Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7592/12.0TDLSB-D.L1-3
Relator: ANA PAULA GRANDVAUX
Descritores: PERÍCIA
DESPACHO A ADERIR À POSIÇÃO DO MP
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDOS
Sumário: I- Se a Srª Juíza titular do processo, sem qualquer dúvida ou hesitação, de forma clara e expressa, profere um despacho onde vem aderir na íntegra à posição do M.P manifestada nos autos em anterior promoção, posição essa que a Srª Juíza faz sua, remetendo a sua fundamentação para os argumentos apresentados pelo M.P naquela sua promoção, concluindo por isso serem inteiramente procedentes as pretensões enunciadas pelo M.P e deferindo as mesmas, esse despacho judicial não é nulo por falta de fundamentação - não obstante se reconhecer ser esse despacho demasiado sintético e não constituir a forma ideal de apreciar e decidir as promoções do M.P segundo as boas práticas processuais.
II- O risco de prescrição do procedimento criminal relativamente a crimes objecto de um determinado processo, é válido para fundamentar a atribuição de natureza urgente a esse mesmo processo.
III- Inexiste violação do segredo bancário quando em obediência a uma decisão de um Tribunal superior, o Tribunal de julgamento é obrigado a realizar prova pericial de natureza contabilística e o Sr. Perito encarregue da mesma, necessita de informações sobre as contas bancárias de uma empresa arguida, as quais se podem obter através do Banco de Portugal.
IV- Não é passível de recurso, por se tratar de um despacho de mero expediente, o despacho judicial que apenas se limita a deferir a promoção do M.P, no sentido de obter informação acerca das condições de eventual realização de uma perícia mais célere e com um diferente orçamento menos pesado, visando comparar tal possibilidade, com as condições de realização da perícia delineada pelo perito já nomeado pelo Tribunal. 
( elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
1 – Nos presentes autos constata-se que foi já realizado julgamento na 1ª instância dos arguidos arguidos, JM_____ , natural de S. Sebastião da Pedreira, Lisboa, nascido em 29.04.1958, divorciado, gestor, residente na Rua …, n° 17, Lisboa;
- EM____  , , natural de Sesimbra, nascida em 01.11.1963, viúva, técnica oficial de contas, residente na … n° 379, …, Sesimbra,
e
- Mirandela - Artes Gráficas, S.A., pessoa colectiva n° 500…, com sede na …, n° 9, Lisboa.
Na sequência da decisão proferida no final desse julgamento, foi interposto recurso pelo M.P.
O Tribunal da Relação concedeu parcial provimento ao recurso do Ministério Público e, em consequência, anulou a decisão da 1ª instância e ordenou, nos termos do artº 426º, nº 1 do CPP, o reenvio parcial do processo à 1ª instância, na parte relativa à contradição entre factos apurados e não apurados, exigindo-se a realização de prova complementar, designadamente prova pericial.
Neste contexto e no seguimento do decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o Tribunal a quo determinou a realização de uma perícia contabilística e financeira, por despacho de 17 de Abril de 2019.
Por requerimento datado de 27.4.2021 e com a referência nº 29061055, proveniente do Senhor Perito - nomeado na 1ª instância para a realização da referida perícia contabilística e financeira - veio o mesmo informar que «a estimativa dos custos e tempo de execução são particularmente elevados» e que «devem ser juntos aos autos os extractos bancários da sociedade arguida (de todas as contas bancárias) para o período relevante
Após tal requerimento, foi aberta vista ao M.P e este alertado por esta via, para os custos elevados e estimados da perícia a realizar e para o tempo elevado da execução dessa diligência de prova, veio ao processo, promover em 18.5.2021 (com a referência nº 405544131), que fosse atribuída natureza urgente ao presente processo, ponderando a previsível morosidade da perícia a realizar e o risco de prescrição do procedimento criminal face aos crimes objecto destes autos, uma vez que ainda não existia trânsito em julgado da decisão final.
Promoveu ainda que através do Banco de Portugal, se obtivessem determinadas informações relativas a contas bancárias dos arguidos e se averiguasse das condições para ser realizada uma perícia colegial a realizar por alguns peritos cujo nome identifica nos autos, com vista a fazer uma avaliação comparativa com o trabalho a realizar pelo sr. Perito já nomeado.
Essa promoção do M.P mereceu inteira concordância da SrªJuiza titular do processo, que despachou em 24.5.2021 nos seguintes termos:
Em tudo como se promove”. 
2 – Inconformados com esta referida decisão judicial proferida em 24.5.2021, dela recorreram os arguidos JM_____  e, Mirandela - Artes Gráficas, S.A., tendo apresentado motivação que terminam com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
1. O despacho sob recurso é infundado, tal como o é a promoção do MP (seguida daquele despacho sem fundamentação).
2. O MP preconiza atribuir natureza urgente ao processo, em conformidade com a al. c) do n.° 2 do artigo 103° do CPP, obter informação (após ofício ao BP) sobre se existem contas bancárias em nome dos arguidos no período compreendido entre Março de 2008 e Outubro de 2011, para posterior remessa dos respectivos extratos bancários, quanto ao mesmo período, i.e., levantamento do sigilo bancário dos arguidos e solicitar a realização da perícia a pessoas singulares do conhecimento funcional da Senhora Procuradora;
3. Os actos decisórios do MP tomam a forma de despachos (Cfr. artigo 97º, n.º 3 do CPP), os actos decisórios dos Juízes tomam a forma de despacho quando conhecem questões intelocutóras. Cfr. artigo 97º, n.º 1, al. b) do CPP.
4. De acordo com o n.° 5 do artigo 97° do CPP, os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
5. O dever de fundamentar uma decisão judicial é uma decorrência, em primeiro lugar, do disposto no artigo 205°, n.° 1 da CRP, segundo o qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamenta- das na forma prevista na lei”.
6. Com excepção das decisões de mero expediente, todos os actos decisórios têm que ter fundamentação, imperativo que decorre do direito a um processo equitativo (Cfr. artigo 20º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e, ainda, de obrigações internacionais, a que Portugal se encontra adstrito (Vide artigo 6º, n.º 1, da CEDH, aplicável por força do artigo 8º, n.º 2, CRP) .
7. O dever de fundamentação deve, desde logo por imperativo constitucional, garantir um mínimo indispensável de conteúdo explicativo (e legitimador), para que a decisão proferida se imponha na comunidade e seja por todos respeitada, porque devidamente compreendida.
8. A decisão sob recurso não respeita, minimamente, estes princípios.
9. O despacho recorrido errou ao não reconhecer que o despacho do MP não padecia de falta de fundamentação (conforme padece), por não garantir o referido quid mínimo de fundamentação:
(I) – preconiza-se a natureza urgente ao processo, em conformidade com a al. c) do n.° 2 do artigo 103° do CPP, sem qualquer explicação lógica da contagem do risco da verificação do prazo de prescrição alegado [não basta indicar uma data (dos factos) e umas normas do CP para se considerar fundamentado um pedido daquela natureza. Desconhecem-se as contas do prazo prescricional que o MP fez;
(II) – pretende-se a obtenção de informação (após ofício ao BP) sobre se existem contas bancárias em nome dos arguidos no período compreendido entre Março de 2008 e Outubro de 2011, para posterior remessa dos respectivos extratos bancários, quanto ao mesmo período, i.e., levantamento do sigilo bancário dos arguidos, quando o processo já passou pela fase de inquérito e de instrução, depois de já ter sido julgado em 1ª instância e após julgamento pelo TRLisboa que decidiu (tão somente) a perícia sobre se a alegada impossibilidade de apuramento dos salários era ou não inultrapassável (vide pp. 34 e 35 do Acórdão proferido), sem qualquer invocação (por mínima que seja) ao disposto no artigo 340°, n.° 2 do CPP;
(III) – solicita-se a realização da perícia a pessoas singulares do conhecimento funcional da Senhora Procuradora o qual se desconhece e não foi densificado (por muito que ele possa, eventualmente, existir), bem se sabendo que a perícia é realizada em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não for possível ou conveniente, por perito nomeado de entre pessoas constantes de listas de peritos existentes em cada comarca, e só na sua falta ou impossibilidade de resposta em tempo útil, por pessoa de honorabilidade e de reconhecida competência na matéria em causa. Cfr. artigo 153º, n.º 1 do CPP.
10. Pelo exposto, o MP pretende a urgência dos presentes autos sem explicar – minimamente – qual a razão do eventual risco de prescrição, promove o levantamento do sigilo bancário sem explicar – minimamente – qual o motivo desse pedido, desde logo para os fins específicos da perícia determinada pelo TRLisboa (em decisão que, de modo algum, preconizou essa possibilidade/necessidade: levantamento do sigilo bancário) e visa a realização de uma perícia por pessoa cuja honorabilidade e reconhecida competência não foi ser alegada ou suscitada, sem prejuízo de não se tratar de pessoa constante de lista de peritos existente na Comarca, não sendo igualmente elemento de serviço oficial apropriado.
11. Aquele despacho do MP com todas aquelas lacunas, motivou um outro despacho, desta feita da Mm.a Juiz a quo, no qual não se explicou o percurso lógico seguido pelo Tribunal e que conduziu à conclusão, a final, imposta, frustrando completamente aquilo a que se chama de efeito “externo” e “interno” do dever de fundamentação.
12. O despacho sob recurso, proferido pelo Tribunal a quo em 24.05.2021, sob a Ref.ª 405734303, consigna, em singelo, “como se promove” (leia-se a promoção do MP).
13. O Tribunal a quo, na decisão recorrida, não logrou habilitar os Arguidos de uma avaliação, segura e cabal, quanto ao porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respetivo conteúdo decisório, nos termos exigidos pela jurisprudência portuguesa.
14. O Tribunal a quo, assumiu, acriticamente, a argumentação que o MP desenvolveu (de modo igualmente infundado e incompleto) no despacho/promoção anteriormente formulada (em 18.05.2021) de modo tão simplificado que poderia ter escrito “aceito” e isso equivaleria à “prolixa” frase lavrada “como se promove”.
15. Não há nada naquela decisão que revele uma reflexão ou ponderação própria, autónoma e independente por parte da Mm.a Juiz a quo e isto quando essa ponderação própria, autónoma e independente é sempre exigida pelo dever de fundamentação, na sua vertente “interna”, como garantia de que o Juiz, responsavelmente, assume a efetiva autoria da sua decisão e a ela se vincula.
16. Aquela decisão violou flagrantemente a obrigação de fundamentação que sobre si sempre impendia, estando ferido de nulidade nos termos dos artigos 97º, n.ºs 4 e 5 e 119º, n.º 1, al. b) do CPP.
17. Era justamente isto que deveria ter sido reconhecido no despacho recorrido, e não foi, pelo que o mesmo deverá ser revogado.
