Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
388/18.7T8PDL.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
PRESTADORA DE CUIDADOS DOMICILIÁRIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I– O número 1 do artigo 12.º do C.T./2009 contém uma presunção legal ilidível, que implica a inversão do ónus da prova no que toca à demonstração da existência de um contrato de trabalho, cabendo unicamente ao trabalhador a alegação e posterior demonstração cumulativa de dois ou mais dos elementos, índices ou características elencados nas diversas alíneas daquele número 1.

II– As alíneas a), c) e d) do número 1 do artigo 12.º do CT/2009 mostram-se preenchidas, com o inerente funcionamento da presunção legal - que a Ré, por seu turno, não conseguiu ilidir ou afastar -, dado a Autora ter desenvolvido de forma constante e ininterrupta, contra o recebimento de uma contrapartida horária variada em função da natureza dos cuidados acordados e prestados, que lhe era liquidada mensalmente, a atividade de cuidadora de idosos, nos locais (habitações) e durante os períodos temporais contratual e previamente definidos com a Ré, com um quadro de funções e deveres profissionais que se mostravam elencados e concretizados em cada um dos onze «contratos de prestação de serviços» que assinou com a Ré e que era quem era contatada e contratada pelos utentes ou pelos seus familiares, com vista a lhes proporcionar os aludidos serviços de cuidador, tudo sem prejuízo da relativa autonomia técnica que depois, no dia-a-dia e dentro do referido quadro funcional, possuía.

III– A maneira como a Ré organizou o esquema exposto não a reconduz a uma mera intermediária, agenciadora ou angariadora de mão-de-obra especializada, em que, no final, o contrato é firmado entre a cuidadora e o utente dos cuidados ou seus familiares, com o recebimento de uma qualquer remuneração/comissão por parte da recorrente, dado que primeiramente a Ré se compromete a garantir a prestação dos cuidados acordados com os interessados e depois firma com o cuidador escolhido por ela o segundo contrato, que permite que o primeiro seja efetivamente assegurado e cumprido, respondendo o cuidador sempre e em última análise, perante a Apelante e sendo a referida atividade de prestação de cuidados da responsabilidade direta e última da mesma e não dos cuidadores contratados.

(Sumário elaborado pelo relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.


I–RELATÓRIO:


AAA, portador do cartão de cidadão n.º (…) e o NIF (…), residente na Rua (…) Ponta Delgada, veio, em 07/02/2018 e com o patrocínio do Ministério Público, propor a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra BBB, pessoa colectiva (…), com sede (…) Ponta Delgada, pedindo, em síntese, o seguinte:
- O reconhecimento da existência de um contrato de trabalho a vigorar entre as partes;
- A declaração de ilicitude do despedimento e a condenação da Ré no pagamento das retribuições vencidas desde o trigésimo dia anterior à propositura da ação até à sentença, de uma indemnização por antiguidade/ despedimento ilícito, no valor de € 2432,85, e das prestações retributivas mencionadas no final da sua Petição Inicial (salário de junho de 2017 e férias, correspondentes subsídios de férias e subsídios de Natal, tudo com acréscimo dos juros de mora.
*

Alega a Autora, muito em síntese, que:
- No dia 6 de Setembro de 2014, foi contratada pela Ré para, no interesse sob as ordens, direção e fiscalização desta última, mediante o pagamento de uma retribuição, desempenhar as funções de ‘prestadora de cuidados domiciliários’;
- Não obstante o nexo de subordinação que a vinculava à Ré, esta, ao longo da vigência do contrato, sempre procurou enquadrar o mesmo como uma “prestação de serviços”;
- Em 7 de Junho de 2017, a Ré comunicou-lhe, por E-mail, a cessação deste contrato, sem indicar qualquer motivo ou justificação para o efeito, despedindo-a de forma ilícita;
- Estão em falta, para além do mais, as seguintes prestações retributivas: € 189,22, a título de retribuição relativa a Junho de 2017 (7 dias), € 4435,20, a título de retribuição do período de férias e respetivo subsídio vencidos nos anos de 2015, 2016 e 2017, € 199,41, a título de subsídio de Natal vencido no ano de admissão (2014), € 1406,65, a título de subsídio de Natal vencido nos anos de 2015 e 2016, e € 702,08 + € 351,04, a título de retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano de cessação do contrato (2017).
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Foi agendada data para a realização da Audiência de partes (despacho de fls. 52, tendo a Ré sido citada para o efeito, por carta registada com Aviso de Recepção, como resulta de fls. 54.
Mostrando-se inviável a conciliação das partes (fls. 56 e 56 verso), a Ré BBB, que foi notificada para contestar a ação, veio a fazê-lo, em tempo devido e nos termos de fls. 57 e seguintes, onde, em síntese, alegou que:
- Não celebrou um contrato de trabalho com a Autora, tendo esta última sido apenas sua colaboradora no âmbito de um conjunto de contratos de prestação de serviços celebrados entre as partes, sem haver qualquer vínculo de subordinação entre ambas;
- Não deve à Autora, como tal, qualquer destas quantias peticionadas (sem prejuízo de reconhecer que ainda não pagou o valor de € 154,00, referente ao serviço prestado em Junho de 2017, mas que assim sucede por a Autora “não emitir os respetivos documentos fiscais”).
Pede a Ré, nestes termos, a improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.
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Foi proferido, a fls. 61 e 61 verso, despacho saneador, no qual não se determinou a realização da Audiência Preliminar/Prévia, fixou-se o valor da ação - € 10.527,40 -, considerou-se regularizada a instância, dispensou-se a enunciação dos temas de prova, admitiram-se os róis de testemunhas das partes, e manteve-se a data já designada para a Audiência de Discussão e Julgamento, cuja prova seria gravada.
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Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento, com observância do legal formalismo, tendo sido ouvida a prova testemunhal arrolada por Autora e Ré e as Declarações de parte da primeira, que foi objeto de gravação (fls. 68 a 69 verso). 
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Foi então proferida a fls. 70 a 74 e com data de 15/06/2018, Decisão sobre a Matéria de Facto, tendo apenas estado presente à sua leitura a ilustre Magistrada do Ministério Público, enquanto na sua qualidade de patrono da Autora, conforme ressalta da Ata de 75.
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Veio depois a ser prolatada sentença, com data de 21/6/2018 que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
“Pelo referido, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados se aplicam, julga o Tribunal a ação parcialmente procedente, nos seguintes termos:
a)- Reconhece a existência de um contrato de trabalho celebrado entre a Autora, AAA, e a Ré, BBB., com data de 6 de Setembro de 2014;
b)- Condena a Ré a pagar à Autora a quantia de € 6859,42, a título de retribuição relativa a Junho de 2017 (7 dias) e retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal vencidos, com acréscimo dos juros de mora devidos sobre estas prestações, calculados à taxa legal, desde a data do seu vencimento até definitivo e integral pagamento;
c)- Absolve a Ré do que mais foi peticionado.
*
Custas a cargo da Autora e da Ré, na proporção do decaimento.
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Registe e notifique.”
*

A Ré BBB, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 87 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 106 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*

A Apelante apresentou, a fls. 87 verso e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)
Com o douto suprimento de V. Excias, deverá ser proferido douto Acórdão que, dando provimento ao recurso, revogue a douta sentença recorrida e julgue a ação totalmente improcedente absolvendo a Ré do pedido, assim se fazendo a costumada, JUSTIÇA!”
*

A Autora AAA apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, na sequência da sua notificação para o efeito, não tendo contudo formulado conclusões, limitando-se a arrematar aquelas nos seguintes moldes:
(…)
Deverá por isso ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida na sua íntegra.
(…)

Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.

II–OS FACTOS

O tribunal da 1.ª instância deu como provados e não provados os seguintes factos:

«Consideram-se provados os seguintes factos:
1.– BBB tem como objeto social a prestação de serviços domiciliários a idosos e dependentes, explorando esta atividade sob a denominação “…”.
2.– Entre 5 de Setembro de 2014 e 3 de Fevereiro de 2017, AAA ajustou com a Ré, por escrito, onze acordos, denominados “contrato de prestações de serviços”, ao abrigo dos quais prestava cuidados domiciliários a idosos.
3.– Desses acordos constava a prestação, pela Autora, das seguintes ações:
a)- Cuidados de higiene e conforto pessoal;
b)- Colaboração na prestação de cuidados de saúde sob supervisão de pessoal de saúde qualificado, podendo também proporcionar o acesso a cuidados especiais de saúde (nota: a prestação dos serviços referidos deverá enquadrar-se num plano de cuidados definidos e orientados pela equipa de saúde, quando a saúde do utente o determine, conforme orientação do médico assistente);
c)- Manutenção de arrumos e limpeza da habitação estritamente necessária à natureza do apoio a prestar;
d)- Confeção de alimentos no domicílio e/ou distribuição de refeições, quando associada a outro tipo de atividade do serviço de apoio domiciliário;
e)- Acompanhamento das refeições;
f)- Tratamento de roupas quando associado a serviços externos da … (no domicílio tal é possível quando, pela quantidade e exigência dos serviços de acompanhamento, não colocar de forma alguma em causa a atenção sobre o utente);
g)- Disponibilização de informação facilitadora do acesso a serviços da comunidade adequados à satisfação de outras necessidades;
h)- Acompanhamento do utente ao exterior nas deslocações ao mesmo;
i)- Aquisição de bens e serviços;
j)- Atividade de animação;
l)- Orientação ou acompanhamento de pequenas modificações no domicílio que permitam mais segurança e conforto ao utente;
m)- Apoio em situações de emergência.

