado em julgado, em que ambos os Outorgantes foram constituídos arguidos e absolvidos, quer da prática dos crimes por que vinham pronunciados, quer dos pedidos de indemnização cível contra eles deduzidos”.

13. O réu subscreveu a declaração dirigida ao autor, constante do escrito junto a fls. 223, datado de 22 de Março de 2009 e que aqui se dá por reproduzido, da qual consta:

Acuso a recepção da sua carta datada de 05/02/2009, que agradeço.
Como sabe fui constituído arguido no processo crime nº 41/00 do Tribunal do Montijo no exercício das minhas funções ao serviço da sociedade M... S.A.
Porém, informo V.Exa que por acordo com o meu irmão A..., os seus honorários, na parte que me diz respeito, serão suportados pela M... S.A, pelo que deverá V.Exa solicitar a esta empresa o respectivo pagamento ”.

14. Contactado o irmão do réu para esclarecer o teor dessa declaração, o mesmo recusou o pagamento da “nota de despesas e honorários” através da sociedade M... S.A..

15. O autor remeteu ao réu, que a recebeu, a carta datada de 9 de Fevereiro de 2010, junta sob a forma de cópia a fls. 27 e que aqui se dá por reproduzida.

16. Em Junho de 2010, mediante cheque sacado sobre o Banco ... datado de 23 de Junho de 2010, o réu pagou ao autor a quantia de Euros 10.000,00 (dez mil euros).

17. O réu efectuou pagamentos ao autor que, na sua totalidade, perfazem Euros 40.000,00, nos seguintes termos:

- cheque de Euros 10.000,00 referido no nº 16;
- dois cheques de Euros 5.000,00 cada um, entregues em 15 de Outubro de 2010;
- Euros 7.000,00 em numerário e Euros 3.000,00 através de cheque de 17 de Março de 2011;
- cheque de Euros 5.000,00 em 27 de Maio de 2011;
- cheque de Euros 5.000,00 em 29 de Julho de 2011.

18. O réu nada mais pagou ao autor.

19. O autor remeteu ao réu, que a recebeu em 2 de Abril de 2012, a carta datada de 28 de Março de 2012, junta sob a forma de cópia a fls. 31 e que aqui se dá por reproduzida.

20. Os réus não responderam a essa carta, não contactaram o autor e deixaram de atender os telefonemas do mesmo.

21. Por carta datada de 5 de Fevereiro de 2009 o autor apresentou ao irmão do réu uma “nota de despesas e honorários” de conteúdo e valor igual, por serviços prestados no âmbito do mesmo processo criminal.

22. No dia 30 de Julho de 2009 os réus outorgaram a favor da sua única filha uma escritura, pela qual doaram o prédio urbano sito no Gaveto da Avenida..., lote ..., Montijo, descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o nº ... e inscrito na matriz sob o artº ....

23. Esse prédio corresponde à casa onde os réus vivem e têm fixada a sua residência.

24. No mesmo dia, os réus doaram à sua filha mais duas fracções autónomas: uma designada pela letra “G” e outra designada pela letra “H”, parte do prédio urbano sito em Vilamoura, lote .../92, Clube..., Q..., Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº ... e inscrito na matriz sob o artº ... (artº 30º da p.i).

25. Os réus são casados entre si sob o regime de comunhão de bens adquiridos.

26. Nas reuniões havidas ao longo do processo muitas foram as vezes que o réu marido se fazia acompanhar da ré mulher.

27. O réu estava preocupado com a eventualidade de vir a ser condenado no processo criminal e a ré estava ansiosa e angustiada com o mesmo facto, tendo esta declarado ao autor, após a absolvição, “agora já conseguimos dormir descansados”.

28. O autor não emitiu uma factura pelo valor dos honorários e despesas que apresentou ao réu para pagamento.

29. O réu, enquanto administrador da sociedade M... S.A efectuou pagamentos de honorários ao autor, na qualidade de advogado da mesma sociedade, cujo valor/hora foi superior a Euros 100,00.

30. Por Acórdão de 5 de Abril de 2013 o Conselho Superior da Ordem dos Advogados deliberou não conceder laudo aos honorários de Euros 86.800,00 liquidados na “nota de despesas e honorários” elaborada pelo autor e remetida ao réu, mas concedê-lo pelo valor de Euros 30.500,00 (trinta mil e quinhentos euros) acrescido de IVA.