18. O alegado risco de prescrição é inclusivamente inócuo para efeitos de urgência propriamente ditos do presente processo, seja porque, nos termos daquilo que o próprio MP defende nos autos, o risco de prescrição não existe, seja ainda (e sobretudo) porque o referido risco de prescrição não se enquadra em qualquer uma das hipóteses previstas no artigo 103º, n.º 2, CPP, como sempre seria exigido para os efeitos pretendidos.
19. Quanto ao demais, o despacho do MP que preconiza o levantamento do sigilo bancário, não identifica sequer quais os crimes em causa, dali não constando os indícios imputados aos Arguidos, nem constando a justificação para a obtenção das tais informações.
20. Nos autos não está em causa nenhum dos crimes consagrados no artigo 1º, n.º 1 da Lei n.º 05/2002 de 11 de Janeiro, pelo que a quebra do segredo não é automática.
21. Aquele despacho do MP viola as disposições legais contidas no artigo 97º n° 4 do CPP e do artigo 2º, n.º 2 da Lei n.º 05/2002 de 11 de Janeiro e do artigo 205° da CRP, o qual sendo inválido implicará a nulidade de toda a prova obtida nos autos na sequência da referida decisão. Cfr. artigo 126°, n.° 3 do CPP, n.° 8 do artigo 32° e n.° 4 do artigo 34°, ambos da CRP.
22. No processo penal, o direito de reserva de intimidade da vida privada e familiar constitucionalmente protegido só cede em nome da realização da justiça e da segurança enquanto valores do Estado de Direito Democrático e na justa medida em que tal se tenha por necessário, proporcional e adequado, conforme artigo 26º n.º 1 e artigo 18º n.º 2 ambos da CRP, o que não se verifica no caso em apreço, nem o MP o alegou sequer, matéria que nessa medida também foi omitida no despacho sob recurso, face ao respectivo “conteúdo” de “fundamentação”.
23. Sem prejuízo do exposto, o artigo 340° do CPP (totalmente repudiado, por omissão, do MP e do despacho sob recurso) consagra no seu n.° 1 um critério de necessidade: «O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.»
24. Aquela norma – al. a) do n.° 4 do artigo 340° do CPP – determina expressamente a obrigatoriedade de indeferimento dos requerimentos probatórios se: «As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, excepto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa.»
25. Está precisamente em causa um caso em que o Tribunal a quo omitiu, em absoluto e sem margem para quaisquer dúvidas, a admissão fundamentada dos novos meios de prova suscitados pelo MP.
26. Ou seja, o Tribunal a quo nem sequer enquadrou o despacho do MP em causa (conforme se impunha igualmente, na fundamentação de ambas as decisões) relativamente à análise da previsão da al. a) do n.° 4 do artigo 340° do CPP.
27. Aquela norma só permite que o Tribunal admita o requerimento probatório em causa se aquele entender pela sua indispensabilidade na descoberta da verdade e boa decisão da causa.
28. Ao invés, no despacho proferido o Tribunal a quo é totalmente omisso quanto à referida indispensabilidade, conforme já o fora o despacho antecedente do MP.
29. Efectivamente, o critério legal (do citado artigo 340°, n.° 4, al. a) do CPP) não é o da possibilidade, nem o da pertinência, mas sim o da indispensabilidade para a descoberta da verdade material.
30. O Tribunal a quo proferiu um despacho com total omissão de fundamentação e sem qualquer base legal e sem qualquer ponderação da pertinência do meio de prova suscitado pelo MP.
31. Por isso, mais uma vez, é fundamental que o despacho judicial seja fundamentado (Cfr. artigo 97º, n.º 5 do CPP), de modo a assegurar esta tutela judicial mínima.
32. O critério de conveniência remete para o artigo 340º quanto à produção da prova.
33. O preceito regula a admissão da prova na audiência de julgamento e trata-se de direito constitucional concretizado, uma vez que o direito à produção de prova é uma das componentes do direito de acesso ao tribunal (Cfr. artigo 20º, n.º 1 da CRP) e das garantias de defesa (Cfr. artigo 32º, n.º 1 da CRP).
34. Pode ser requerida a produção de meios de prova durante a audiência de julgamento no tribunal de primeira instância. Cfr. 340º do CPP.
35. Mas esta faculdade é excepcional, estabelecendo-se para o efeito prazos de requerimento de produção de prova. (Cfr. artigo 79º, n.º 1, 165º, n.º 1 e 315º, n.º 1, todos do CPP).
36. Os meios de prova requeridos na audiência de julgamento têm de ser meios de prova “supervenientes” (Cfr. artigos 328º, n.º 3, al. b) e 360º, n.º 4, ambos do CPP) ou cuja junção no momento próprio não foi possível. Cfr. artigo 165º, n.º 1 do CPP.
37. O Tribunal a quo proferiu um despacho ilegal, violador do artigo 340º, n.º 4, al. a) do CPP, ao admitir o levantamento de sigilo bancário sem fundamentar a sua decisão de admissão daquela prova suplementar no critério legal obrigatório da indispensabilidade para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
Termos em que, o presente recurso deverá ser julgado totalmente procedente, julgando-se o despacho proferido inválido, por falta de fundamentação e em consequência não se reconhecendo cariz de urgência aos presentes autos, indeferindo-se o levantamento do sigilo bancário preconizado e indeferindo-se a realização da perícia por quem o MP entende (a título particular) dever levá-la a cabo.
Requer-se a instrução do presente recurso com cópia do despacho do MP de 18.05.2021 e do despacho do Tribunal a quo de 24.05.2021.
3 – Igualmente inconformada com a decisão de 24.5.2021, dela veio recorrer a arguida, EM____  Marques, tendo apresentado motivação que termina com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
1. O despacho sob recurso é infundado, tal como o é a promoção do MP (seguida daquele despacho sem fundamentação).
2. O MP preconiza atribuir natureza urgente ao processo, em conformidade com a al. c) do nº 2 do artigo 103º do CPP, obter informação (após ofício ao BP) sobre se existem contas bancárias em nome dos arguidos no período compreendido entre Março de 2008 e Outubro de 2011, para posterior remessa dos respectivos extratos bancários, quanto ao mesmo período, i.e., levantamento do sigilo bancário dos arguidos e solicitar a realização da perícia a pessoas singulares do conhecimento funcional da Senhora Procuradora;
3. Os actos decisórios do MP tomam a forma de despachos (Cfr. artigo 97º, n.º 3 do CPP), os actos decisórios dos Juízes tomam a forma de despacho quando conhecem questões intelocutóras. Cfr. artigo 97º, n.º 1, al. b) do CPP.
4. De acordo com o n.º 5 do artigo 97º do CPP, os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
5. O dever de fundamentar uma decisão judicial é uma decorrência, em primeiro lugar, do disposto no artigo 205º, n.º 1 da CRP, segundo o qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamenta- das na forma prevista na lei”.
6. Com excepção das decisões de mero expediente, todos os actos decisórios têm que ter fundamentação, imperativo que decorre do direito a um processo equitativo (Cfr. artigo 20º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e, ainda, de obrigações internacionais, a que Portugal se encontra adstrito (Vide artigo 6º, nº 1, da CEDH, aplicável por força do artigo 8º, n.º 2, CRP).
7. O dever de fundamentação deve, desde logo por imperativo constitucional, garantir um mínimo indispensável de conteúdo explicativo (e legitimador), para que a decisão proferida se imponha na comunidade e seja por todos respeitada, porque devidamente compreendida.
8. A decisão sob recurso não respeita, minimamente, estes princípios.
9. O despacho recorrido errou ao não reconhecer que o despacho do MP não padecia de falta de fundamentação (conforme padece), por não garantir o referido quid mínimo de fundamentação:
(I) – preconiza-se a natureza urgente ao processo, em conformidade com a al. c) do nº 2 do artigo 103º do CPP, sem qualquer explicação lógica da contagem do risco da verificação do prazo de prescrição alegado [não basta indicar uma data (dos factos) e umas normas do CP para se considerar fundamentado um pedido daquela natureza. Desconhecem-se as contas do prazo prescricional que o MP fez;
(II) – pretende-se a obtenção de informação (após ofício ao BP) sobre se existem contas bancárias em nome dos arguidos no período compreendido entre Março de 2008 e Outubro de 2011, para posterior remessa dos respectivos extratos bancários, quanto ao mesmo período, i.e., levantamento do sigilo bancário dos arguidos, quando o processo já passou pela fase de inquérito e de instrução, depois de já ter sido julgado em 1ª instância e após julgamento pelo TRLisboa que decidiu (tão somente) a perícia sobre se a alegada impossibilidade de apuramento dos salários era ou não inultrapassável (vide pp. 34 e 35 do Acórdão proferido), sem qualquer invocação (por mínima que seja) ao disposto no artigo 340º, n.º 2 do CPP;
(III) – solicita-se a realização da perícia a pessoas singulares do conhecimento funcional da Senhora Procuradora o qual se desconhece e não foi densificado (por muito que ele possa, eventualmente, existir), bem se sabendo que a perícia é realizada em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não for possível ou conveniente, por perito nomeado de entre pessoas constantes de listas de peritos existentes em cada comarca, e só na sua falta ou impossibilidade de resposta em tempo útil, por pessoa de honorabilidade e de reconhecida competência na matéria em causa. Cfr. artigo 153º, n.º 1 do CPP.
10. Pelo exposto, o MP pretende a urgência dos presentes autos sem explicar – minimamente – qual a razão do eventual risco de prescrição, promove o levantamento do sigilo bancário sem explicar – minimamente – qual o motivo desse pedido, desde logo para os fins específicos da perícia determinada pelo TRLisboa (em decisão que, de modo algum, preconizou essa possibilidade/necessidade: levantamento do sigilo bancário) e visa a realização de uma perícia por pessoa cuja honorabilidade e reconhecida competência não foi ser alegada ou suscitada, sem prejuízo de não se tratar de pessoa constante de lista de peritos existente na Comarca, não sendo igualmente elemento de serviço oficial apropriado.
11. Aquele despacho do MP com todas aquelas lacunas, motivou um outro despacho, desta feita da Mm.a Juiz a quo, no qual não se explicou o percurso lógico seguido pelo Tribunal e que conduziu à conclusão, a final, imposta, frustrando completamente aquilo a que se chama de efeito “externo” e “interno” do dever de fundamentação.
12. O despacho sob recurso, proferido pelo Tribunal a quo em 24.05.2021, sob a Ref.ª 405734303, consigna, em singelo, “como se promove” (leia-se a promoção do MP).
13. O Tribunal a quo, na decisão recorrida, não logrou habilitar os Arguidos de uma avaliação, segura e cabal, quanto ao porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respetivo conteúdo decisório, nos termos exigidos pela jurisprudência portuguesa.
14. O Tribunal a quo, assumiu, acriticamente, a argumentação que o MP desenvolveu (de modo igualmente infundado e incompleto) no despacho/promoção anteriormente formulada (em 18.05.2021) de modo tão simplificado que poderia ter escrito “aceito” e isso equivaleria à “prolixa” frase lavrada “como se promove”.