4.– Tais acordos faziam menção ao apoio domiciliário junto dos seguintes “utentes”:
a)- (…) (acordo de 6 de Setembro de 2014);
b)- (…) (acordo de 15 de Setembro de 2014);
c)- (…) (acordos de 29 de Maio de 2015 e 3 de Fevereiro de 2017);
d)- (…) (acordo de 31 de Agosto de 2015);
e)- (…) (acordo de 31 de Agosto de 2015);
f)- (…) (acordo de 1 de Setembro de 2015);
g)- (…) (acordo de 4 de Setembro de 2015);
h)- (…) (acordo de 29 de Abril de 2016);
i)- (…) (acordo de 19 de Julho de 2016);
j)- (…) e (…) (acordo de 19 de Novembro de 2016).

5.– E tinham consagrado a sua vigência “por tempo indeterminado se nenhuma das partes o denunciar com um pré-aviso mínimo de 8 dias”.

6.– Ao abrigo destes acordos, e por determinação da Ré, a Autora prestava a atividade descrita em 3., de segunda-feira a domingo, com as seguintes horas de início e de término:
a)- Das 10:30 às 11:30 e das 17:00 às 21:00 horas (acordo de 6 de Setembro de 2014);
b)- Das 08:30 às 12:00 horas e, à segunda-feira, das 15:00 às 17:30 horas (acordo de 15 de Setembro de 2014);
c)- Das 21:30 às 09:30 ou 10:30 horas (acordos de 29 de Maio de 2015 e 3 de Fevereiro de 2017);
d)- Das 10:30 às 11:30 horas (acordo de 31 de Agosto de 2015);
e)- Das 09.30 às 10:30 horas (acordo de 31 de Agosto de 2015);
f)- Das 08:00 às 09:00 (acordo de 1 de Setembro de 2015);
g)- Das 10:30 às 11:30 horas e das 17:00 às 21:00 horas (acordo de 4 de Setembro de 2015);
h)- Das 11:30 às 12:30 horas (acordo de 29 de Abril de 2016);
i)- Das 20:45 às 21:45 horas (acordo de 19 de Julho de 2016);
j)- Das 21:00 às 08:00 horas (acordo de 19 de Novembro de 2016).
7.– À Autora foi fornecida pela Ré uma bata, com a menção “(…)”, para uso no exercício desta atividade.

8.– Ainda no âmbito destes acordos, e por conta da atividade prestada, a Ré entregava à Autora, com regularidade mensal (na primeira semana de cada mês), uma determinada quantia pecuniária, calculada tendo por base as horas de início e término de funções e o número de “horas” realizadas.

9.– Tal quantia era entregue pela Ré à Autora mediante a emissão e entrega de “recibo”.

10.– Nos termos descritos nos dois números anteriores, a Ré entregou à Autora, pelo menos, as seguintes quantias pecuniárias:
a)- € 426,35 + € 617,62 + € 781,40, no ano de 2014;
b)- 684,42 + € 709,88 + € 568,14 + € 583,55 + € 638,19 + € 725,60 + € 809,92 + € 495,60 + € 415,00 + € 687,00 + € 754,00, no ano de 2015;
c)- € 619,00 + € 575,00 + € 589,00 + € 616,00 + € 533,50 + € 865,00 + € 928,50 + € 885,00 + € 950,00 + € 1003,00 + € 960,00, no ano de 2016;
d)- 691,52 + € 929,00 + € 898,31 + € 1004,81 + € 633,00 + € 589,63, no ano de 2017.

11.– Caso a Autora necessitasse, num determinado dia, de “faltar” e não prestar a sua atividade nos termos descritos nos números anteriores, teria de comunicar à Ré.

12.– Sendo repreendida pela Ré se “faltasse” sem avisar.

13.– Ao abrigo dos acordos descritos nos números anteriores, a Autora exerceu esta atividade, sem qualquer interrupção, desde 6 de Setembro de 2014 até 7 de Junho de 2017.

14.– Em 7 de Junho de 2017, a Autora recebeu uma comunicação via E-mail, proveniente de “(…)”, com o seguinte teor:
Assunto: Rescisão do contrato
Exma. Senhora AAA
Cumpre-me esclarecer que atendendo à cláusula sexta «o presente contrato de prestação de serviços vigora por tempo indeterminado se nenhuma das partes o denunciar com um pré-aviso mínimo de 8 dias», a empresa BBB, rescinde o contrato de prestações de serviços assinado no dia 4 de Setembro de 2015, a partir de hoje dia 7 de Junho de 2017, dando o pré-aviso mínimo de 8 dias. Atendendo que hoje recebemos uma mensagem que a prestadora de serviços irá ausentar-se por 15 dias sem avisar com alguma antecedência a empresa, foi decretado a denúncia do contrato.
Sem outro assunto de momento, subscrevo-me com os mais cordiais cumprimentos.
Atentamente
(…)
Assistente administrativa”.

15.– Desde então, a Autora não voltou a prestar qualquer atividade nos termos descritos nos números anteriores.

16.– Pela atividade exercida em Junho de 2017 (7 dias), a Ré não entregou a Autora, pelo menos, a quantia de € 154,00, nos termos descritos em 8.
*

FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que:
a)- A funcionária da Ré (…) determinasse a Autora a forma como esta Última organizava a prestação das suas funções;
b)- Em 7 de Junho de 2017, a Autora cuidasse de (…);
c)-E, nos termos descritos na alínea anterior, cumprisse, por determinação da Ré, o horário das 10:00 as 11:00 horas e das 16:30 as 20:30 horas.
d)-A Ré tenha entregue a Autora qualquer outra quanta pecuniária, para além das indicadas em 10);
e)- Fosse apenas a Autora, no âmbito destes acordos, a determinar a forma de prestar a atividade;
f)- Quaisquer outros factos com relevância na decisão da presente causa.».

III–OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
*

A– REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

B– IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
(…)
Sendo assim, julga-se improcedente o recurso de Apelação da Ré nesta sua primeira vertente de impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto.  
                                                       
E–SENTENÇA RECORRIDA

Ouçamos agora a argumentação jurídica da sentença recorrida:
«Como acima já foi realçado, está em causa, em primeiro lugar, a configuração, ou não, dos factos apurados como um contrato de trabalho a vincular a Autora e a Ré.

Vejamos.

Segundo prevê o art.º 11.º do Código do Trabalho, “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.

A partir desta definição legal, são três os pressupostos fundamentais do contrato de trabalho:

a)- A prestação de trabalho, que se traduz numa prestação de facto positivo, sendo que qualquer atividade humana, desde que lícita e apta a corresponder a um interesse do credor digno de proteção legal, pode constituir objeto desse contrato;
b)- A retribuição, que constitui a contrapartida patrimonial da atividade prestada pelo trabalhador;
c)- O nexo de subordinação jurídica, que consiste na relação de dependência necessária em que o trabalhador se coloca, por força do contrato, ficando sujeito, na prestação da sua atividade, às ordens, direção e fiscalização do dador de trabalho, mediante a tal retribuição que este lhe paga, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem (sendo este o elemento que diferencia o contrato de trabalho de alguns outros com características mais ou menos aproximadas).

Ainda a respeito deste terceiro (e primordial) pressuposto, e citando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Abril de 2013 (disponível em www.dgsi.pt), “constitui, pois, elemento fundamental da existência do contrato de trabalho a sujeição da pessoa contratada à autoridade e direção do contratante (subordinação jurídica), a qual se traduz na prerrogativa deste dar ordens e instruções quanto ao modo, tempo e lugar da atividade (e na obrigação, por parte daquele, de as receber), bem como a existência de uma retribuição, a qual constitui a contrapartida, a que o empregador se obrigou, da prestação do trabalho, a que o trabalhador se vinculou”.

Sendo a subordinação jurídica a determinar a existência de um contrato de trabalho, e dada as dificuldades de prova direta desta realidade, a doutrina e jurisprudência, têm definido elementos adjuvantes e indiciários, sendo os seguintes os factos índices que, neste sentido, podem (devem) ser ponderados: como indícios internos, a natureza da atividade concretamente desenvolvida, o carácter duradouro da prestação, o local da prestação da atividade (em estabelecimento do empregador ou em local por este indicado), a propriedade dos instrumentos utilizados (em regra pertencentes ao empregador), a existência de horário de trabalho, a necessidade de justificação de faltas, a remuneração determinada pelo tempo de trabalho, o exercício da atividade por si e não por intermédio de outras pessoas, o risco do exercício da atividade por conta do empregador, a inserção do trabalhador na organização produtiva do dador de trabalho, o exercício do poder disciplinar, o gozo de férias e inserção no correspondente mapa, o pagamento de subsídios de férias e de Natal; e, como indícios externos, a exclusividade da prestação da atividade por conta do empregador e consequente dependência da retribuição por este paga (subordinação económica), a inscrição nas Finanças e na Segurança Social como trabalhador dependente, a filiação sindical (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Abril de 2010 e de 13 de Julho de 2011, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, entre muitos outros).