*

B) O Direito:

1. Diz-nos o art. 1158º do Código Civil:

«1 – O mandato presume-se gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão; neste caso, presume-se oneroso.
2 – Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade.».

Visto que os presentes autos se referem aos serviços prestados pelo apelado no exercício da sua profissão, o mandato presume-se oneroso e nem os apelantes alegaram a sua gratuitidade.

O art. 100º do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei 15/2005 de 26/01) estabelece:

«1 – Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa.
2 – Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.
3 – Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais».

O art. 3º nº 1 do Regulamento dos Laudos de Honorários dos advogados nº 40/2015 estatui: «Entende-se por “honorários” a retribuição dos serviços profissionais prestados por advogado na prática de actos próprios da profissão».

O art. 7º desse Regulamento dispõe:

«1 – É pressuposto da emissão de laudo a existência de conflito ou divergência, expresso ou tácito, entre o advogado e o constituinte ou consulente acerca do valor dos honorários estabelecido em conta já apresentada.
2 – Presume-se a existência de divergência se a conta não estiver paga pelo constituinte ou consulente três meses após a sua remessa.
(…)».
Os apelantes sustentam que o montante dos honorários a considerar não pode exceder o valor indicado no laudo da Ordem dos Advogados, insurgindo-se por a sentença recorrida não se ter pronunciado sobre a inadequação do valor apresentado pelo apelado.

O laudo foi solicitado oficiosamente pelo tribunal em momento anterior à realização da audiência prévia.

Na audiência prévia foram enunciados como temas de prova, além do mais: «a) Da aceitação da nota de honorários pelos RR; b) Do eventual acordo para pagamento em prestações dos valores peticionados e do eventual incumprimento pelos RR; c) Do tempo despendido e do valor/hora cobrado pelo A. e da adequação do valor dos honorários e despesas relativos aos serviços jurídicos efectuados pelo A. no pro. Nº 40/2000».

Na sentença recorrida entendeu-se que pode haver aceitação tácita do valor dos honorários apresentados por advogado após a execução do mandato, invocando-se nesse sentido o Ac do STJ de 24/05/2007 (Proc. 07A988 – in www.dgsi.pt) - e sobre essa solução jurídica não apresentaram os apelantes argumentos em contrário - e, ponderou-se:

«Os actos de endossar à sociedade a responsabilidade pelo pagamento dos honorários, só por si, não importam, salvo melhor juízo, a aquiescência do réu ao valor dos honorários. Os mesmos significam, em conformidade com um critério eminentemente prático, que o demandado enjeitou a sua obrigação pela dívida.

Não há, de resto, que reconhecer qualquer efeito ao acordo a esse título verificado entre o réu e o sue irmão, que é “res inter alios acta” para o autor – artº 595º, nº 1 e 596º do Código Civil.

O acto de pedir tempo para pagar significa, de forma suficientemente concludente (salvo uma reserva mental que não aproveita ao declarante – artº 244º, nº 2 do Código Civil) e segundo o sentido que um declaratário normal lhe atribuiu (art. 236º, nº 1 do Código Civil), que se quer pagar aquela dívida, ou seja, aquele valor e não qualquer outro inferior que eventualmente se entenda ser o devido.

Se essa proposta merece a aquiescência do credor e a esta se segue, como ocorreu no caso concreto, uma sequência de pagamentos (ainda que insuficiente para a liquidação total da dívida), haverá que entender, dentro do mesmo critério prático, sem dúvida razoável e portanto de modo suficientemente concludente, que o devedor aceitou aquele valor. Registe-se, neste passo, que a afastar o sentido ao comportamento do demandado segundo a “impressão do declaratário” (artº. 236º nº 1 do Código Civil) não existe um único facto, nomeadamente uma declaração escrita ou verbal, a questionar o valor dos honorários.

Entende-se, pois, que ocorreu um acordo válido e vinculativo entre o autor e o réu relativo ao valor dos honorários devidos ao primeiro.

Essa conclusão importa que resulte prejudicada a discussão sobre a justeza da nota de honorários, posto que, como acima se afirmou, nesta só há que ingressar quando não exista acordo entre cliente e advogado.».