15. Não há nada naquela decisão que revele uma reflexão ou ponderação própria, autónoma e independente por parte da Mm.a Juiz a quo e isto quando essa ponderação própria, autónoma e independente é sempre exigida pelo dever de fundamentação, na sua vertente “interna”, como garantia de que o Juiz, responsavelmente, assume a efetiva autoria da sua decisão e a ela se vincula.
16. Aquela decisão violou flagrantemente a obrigação de fundamentação que sobre si sempre impendia, estando ferido de nulidade nos termos dos artigos 97º, n.ºs 4 e 5 e 119º, n.º 1, al. b) do CPP.
17. Era justamente isto que deveria ter sido reconhecido no despacho recorrido, e não foi, pelo que o mesmo deverá ser revogado.
18. O alegado risco de prescrição é inclusivamente inócuo para efeitos de urgência propriamente ditos do presente processo, seja porque, nos termos daquilo que o próprio MP defende nos autos, o risco de prescrição não existe, seja ainda (e sobretudo) porque o referido risco de prescrição não se enquadra em qualquer uma das hipóteses previstas no artigo 103º, n.º 2, CPP, como sempre seria exigido para os efeitos pretendidos.
19. Quanto ao demais, o despacho do MP que preconiza o levantamento do sigilo bancário, não identifica sequer quais os crimes em causa, dali não constando os indícios imputados aos Arguidos, nem constando a justificação para a obtenção das tais informações.
20. Nos autos não está em causa nenhum dos crimes consagrados no artigo 1º, n.º 1 da Lei n.º 05/2002 de 11 de Janeiro, pelo que a quebra do segredo não é automática.
21. Aquele despacho do MP viola as disposições legais contidas no artigo 97º n° 4 do CPP e do artigo 2º, n.º 2 da Lei n.º 05/2002 de 11 de Janeiro e do artigo 205° da CRP, o qual sendo inválido implicará a nulidade de toda a prova obtida nos autos na sequência da referida decisão. Cfr. artigo 126º, n.º 3 do CPP, n.º 8 do artigo 32º e n.º 4 do artigo 34º, ambos da CRP.
22. No processo penal, o direito de reserva de intimidade da vida privada e familiar constitucionalmente protegido só cede em nome da realização da justiça e da segurança enquanto valores do Estado de Direito Democrático e na justa medida em que tal se tenha por necessário, proporcional e adequado, conforme artigo 26º n.º 1 e artigo 18º n.º 2 ambos da CRP, o que não se verifica no caso em apreço, nem o MP o alegou sequer, matéria que nessa medida também foi omitida no despacho sob recurso, face ao respectivo “conteúdo” de “fundamentação”.
23. Sem prejuízo do exposto, o artigo 340º do CPP (totalmente repudiado, por omissão, do MP e do despacho sob recurso) consagra no seu n.º 1 um critério de necessidade: «O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.»
24. Aquela norma – al. a) do n.º 4 do artigo 340º do CPP – determina expressamente a obrigatoriedade de indeferimento dos requerimentos probatórios se: «As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, excepto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa.»
25. Está precisamente em causa um caso em que o Tribunal a quo omitiu, em absoluto e sem margem para quaisquer dúvidas, a admissão fundamentada dos novos meios de prova suscitados pelo MP.
26. Ou seja, o Tribunal a quo nem sequer enquadrou o despacho do MP em causa (conforme se impunha igualmente, na fundamentação de ambas as decisões) relativamente à análise da previsão da al. a) do n.º 4 do artigo 340º do CPP.
27. Aquela norma só permite que o Tribunal admita o requerimento probatório em causa se aquele entender pela sua indispensabilidade na descoberta da verdade e boa decisão da causa.
28. Ao invés, no despacho proferido o Tribunal a quo é totalmente omisso quanto à referida indispensabilidade, conforme já o fora o despacho antecedente do MP.
29. Efectivamente, o critério legal (do citado artigo 340º, n.º 4, al. a) do CPP) não é o da possibilidade, nem o da pertinência, mas sim o da indispensabilidade para a descoberta da verdade material.
30. O Tribunal a quo proferiu um despacho com total omissão de fundamentação e sem qualquer base legal e sem qualquer ponderação da pertinência do meio de prova suscitado pelo MP.
31. Por isso, mais uma vez, é fundamental que o despacho judicial seja fundamentado (Cfr. artigo 97º, n.º 5 do CPP), de modo a assegurar esta tutela judicial mínima.
32. O critério de conveniência remete para o artigo 340º quanto à produção da prova.
33. O preceito regula a admissão da prova na audiência de julgamento e trata-se de direito constitucional concretizado, uma vez que o direito à produção de prova é uma das componentes do direito de acesso ao tribunal (Cfr. artigo 20º, n.º 1 da CRP) e das garantias de defesa (Cfr. artigo 32º, n.º 1 da CRP).
34. Pode ser requerida a produção de meios de prova durante a audiência de julgamento no tribunal de primeira instância. Cfr. 340º do CPP.
35. Mas esta faculdade é excepcional, estabelecendo-se para o efeito prazos de requerimento de produção de prova. (Cfr. artigo 79º, n.º 1, 165º, n.º 1 e 315º, n.º 1, todos do CPP).
36. Os meios de prova requeridos na audiência de julgamento têm de ser meios de prova “supervenientes” (Cfr. artigos 328º, n.º 3, al. b) e 360º, n.º 4, ambos do CPP) ou cuja junção no momento próprio não foi possível. Cfr. artigo 165º, n.º 1 do CPP.
37. O Tribunal a quo proferiu um despacho ilegal, violador do artigo 340º, n.º 4, al. a) do CPP, ao admitir o levantamento de sigilo bancário sem fundamentar a sua decisão de admissão daquela prova suplementar no critério legal obrigatório da indispensabilidade para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
Termos em que, o presente recurso deverá ser julgado totalmente procedente, julgando-se o despacho proferido inválido, por falta de fundamentação e em consequência não se reconhecendo cariz de urgência aos presentes autos, indeferindo-se o levantamento do sigilo bancário preconizado e indeferindo-se a realização da perícia por quem o MP entende (a título particular) dever levá-la a cabo.
Requer-se a instrução do presente recurso com cópia do despacho do MP de 18.05.2021 e do despacho do Tribunal a quo de 24.05.2021. E.D.
O Advogado,
4- O recurso dos arguidos, JM_____  e, Mirandela - Artes Gráficas, S.A., foi admitido por despacho de 16.06.2021 e o recurso da arguida, EM____  Marques, foi admitido por despacho de 25.06.2021.
5- O Ministério Público na primeira instância, respondeu às motivações apresentadas, sustentando que seja negado provimento aos dois recursos e concluindo as suas contra-alegações nos termos que a seguir se transcrevem.
- Quanto ao recurso dos arguidos, JM_____  e Mirandela - Artes Gráficas, S.A.,:
IV — Conclusões
1. Na sequência do reenvio parcial para novo julgamento ordenado pelo acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 2266-2283, o Tribunal a quo determinou a realização de uma perícia contabilística e financeira, por despacho de 17 de Abril de 2019.
2. Por requerimento com a referência n.° 29061055, de 27/04/2021, do Exmo. Senhor Perito nomeado para a realização da referida perícia contabilística e financeira, veio o mesmo, entre outros, solicitar esclarecimentos e informar sobre a pertinência da junção de alguns elementos por forma a poder responder aos quesitos formulados.
3. Após foi aberta vista ao Ministério Público que promoveu a realização de diligências, o que mereceu despacho de concordância da Mma. Juiz a quo (com a referência n.° 405734303, de 24/05/2021).
4. Ora, é desse despacho («como se promove») que foi apresentado recurso.
5. Entendem os Recorrentes que o despacho proferido pelo Tribunal a quo «violou flagrantemente a obrigação de fundamentação que sobre si sempre impendia, estando ferido de nulidade nos termos dos artigos 97°, n. °s 4 e 5 e 119°, n.° 1 ,aL b) do Código de Processo Penal», pois que «assumiu, acriticamente, a argumentação que o MP desenvolveu.»
6. Na senda do Ac. do TC n.° 189/1999, de 23 de Março de 1999 (publicado no DR, II série, de 17 de Fevereiro de 2000), o TC não julgou inconstitucional «a norma do art. 97.°, n.° 4 do Código de Processo Penal, interpretada em termos de permitir o uso da promoção do Ministério Público, ainda que de forma indirecta como suporte de uma decisão judicial, através da permissão da remissão para a mesma.»
7. Assim, sendo admissível decidir por remissão para o despacho do Ministério Público, e estando o mesmo devidamente fundamentado, nos termos do art. 97.°, n.° 3 e n.° 5 do Código de Processo Penal — como é o caso dos presentes autos — não vislumbramos qualquer invalidade ou irregularidade do despacho proferido pela Mma. Juiz a quo, nos termos invocados.
8. Mesmo que assim não se entenda, jamais estaríamos, in casu, perante um despacho nulo, mas apenas, no limite, perante um despacho irregular, aplicando-se o regime do art. 123.°, n.° 1 do Código de Processo Penal.
9. No caso, foi expedida carta registada em 26/05/2021, dirigida ao I. Mandatário dos arguidos — cfr. ofício com a referência n.° 405920510 — considerando-se tal notificação efectuada no dia 29/05/2021, ou seja, no terceiro dia posterior ao do seu envio, nos termos do art. 113.°, n.° 2 do Código de Processo Penal.
10. Assim, a partir do dia 29/05/2021, teriam os arguidos três dias, para invocar tal irregularidade, o que não sucedeu, tendo em conta que, após a notificação de tal despacho, vieram os arguidos apresentar recurso desse despacho em 14/06/2021, estando nessa data, sanada a irregularidade.
11. Defendem os Recorrentes que o Ministério Público não explicou como fez o cálculo para chegar à conclusão do perigo de prescrição do procedimento criminal e, ainda, que «o alegado risco de prescrição é inclusivamente inócuo para efeitos de urgência propriamente ditos do presente processo, seja porque, nos termos daquilo que o próprio MP defende nos autos, o risco de prescrição não existe, seja ainda (e sobretudo) porque o referido risco de prescrição não se enquadra em qualquer uma das hipóteses previstas no artigo 103°, n.° 2, Código de Processo Penal.»
12. Ta1 não corresponde à realidade, porquanto o Ministério Público, forneceu todos os marcos temporais relevantes para aferir da data da prescrição do procedimento criminal, a saber: a data dos factos — Março de 2008 a Outubro de 2011 — cfr. despacho de acusação e de pronúncia — e, os períodos de interrupção e de suspensão da prescrição do procedimento criminal aplicáveis no caso, nos termos dos arts. 118.°, n.° 1, al. c), 119.°, n.° 2, al. b), 120.°, n.° 1, al. b) e 121.°, n.° 1, als. a), b) e d), n°s 2 e n.° 3, todos do Código Penal.