Tendo por base esta definição, o legislador foi mais longe a consagrou, no art.º 12.º, n.º 1, do mesmo Código, uma presunção de laboralidade:
“1– Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a)- A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b)- Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c)- O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d)- Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e)- O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”.

No âmbito desta presunção legal de laboralidade, cabe, então, ao trabalhador alegar e fazer prova de dois ou mais destes indícios / factos base, caso em que deverá presumir-se a existência de um contrato de trabalho, com a consequente inversão do ónus de prova. Sendo que, com essa inversão, caberá ao empregador ilidir tal presunção, nos termos gerais do art.º 350.º, n.º 2, do Código Civil, não bastando, ainda assim, a simples contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido, impondo-se a prova de factos que levem à conclusão de que a relação em causa configura um outro tipo contratual, que não o contrato de trabalho (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Janeiro de 2017, disponível em www.dgsi.pt).

Quer isto dizer: o art.º 12.º, n.º 1, do Código de Trabalho, estabelece uma presunção legal ilidível, que implica a inversão do ónus de prova no que diz respeito à demonstração da existência de um contrato de trabalho, cabendo unicamente ao trabalhador a alegação e demonstração cumulativa de dois ou mais dos indícios enunciados neste preceito. A contraparte pode obstar ao funcionamento desta presunção através da prova de factos que rebatam, contrariem e transfigurem aquelas características indiciárias, de maneira a que as mesmas sejam compatíveis com tipos contratuais diversos e / ou antagónicos (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Janeiro de 2016, disponível em www.dgsi.pt).

Mas atenção: todos estes elementos indiciadores, ou conducentes a tal presunção legal de laboralidade, são caracterizados, numa apreciação individualizada, de uma certa relatividade, pelo que, citando o Prof. Monteiro Fernandes (cfr. “Direito do Trabalho”, p. 133), “o juízo a fazer, nos termos expostos, é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética da tessitura jurídica da situação concreta”. Tal juízo deve assentar numa análise globalístico-normativa, em que os diferentes elementos, verificados na situação concreta, são entendidos em conjunto, permitindo-se uma mais exata perceção da envolvência que irá servir de base à qualificação do contrato (cfr. Paula Quintas e Hélder Quintas, “Código do Trabalho Anotado e Comentado”, 3ª ed., p. 99).

Seguindo estas orientações, o que se apura, então, é que AAA, mediante um conjunto de contratos escritos que ia outorgando com a sociedade BBB, exerceu, no interesse desta última, ininterruptamente desde 6 de Setembro de 2014 até 7 de Junho de 2017, a atividade de prestação de cuidados domiciliários a idosos. A partir desses contratos que a Autora e a Ré iam, sucessivamente, outorgando, especificava-se quais os cuidados a prestar e quais os idosos que, no seu respetivo domicílio, recebiam tais cuidados. Como também se apurou, a Autora prestava esta atividade, por determinação da Ré, de segunda-feira a domingo, sempre com a fixação de uma hora de início e de uma hora de término. Sendo que, como contrapartida, a Autora recebia, com regularidade mensal, uma determinada quantia pecuniária, a qual, sendo calculada tendo por base essas horas de início e término de funções, só não era certa, precisamente, porque tais horas de entrada e saída iam alterando-se de acordo com o domicílio / cliente da Ré onde a Autora prestava a sua atividade. Note-se que estas horas de entrada e saída eram fundamentais no contrato que vinculava a Autora à Ré – tendo de comunicar previamente a esta última uma eventual falta que tivesse de dar, sendo repreendida se assim não o fizesse –, variando essa prestação pecuniária recebida por AAA apenas em função do número de horas que, por determinação da Ré, tinha de realizar, mas sendo paga sempre na mesma altura, com periodicidade mensal. Ora, com estes factos, considera-se que estão preenchidos os indícios previstos nas alíneas c) e d), do nº 1, do art.º 12.º do Código do Trabalho, tendo a Autora, como prestadora desta atividade, de observar uma hora de início e uma hora de termo, determinadas pela Ré (efetiva beneficiária desta atividade, com os contratos que, por sua vez, celebra com os respetivos clientes), e recebendo, como contrapartida, com uma determinada periodicidade, uma quantia que, embora não fosse sempre a mesma, tinha critérios de cálculo previamente fixados, precisamente em função das referidas horas de entrada e de saída.

Partindo daqui, estão reunidos os pressupostos para se concluir pela presunção da existência de um contrato de trabalho a vincular AAA e BBB, em especial com o necessário estabelecimento de um nexo de subordinação jurídica, nos termos do art.º 12.º, nº 1, alíneas c) e d), do Código do Trabalho.

Cumpre, então, verificar se esta presunção, de acordo com os factos provados, é ilidida. E, nesse sentido, o que se apura é um conjunto de factos que, no presente entendimento, ao invés de ilidir tal presunção, antes a reforçam, conferindo uma maior consistência material ao vínculo de subordinação que dela se extrai. Com efeito: a) à Autora foi fornecida pela Ré, para uso no exercício desta atividade, uma bata com a denominação “…” (ao que se apura, o nome do estabelecimento explorado pela Ré); b) a Autora estava obrigada a comunicar à Ré uma eventual falta que tivesse de dar, sendo repreendida por esta última se faltasse sem avisar.

Não se ignora a emissão por AAA de 'recibos verdes’, mas tal facto, por si só, não esbate as evidências que sobressaem da factualidade acima descrita.

Em suma, e atentos estes factos, entre a Autora e a Ré existia um contrato de trabalho, com todos os seus pressupostos, em especial com o necessário estabelecimento de um nexo de subordinação jurídica, assim se apurando em conformidade com os arts. 11.º e 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, a vigorar entre 6 de Setembro de 2014 e 7 de Junho de 2017.
*

Partindo daqui, o que se pode afirmar é que os factos provados, ainda assim, não permitem definir em que circunstâncias este contrato cessou, muito menos concluir que assim tenha sucedido por despedimento.

O conceito de despedimento, segundo a doutrina e a jurisprudência, traduz-se na rutura da relação laboral, por ato unilateral da entidade empregadora, consubstanciado em manifestação da vontade de fazer cessar o contrato de trabalho. Tal ato tem natureza recetícia, sendo eficaz, nos termos gerais do art.º 217.º, n.º 1, do Código Civil, quando o mesmo é levado ao conhecimento do trabalhador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação de vontade — declaração negocial expressa (art.º 217.º, n.º 1, 1ª parte, do Código Civil —, ou que possa ser deduzida de atos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem — declaração negocial tácita (cfr. art.º 217.º, n.º 1, 2.ª parte) —, declaração, em qualquer caso, inequívoca no sentido de fazer cessar o contrato, assim se apurando segundo a capacidade de entender e a diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário — sentido normal da declaração (cfr. art.º 236.º, n.º 1, do Código Civil) — e que, como tal, seja entendida pelo trabalhador (cfr. entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de 13 de Julho de 2005, Processo n.º 916/05, de 13 de Setembro de 2007, Processo n.º 4191/06, e de 25 de Outubro de 2009, Processo n.º 272/09.5YFLSB, todos disponíveis em www.stj.pt).

Neste caso, e conforme ficou provado, a Autora deixou de exercer a sua atividade na sequência de um E-mail com proveniência dos serviços da Ré, onde, é verdade, se refere a rescisão do contrato, mas tal comunicação, no que diz respeito à sua autoria, tem apenas como menção “(…), Assistente Administrativa”, daqui não podendo resultar uma decisão clara e inequívoca da parte da Ré e de quem a representa no sentido de cessar esta relação. Pelo que, nada mais se apurando, esta matéria não é suficiente para se concluir pela verificação de um despedimento ilícito, nem sequer pela ocorrência em si de um despedimento (cfr. art.º 381.º, alínea c), do Código do Trabalho), sendo impossível saber se há, ou não, cessação contratual imputável à Ré, e muito menos se a mesma consistiu numa decisão unilateral da parte desta última, tal qual a Autora alegou. Ou, de outra forma, o Tribunal não chega a vislumbrar, da parte da Ré, uma declaração inequívoca no sentido de fazer cessar o presente contrato de trabalho. E, não ficando provado que a Ré tenha despedido a Autora, não pode concluir-se pela existência de qualquer ação ilícita da parte da empregadora na cessação desta relação de trabalho. O que faz improceder, nesta parte, o peticionado por AAA, não tendo a mesma direito, por conta da cessação deste contrato de trabalho, a qualquer compensação ou indemnização (cfr. arts. 389.º, n.º 1, 390.º e 391.º do Código do Trabalho).
*

De forma diferente, atendendo agora à última parte do pedido formulado, e não se apurando factos que excecionem esta matéria, assiste a AAA o direito à retribuição relativa a Junho de 2017 (7 dias), assim como à retribuição do período de férias e aos subsídios de férias e de Natal vencidos, nos termos dos arts. 238.º, 239.º, n.º 1, 245.º, n.º 1, 263.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e b), e 264.º do Código do Trabalho.