No corpo da alegação recursiva, sob a epígrafe «Erradas conclusões jurídicas na sentença recorrida» afirmam os apelantes, nomeadamente:
«(…) servindo-se do Facto Provado nº 11 o Tribunal dá por manifestada aquiescência do Recorrente a pagar os honorários apresentados pelo Recorrido.

… E assim, considerando o Mmº Juiz a quo que existiu um acordo entre o Recorrente e o Recorrido quanto ao pagamento, em momento posterior ao da apresentação da Nota de Honorários de fls. 19 a 26,
O Mmo Tribunal a quo terminou a sua apreciação jurídica do caso concreto, limitando-se a condenar os Recorrentes a pagar o mais que está em falta além dos €40.000,00 que vieram a ser pagos [Facto Provado nº 17].

Podendo a sua decisão resumir-se ao brocardo latino Pacta Sund Servanda.
(…)
Ora, aqui reside o erro de Direito do Mmo Tribunal a quo, que ignorou por completo o problema da natureza abusiva dos honorários e ignorou por completo o Laudo da Ordem dos Advogados (…)».

E mais adiante, dizem:

«mesmo dando-se por demonstrado que tivesse havido um acordo inter partes válido quanto ao pagamento integral da quantia total de honorários e despesas reclamada pelo Recorrido sobre os Recorrentes, reportado a data posterior a Fevereiro de 2009 e como fez o Mmo Tribunal a quo, a máxima consequência, in casu, de tal conclusão jurídica seria a de reconhecer a existência – apenas a existência – de um direito de crédito a favor do Recorrido.

Remanescendo ainda a importantíssima questão de saber se é juridicamente admissível ou não que o Recorrido possa exercer tal direito de crédito através dos tribunais – ou seja, através dos presentes autos.

E a resposta deve ser negativa, sob pena de se cometer uma clamorosa Injustiça, incompreensível no Ordenamento Jurídico Português.
(…)
E a resposta deve ser claramente negativa, em face do disposto no art. 334º do Código Civil Português».

Vejamos.

Não foi impugnada a decisão sobre a matéria de facto.

Está provado que depois de receber a carta datada de 05/02/2009 com a «nota de despesas e honorários», o apelante marido invocou perante o apelado que estava com dificuldades financeiras, tendo-lhe solicitado tempo para pagar, o que este aceitou.

Ora, no art. 32º da contestação os apelantes alegaram «aquele citado valor de € 91.530,00 (…) (!) foi imediatamente e sempre recusado e repudiado pelos RR logo em Fevereiro de 2009», o que não se provou e está em contradição com o referido facto provado.

Mas invocam os apelantes, nesta apelação, que a actuação do apelado ao pretender fazer valer em juízo aquele valor de honorários configura abuso do direito nos termos do art. 334º do Código Civil. Nesta sede, dizem, nomeadamente, na conclusão X: «Nos dados deste caso concreto e ainda que possa ter o Mmo. Tribunal a quo ter dado por demonstrado um 'acordo' obtido pelo Recorrido sobre o Recorrente quanto ao pagamento dos honorários após a apresentação a pagamento do documento de f1s. 19 a 26 (acordo obtido abusivamente e no desconhecimento do Recorrente acerca das  práticas da advocacia)».

Porém, não resulta dos factos provados que o acordo do apelante marido quanto ao valor dos honorários tenha sido obtido no desconhecimento acerca das práticas da advocacia. Veja-se, aliás, que está provado que «O réu, enquanto administrador da sociedade M... S.A efectuou pagamentos de honorários ao autor, na qualidade de advogado da mesma sociedade, cujo valor/hora foi superior a Euros 100,00.». De considerar ainda que o acordo mencionado no ponto 12 da matéria de facto subscrito pelo apelante e o seu irmão, não aponta no sentido de aquele ser um desconhecedor acerca das práticas da advocacia quanto a valores de honorários mas sim que pretendeu que fosse aquela sociedade a suportar essa despesa. Sucede é que o irmão acabou por recusar o pagamento através da sociedade e o apelante iniciou pagamentos em Junho de 2010 que se prolongaram até 29/07/2011, perfazendo 40.000 €.

Portanto, a solicitação de tempo para pagar conjugada com a celebração do acordo com o irmão e com a realização dos diversos pagamentos constitui um comportamento claramente revelador da aceitação daquele valor de honorários e, portanto, uma declaração tácita de ajuste dos mesmos (cfr art. 217º nº 1 do Código Civil).