13. Previsivelmente prescrevendo o procedimento criminal, em Maio de 2022 e, sendo um processo em que se aguarda a realização de uma perícia contabilístico-financeira, que se prevê demorada, conforme indicação do próprio Perito — através requerimento apresentado em 27/04/2021, com a referência n.° 29061055 — torna-se evidente que, não sendo proferida sentença até essa data que o procedimento criminal prescreveria, pelo que se impõe que seja atribuído carácter urgente aos  autos, nos termos do artigo 103.°, n.° 2, alínea c), do Código de Processo Penal — sendo este o dispositivo legal aplicável, seguindo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17/12/2020, processo número 299/11.7TABNV-A.E1, disponível em www.dgsi.pt.
14. Entendem os Recorrentes que «o despacho do MP que preconiza o levantamento do sigilo bancário, não identifica sequer quais os crimes em causa, dali não constando os indícios imputados aos Arguidos, nem constando a justificação para a obtenção de tais informações. Nos autos não está em causa nenhum dos crimes consagrados no artigo 1°, n.° 1 da Lei n.° 05/2002 de 11 de Janeiro, pelo que a quebra
do segredo não é automática», ao que acresce que o Ministério Público não o requereu ao abrigo do art. 340.°, n.° 1 do Código de Processo Penal e que o «Tribunal a quo proferiu um despacho ilegal, violador do artigo 340°, n.° 4, al. a)
do CPP, ao admitir o levantamento de sigilo bancário sem fundamentar a sua decisão de admissão daquela prova suplementar no critério legal obrigatório da
indispensabilidade para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.»
15. Quanto ao facto de não ser identificado qualquer crime, mal andaríamos se tal questão ainda não estivesse pacificada, depois do despacho de acusação, seguido do despacho de pronúncia, ao que acresce que a sentença que decidiu absolver os arguidos refere, como não podia deixar de fazer, o crime pelo qual os arguidos foram absolvidos, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
16. Pelo exposto, torna-se evidente que o crime em causa é o crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 3.°, alínea a), 6.°, n.° 1, 7.°, n.° 1, 107.°, n.°s 1 e 2, em conjugação com o artigo 105.°, n.°s 2 e 4, todos da Lei n.° 15/2001, de 05/06 (Regime Geral das Infracções Tributárias), em conjugação com o disposto nos arts. 30.°, n.° 2 e 79.° do Código Penal.
17. Quanto à invocada violação do sigilo bancário, a mesma apenas demonstra o desconhecimento dos Recorrentes em relação a esta matéria, porquanto o art. 79.°, n.° 2, al. e) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, na redacção introduzida pela Lei n.° 36/2010, de 2 de Setembro, em matéria de sigilo bancário, configura uma excepção do dever de segredo, concedendo às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal, e em que se  investigue a prática de qualquer crime, poder bastante para ordenar e recolher directamente os dados, pelo que se encontra perfeitamente legitimado tal pedido, sendo completamente despicienda a invocação à Lei n.° 5/2002, de 11 de Janeiro.
18. Ora, resultando do requerimento apresentado pelo Exmo. Senhor Perito, em 27/04/2021, com a referência n.° 29061055, a necessidade de junção aos autos de tais elementos bancários, por forma a dar cumprimento aos quesitos formulados, foram os mesmos promovidos e deferidos.
19. Afirmam, ainda, os Recorrentes que ao admitir tais diligências, o Tribunal a quo violou o art. 340.° e 341.° do Código de Processo Penal.
20. Contudo, a solicitação dos elementos bancários ao Banco de Portugal, mais não é, do que o passo necessário para permitir a realização da perícia contabilístico-financeira, para que o Tribunal finalmente possa, com esse elemento, decidir, pelo que, é completamente desprovida de sentido a menção à necessidade de fazer apelo ao art. 340.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, para admitir a realização de tal diligência —recordem-se os Recorrentes: foi o Tribunal da Relação que determinou o reenvio parcial do processo à primeira instância para realizar, entre outras, a dita perícia, pelo que, está completamente fora de discussão, neste momento, se a prova podia ou devia ter sido arrolada com a acusação.
21. Quanto à alegada violação do art. 341.° do Código de Processo Penal, cumpre referir que a ordem de produção de prova prevista no art. 341.° do CPP, pode ser alterada por decisão do Tribunal a quo oficiosamente ou a requerimento, sendo que, neste caso, o fundamento para essa alteração radica na inexistência da prova pericial, cuja realização anterior ao próprio julgamento, se impõe pela previsibilidade da sua complexidade e morosidade — sendo certo que, em qualquer caso, não está vedada a possibilidade de o Tribunal a quo, oficiosamente ou a requerimento, ordenar a produção de determinada prova — in casu, a perícia contabilístico-financeira — diversa da indicada na acusação/pronúncia.
22. Colocam os Recorrentes em causa, a indicação de Peritos, por referência ao conhecimento funcional do Ministério Público.
23. Ora, sendo o Ministério Público confrontado com as dificuldades e a morosidade indicadas pelo Perito nomeado nos autos — conforme decorre do requerimento apresentado pelo Exmo. Senhor Perito, em 27/04/2021, com a referência n.° 29061055 — e, tendo o Ministério Público conhecimento funcional de que no âmbito de outro processo —em concreto o processo n.° 445/16.4TDLSB — os Senhores Peritos prestaram um serviço meritório e célere, decidiu o Ministério Público indicar, na sua promoção, tais elementos para a eventual realização da perícia contabilístico-financeira colegial, fundamentando nos seguintes termos: «atenta a previsível morosidade da perícia determinada, com vista a possibilitar a realização mais célere da mesma, bem como obter diverso orçamento.»
24. Para além disso, os Senhores Peritos indicados encontram-se inscritos na Ordem dos Contabilistas Certificados, nada obstando à sua posterior nomeação, garantida que se encontra a sua imparcialidade.
25. Acresce que os Peritos em causa apenas foram indicados — e não nomeados pelo Tribunal — sendo que, nesta fase, o que se pretendia era essencialmente obter informação sobre a possibilidade da «realização mais célere» da perícia, bem como obter diverso orçamento, por forma a poder comparar com o orçamento entregue pelo primeiro Perito.
26. Em face do exposto, deve improceder o recurso, in totum.
Termos em que, e, em suma, deve o recurso a que ora se responde ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, manter-se a decisão proferida.
Porém, V. Ex.as
aplicarão a costumada JUSTIÇA
- Quanto ao recurso da arguida, EM____  Marques:
IV — Conclusões
1. Na sequência do reenvio parcial para novo julgamento ordenado pelo acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 2266-2283, o Tribunal a quo determinou a realização de uma perícia contabilística e financeira, por despacho de 17 de Abril de 2019.
2. Por requerimento com a referência n° 29061055, de 27/04/2021, do Exmo. Senhor Perito nomeado para a realização da referida perícia contabilística e financeira, veio o mesmo, entre outros, solicitar esclarecimentos e informar sobre a pertinência da junção de alguns elementos por forma a poder responder aos quesitos formulados.
3. Após foi aberta vista ao Ministério Público que promoveu a realização de diligências, o que mereceu despacho de concordãncia da Mma. Juiz a quo (com a referência n° 405734303, de 24/05/2021).
4. Ora, é desse despacho («como se promove») que foi apresentado recurso.
5. Entende a Recorrente que o despacho proferido pelo Tribunal a quo «violou flagrantemente a obrigação de fundamentação que sobre si sempre impendia, estando ferido de nulidade nos termos dos artigos 97°, n.°s 4 e 5 e 119°, n.° 1, aL b) do Código de Processo Penal», pois que «assumiu, acriticamente, a argumentação que o MP desenvolveu.»
6. Na senda do Ac. do TC n.° 189/1999, de 23 de Março de 1999 (publicado no DR, II série, de 17 de Fevereiro de 2000), o TC não julgou inconstitucional «a norma do artº 97°, n° 4 do Código de Processo Penal, interpretada em termos de permitir o uso da promoção do Ministério Público, ainda que de forma indirecta como suporte de uma decisão judicial, através da permissão da remissão para a mesma.»
7. Assim, sendo admissível decidir por remissão para o despacho do Ministério Público, e estando o mesmo devidamente fundamentado, nos termos do artº 97°, n° 3 e n° 5 do Código de Processo Penal — como é o caso dos presentes autos — não vislumbramos qualquer invalidade ou irregularidade do despacho proferido pela Mma. Juiz a quo, nos termos invocados.
8. Mesmo que assim não se entenda, jamais estaríamos, in casu, perante um despacho nulo, mas apenas, no limite, perante um despacho irregular, aplicando-se o regime do artº 123°, n° 1 do Código de Processo Penal.
9. No caso, foi expedida carta registada em 27/05/2021, dirigida ao I. Mandatário da arguida — cfr. ofício com a referência n° 405928043 —considerando-se tal notificação efectuada no dia 01/06/2021, ou seja, no terceiro dia posterior ao do seu envio, nos termos do artº 113°, n° 2 do Código de Processo Penal.
10. Assim, a partir do dia 01/06/2021, teria a arguida três dias, para invocar tal irregularidade, o que não sucedeu, tendo em conta que, após a notificação de tal despacho, vieram os arguidos apresentar recurso desse despacho em 22/06/2021, estando nessa data, sanada a irregularidade.
11. Defende a Recorrente que o Ministério Público não explicou como fez o cálculo para chegar à conclusão do perigo de prescrição do procedimento criminal e, ainda, que «o alegado risco de prescrição é inclusivamente inócuo para efeitos de urgência propriamente ditos do presente processo, seja porque, nos termos daquilo que o próprio MP defende nos autos, o risco de prescrição não existe, seja ainda (e sobretudo) porque o referido risco de prescrição não se enquadra em qualquer uma das hipóteses previstas no artigo 103°, n° 2, Código de Processo Penal.»
12. Ta1 não corresponde à realidade, porquanto o Ministério Público, forneceu todos os marcos temporais relevantes para aferir da data da prescrição do procedimento criminal, a saber: a data dos factos — Março de 2008 a Outubro de 2011 — cfr. despacho de acusação e de pronúncia — e, os períodos de interrupção e de suspensão da prescrição do procedimento criminal aplicáveis no caso, nos termos dos arts. 118°, n° 1, al. c), 119°, n° 2, al. b), 120°, n° 1, al. b) e 121°, nº 1, als. a), b) e d), n°s 2 e n° 3, todos do Código Penal.
13. Previsivelmente prescrevendo o procedimento criminal, em Maio de 2022 e, sendo um processo em que se aguarda a realização de uma perícia contabilístico-financeira, que se prevê demorada, conforme indicação do próprio Perito — através requerimento apresentado em 27/04/2021, com a referência n° 29061055 — torna-se evidente que, não sendo proferida sentença até essa data que o procedimento criminal prescreveria, pelo que se impõe que seja atribuído carácter urgente aos  autos, nos termos do artigo 103°, n° 2, alínea c), do Código de Processo Penal — sendo este o dispositivo legal aplicável, seguindo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17/12/2020, processo número 299/11.7TABNV-A.E1, disponível em www.dgsi.pt.