Assim, tendo como referência os valores recebidos pela Autora ao longo dos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, e determinando-se um critério objetivo, recorrendo-se ao cálculo baseado nas regras de equidade (ex vi art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil), verifica-se que a Autora teve uma retribuição mensal fixada nos seguintes valores:
a)- Ano de 2014: € 426,35 + € 617,62 + € 781,40, numa média mensal de € 472,20 (€ 1825,37 : 116 dias x 30);
b)- Ano de 2015: 684,42 + € 709,88 + € 568,14 + € 583,55 + € 638,19 + € 725,60 + € 809,92 + € 495,60 + € 415,00 + € 687,00 + € 754,00, numa média mensal de € 581,10 (€ 7071,30 : 365 dias x 30);
c)- Ano de 2016: € 619,00 + € 575,00 + € 589,00 + € 616,00 + € 533,50 + € 865,00 + € 928,50 + € 885,00 + € 950,00 + € 1003,00 + € 960,00, numa média mensal de € 700,50 (€ 8524,00 : 365 dias x 30);
d)- Ano de 2017: € 691,52 + € 929,00 + € 898,31 + € 1004,81 + € 633,00 + € 589,63, numa média mensal de, pelo menos, € 810,95.
Sendo estes os valores da sua retribuição mensal média, AAA, atenta esta parte do peticionado, tem direito, então, a receber as seguintes quantias:
a)- € 189,21, a título de retribuição relativa a Junho de 2017 (7 dias);
b)- € 150,39, a título de subsídio de Natal vencido no ano de admissão (2014);
c)- € 1743,30 (€ 581,10 x 3), a título de retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal vencidos no ano de 2015;
d)- € 2101,50 (€ 700,50 x 3), a título de retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal vencidos no ano de 2016;
e)- € 1621,90 (€ 810,95 x 2), a título de retribuição do período de férias e subsídio de férias vencidos no ano de 2017;
f)- € 1053,12 (€ 351,04 x 3), a título de retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano de cessação do contrato (2017);
g)- No total, € 6859,42.»

G–QUESTÃO PRÉVIA 

Importa realçar previamente, antes de entrarmos na análise da segunda parte do recurso de Apelação da Ré, que a Autora formulou, no final da sua Petição Inicia, os seguintes pedidos:
- O reconhecimento da existência de um contrato de trabalho a vigorar entre as partes;
- A declaração de ilicitude do despedimento e a condenação da Ré no pagamento das retribuições vencidas desde o trigésimo dia anterior à propositura da ação até à sentença, de uma indemnização por antiguidade/ despedimento ilícito, no valor de € 2432,85, e das prestações retributivas mencionadas no final da sua Petição Inicial (salário de junho de 2017 e férias, correspondentes subsídios de férias e subsídios de Natal, tudo com acréscimo dos juros de mora.

A decisão final do Tribunal do Trabalho recorrido traduziu-se no seguinte:
“Pelo referido, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados se aplicam, julga o Tribunal a ação parcialmente procedente, nos seguintes termos:
a)- Reconhece a existência de um contrato de trabalho celebrado entre a Autora, AAA, e a Ré, BBB, Lda., com data de 6 de Setembro de 2014;
b)- Condena a Ré a pagar à Autora a quantia de € 6859,42, a título de retribuição relativa a Junho de 2017 (7 dias) e retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal vencidos, com acréscimo dos juros de mora devidos sobre estas prestações, calculados à taxa legal, desde a data do seu vencimento até definitivo e integral pagamento;
c)- Absolve a Ré do que mais foi peticionado.
Custas a cargo da Autora e da Ré, na proporção do decaimento.
Registe e notifique.”

Conjugando tal parte decisória com a fundamentação antes reproduzida, facilmente se conclui que a questão do despedimento ilícito da Autora e das suas consequências jurídicas – indemnização em substituição da reintegração e compensação nos termos do número 1 do artigo 390.º do CT/2009 – caiu por terra, sem que a demandante tenha interposto oportunamente recurso de Apelação da mesma, o que implicou que, nessa parte, a sentença em questão tivesse transitado em julgado.

Dir-se-á também que a Ré não coloca em causa que, a haver uma genuína relação de trabalho entre ela e a Autora, sejam devidos a esta última, nos termos das normas legais de natureza laboral aplicáveis, os créditos laborais reclamados pela mesma a título de salário de junho de 2017 e férias, correspondentes subsídios de férias e subsídios de Natal, tudo com acréscimo dos juros de mora.  
       
H–OBJETO DO RECURSO DE APELAÇÃO - QUESTÕES JURÍDICAS

Logo, a única questão jurídica que se suscita no quadro do presente recurso de Apelação é a seguinte: poderia o Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada, com base na Factualidade dada como provada e na documentação que a complementa, considerar o vínculo jurídico-profissional que ligava a Ré BBB à Autora AAA como estando fundado num contrato de trabalho?

Adiantando desde já a nossa resposta a tal pergunta – até porque esta vertente jurídica da Apelação da Ré dependia, essencialmente, da alteração da Matéria de Facto dada como provada, o que, como ressalta do Ponto anterior, não veio a acontecer -, diremos que a mesma tem de ser afirmativa e, nessa medida, confirmar a sentença recorrida, pelos fundamentos dela constantes e que aqui acompanhamos.

I–CONTRATO DE TRABALHO

Tendo em linha de conta que a relação jurídica dos autos teve início em 5 de setembro de 20149, impõe-se chamar à colação o disposto nos artigos 1152.º do Código Civil e 11.º do Código do Trabalho de 2009, por serem as disposições juridicamente definidoras do contrato de trabalho, que é a figura negocial que tendo sido reconhecido pelo tribunal da 1.ª instância, é contestada pela recorrente.

Tais dispositivos legais (aliás não coincidentes, em termos de redação) rezam o seguinte:  

Artigo 1152.º
Noção
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.
Artigo 11.º
Noção de contrato de trabalho
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.

Sendo este o quadro primário de referência no que respeita à noção legal de contrato de trabalho, pode definir-se o mesmo, em termos muito sumários e algo imprecisos, como sendo um negócio consensual - logo, não sujeito, fora dos casos legalmente especificados, à forma escrita -, sinalagmático (sem prejuízo da desigualdade entre as posições contratuais respetivas, pois uma é de dependência, enquanto a outra é de domínio), oneroso, de cariz tendencialmente pessoal e fiduciário, cujas prestações podem, pelo menos em algumas situações, ser fungíveis, desenvolvendo o trabalhador uma atividade traduzida numa prestação de facto positiva e heterónoma, com vista ao recebimento de uma contrapartida que é sua retribuição (prestação de conteúdo patrimonial e, pelo menos, parcialmente pecuniária) - cf. acerca destas caraterísticas e elementos, a Professora MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, “Tratado de Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, 4.ª Edição revista e atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011 e 2012, Almedina, dezembro de 2012, páginas 19 e seguintes e Professor JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, “Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho”, Volume I, Coimbra Editora, Março de 2007, páginas 81 e seguintes. 
        
Com o propósito de determinar a natureza laboral ou liberal de um determinado vínculo jurídico entre uma pessoa singular e uma outra pessoa singular ou coletiva, radica-se a nossa doutrina e jurisprudência, essencialmente, na existência ou não de subordinação jurídica entre os referidos sujeitos, pedra de toque essa que, no entanto, não ressalta, as mais das vezes, com nitidez e assertividade, das relações jurídicas que se estabelecem no terreno da nossa vida social entre trabalhadores e empregadores, obrigando o aplicador do direito a, nessa medida, deduzir a sua existência a partir de diversos sinais ou elementos (indícios) que, de acordo com a nossa doutrina e jurisprudência, fazem pressupor a mesma. 
     
No âmbito da LCT, a nossa doutrina sustentava o seguinte, quanto à destrinça entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços:

- Dr. LUÍS BRITO CORREIA, “Direito do Trabalho”, I – Relações Individuais, Universidade Católica, Lisboa, 1981, págs. 88 e seguintes:
“(...) 2.– O trabalhador obriga-se a prestar um facto, não uma coisa: diversamente do que acontece no arrendamento ou no aluguer.
E esse facto é uma atividade, isto é, um determinado tipo de atos sucessivos orientados para um fim, e não o resultado dessa atividade: diferentemente do que se passa com os contratos de trabalho autónomo...
Isto não significa que o resultado da atividade do trabalhador seja juridicamente irrelevante. Não basta a simples prática formal dos atos determinados pela entidade patronal, para que a obrigação do trabalhador possa ter-se por cumprida. É necessário que o trabalhador exerça a sua atividade com diligência e lealdade, o que envolve a obrigação de fazer certo grau de esforço e de o orientar para o resultado pretendido pela entidade patronal, na medida em que seja conhecido. Mas o contrato considera-se cumprido (e a retribuição devida) desde que seja prestada a atividade com diligência e lealdade, mesmo que o resultado pretendido não seja alcançado.
Essencial é que o trabalhador coloque a sua capacidade de trabalho à disposição da entidade patronal. O trabalhador cumpre a sua obrigação desde que obedeça às ordens recebidas: se a entidade patronal não lhe der que fazer, considera-se cumprida a obrigação de prestar trabalho, apesar de o trabalhador estar efetivamente inativo, desde que esteja pronto a trabalhar. (...)
3.– A atividade do trabalhador é, como regra, uma atividade duradoura, exercida normalmente (mas não necessariamente) como profissão. Por isso, pode dizer-se que o contrato de trabalho é um contrato de execução sucessiva ou continuada. E mais frequentemente sem prazo.
Quer o trabalhador, quer a própria entidade patronal têm, em regra, interesse na estabilidade da relação de trabalho, embora por motivos diferentes. (...)
A entidade patronal tem o poder de determinar em cada momento ou de forma genérica (através de ordens ou instruções, v. g., regulamento interno) o modo ou o conteúdo e circunstâncias da prestação de trabalho... E o trabalhador deve obediência à entidade patronal em tudo o que respeite à execução e disciplina de trabalho...
Trata-se aqui, em todo o caso, de uma situação de dependência potencial: basta que a entidade patronal tenha o poder de dar ordens e de aplicar sanções; não é preciso que as dê ou as aplique constantemente”.