Mas porque o art. 334º do Código Civil prescreve que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito» impõe-se averiguar se a exigência do pagamento daquele valor não configurará abuso do direito, face à manifesta discrepância com o valor de honorários que a Ordem dos Advogados considerou adequado, pois não esqueçamos que a questão do abuso do direito é, até, de conhecimento oficioso.

Embora o laudo da Ordem dos Advogados esteja sujeito à livre apreciação do julgador, para determinação do seu valor probatório não pode deixar de se tomar em conta que foi elaborado por profissionais do mesmo ramo de actividade, eleitos pela assembleia geral da mesma Ordem, o que faz pressupor que possuem elevados conhecimentos técnicos para aferir, sob o ponto de vista económico, sobre o montante dos honorários devidos; portanto, a credibilidade do laudo dos honorários só deve ser posta em causa quando ocorram factos suficientemente fortes que a abalem (neste sentido, cfr Ac do STJ de 15/04/2015 - Proc. 4536«8/09.6TVLSB-B.L1.S1 – in www.dgsi.pt).

No caso concreto, o Conselho Superior da Ordem dos Advogados aprovou, por acórdão, o parecer do relator em que se lê, designadamente:

«No caso de que nos ocupamos, flui da “Conta de Despesas e Honorários” apresentada pelo Requerido que este foi constituído advogado para defender o cliente D... em processo-crime onde era acusado de crime de explosão e de três crimes de homicídio por negligência.

Em suma, e no âmbito desse processo, flui ainda da nota de honorários que o Requerido acompanhou o cliente desde início (fase de inquérito), tendo havido dedução de acusação, abertura de instrução (por parte do arguido), julgamento (defesa n aparte crime e nos pedidos de indemnização civil) e absolvição do arguido ainda em 1ª instância.

Não houve recursos interpostos.

Constata-se ainda pela discriminação da Nota de Honorários apresentada pelo Requerido, ter havido um acompanhamento activo em todo o processo.

No caso concreto, afigura-se que o trabalho desempenhado pelo requerido foi importante e empenhado, porque interveio e acompanhou todo o processo, vindo aliás a culminar pela absolvição do arguido. Tudo como se encontra referido na Nota de Despesas e Honorários e cujos serviços, na sua essência e globalidade, o cliente não desmente.

Verifica-se, também, que houve uma prestação de serviços do Requerido assente num trabalho intelectual empenhado e processualmente adequado. Não se vislumbram, porém, indícios de que esse serviço tenha comportado uma criatividade intelectual fora da normalidade para a tramitação de processos crime em 1ª instância.

Para além do empenho no tratamento do assunto cometido e no serviço prestado que matiza a prestação de serviço em advocacia, também o resultado proporcionado ao então seu cliente foi bom, pois, como se disse, conseguiu a absolvição do arguido.

À míngua da indicação do número de horas gasto com a prestação do serviço, e tendo em conta a experiência comum e a normalidade em situações idênticas e em processos semelhantes, adiantamos já que, pelo descritivo dos serviços concretos, enumerados na Nota de Honorários o número de horas gasto com a prestação desse serviço não ultrapassará nunca as 150 horas, independentemente do número de anos de percurso processual desde o interrogatório do arguido até à prolação da sentença.

Por outro lado, já nos parece que a complexidade e importância do assunto é média/alta e o resultado é muito bom (pois, como se disse, o Requerido terá conseguido a absolvição do seu cliente).

Todavia, como supra deixámos referido, considerando que neste tipo de serviço e face ao que se encontra discriminado na Nota de Honorários, pode estimar-se, por paralelismo com outras idênticas situações e já nivelando por alto, um número de horas despendidas nunca superior a 150.

Com efeito, atento o descrito pelo Requerido, não é plausível que este tenha gasto mais de 150 horas em todos os serviços que elenca.

Ora, se se aplicar a este número de horas o “preço/hora” de 150,00 € (preço referido pelo Requerido como sendo o por si anteriormente praticado ao mesmo cliente) – e que constitui um valor já bastante aceitável – atingir-se-á um montante de honorário de 22.500,00 €, o que nos parece perfeitamente adequado ao caso concreto.