14. Entende a Recorrente que «o despacho do MP que preconiza o levantamento do sigilo bancário, não identifica sequer quais os crimes em causa, dali não constando os indícios imputados aos Arguidos, nem constando a justificação para a obtenção de tais informações. Nos autos não está em causa nenhum dos crimes consagrados no artigo 1°, n° 1 da Lei n.° 05/2002 de 11 de Janeiro, pelo que a quebra do segredo não é automática», ao que acresce que o Ministério Público não o requereu ao abrigo do artº 340°, n° 1 do Código de Processo Penal e que o «Tribunal a quo proferiu um despacho ilegal, violador do artigo 340°, n° 4, al. a) do CPP, ao admitir o levantamento de sigilo bancário sem fundamentar a sua decisão de admissão daquela prova suplementar no critério legal obrigatório da indispensabilidade para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.»
15. Quanto ao facto de não ser identificado qualquer crime, mal andaríamos se tal questão ainda não estivesse pacificada, depois do despacho de acusação, seguido do despacho de pronúncia, ao que acresce que a sentença que decidiu absolver os arguidos refere, como não podia deixar de fazer, o crime pelo qual os arguidos foram absolvidos, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
16. Pelo exposto, torna-se evidente que o crime em causa é o crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 3°, alínea a), 6°, n° 1, 7°, n° 1, 107°, n°s 1 e 2, em conjugação com o artigo 105°, n.°s 2 e 4, todos da Lei n° 15/2001, de 05/06 (Regime Geral das Infracções Tributárias), em conjugação com o disposto nos arts. 30°, n° 2 e 79° do Código Penal.
17. Quanto à invocada violação do sigilo bancário, a mesma apenas demonstra o desconhecimento da Recorrente em relação a esta matéria, porquanto o artº 79°, n° 2, al. e) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, na redacção introduzida pela Lei n° 36/2010, de 2 de Setembro, em matéria de sigilo bancário, configura uma excepção do dever de segredo, concedendo às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal, e em que se investigue a  prática de qualquer crime, poder bastante para ordenar e recolher directamente os dados, pelo que se encontra perfeitamente legitimado tal pedido, sendo completamente despicienda a invocação à Lei n° 5/2002, de 11 de Janeiro.
18. Ora, resultando do requerimento apresentado pelo Exmo. Senhor Perito, em 27/04/2021, com a referência n° 29061055, a necessidade de junção aos autos de tais elementos bancários, por forma a dar cumprimento aos quesitos formulados, foram os mesmos promovidos e deferidos.
19. Afirma, ainda, a Recorrente que ao admitir tais diligências, o Tribunal a quo violou o artº 340° e 341° do Código de Processo Penal.
20. Contudo, a solicitação dos elementos bancários ao Banco de Portugal, mais não é, do que o passo necessário para permitir a realização da perícia contabilístico-financeira, para que o Tribunal finalmente possa, com esse elemento, decidir, pelo que, é completamente desprovida de sentido a menção à necessidade de fazer apelo ao artº 340°, n° 1 do Código de Processo Penal, para admitir a realização de tal diligência —recorde-se a Recorrente: foi o Tribunal da Relação que determinou o reenvio parcial do processo à primeira instância para realizar, entre outras, a dita perícia, pelo que, está completamente fora de discussão, neste momento, se a prova podia ou devia ter sido arrolada com a acusação.
21. Quanto à alegada violação do artº 341° do Código de Processo Penal, cumpre referir que a ordem de produção de prova prevista no artº 341° do CPP, pode ser alterada por decisão do Tribunal a quo oficiosamente ou a requerimento, sendo que, neste caso, o fundamento para essa alteração radica na inexistência da prova pericial, cuja realização anterior ao próprio julgamento, se impõe pela previsibilidade da sua complexidade e morosidade — sendo certo que, em qualquer caso, não está vedada a possibilidade de o Tribunal a quo, oficiosamente ou a requerimento, ordenar a produção de determinada prova — in casu, a perícia contabilístico-financeira — diversa da indicada na acusação/pronúncia.
22. Coloca a Recorrente em causa, a indicação de Peritos, por referência ao conhecimento funcional do Ministério Público.
23. Ora, sendo o Ministério Público confrontado com as dificuldades e a morosidade indicadas pelo Perito nomeado nos autos — conforme decorre do requerimento apresentado pelo Exmo. Senhor Perito, em 27/04/2021, com a referência n.° 29061055 — e, tendo o Ministério Público conhecimento funcional de que no ãmbito de outro processo — em concreto o processo n° 445/16.4TDLSB — os Senhores Peritos prestaram um serviço meritório e célere, decidiu o Ministério Público indicar, na sua promoção, tais elementos para a eventual realização da perícia contabilístico-financeira colegial, fundamentando nos seguintes termos: «atenta a previsível morosidade da perícia determinada, com vista a possibilitar a realização mais célere da mesma, bem como obter diverso orçamento.»
24. Para além disso, os Senhores Peritos indicados encontram-se inscritos na Ordem dos Contabilistas Certificados, nada obstando à sua posterior nomeação, garantida que se encontra a sua imparcialidade.
25. Acresce que os Peritos em causa apenas foram indicados — e não nomeados pelo Tribunal — sendo que, nesta fase, o que se pretendia era essencialmente obter informação sobre a possibilidade da «realização mais célere» da perícia, bem como obter diverso orçamento, por forma a poder comparar com o orçamento entregue pelo primeiro Perito.
26. Em face do exposto, deve improceder o recurso, in totum.
Termos em que, e, em suma, deve o recurso a que ora se responde ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, manter-se a decisão proferida.
Porém, V. Ex.as
aplicarão a costumada JUSTIÇA
6- Nesta Relação de Lisboa, o Digno Procurador Geral Adjunto de turno, quando o processo lhe foi com vista, nos termos e para os efeitos do artº 416º do C.P.P, veio em 17.08.2021 acompanhar os fundamentos das respostas do M.P na 1ª Instância, com os quais expressamente concordou e emitiu parecer no sentido da improcedência global dos dois recursos, apresentados em separado nestes autos.
7- Foi oportunamente cumprido o artº 417º/2 do C.P.P. não tendo os arguidos apresentado respostas.
8- Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
***
II- Fundamentação
1.Delimitação do objecto do recurso ou questões a decidir

É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (artº 410º nº 2 e 3 do C.P.Penal).
As questões suscitadas pelos três arguidos recorrentes, segundo as conclusões das suas respectivas motivações são as seguintes:
A) Nulidade do despacho judicial proferido em 24.5.2021 por falta de fundamentação, nos termos do artº 97º/4 e 5 e artº 119º/1 b) do C.P.P.
B) A atribuição de natureza urgente ao processo: o alegado risco de prescrição é inócuo para efeitos da urgência a atribuir aos presentes autos, seja porque o risco de prescrição não existe no caso em apreço, seja porque esse mesmo risco não se enquadra sequer em qualquer das hipóteses previstas no artº 103º/2 do C.P.P. ?  
C) O despacho judicial de 24.5.2021 viola o segredo bancário, o preceituado no 340º e 341º do C.P.P e também o artº 152º do C.P.P ? E é ainda ilegal por consentir a indicação de peritos, por referência ao conhecimento funcional do M.P, para realização da perícia contabilística-financeira, em vez de se optar por peritos que constam da lista oficial de peritos acessível pelo Tribunal ?
2. A Decisão recorrida
O despacho judicial recorrido de 24.5.2021 “Em tudo como se promove”, acolheu na íntegra a promoção do Ministério Público de 18.05.2021, a qual se transcreve de seguida:
I – Antes de mais, e considerando a data dos factos – Março de 2008 a Outubro de 2011 – cfr. despacho de acusação e de pronúncia, respectivamente de folhas 1178 e seguintes (3.º volume) e folhas 1288 e seguintes (4.º volume), promovo que se atribua natureza urgente ao processo, ao abrigo do disposto no artigo 103.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, atenta a proximidade do decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal, sem prejuízo dos períodos de interrupção e suspensão do procedimento criminal, nos termos dos arts. 118º, nº 1, al. c), 119.º, nº 2, al. b), 120.º, n.º 1, al. b) e 121.º, n.º 1, als. a), b) e d), nºs 2 e n.º 3, todos do Código Penal.
*
II – Na sequência do requerimento de folhas 3103 e seguintes, promovo que se oficie o Banco de Portugal, solicitando que, no prazo máximo de 10 dias a contar da notificação, informe sobre a existência de contas bancárias em nome da sociedade arguida, bem como dos arguidos referentes ao período compreendido entre Março de 2008 a Outubro de 2011 e, na afirmativa em que instituições, com vista a posteriormente solicitar o envio integral dos respectivos extractos bancários, relativamente ao mesmo período (solicitando que no ofício a remeter ao Banco de Portugal, se indique o NIF dos arguidos e se remeta o respectivo despacho judicial), ao abrigo do disposto nos artigos 79.º, 80.º e 81.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
*
III – Atenta a previsível morosidade da perícia determinada, com vista a possibilitar a realização mais célere da mesma, bem como obter diverso orçamento, e sendo do meu conhecimento funcional que os Exmos. Senhores Peritos Paulo ..., membro n.º ..., com domicílio profissional na Rua ..., n.º 35, 1.º dto, em Lisboa, João ..., membro n.º ..., com domicílio profissional em Urbanziação do ..., Av. ..., Lote 7, Chão de Meninos, em Sintra e Rogério ..., membro n.º 23825, com domicílio profissional na Rua ..., n.º 19, Algueirão, Mem Martins, todos inscritos na Ordem dos Contabilistas Certificados, apresentaram serviço profícuo noutros processos desta Comarca, promovo que se apure das condições em que se poderá realizar uma perícia colegial junto dos mesmos, solicitando resposta no prazo de 10 dias.