- Dr. GALVÃO TELES, «Contratos Civis», em BMJ n.º 83, página 166:
“A subordinação consiste em a entidade patronal poder dalgum modo orientar a atividade em si mesma, quando mais não seja no tocante ao lugar ou momento da sua prestação”.

- Dr. CRUZ DE CARVALHO, «Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais», Legislação anotada, Petrony, 1983, págs. 10 e seguintes:
“A qualificação do trabalho como subordinado ou autónomo, torna-se por vezes difícil, e o único critério legítimo está em averiguar se a atividade é ou não prestada sob a direção, ordens e fiscalização da pessoa a quem ela aproveita – o critério da subordinação jurídica.
Porém, em casos duvidosos e complexos, será útil ao intérprete, atender a uma série de elementos objetivos que, devidamente ponderados e articulados (e nunca inferindo de qualquer deles isoladamente), poderão, com alguma segurança, indicar a autonomia ou subordinação, como sejam:
1.º)– Natureza do objeto do contrato: promessa de um resultado (trabalho autónomo) ou promessa de uma simples atividade (trabalho subordinado);
2.º)– Índole da prestação do trabalho: intelectual e criadora (trabalho autónomo) ou manual (trabalho subordinado);
3.º)– Propriedade dos instrumentos de trabalho: se dela é titular o trabalhador (trabalho autónomo), ou a outra parte (trabalho subordinado);
4.º)– Existência (trabalho autónomo) ou inexistência (trabalho subordinado) de colaboradores dependentes do trabalhador;
5.º)– Incidência do risco da execução do trabalho: sobre o trabalhador (trabalho autónomo) ou sobre a outra parte (trabalho subordinado);
6.º)– Prestação do trabalho a várias pessoas (trabalho autónomo), ou exclusivamente a uma (trabalho subordinado);
7.º)– Fixação da remuneração: em função do resultado (trabalho autónomo) ou em função do tempo de trabalho (trabalho subordinado).”
Já no quadro do Código do Trabalho de 2003, o Dr. ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, “Direito do Trabalho”, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, Janeiro de 2006, págs. 137 e seguintes, com especial relevo para as páginas 146, 137, 139 e 146 a 148, sustentava o seguinte:
«I– (…) A subordinação pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens diretas e sistemáticas da entidade patronal; mas, a final, verifica-se que existe, na verdade, subordinação jurídica.
Antes do mais porque é suficiente um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato), não é necessário que essa dependência se manifeste ou explicite em atos de autoridade e direção efetiva. (…)
Podem ser objeto de contrato de trabalho (e, por conseguinte, exercidas em subordinação jurídica) atividades cuja natureza implica a salvaguarda absoluta da autonomia técnica do trabalhador (…)
A subordinação jurídica também não se confunde com a de «dependência económica» (…)           
Um trabalhador subordinado, coberto pelo Direito do Trabalho, pode não ter ordens para cumprir e ser economicamente independente. Que resta então?
Resta o elemento chave que é o facto de o trabalhador não agir no seio de uma organização própria - antes se integrar numa organização de meios produtivos alheios, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios, o que implica, da sua parte, a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empresário - à autoridade deste, em suma, derivada da sua posição nas relações de produção. (…)

Sendo a subordinação definida (pelo art.º 10.º CT) por referência à «autoridade e direção» do empregador, ou construída (pela doutrina) como um estado de heterodeterminação em que o prestador de trabalho se coloca, nem assim fica o julgador munido de instrumentos suficientes e seguros para a qualificação dos casos concretos. (…)

A determinação da subordinação não se pode, na maioria dos casos, fazer por mera subsunção nesse conceito. A subordinação é um conceito-tipo que se determina por um conjunto de características; que podem surgir combinadas, nos casos concretos, de muitas maneiras. (…)

Para cumprirem o seu papel decisório (…), os tribunais utilizam um “método tipológico”, baseado na procura de indícios que são outras tantas características parcelares do trabalho subordinado, (…), de acordo com o modelo prático em que se traduz o conceito de subordinação em estado puro.

Deste modo, a determinação da subordinação, feita através daquilo que alguns caricaturam como uma “caça ao indício”, não é configurável como um juízo subsuntivo ou de correspondência biunívoca, mas como um mero juízo de aproximação entre dois “modos de ser” analiticamente considerados: o da situação concreta e o do modelo típico da subordinação. Os elementos deste modelo que assumam expressão prática na situação a qualificar serão tomados como outros tantos indícios de subordinação, que, no seu conjunto, definirão uma zona mais ou menos ampla de correspondência e, portanto, uma maior ou menor proximidade entre o conceito-tipo e a situação confrontada. Repara-se que o objetivo da operação é o de identificar a lei aplicável: o uso deste método permite ao tribunal reconhecer que existe uma semelhança suficiente entre o tipo e o caos concreto pra que lhe seja aplicado o mesmo regime jurídico. 

É também por isso que a determinação da subordinação se considera, liquidamente, matéria de facto e não de direito.

II– No elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferida ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa – tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho, e em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por contra de outrem”.

Por seu turno, a Professora Palma Ramalho [[1]], sustenta o seguinte:
«O confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma atividade laborativa: enquanto o elemento da atividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas várias formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho. (…)

Nesta linha são identificados os seguintes traços característicos da subordinação:
i)- A subordinação é jurídica e não económica: este qualificativo realça o facto de a subordinação ser inerente ao contrato de trabalho, por força da sujeição do trabalhador aos poderes laborais (…)
ii)- A subordinação pode ser meramente potencial, no sentido em que para a sua verificação não é necessária uma atuação efetiva e constante dos poderes laborais, mas basta a efetiva possibilidade do exercício desses poderes (…)              
iii)- A subordinação comporta graus no sentido em que pode ser mais ou menos intensa, de acordo com as aptidões do próprio trabalhador, com o lugar que ocupa na organização laboral ou com o nível de confiança que o empregador nele deposita (…)
iv)- A subordinação é jurídica e não técnica, no sentido em que é compatível com a autonomia técnica e deontológica do trabalhador no exercício da sua atividade e se articula com as aptidões específicas do próprio trabalhador e com a especificidade técnica da própria atividade (artigo 112.º do Código do Trabalho) (…)
v)- A subordinação tem uma limitação funcional, (…) no sentido em que é imanente ao contrato de trabalho, pelo que os poderes do empregador se devem conter dentro dos limites do próprio contrato. (…)

Os indícios de subordinação mais frequentemente referenciados pela doutrina e trabalhados pela jurisprudência são os seguintes:
i)- A titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho: (…) pertencerem ao credor (…)
ii)- O local de trabalho: (…) o facto de ele desenvolver a sua atividade em instalações predispostas pelo credor (…)
iii)- O tempo de trabalho: de um modo geral, o trabalhador subordinado encontra-se adstrito a um determinado horário de trabalho (…)
iv)- O modo de cálculo da remuneração: embora (…) insuficiente (…) o cálculo da remuneração em função do tempo evidencia o horizonte temporal em que o trabalhador está na disponibilidade do empregador (…)
v)- A assunção do risco da não produção dos resultados: (…) correr por conta do credor (…)
vi)- O facto de o trabalhador ter outros trabalhadores ao seu serviço: (…) o facto de o credor ter outros trabalhadores ao seu serviço (…)
vii)- A dependência económica do trabalhador: (…) o facto de o trabalhador depender dos rendimentos do seu trabalho para subsistir ou o facto de desenvolver a sua atividade em exclusivo para um credor (…)
viii)- O regime fiscal e o regime da segurança social a que o trabalhador se encontra adstrito (…) 
ix)- A inserção do trabalhador na organização predisposta pelo credor e a sua sujeição às regras dessa organização (…)
(…) a qualificação de qualquer situação jurídica com base num método indiciário não exige a presença, no caso concreto, de todos os indícios, mas apenas de um conjunto maior ou menor de indícios cujo valor seja considerado determinantes, sendo ainda compatível com o relevo de indícios diferentes consoante os casos. (…)
(…) os indícios referenciados apontam para as características tendenciais do negócio jurídico a qualificar, pelo que não são fáceis de operacionalizar perante a evolução do próprio tipo negocial, devendo ter em conta essa evolução (…)
(…) é importante cotejar os indícios de subordinação com a vontade real das partes na conclusão do contrato de trabalho (…)» (cf., também, Professor JOÃO LEAL AMADO,  “Contrato de Trabalho” , 2.ª Edição, publicação conjunta de Wolters Kluwer e Coimbra Editora, Janeiro de 2010, páginas 55 e seguintes, já no quadro do atual Código do Trabalho de 2009; ver também Professor JÚLIO GOMES, obra e local citados, com especial incidência para páginas 101 e seguintes, onde critica a noção tradicional de subordinação jurídica e defende a construção de um novo paradigma desse conceito, que corresponda, não só à evolução das realidades económica, empresarial, social, cultural e ideológica, como da nova perspetiva doutrinária e jurisprudencial que vai emergindo noutros sistemas jurídicos). [[2]]