A estes 22.500,00 € poderá ainda autonomamente acrescer-se o valor do resultado do processo (sucess fee), que para o cliente foi bom, pois culminou com a sua absolvição no processo crime e, consequentemente, nos pedidos indemnizatórios formulados pelos alegados danos decorrentes da prática daqueles crimes. Pelo que, neste caso concreto, não repugnará ser ainda considerado um valor de 8.000,00 € pelo resultado obtido.

Como se disse supra, e aqui se repete, não nos pronunciaremos sobre as despesas, pois nesta parte caberá ao Tribunal fazê-lo.

Assim, arrimados na experiência profissional, importância dos serviços prestados, o grau de criatividade intelectual dos serviços prestados, o resultado obtido e as responsabilidades assumidas pelo Advogado, o montante de 88.800,00 € em que se consubstancia a totalidade dos honorários apresentados pelo Sr Advogado Requerido afigura-se-nos exagerado relativamente aos serviços prestados ao Cliente, o qual deve ser reduzido para 30.500,00 € (22.500,00 € + 8.000,00 €).

(…)» (cfr fls. 162 a 170 destes autos).

Na sequência de requerimento do apelado apresentado na Ordem dos Advogados arguindo nulidades do laudo, falta de fundamentação e fundamentação contraditória, o Conselho Superior manteve o laudo, aprovando por acórdão o parecer do relator onde se lê, além do mais:

«3 – Veio também o Requerido alegar que o número de horas que o laudo emitido estipulou como ajustado ao trabalho por si desenvolvido foi calculado arbitrariamente e com base numa mera estimativa, estando esse número muito aquém do número de horas efectivamente despendidas pelo Requerido, que só agora indica ser nunca inferior a 400 horas. E de seguida elenca as horas que pretensamente o ocuparam no serviço prestado.

Cabe sublinhar que a Nota de despesas e Honorários apresentada pelo Requerido aos seus constituintes (bem como o Relatório das tarefas executadas) nunca mencionou qualquer número de horas (cfr fls 21 a 28) e nem este veio discriminado (ou sequer globalmente indicado) na pronúncia do Requerido sobre o pedido de emissão de laudo (cf fls. 140 a 142). Só agora o veio fazer, para procurar rebater, por irrisório e exíguo, o número de horas determinado no laudo emitido.

Ora, a determinação do número de 150 horas foi baseada na normalidade de idênticas situações e em processos semelhantes, tendo em conta a marcha processual normal de um processo-crime, do interrogatório do arguido à sentença de primeira instância, contemplando já a instrução e o julgamento. Tal foi expressamente referido no laudo (cfr fls 156 e 157). E não consta nos autos qualquer referência a situações anómalas ou que extravasassem a normal marcha do processo (Ex., prisão preventiva dos arguidos, alteração de medidas de coacção, recursos interlocutórios, arguição de nulidades reconstituições, perícias, etc.). Como é fácil de calcular, aquele número de horas corresponde a dezanove dias completos de trabalho só dedicados inteiramente ao processo, o que, atenta a natureza e as normais diligências (com intervenção de advogado do arguido) que comporta, afigura-se já muito bem adequado.

Insurge-se também o requerido quanto à consideração, feita pelo laudo, de um “preço/hora” de € 150,00, que aplicou aquele número de horas que julgou adequado. Cabe recordar que foi o Requerido que aceitou poder ser esse o valor/hora dos honorários por si praticado e já anteriormente aceite pelo mesmo cliente (fls 91); aceitou o laudo aquele valor indicado como o praticado e aceite (e absteve-se, por isso, de indagar o estilo da comarca, a praxe do foro e a situação económica dos patrocinados). (…)».

Atenta as considerações expendidas nesses pareceres, entendemos também que o laudo está devidamente fundamentado, não apresenta contradições e não há factos que abalem a sua credibilidade.

Desse laudo surge que é claramente excessivo o montante dos honorários ajustados entre o apelado advogado e o seu constituinte e por isso injustificado o benefício económico que pretende obter com os serviços de advocacia que prestou. Assim, o exercício daquele direito de crédito excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim social e económico, que é o de o advogado obter uma compensação económica adequada pelos serviços prestados. Nas palavras de Menezes Cordeiro há uma «desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem» (in «Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, edição de 2007, pág. 346).