*
IV – Nestes autos, existem os seguintes elementos documentais:
- o mapa de cotizações de fls. 7-9;
- os extractos de remunerações de fls. 180 a 207, 466 a 1135;
- as declarações de rendimentos e recibos de vencimento de fls. 249 a 262, 266
a 308, 313 a 344;
- cópia da sentença de insolvência de fls. 363-373;
- certidão da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos no âmbito do
processo de insolvência constante de fls. 1646-1697;
- os elementos documentais de fls. 1867-1870 (abaixo assinado), 1846 a 1866
(cópia de comunicações de suspensão de contrato de trabalho), 1876-1878 verso e
1881-1883 (cópia de notificações de autos de notícia elaborados pela Autoridade
para as Condições do Trabalho), a informação do ISS de fls. 2009-2040, a certidão
judicial de fls. 2069-2101;
- as cópias das reclamações de créditos apresentadas por trabalhadores no
âmbito do processo de insolvência (que constituem os sete volumes do apenso);
- um ficheiro em formato EXEL, no qual se encontram registados os salários
pagos e os montantes por pagar a fls.1913 a 1915;
- extractos das carreiras contributivas dos trabalhadores identificados a folhas
2185 verso a 2208 verso, enviados pela Segurança Social:
*
V – Em face do exposto, sem prejuízo do promovido em II e, conforme anterior
promoção, por se entender que com os vastos elementos nos autos é possível começar desde já a realizar-se a requerida perícia, passarei a reformular os quesitos:
1) É possível – com base na documentação junta aos autos – apurar os valores efectivamente pagos a título de salário, pela sociedade arguida ou arguidos, a todos os trabalhadores, no período compreendido entre Março de 2008 a Outubro de 2011?
2) É possível – com base na documentação junta aos autos – apurar os valores efectivamente pagos a título de salário, pela sociedade arguida ou arguidos, a cada um dos trabalhadores, no período compreendido entre Março de 2008 a Outubro de 2011?
3) Na negativa, qual o motivo da impossibilidade? Essa impossibilidade é total ou parcial?
4) Na afirmativa, que valores foram pagos efectivamente a cada um dos trabalhadores, pela sociedade arguida ou arguidos, no período compreendido entre Março de 2008 a Outubro de 2011, em que datas e qual o modo de pagamento?
5) Qual o montante das contribuições obrigatórias para a segurança social, retidas pela sociedade arguida/arguidos, a todos os seus trabalhadores, no período compreendido entre Março de 2008 a Outubro de 2011, tendo por referência os valores efectivamente recebidos, tendo em conta o montante apurado no quesito 4?
6) Qual o montante das contribuições obrigatórias para a segurança social, retidas pela sociedade arguida/arguidos, a todos os seus trabalhadores, no período compreendido entre Março de 2008 a Outubro de 2011, tendo por referência os valores recebidos e declarados no IRS apresentado por cada trabalhador em cada ano fiscal?
7) Qual o montante das contribuições obrigatórias para a segurança social, retidas pela sociedade arguida/arguidos, a todos os seus trabalhadores, no período compreendido entre Março de 2008 a Outubro de 2011, tendo por referência os mapas obrigatórios apresentados na Segurança Social?
*
VI – Promovo que seja dado conhecimento dos quesitos ora reformulados e
dos elementos de prova ao Exmo. Senhor Perito Jorge de Carvalho, para, querendo,
em 10 dias, reformular a proposta de honorários.
3. Analisando
A) Da alegada falta de fundamentação do despacho judicial de 24.5.2021
Entendem os arguidos recorrentes que o despacho proferido pelo Tribunal a quo em 24.5.2021 «violou flagrantemente a obrigação de fundamentação que sobre si sempre impendia, estando ferido de nulidade nos termos dos artigos 97°, n°s 4 e 5 e 119°, n° 1, al b) do Código de Processo Penal», pois que «assumiu, acriticamente, a argumentação que o MP desenvolveu» e vieram por isso defender a sua revogação.
Sustentam como se disse, que a decisão judicial de 24.5.2021, padece do vício de falta de fundamentação, fazendo assentar a sua pretensão na argumentação que se pode ler nas conclusões 13 a 17 (do recurso dos arguidos JM_____  e a firma Mirandela S.A) e nas conclusões 12 a 16 (recurso de EM____ ) e que seguir aqui se deixa transcrita de novo, para melhor compreensão e análise da questão:
“O Tribunal a quo, na decisão recorrida, não logrou habilitar os Arguidos de uma avaliação, segura e cabal, quanto ao porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respetivo conteúdo decisório, nos termos exigidos pela jurisprudência portuguesa.
O Tribunal a quo, assumiu, acriticamente, a argumentação que o MP desenvolveu (de modo igualmente infundado e incompleto) no despacho/promoção anteriormente formulada (em 18.05.2021) de modo tão simplificado que poderia ter escrito “aceito” e isso equivaleria à “prolixa” frase lavrada “como se promove”.
Não há nada naquela decisão que revele uma reflexão ou ponderação própria, autónoma e independente por parte da Mm.a Juiz a quo e isto quando essa ponderação própria, autónoma e independente é sempre exigida pelo dever de fundamentação, na sua vertente “interna”, como garantia de que o Juiz, responsavelmente, assume a efetiva autoria da sua decisão e a ela se vincula.
Aquela decisão violou flagrantemente a obrigação de fundamentação que sobre si sempre impendia, estando ferido de nulidade nos termos dos artigos 97º, n.ºs 4 e 5 e 119º, nº 1, al. b) do CPP.
Era justamente isto que deveria ter sido reconhecido no despacho recorrido, e não foi, pelo que o mesmo deverá ser revogado”.
Como se pode ver, resulta claro do entendimento supra expresso pelos arguidos, defenderem os mesmos que a Srª Juíza titular do processo, violou o preceituado no artº 97º/5 do C.P.P e no artº 205º da CRP, porquanto não explicou as razões da sua concordância com a posição do M.P, limitando-se a dar por reproduzida a proposta deste, tudo cfr melhor resulta das suas conclusões acima transcritas.
Contudo e como melhor se perceberá da análise que se segue, não se vislumbra que a decisão recorrida de 24.5.2021, padeça da nulidade por falta de fundamentação, não existindo qualquer violação do preceituado no artº 97º/4 e 5 e artº 119º/1 b) do C.P.P, nos termos invocados pelos arguidos.
Desde logo, importa ter presente que a natureza urgente de um processo resulta directamente da própria lei, não sendo por isso exigível que seja proferido um despacho judicial a atribuir ou declarar essa mesma natureza, sem prejuízo naturalmente de o mesmo poder sempre ser proferido.
Mas sendo assim, no caso de se optar por proferir tal despacho, o mesmo não poderá ter natureza constitutiva, destinando-se apenas a tornar claras as regras do decurso dos prazos que constam do próprio Código Penal e do Código de Processo Penal - e nessa medida, a exigência de fundamentação desse despacho, nunca será igual à de outra decisão judicial com natureza constitutiva (isto é, que afecte ex novo e directamente a atribuição ou cessação de direitos aos cidadãos).
Igualmente não corresponde à verdade, como vieram alegar os arguidos, que da promoção do M.P (acolhida pelo despacho judicial recorrido) não consta qualquer justificação para a obtenção de informações bancárias, relativas a contas dos arguidos, com o necessário e consequente levantamento do sigilo bancário.
Com efeito, esta diligência promovida pelo M.P e agora aqui impugnada pelos arguidos, surge, tal como expressamente ficou a constar da referida promoção, na sequência do requerimento (fls 3103) apresentado em 27.4.2021 pelo Sr. Perito, já nomeado pelo Tribunal a quo - assim se vê nos autos, que é o próprio Perito que vem referir necessitar de tais elementos bancários para poder dar resposta aos quesitos formulados pelo Tribunal. 
Por outro lado, resulta que o preceituado no artº 379º/1 a) e c) do C.P.P, se destina a regular vícios da sentença ou acórdão e não de simples despachos judiciais, como é o caso do despacho judicial ora impugnado datado de 24.5.2021.
Nessa medida, o objecto deste recurso incide pois e apenas, sobre um mero despacho judicial, em relação ao qual, como se sabe, não se colocam as mesmas exigências de forma e de conteúdo que são inerentes a uma sentença.
Por tudo o acima exposto, entendemos que o referido despacho de 24.5.202, se encontra suficientemente fundamentado, nos termos exigidos pelo artº 97º/5 do C.P.P - embora por remissão para a posição do M.P constante da promoção de 18.5.2021.
A divergência ora manifestada pelos arguidos, situa-se antes ao nível da discordância dessa decisão - mas tal discordância não significa que se possa imputar ao despacho judicial de 24.5.2021, o vício da falta de fundamentação como vieram os arguidos fazer nas suas alegações de recurso.
Na realidade resulta da simples consulta dos autos e da leitura do despacho de 24.5.2021 aqui impugnado, que o Tribunal da 1ª instância não deixou de se pronunciar de forma fundada sobre todas as questões relevantes que lhe foram suscitadas pelo M.P – contudo, não o fez expressamente por palavras suas, mas sim e apenas, apelando à fundamentação constante da promoção do M.P de 18.5.2021, para a qual remete e dá acolhimento, fazendo-a sua.
Com efeito, tal como foi salientado pelo M.P na sua resposta ao recurso:
Na senda do Ac. do TC n.º 189/1999, de 23 de Março de 1999 (publicado no DR, II série, de 17 de Fevereiro de 2000), o TC não julgou inconstitucional «a norma do artº 97º, nº 4 do Código de Processo Penal, interpretada em termos de permitir o uso da promoção do Ministério Público, ainda que de forma indirecta como suporte de uma decisão judicial, através da permissão da remissão para a mesma.»
Assim, sendo admissível decidir por remissão para o despacho do Ministério Público, e estando o mesmo devidamente fundamentado, nos termos do artº 97º, nº 3 e nº 5 do Código de Processo Penal – como é o caso dos presentes autos – não vislumbramos qualquer invalidade ou irregularidade do despacho proferido pela Mma. Juiz a quo, nos termos invocados.”
Desta forma, acompanhando a posição do M.P na sua resposta ao recurso, também nós entendemos que o despacho recorrido não padece de qualquer vício, nomeadamente da nulidade invocada pelos arguidos, uma vez que o mesmo se encontra fundamentado, por remissão para a promoção anterior do M.P, nos parâmetros legais.
Isto é, a Srª Juíza titular do processo tomou posição sobre as questões essenciais objecto da promoção do M.P (atribuição de natureza urgente ao processo, levantamento do sigilo bancário oficiando ao Banco de Portugal para obtenção de informação bancária necessária, nos termos promovidos pelo M.P e diligências prévias com vista à realização da perícia, tratando-se esta de uma diligência de prova exigida pelo Tribunal da Relação de Lisboa) e nessa medida mostram-se cumpridos o preceituado no artº 97º/5 do C.P.P e artº 205º/1 da C.R.P.
O que sucede é que a Srª JIC fundamentou a sua opção, remetendo simplesmente para a argumentação constante da promoção do M.P de 18.5.2021 (sendo certo ainda que o artº 374º/2 e artº 375º do C.P.P não são disposições aqui aplicáveis, porquanto a decisão controvertida impugnada não se trata de nenhuma sentença).
Dispõe o artº 97º/5 do C.P.P, em conformidade com o estipulado no artº 205º da C.R.P, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
Importa assim sublinhar -não obstante se reconhecer ser o despacho recorrido, um despacho algo sintético e também não ser essa a forma ideal de apreciar e decidir as promoções do M.P segundo as boas práticas processuais-, que a Srª Juíza titular do processo, sem qualquer dúvida ou hesitação, de forma clara e expressa, veio no despacho de 24.5.2021 aderir na íntegra à posição do M.P expressa nos autos em 18.5.2021.