Chegados aqui, não escondemos a nossa dificuldade e perplexidade na análise e decisão do eterno e frequente dilema que se coloca aos Tribunais de Trabalho e que respeita à caracterização laboral de muitos vínculos jurídicos dúbios e ambíguos, tanto mais que nos parece que, com a rápida evolução da atividade económica e subsequente criação, transformação e diversificação das formas e tipos contratuais, alguns dos indícios que anteriormente eram reveladores da natureza laboral ou não de uma determinada relação profissional (tal como a prestação autónoma de serviços para só uma empresa, durante todos os dias da semana, por um número mais ou menos idêntico de horas semanais e com o pagamento do mesmo em função do tempo) já perderam grande parte dessa virtualidade, dada a crescente "proletarização" que muitos pequenos empresários em nome individual (eletricistas, canalizadores, serralheiros, marceneiros, etc.) tem vindo a sofrer (e que, por exemplo, para a nossa anterior Lei dos Acidentes de Trabalho, desde que houvesse uma efetiva situação de dependência económica, implicava um tratamento jurídico para efeitos da sua aplicação equiparado ao do trabalho subordinado), com a integração exclusiva ou quase exclusiva do trabalho autónomo por aqueles prestado numa estrutura mais vasta e de carácter empresarial e a sua consequente "dependência económica" relativamente a tal estrutura (cf. o que a este propósito, o que diz o Dr. GARCIA PEREIRA no texto denominado “As lições do grande Mestre Alonso Olea – A atualidade do conceito de alienidade no século XXI” publicado na obra coletiva “Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea”, Almedina, Coimbra, Março de 2004, págs. 55 e seguintes, bem como a Dr.ª MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO na mesma obra, no seu estudo “De la servidumbre al contrato de trabajo” – deambulações em torno da obra de Manuel Alonso Olea e da singularidade dogmática do contrato de trabalho”[[3]/[4]]).

H–CONTRATO DE TRABALHO E PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE

O Código do Trabalho de 2003 veio, aliás, face às dificuldades manifestas de caracterização e diferenciação dos negócios jurídicos em análise e aos desenvolvimentos doutrinários e jurisprudenciais que ocorreram nesta matéria, consagrar, no seu artigo 12.º [[5]], uma presunção de existência de um contrato de trabalho, desde que se mostrassem verificados, cumulativamente, os requisitos nele elencados (cf., contudo, as posições divergentes e muito críticas quanto a tal presunção, que somente com o atual Código do Trabalho parece ter logrado uma operacionalidade correspondente ao alcance e finalidade que com a mesma se visava: Professora PALMA RAMALHO, obra citada, páginas 46 e seguintes, Professor JÚLIO GOMES, obra citada, páginas 140 e seguintes e Professor MONTEIRO FERNANDES, obra citada, páginas 150 a 152).

Tal presunção de laboralidade conhece hoje a seguinte previsão legal:

Artigo 12.º
Presunção de contrato de trabalho
1– Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a)- A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b)- Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c)- O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d)- Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e)- O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2– Constitui contraordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de atividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
3– Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos.
4– Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou diretor, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º

A nossa doutrina e jurisprudência estão essencialmente de acordo quanto ao facto de se tratar de uma presunção legal ilidível, que implica a inversão do ónus da prova no que toca à demonstração da existência [[6]] de um contrato de trabalho, cabendo unicamente ao trabalhador a alegação e posterior demonstração cumulativa de dois ou mais dos elementos, índices ou características elencados nas diversas alíneas do número 1 do artigo 12.º do C.T./2009 [[7]] para fazer funcionar a mesma.

JOÃO LEAL AMADO, obra citada, páginas 80 e 81, acerca de tal «presunção de laboralidade», afirma o seguinte:
«O novo art.º 12.º do CT não é, naturalmente, uma norma perfeita e isenta de críticas. Mas penso que, à terceira tentativa, o legislador finalmente acabou por estabelecer uma «presunção de laboralidade» com algum sentido útil. A lei seleciona um determinado conjunto de elementos indiciários, considerando que a verificação de alguns deles (dois?)[8] bastará para a inferência da subordinação jurídica. Assim sendo, a tarefa probatória do prestador de atividade resulta consideravelmente facilitada. Doravante, provando o prestador que, in casu, se verificam algumas daquelas características, a lei presume que haverá um contrato de trabalho, cabendo à contraparte fazer prova em contrário. Assim, provando-se, p. ex., que a atividade é realizada em local pertencente ao respetivo beneficiário e nos termos de um horário determinado por este, ou provando-se que os instrumentos de trabalho pertencem ao beneficiário da atividade, o qual paga uma retribuição certa ao prestador da mesma, logo a lei presume a existência de um contrato de trabalho. Tratando-se de uma presunção juris tantum (art.º 350.º do CCivil), nada impede o beneficiário da atividade de ilidir essa presunção, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho. Mas, claro, o onus probandi passa a ser seu (dir-se-ia que a bola passa a estar do seu lado), pelo que, não sendo a presunção ilidida, o tribunal qualificará aquele contrato como um contrato de trabalho, gerador de uma relação de trabalho subordinado.

Pelo exposto, também para o julgador esta presunção reduz a complexidade da valoração a empreender, dado que, pelo menos num primeiro momento, ele poderá concentrar-se nos dados que integram a presunção, circunscrevendo a base factual da sua apreciação. De certa forma, esta presunção representa uma simplificação do método indiciário tradicional, visto que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de todas as características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a subordinação» [[9]/[10]]                 
Acerca das presunções legais, RUI MANUEL DE FREITAS RANGEL [[11]], afirma o seguinte (páginas 219 a 221): “Dentro da categoria geral das presunções é possível distinguir entre as presunções legais ou de direito e as presunções naturais, judiciais ou de facto que também se designam simples ou hominis. (…)

As presunções legais ou de direito são as que decorrem da própria lei, ou seja, é na norma legal que, verificado determinado facto, dá como provado um outro facto[12].

Nas presunções legais, como já dissemos, o princípio da livre apreciação da prova, isto é, a liberdade de apreciação do julgador, fica, de certa forma, comprometida, como iremos demonstrara mais à frente.

O art.º 350.º, n.ºs 1 e 2 do C. Civil que trata das presunções legais, estabelece que, quem tem a seu favor tal presunção escusa de provar o facto a que ele conduz (n.º 1), e que estas podem ser ilididas mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir (n.º 2) – cfr. com os art.ºs 2517.º e 2518.º, do Código de Seabra; art.ºs 1350.º e 1352.º, do Código Civil Francês; e art.º 2728.º do Código Civil Italiano).

Estas, como se sabe, se admitem prova do contrário, isto é, se podem ser ilididas, denominam-se relativas ou iuris tantum. As que não admitem prova do contrário são inilidíveis, isto é, não podem ser afastadas e, por isso, são absolutas ou iuris et de iure.

Resulta assim, do art.º 350, n.º 1 do Código Civil que, havendo uma presunção legal, provar o facto que serve de base à presunção equivale a provar o facto presumido. Daí que sempre que exista uma presunção legal a favor da pretensão de alguma das partes em litígio, incumbe a essa parte apenas alegar e provar o facto que serve de base à presunção. À contraparte incumbe, se pretender destruir a prova feita através de prova da presunção, fazer a prova do contrário ou do facto que serve de base à presunção legal ou do próprio facto presumido. Se a parte contrária conseguir demonstrar uma das duas situações enumeradas, compete à parte favorecida com a presunção legal o ónus da prova de rebater essa prova do contrário.

Consequentemente quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz, embora tenha sempre de provar o facto que conduz, na expressão de Antunes Varela e outros a fonte da presunção, podendo no preenchimento desse “ónus recuado” a parte socorrer-se de qualquer dos procedimentos probatórios previstos na lei processual.

Segundo Miguel Teixeira de Sousa, a eventual dificuldade de prova não justifica, em si mesmo, fundamento para se operar a inversão do ónus probandi; o direito positivo está atento a esta dificuldade e foi por isso que tentou preveni-la por uma de duas soluções legislativas, ou através do estabelecimento de presunções legais com dispensa da prova dos factos presumidos (art.º 350.º, n.º 1 do Código Civil) o que, normalmente, se traduz num benefício para a parte onerada com a prova do facto presumido, ou, ainda, na permissão do julgamento segundo a equidade, designadamente, em situações em que a prova é difícil ou impossível.