Daí que a exigência dos honorários no valor acordado de 86.800 € (acrescidos do IVA) configure abuso do direito nos termos do art. 334º do Código Civil, havendo por isso de considerar que apenas é exigível, por adequado, o valor indicado no laudo da Ordem dos Advogados, ou seja, 30.500 €, acrescido do IVA à taxa legal, o que perfaz 37.515 €.

Visto que o apelante marido já pagou 40.000 €, nada mais tem a pagar a título de honorários.

*

2. No que respeita a despesas, pediu o apelado o pagamento da quantia de 4.730 € acrescidas de IVA.

Na sentença recorrida foram os apelantes condenados a pagar, a título de despesas a quantia que em incidente de liquidação posterior se apurar como tendo sido o valor das despesas incorridas pelo autor com a execução do mandato judicial em causa nestes autos e respectivo IVA, até ao limite de 4.730 € mais IVA e juros de mora sobre o valor das despesas assim apuradas, à taxa legal de juros civis, desde a sentença de liquidação até integral pagamento.

Explanou-se na sentença recorrida:

«Os réus impugnaram as despesas cujo reembolso o autor pede (…) e este, contrariamente ao que era seu ónus, não ofereceu prova da sua realização.

Sendo apodíctico que o exercício do mandato judicial é fonte de despesas,  sejam elas com telefonemas, cartas ou deslocações – haverá, nessa parte, que relegar o “quantum” da condenação para liquidação posterior em conformidade com o disposto no nº 2 do artº 609º do Código de Processo Civil, sendo o limite da condenação o valor peticionado».

Sustentam os apelantes que tal condenação deve ser revogada alegando que do valor pago além dos 30.500 € de honorários remanesce o suficiente para cobrir o IVA e as despesas que pudessem ser apresentadas correctamente pelo apelado.

Porém, não questionam que o apelado tenha direito a ser reembolsado de despesas. Assim, como estas não se encontram ainda liquidadas, não tem fundamento afirmar que a quantia remanescente (40.000 €-37.515 €= 2.485 €) é suficiente para o seu pagamento, devendo no entanto ser tomada em consideração na sentença de liquidação.

*

3. Apreciemos agora se pode ser condenada a apelada mulher com fundamento no proveito comum do casal, como alegado na petição inicial.

Discreteou-se na sentença recorrida, nomeadamente: «(…) os serviços de advogado do autor na assistência do réu, com vista a um resultado último que era a absolvição do segundo da imputação criminal e da correspondente pena, redundam em manifesto proveito comum do casal.

Esse proveito tem alcance material, mas tem sobretudo um significado moral e psicológico que, extraindo-se do sentido da comunhão conjugal, por evidente, parece desnecessário comentar.
Por essas razões, entendem-se verificados os pressupostos da responsabilização de ambos os réus pela dívida em discussão nos autos».

Discordamos dessas asserções. O proveito comum do casal reporta-se a benefícios económicos e não a sentimentos, pelo que, nenhum facto provado havendo que revele ter a apelante mulher obtido outro benefício que não seja o alívio com a absolvição do seu marido no processo crime, não pode ser condenada a pagar ao apelado qualquer quantia pela prestação dos serviços jurídicos àquele.

*

IV – Decisão:

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação, e alterando-se a sentença recorrida, decide-se:

a) absolver do pedido a ré M...;
b) manter a condenação do R. D... a pagar ao autor L... a quantia que em incidente de liquidação posterior se apurar como tendo sido o valor das despesas incorridas pelo autor com a execução do mandato judicial em causa nestes autos e respectivo IVA, até ao limite de 4.730 € mais IVA e juros de mora à taxa legal de juros civis sobre o valor das despesas assim apuradas,  que se vencerem desde a sentença de liquidação até integral pagamento, mas devendo tomar-se em consideração a quantia de 2.485 € que já foi entregue ao apelado como referido em III – 2.,  absolvendo-o do mais que era pedido.
Custas em ambas as instâncias pelo apelante D... e pelo apelado L... na proporção de vencido, fixando-se provisoriamente a responsabilidade do primeiro em 1/5 e a responsabilidade do segundo em 4/5.


Lisboa, 09 de Julho de 2015


Anabela Calafate
Tomé Ramião                
José Vítor dos Santos Amaral