Posição essa que claramente faz sua, remetendo a sua fundamentação para os argumentos apresentados pelo M.P na sua promoção, os quais faz seus, concluindo por isso serem inteiramente procedentes as pretensões enunciadas pelo M.P e deferindo as mesmas.
Dessa forma, se pode concluir que a Srª Juíza titular do processo, fundamentou de forma linear e sintética, por remissão para a promoção do M.P de 18.5.2021, as razões pelas quais entendia dever merecer acolhimento tudo o peticionado por aquele.
Sintetizando, entendemos que o despacho recorrido de 24.5.2021, não violou o preceituado no artº 97º/5 do C.P.P nem o artº 205º da CRP, porquanto se encontram aí explicadas (por simples remissão para o despacho do M.P ao qual adere na íntegra) as razões que fundamentam a tomada de posição do Tribunal  a quo sobre o peticionado pelo M.P.
Por outras palavras, a Srª Juíza titular do processo, limitou-se a fundamentar a sua decisão de considerar ter o processo natureza urgente (com base no risco da prescrição do procedimento criminal) e de oficiar ao Banco de Portugal (para obtenção da informação bancária necessárias referente às contas da sociedade arguida com levantamento do sigilo bancário) nos termos solicitados pelo M.P.
Desta forma resulta claro que aderiu na íntegra às razões de facto e de direito, que já haviam sido apresentadas pelo M.P na sua promoção de 18.5.2021 e que dá por reproduzidas no seu despacho de 24.5.2021, abstendo-se de as reproduzir aí, para evitar ser redundante e não deixando assim qualquer dúvida quanto ao sentido da sua decisão.
Tal como aliás ficou expresso na resposta do M.P formulada na 1ª instância, nada obsta a que a fundamentação de um despacho seja feita por remissão para a promoção do Ministério Público, desde que sejam claros os fundamentos para os quais se remete e a decisão surja como decisão pessoal do juiz (sendo exactamente isso que se verifica no caso em apreço).
Neste sentido, vde o Ac. do TR Porto de 11.04.2018, proferido no âmbito do Processo n° 3433/12.6TAVNG.P1 de que foi relator Pedro Vaz Pato,1 e Ac. do TR Lisboa de 26.11.2009, proferido no âmbito do Processo n° 17/09.0TELSB de que foi relatora Fátima Mata-Mouros.
Ou seja, apesar de ser um dever de toda a «pronúncia jurisdicional» a obrigação de fundamentação (art° 97°, n° 5, do CPP), o Tribunal Constitucional tem admitido a fundamentação das decisões judiciais proferidas no âmbito do inquérito criminal por simples remissão para a promoção do Ministério Público. Indispensável é que ao decidir, «o juiz o faça por decisão sua (...) - e não por se ter deixado 'arrastar' pelo requerimento do Ministério Público nesse sentido».
Neste sentido acórdãos do Tribunal Constitucional n°s 223/98, 188/99, 147/00 e 396/0, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
Como tal, não se nos afigura razoável levantar a questão de ausência de fundamentação da decisão judicial de 24.5.2021, pois como já dissemos supra, tal fundamentação consta da promoção do Ministério Público, para a qual remeteu o despacho judicial recorrido de 24.5.2021.
Tudo visto, entendemos que o despacho judicial de 24.5.2021 aqui em análise não viola nenhum preceito legal ou constitucional.
Contudo e sem prejuízo de tudo o acima ficou referido, também entendemos, não constituir o mesmo um exemplo de boa fundamentação das decisões judiciais, na medida em que remete para as razões/fundamentos invocados pelo M.P na sua promoção de 18.5.2021, a qual se limita a deferir, sem nada acrescentar de novo.
Mas tal não significa que esse despacho seja “nulo” por falta de fundamentação, como vieram invocar os arguidos recorrentes, pelo que podemos sem dúvida concluir, repetimos, que o mesmo não viola nenhuma disposição legal, nomeadamente aquelas mencionadas pelos arguidos como sejam os 97° n°4 e 5 e artº 119º/1 b) do C.P.P.
Porém, mesmo que assim não se entenda, resta por fim deixar bem claro, que a conclusão da inexistência de fundamentação no  despacho recorrido, seria sempre um vício que nunca acarretaria a nulidade do mesmo, por tal consequência não se encontrar prevista legalmente (princípio da tipicidade das nulidades prevista no artº 118º/1 e 2 do C.P.P).
Tal ausência de fundamentação apenas poderia constituir uma simples irregularidade que teria de ter sido invocada pelos arguidos no prazo de 3 dias a contar da data da sua notificação (artº 123º do C.P.P), o que no caso em apreço não sucedeu, pelo que a mesma sempre estaria já sanada em relação a todos os 3 arguidos.
Tudo conforme claramente consta da resposta do M.P aos dois recursos, e que aqui se deixa transcrito, pela clareza da exposição e referência jurisprudencial pertinente:
Sendo certo que, mesmo que assim não se entendesse, jamais estaríamos, in casu, perante um despacho nulo, mas apenas, no limite, perante um despacho irregular.
Neste sentido, veja-se o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, processo nº 96/2007-9, de 15 Fevereiro 2007, disponível em www.dgsi.pt, em que se refere que      «os      actos decisórios, com excepção da sentença, não fundamentados padecem, processualmente, de mera irregularidade – arts. 118, nº2 e 123º, do CPP).»
Ainda, nesse sentido, veja-se o Ac. do STJ, de 21/02/2007, processo nº 3932/06, disponível em www.dgsi.pt, que refere que «a falta de fundamentação das decisões judiciais, situação que se traduz na falta de especificação dos motivos de facto e de direito da decisão – arts. 205º, n.º 1 da CRP e 97º, nº 4 do Código de Processo Penal – constitui mera irregularidade – artº 118º, n.ºs 1 e 2 – a menos que se verifique na sentença, acto processual que, conhecendo a final do objecto do processo – artº 97º, nº 1 al. a) do Código de Processo Penal – a lei impõe obedeça a fundamentação especial, sob pena de nulidade – arts. 379º, nº 1, al. a) e 374º, nº 2 do mesmo diploma legal.»
Com efeito, entendendo-se que estaríamos perante um despacho infundado, certo é que o nosso sistema adoptou um sistema de nulidades taxativamente fixadas e previstas nos arts. 119º e 120º do Código de Processo Penal, ou em norma específica em que a falta de fundamentação venha prevista como causa de nulidade da sentença e não dos despachos – cfr. arts. 379º, nº 1, al. a) e 374º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal.
E, estando na presença de um despacho interlocutório, o vício de que o mesmo padeceria seria o da mera irregularidade, sanável pelo decurso do prazo de 3 (três) dias a partir do conhecimento, sem arguição, nos termos do disposto no artº 123º, nº 1 do Código de Processo Penal.
 No caso concreto, foi expedida carta registada em 26/05/2021, dirigida ao I. Mandatário dos arguidos - JM_____  e a firma Mirandela Artes Gráficas S.A – cfr. ofício com a referência nº 405920510 – considerando-se tal notificação efectuada no dia 29/05/2021, ou seja, no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, nos termos do artº 113º, nº 2 do Código de Processo Penal.
Dispõe o artº 123º, nº 1 do Código de Processo Penal que «Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.»
Assim, no caso dos autos, a partir do dia 29/05/2021, teriam os arguidos três dias, para invocar tal irregularidade, o que não sucedeu, tendo em conta que, após a notificação de tal despacho, vieram os arguidos apresentar recurso desse despacho em 14/06/2021, estando nessa data, sanada a irregularidade.
Deve, assim, nesta parte, improceder o recurso.”
Em relação à arguida EM____  veio o M.P sustentar igualmente a existência de uma irregularidade já sanada:
No caso concreto, foi expedida carta registada em 27/05/2021, dirigida ao I. Mandatário da arguida EM____  – cfr. ofício com a referência nº 405928043 – considerando-se tal notificação efectuada no dia 01/06/2021, ou seja, no terceiro dia posterior ao do seu envio, útil, nos termos do artº 113º, nº 2 do Código de Processo Penal.
Dispõe o artº 123º, n.º 1 do Código de Processo Penal que «Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.»
Assim, no caso dos autos, a partir do dia 01/06/2021, teria a arguida três dias, para invocar tal irregularidade, o que não sucedeu, tendo em conta que, após a notificação de tal despacho, veio apresentar recurso desse despacho em 22/06/2021, estando nessa data, sanada a irregularidade.
Deve, assim, nesta parte, improceder o recurso.”
Aderimos na íntegra a esta posição do M.P no que respeita à qualificação do vício como sendo uma irregularidade (e não uma nulidade), sempre e desde que admita e partilhe o entendimento dos arguidos, no sentido de padecer a decisão recorrida do vício da ausência de fundamentação.
Todavia e sem prejuízo de seguirmos a posição do M.P expressa na sua resposta, impõe-se precisar/rectificar aqui o cálculo dos prazos para arguição dessa referida irregularidade.
Em relação aos arguidos JM_____  e a firma Mirandela Artes Gráficas S.A e de acordo com os preceitos legais acima mencionados, a notificação deve considerar-se efectuada no 3º dia útil posterior ao do envio da carta de notificação.
Ora tendo sido expedida a carta para notificação dos arguidos a 26.5.2021 (cfr fls 9 dos autos) e sendo o dia 29.5.2021 um sábado, salvo o devido respeito pela posição expressa na resposta do M.P, entendemos que se deve considerar estes dois arguidos notificados no dia 31.5.2021 (segunda feira), do despacho de 24.5.2021.
E seria a partir de 1.6.2021 (terça feira) que se deveria contar o referido prazo de 3 dias, para poderem vir invocar a referida irregularidade por falta de fundamentação do despacho de 24.5.2021, ao defenderem como foi o caso, que tal fundamentação era inexistente.
Não o tendo feito, e tendo optado antes pela interposição de recurso para a Relação de Lisboa que deu entrada em juízo em 14.6.2021, claramente que nesta última data, já se encontrava sanada a referida irregularidade (artº 123º/1 do C.P.P).
Mutatins mutandis, o mesmo se impõe dizer em relação à arguida EM____ .
Ou seja, tendo sido expedida a carta para notificação desta arguida a 27.5.2021 (cfr fls 11 dos autos) e sendo o dia 29.5.2021 um sábado, tal como o M.P, entendemos que se deve considerar esta arguida notificada no dia 1.6.2021, do despacho de 24.5.2021.
E seria a partir de 2.6.2021 que se deveria contar o referido prazo de 3 dias, para poder vir invocar a referida irregularidade com base na falta de fundamentação do despacho de 24.5.2021, ao defender como foi o caso, que tal fundamentação era inexistente.