Todavia, se o ónus da prova se inverte, esse ónus não acompanha os ónus de alegação uma vez que a prova não compete à parte favorecida com a demonstração do facto e onerada com a sua alegação, mas sim à parte que pode beneficiar do facto contrário»     
   
E–ANÁLISE DO LITÍGIO DOS AUTOS 

Chegados aqui e conjugando os factos dados como assentes co m os documentos que os complementam, facilmente constatamos que a Autora desenvolvia uma atividade (e não uma soma de atos individualizados e que visavam alcançar resultados também autónomos e determinados) de cuidadora de idosos, nos locais (habitações) e durante os períodos temporais contratual e previamente definidos com a Ré e que estava juridicamente compelida a cumprir, o mesmo acontecendo com um quadro de funções e deveres profissionais que se mostravam elencados e concretizados em cada um dos onze «contratos de prestação de serviços» que assinou com a aqui Apelante e que era quem era contatada e contratada pelos utentes ou pelos seus familiares, com vista a lhes proporcionar os aludidos serviços de cuidador, tudo sem prejuízo da relativa autonomia técnica que depois, no dia-a-dia e dentro do referido quadro funcional, possuía.

A Autora levava a cabo essa atividade contra o recebimento de uma contrapartida horária variada em função da natureza dos cuidados acordados e prestados, que lhe era liquidada mensalmente.

A Ré entregou-lhe uma bata com a denominação da empresa para usar durante a prestação de tais serviços.

A Autora, caso não pudesse prestar os referidos cuidados num dado dia ou período, tinha de o comunicar com antecedência à Ré, sendo negativamente valorizadas as faltas dadas sem tal aviso prévio.

A Autora exerceu tais funções de cuidadora de forma ininterrupta entre 6/9/2014 e 7/6/2017.

Cruzando este quadro factual com o disposto no artigo 21.º do CT/2009, facilmente constatamos que as alíneas a), c) e d) do seu número 1 se mostram preenchidas (temos dúvidas de que o mero fornecimento da bata chegue para integrar a característica prevista na alínea b) desse mesmo número 1) [[13]], o que se revela mais do que suficiente para fazer funcionar a presunção de laboralidade aí contida.

A Ré pretendeu ilidir tal presunção argumentando no sentido seguinte (seguimos as correspondentes conclusões de recurso):
1)- Não sujeição da Autora a ordens, diretivas e instruções por parte da Ré;
2)- Não sujeição da Autora ao poder disciplinar da Ré;
3)- Liberdade da Autora na determinação dos utentes a quem prestaria cuidados de cuidadora;
4)- Autonomia técnica da Autora na prestação das suas funções;   
5)- Celebração de acordos denominados de «contratos de prestação de serviços»;
6)- Vontade das partes em firmarem tal tipo negocial e não o do contrato de trabalho, face aos factos dados como provados nos autos e aos documentos que os complementam.

Podem ainda aditar-se a tais factos os relativos à emissão de fatura/recibo como trabalhadora independente por parte da Autora e à sua inscrição, enquanto tal, na Segurança Social, conforme resulta dos documentos juntos a fls. 35 a 44 e dos contratos de fls. 9 verso a 33 dos autos.

Abordando em primeiro lugar a alínea 1), dir-se-á que resulta com clareza dos Pontos 2 a 4, 6, 11 e 12 da Matéria de Facto dada como Assente e dos documentos que os complementam que a demandante se achava sujeita efetivamente a ordens, diretivas e instruções de carácter genérico e específico, delineadas em razão da atividade concretamente acordada entre os utentes e/ou os seus familiares e a Ré e, depois, entre esta última e a Autora (cf. artigo 115.º do CT/2009).

Tal acontecia sem prejuízo da autonomia funcional que no quotidiano da sua atividade profissional a recorrida teria e que, segundo o artigo 116.º, não é incompatível com a existência de um contrato de trabalho, se bem que nos pareça que essa alegada autonomia não apenas estava conformada pelo estabelecimento por escrito das tarefas e serviços que eram devidos, caso a caso, ao utente como ainda surgia condicionada pelas solicitações e determinações dos próprios idosos ou seus familiares, da empresa Ré e das condições e circunstâncias objetivas em que, ao longo do tempo, a referida atividade era executada.

Não constitui óbice à qualificação do vínculo dos autos como uma relação de índole laboral a circunstância de não ter sido demonstrada a titularidade por parte da Ré de poder disciplinar sobre a Autora pois, como é sabido, tal vertente da subordinação jurídica está muitas vezes latente, adormecida, escondida, podendo nunca emergir e vir a ser exercida ao longo da vigência do contrato de trabalho, mesmo com muitos anos de duração, sem que tal implique a sua inexistência e, por consequência, a descaracterização jurídica em termos laborais [[14]].

O nome do contrato atribuído pelas partes e a concordância aparente das mesmas quanto à escolha desse tipo contratual pouco significa em si e só por si, importando buscar a sua confirmação, quer no seu conteúdo, quer primordialmente, no seu cumprimento efetivo e essencial, até porque nos encontramos face a um negócio de execução permanente e continuada.

Ora, no que respeita ao teor dos onze contratos assinados entre as partes sob a indicada denominação de “contrato de prestação de serviços”, descortina-se no seu texto alguns potenciais indícios de cariz laboral, como é o caso do elenco das funções acordadas, de ser firmado por tempo indeterminado, ou seja, enquanto existir a carência de cuidados ao idoso ou a denúncia do contrato firmado entre este ou os seu familiares e a Ré, da natureza exclusiva da atividade negociada (cláusula 5.ª, segundo parágrafo), da possibilidade excecional de a Ré determinar à Autora a prestação de cuidados a idoso não contratualizado entre ambas, a obrigação de a Autora se sujeitar a ações de formação assim como de guardar sigilo relativamente a todos os factos relativos não apenas ao utente mas também à Ré.  
            
É muito comum os trabalhadores, a pedido ou por exigência da entidade patronal, inscreverem-se na Segurança Social como trabalhadores independentes e emitirem documentos comprovativos do recebimento das quantias liquidadas pelo beneficiário (direto ou indireto) dos serviços prestados (recibos verdes ou outros equivalentes, como as notas de honorários) e outros documentos complementares (faturas), respeitantes aos trabalhos efetuados, sem que tal descaracterize, só por si e sem a verificação de outros elementos concomitantes, a relação laboral existente, sendo essa atuação, nomeadamente, um dos expedientes normalmente utilizados para “mascarar” os vínculos laborais com as roupagens dos contratos de prestação de serviços, por constituir uma real redução de custos.

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/11/2005, processo n.º 05S2138, em que foi relator o Juiz-Conselheiro Fernandes Cadilha, afirma o seguinte, acerca de alguns dos aspetos analisados (Sumário):
«II– Neste contexto, assume um diminuto relevo o nomen juris dado pelas partes ao contrato e o não exercício de atividade em exclusividade, bem como certos desvios detetados quanto ao regime retributivo, como sejam o modo de quitação, a não inclusão do trabalhador nas folhas de remunerações enviadas para a segurança social e o não pagamento de subsídios de férias ou de Natal». (cf., também os Arestos do Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/2003, Recurso n.º 2007/03-4.ª, publicado em Sumários, 10/2003 e de 15/02/2005, publicado em CJ/Supremo Tribunal de Justiça, 2005, Tomo 1.º, páginas 244 e seguintes). 

Abordemos, finalmente, a questão suscitada na alínea 3) e que tem de ser necessariamente relacionada com a assinatura dos onze contratos juntos aos autos, pois tal cenário particular é invulgar e incaracterístico em situações de qualificação jurídica como laboral do vínculo profissional em presença.

Pensamos que nos movemos, desde logo, no âmbito de uma atividade – a de prestação de cuidados a idosos – que pela sua relevância social, necessidade pessoal e familiar permanente – 7 dias por semana e 365 dias por ano – e forma de prestação constante e ininterrupta, impõem particulares regras de atuação, funcionamento e organização dos vínculos profissionais a estabelecer com os cuidadores que assegurarão aquela atividade.

A Ré, ao invés de celebrar aberta e diretamente um contrato de trabalho com a Autora, em que esta era depois afeta, de acordo com as suas conveniências e possibilidades materiais, temporais, espaciais, pessoais e familiares, aos cuidados de higiene ou de acompanhamento de idosos em concreto, acabou por «mascarar» ou «disfarçar» tal relação laboral com este estratagema de celebrar, por cada utente que, de forma direta ou indireta, negociava com a Apelante os referidos cuidados, um «contrato de prestação de serviços» com a Autora, que, naturalmente e em função de outros contratos já existentes ou das referidas possibilidades antes enunciadas e que sempre teriam de ser ponderadas (basta pensar num idoso carecido de acompanhamento que residia na outra ponta da ilha de São Miguel ou até ilha de Santa Maria, sem que a aqui Apelada, por falta de veículo próprio ou de transportes públicos disponíveis e acessíveis, pudesse assegurar de forma eficaz e eficiente esse mesmo acompanhamento) poderia ou não ser «aceite» pela trabalhadora.

Seguro é que, a partir de tal aceitação, a Autora ficava sujeita ao local, deveres funcionais, horário de trabalho, retribuição horária e outras obrigações e exceções contratuais que, quer já no próprio texto de cada um desses negócios jurídicos, como na sua concretização prática, se reconduziam à efetiva existência de um vínculo subordinado de trabalho, ainda que aparentemente espartilhado ou decomposto nessas prestações concretas de cuidados.

A maneira como a Ré organiza o esquema exposto não a reconduz a uma mera intermediária, agenciadora ou angariadora de mão-de-obra especializada, em que, no final, o contrato é firmado entre a cuidadora e o utente dos cuidados ou seus familiares, com o recebimento de uma qualquer remuneração/comissão por parte da recorrente, dado que primeiramente a Ré se compromete a garantir a prestação dos cuidados acordados com os interessados e depois firma com o cuidador escolhido por ela o segundo contrato, que permite que o primeiro seja efetivamente assegurado e cumprido, respondendo o cuidador sempre e em última análise, perante a Apelante e sendo a referida atividade de prestação de cuidados da responsabilidade direta e última da mesma e não dos cuidadores contratados (o SMS de 6/6/2017, dirigido pela Ré à Autora às 17,36 horas – fls. 34 – diz isso mesmo: que a Autora deve comportar-se como uma colaboradora e não como uma patroa, dado que o serviço é da Ré e não dela). 
                                            
Estando assim perante uma relação de trabalho subordinada e tendo em atenção os direitos legais dela emergentes, em que precisamente o Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada condenou a Ré (retribuição de junho de 2017, direito a férias e pagamento da correspondente retribuição, inerente subsídio e subsídio de Natal), nada há a censurar à sentença recorrida. 
                           
Logo, pelos motivos expostos, tem o presente recurso de Apelação de ser julgado improcedente com a confirmação da decisão judicial impugnada.

IV–DECISÃO
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º e 74.º do Código do Processo do Trabalho e 662.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, no seguinte:
A)– Em julgar improcedente o presente recurso de Apelação interposto por BBB na sua vertente de impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto;
B)– Em julgar improcedente o presente recurso de Apelação interposto por BBB, na sua vertente jurídica, com a inerente confirmação da sentença recorrida.
*
Custas do recurso de Apelação a cargo da Apelante – artigo 527.º, número 1 do NCPC.
Registe e notifique.
*


Lisboa, 07 de novembro de 2018 

    
(José Eduardo Sapateiro)
(Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)


[1]Em “Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, 4.ª Edição revista e atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011 e 2012, 2012, Almedina, páginas 19 e seguintes e, mais especificamente, páginas 33, 35, 36 e 40 a 42.
[2]Ver, ainda, a opinião bastante crítica relativamente ao “método indiciário” largamente utilizado pela nossa jurisprudência e doutrina expressa pelo Dr. ALBINO MENDES BAPTISTA em “Jurisprudência do Trabalho Anotada - Relação Individual de Trabalho”, 3.ª Edição, 1999, Quid Juris, págs. 17 a 63, defendendo tal autor, em contraponto aquele método, o “método tipológico”, isto é, uma operação metodológica que não é de mera subsunção ao tipo contratual legalmente definido dos indícios encontrados mas pressupõe antes um juízo de valoração dos referidos sinais, extraídos da execução efetiva do acordo, de forma a procurar qualificar corretamente o contrato concreto em presença, sem perder de vista também a indagação da vontade das partes na concretização do mesmo - cf. obra citada, págs. 54 a 56.
[3]Cf., também, com manifesto interesse para a problemática abordada, JOANA NUNES VICENTE, “A fuga à relação de trabalho (típica): em torno da simulação e da fraude à lei”, junho de 2008, Coimbra Editora. 
[4]Teremos que contrabalançar, de alguma forma, o que se deixou afirmado no corpo deste Aresto e que respeita ao progressivo desvirtuamento das características típicas da relação tradicionalmente qualificada e encarada como autónoma, com o movimento oposto, que parece verificar-se no quadro das clássicas relações de trabalho subordinado, em que alguns dos seus traços mais marcantes e individualizadores perderam fulgor e evidência, apostando-se antes e em alternativa na cada vez maior liberdade e independência funcional e decisória do «colaborador» e na atenuação, espacial e/ou temporal, dos poderes de direção e fiscalização do empregador, aferindo-se a atividade a objetivos globais que devem ser atingidos, sem que tal implique obrigatoriamente um cenário de picagem de ponto, controlo constante, presença permanente, ordens expressas ou muito definidas, posto de trabalho fixo, etc.
Esta progressiva viragem do avesso destes dois tipos contratuais, com a inerente mudança de paradigma dificulta, naturalmente, a tarefa do intérprete e aplicador do direito.                   
[5]O referido artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 conheceu duas redações muito diversas ao longo da vigência desse diploma, importando ainda relacionar as mesmas com a definição de contrato de trabalho que consta do artigo 10.º, que igualmente se irá transcrever:    
Artigo 10.º
Noção
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas.
Artigo 12.º
Presunção
Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:
a)O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;
b)O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da atividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;
c)O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da atividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da atividade;
d)Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da atividade;
e)A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias.
Artigo 12.º
Presunção
Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste, mediante retribuição.
[6]Melhor dizendo, da inexistência de tal contrato de trabalho, pois recai a elisão ou afastamento de aludida presunção sobre a entidade demandada como sendo a empregadora do demandante. 
[7]Cf., por todos, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, obra citada, páginas 46 a 50 e João Leal Amado, obra citada, páginas 74 a 82.
[8]«No sentido de que bastará a verificação de dois dos índices para fazer operar a presunção, vd. MARIA DA GLÓRIA LEITÃO e DIOGO LEOTE NOBRE (coord.), Código de Trabalho Revisto, p. 32. Também considerando que a base da presunção legal é constituída pela verificação de pelo menos duas das características indicadas, MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 14.ª ed., cit., p. 153» - NOTA DE RODAPÉ do autor transcrito 
[9]Afigurou-se-nos inútil reproduzir aqui as Notas de Rodapé do Autor transcrito, com os n.ºs 99 a 100, muito embora nesta última, o Professor JOÃO LEAL AMADO suscite uma questão que está cada vez mais na ordem do dia e que se prende com a aplicação da presunção de laboralidade do artigo 12.º do CT de 2009 a vínculos jurídicos-profissionais iniciados antes de 17/2/2009, que, como sabemos, é a entrada em vigor do atual C.T.      
[10]Cfr., também, a Professora MARIA ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, obra citada, páginas 46 a 50, que sustenta uma posição próxima da do Dr. JOÃO LEAL AMADO, entendendo que bastará, pelo menos teoricamente, que apenas se verifiquem dois dos indícios/elementos de facto do artigo 12.º do C.T./2009, para funcionar a referida presunção de laboralidade    
[11]Em “O ónus da prova no processo civil”, Almedina, Janeiro de 2000, páginas 215 e seguintes.
[12]Não se nos afigurou necessário reproduzir, no quadro do excerto transcrito, as Notas de Rodapé que aí são igualmente referidas (342 a 347). 
[13]É curioso que tal facto do fornecimento da bata pela Ré à Autora tenha resultado do accionamento pelo tribunal da 1.ª instância do mecanismo adjetivo previsto no artigo 72.º do Código de Processo de Trabalho, com o aditamento do mesmo à matéria de facto controvertida, mas tal já não aconteceu relativamente a outros factos não alegados pelas partes mas que resultaram claramente da discussão da causa em sede da Audiência Final e que encontram apoio, por vezes, nos próprios contratos de prestação de serviços, como é o caso dos deveres da demandante e das outras cuidadoras de elaborarem relatórios diários da atividade realizada, de comunicar por essa via ou mesmo pessoalmente à Ré qualquer episódio ou eventualidade que saísse fora da normalidade diária dos cuidados efetuados, de preencher um mapa de horas de entrada e de saída do trabalho, assim como de sujeitarem-se a visitas de responsáveis da empresa com o propósito de recolher no local e junto das pessoas interessadas as informações que julgavam necessárias quanto à sua satisfação com o cuidador e os cuidados disponibilizados por este último, tendo ainda sido referido que a Ré procurava ocupar todo o tempo livre da Autora e colegas com serviços próprios de cuidadores.
Não tendo o Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada considerado tais factos ao abrigo do disposto no artigo 72.º do Código de Processo de Trabalho, está, naturalmente, este tribunal da 2.ª instância de o fazer em sede de recurso e mesmo por apelo a tal disposição ou às normas ínsitas nos artigos 5.º e 662.º do NCPC.     
[14]Cf., nesse sentido, o Acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa de 9/11/2011, processo n.º 308/09.0TTPDL.L1-4, em que foi relatora a Juíza-Desembargadora Maria José Costa Pinto, publicado em www.dgsi.pt, sustenta o seguinte (Sumário parcial):
«II– Do não exercício do poder disciplinar – apenas compreensível em situações de crise contratual – não pode, sem mais, retirar-se a sua não titularidade.
III– O exercício de prerrogativas laborais tem forte valor indiciário positivo no sentido da qualificação da relação como de trabalho, sendo, por outro lado de lhe negar firmemente, na hipótese contrária, valor negativo excludente dessa qualificação.» (cf., também os Arestos do Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/2003, Recurso n.º 2007/03-4.ª, publicado em Sumários, 10/2003 e de 15/02/2005, publicado em CJ/Supremo Tribunal de Justiça, 2005, Tomo 1.º, páginas 244 e seguintes).