Não o tendo feito, e tendo optado antes pela interposição de recurso para a Relação de Lisboa, que deu entrada em juízo em 22.6.2021, claramente que nesta última data, já se encontrava sanada a referida irregularidade (artº 123º/1 do C.P.P).
Em resumo e concluindo, por tudo o acima exposto, improcedem os recursos dos arguidos neste segmento, sendo de manter o o despacho recorrido de 24.5.2021 no que respeita à sua fundamentação
B) Da atribuição de natureza urgente ao processo processo
Vêm os arguidos invocar que o alegado risco de prescrição é inócuo para efeitos da urgência a atribuir aos presentes autos, seja porque o risco de prescrição não existe no caso em apreço, seja porque esse mesmo risco não se enquadra sequer em qualquer das hipóteses previstas no artº 103º/2 do C.P.P.
Entendemos que não assiste qualquer razão aos recorrentes.
Conforme referido na promoção do M.P e no despacho judicial aqui impugnados, foi promovida a atribuição de carácter urgente ao processo, com base no risco de prescrição, ao abrigo do disposto no artigo 103º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal, e de forma correcta a Srª Juíza do Tribunal a quo deferiu essa promoção.
Com efeito a natureza urgente de determinado processo resulta da própria lei, não tendo o despacho judicial que assim o vier declarar, natureza constitutiva (como sucedeu exactamente com o despacho judicial ora recorrido, por remissão para a promoção do M.P) – a função desse despacho será apenas como já acima ficou dito, a de tornar claras as regras sobre o decurso dos prazos, que resultam da própria lei.
Nessa medida, consideramos que a natureza urgente dos presentes autos, está suficientemente fundamentada com base na existência do risco de prescrição (referida na promoção do M.P e que é acolhida pela Srª JIC).
Quanto à fundamentação da existência desse risco de prescrição, feita na promoção do M.P, embora não seja ideal, pode considerar-se que é suficiente, uma vez que permite a qualquer sujeito percepcionar a existência do mesmo, nos termos correctamente referidos pelo M.P na sua resposta aos recursos:
Desde já, diremos, que, importante para aferir do prazo da prescrição do procedimento criminal, é fornecer os dados necessários para contabilizar o respectivo prazo – o que, foi efectuado, ao mencionar a data dos factos – bem como, indicar as causas de suspensão e de interrupção da prescrição do procedimento criminal a ter em consideração no caso – o que também se verificou ao referir «sem prejuízo dos períodos de interrupção e suspensão do procedimento criminal, nos termos dos arts. 118º, n.º 1, al. c), 119º, n.º 2, al. b), 120º, nº 1, al. b) e 121º, nº 1, als. a), b) e d), nºs 2 e nº 3, todos do Código Penal.»
 Estes foram os marcos temporais indicados pelo Ministério Público, e que permitiam reconstituir o raciocínio expendido acerca da contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal.
Aliás, caso os Recorrentes tivessem contado o prazo de prescrição do procedimento  criminal  definido pelos parâmetros temporais indicados, facilmente concluiriam pela natureza urgente dos presentes autos.
Assim, considerando a data dos factos – Março de 2008 a Outubro de 2011 – cfr. despacho de acusação e de pronúncia, respectivamente de folhas 1178 e seguintes (3.º volume) e folhas 1288 e seguintes (4.º volume), e, sem prejuízo dos períodos de interrupção e suspensão do procedimento criminal, nos termos dos arts. 118º, nº 1, al. c), 119.º, n.º 2, al. b), 120.º, n.º 1, al. b) e 121º, n.º 1, als. a), b) e d), nºs 2 e n.º 3, todos do Código Penal, o procedimento criminal irá, previsivelmente, prescrever no mês de Maio de 2022.
Sendo um processo em que se aguarda a realização da perícia contabilístico-financeira em causa, que se prevê demorada, conforme indicação do próprio perito – através requerimento apresentado em 27/04/2021, com a referência n.º 29061055 – torna-se evidente que, não sendo proferida sentença até essa data que o procedimento criminal prescreverá, pelo que se impõe que seja atribuído carácter urgente aos autos (…)”..
Não faz assim qualquer sentido, virem invocar os arguidos que o M.P não explicou como fez o cálculo para chegar à conclusão do perigo de prescrição do procedimento criminal existente nos presentes autos.
E não faz sentido porque uma vez que uma vez conhecidas as datas da prática dos factos e os crimes em causa objecto dos presentes autos, como sucedia no caso em apreço, esse risco de prescrição decorre das normas legais que determinam os prazos a ter em atenção para a duração legalmente admissível do procedimento criminal, assim como as causas de interrupção e de suspensão desse prazo prescricional.
Por outro lado, no sentido de que se pode atribuir natureza urgente a um processo com base no risco da prescrição do procedimento criminal veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17/12/2020, processo nº 299/11.7TABNV-A.E1, disponível em www.dgsi.pt - onde é precisamente com base no artigo 103º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal que se justificação a atribuição do carácter urgente do processo por perigo de prescrição.
Improcede assim esta concreta pretensão dos recorrentes.
C) Da alegada ilegalidade do despacho recorrido com fundamento na violação do segredo bancário, do artº 340º al a) do C.P.P e também na violação dos procedimentos a respeitar quanto ao processo de nomeação dos peritos
1. Alegam os arguidos o seguinte (com sublinhados nossos):
 “(…) o despacho do MP que preconiza o levantamento do sigilo bancário, não identifica sequer quais os crimes em causa, dali não constando os indícios imputados aos Arguidos, nem constando a justificação para a obtenção das tais informações. Nos autos não está em causa nenhum dos crimes consagrados no artigo 1º, n.º 1 da Lei n.º 05/2002 de 11 de Janeiro, pelo que a quebra do segredo não é automática.
Aquele despacho do MP viola as disposições legais contidas no artigo 97º n° 4 do CPP e do artigo 2º, n.º 2 da Lei n.º 05/2002 de 11 de Janeiro e do artigo 205° da CRP, o qual sendo inválido implicará a nulidade de toda a prova obtida nos autos na sequência da referida decisão. Cfr. artigo 126°, n° 3 do CPP, n° 8 do artigo 32° e n.° 4 do artigo 34°, ambos da CRP.
No processo penal, o direito de reserva de intimidade da vida privada e familiar constitucionalmente protegido só cede em nome da realização da justiça e da segurança enquanto valores do Estado de Direito Democrático e na justa medida em que tal se tenha por necessário, proporcional e adequado, conforme artigo 26º  nº 1 e artigo 18º n.º 2 ambos da CRP, o que não se verifica no caso em apreço, nem o MP o alegou sequer, matéria que nessa medida também foi omitida no despacho sob recurso, face ao respectivo “conteúdo” de “fundamentação.
(…) Pode ser requerida a produção de meios de prova durante a audiência de julgamento no tribunal de primeira instância. Cfr. 340º do CPP. Mas esta faculdade é excepcional, estabelecendo-se para o efeito prazos de requerimento de produção de prova. (Cfr. artigo 79º, nº 1, 165º, nº 1 e 315º, nº 1, todos do CPP).
Os meios de prova requeridos na audiência de julgamento têm de ser meios de prova “supervenientes” (Cfr. artigos 328º, nº 3, al. b) e 360º, nº 4, ambos do CPP) ou cuja junção no momento próprio não foi possível. Cfr. artigo 165º, nº 1 do CPP.
 O Tribunal a quo proferiu um despacho ilegal, violador do artigo 340º, nº 4, al. a) do CPP, ao admitir o levantamento de sigilo bancário sem fundamentar a sua decisão de admissão daquela prova suplementar no critério legal obrigatório da indispensabilidade para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
Quid Juris?
Também aqui, não lhes assiste qualquer razão.
Com esta argumentação, parecem os arguidos esquecer que não estamos aqui perante uma produção de prova pericial ordenada oficiosamente, ao abrigo do artº 340º do C.P.P pelo Tribunal a quo, pelo que não tem qualquer sentido a invocação por eles feita, da violação deste preceito pelo Tribunal recorrido.
Foi o Tribunal da Relação de Lisboa que concedeu parcial provimento ao recurso do Ministério Público, interposto da decisão final proferida após realização do julgamento em 1ª instância e, em consequência, anulou essa decisão da 1ª instância, ordenando, nos termos do artº 426º, nº 1 do CPP o reenvio parcial do processo à 1ª instância, na parte relativa à contradição entre factos apurados e não apurados, exigindo-se para o efeito a produção de prova complementar, e designadamente, prova pericial.
É neste exacto contexto, que o Tribunal a quo determinou a realização de uma perícia contabilística e financeira, por despacho de 17 de Abril de 2019, em obediência ao decidido pelo Tribunal superior em sede de recurso.
Por outro lado, importa também não esquecer, tal como o acima referido, que a promoção do M.P para a qual remete o despacho recorrido, surgiu na sequência do requerimento com a referência nº 29061055, de 27/04/2021, do Senhor Perito nomeado para a realização da referida perícia contabilística e financeira, onde o mesmo vinha informar que : «a estimativa dos custos e tempo de execução são particularmente elevados» e que «devem ser juntos aos autos os extractos bancários da sociedade arguida (de todas as contas bancárias) para o período relevante.».
Deste modo, nesta fase do processo, estando o M.P na sua promoção de 18.5.2021 (acatada pelo despacho recorrido) a diligenciar em termos processuais, para tornar exequível e de forma o mais célere possível, uma diligência probatória (perícia contabilística e financeira), em obediência a uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que lhe dera razão no recurso por ele interposto da decisão final proferida pela 1ª instância, claramente que não haviam dúvidas sobre qual o crime objecto dos autos, sendo tal questão já pacífica e clara para todos os intervenientes no processo.
Era pois evidente nesta fase do processo, não estando por resolver qualquer questão quanto à qualificação jurídica dos factos, que o crime em causa objecto dos autos, era o crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 3º, alínea a), 6º, nº 1, 7º, nº 1, 107º, nºs 1 e 2, em conjugação com o artigo 105º, nºs 2 e 4, todos da Lei nº 15/2001, de 05/06, (Regime Geral das Infracções Tributárias), em conjugação com o disposto nos arts. 30º, nº 2 e 79º do Código Penal.
Nesta medida e por tudo o acima já exposto, também não faz sentido a alegada violação do segredo bancário ao abrigo da Lei nº 5/2002 de 11.1, nos termos invocados pelos arguidos.
Tal como bem foi sublinhado pelo M.P na sua resposta ao recurso e que aqui transcrevemos (com sublinhados nossos) por aderirmos na íntegra à posição ali explanada:
O artº 79º, nº 2, al. e) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, na redacção introduzida pela Lei nº 36/2010, de 2 de Setembro, em matéria de sigilo bancário, configura uma excepção do dever de segredo, concedendo às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal, poder bastante para ordenar e recolher directamente os dados, pelo que se encontra perfeitamente legitimado tal pedido, sendo completamente despicienda a invocação à Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro.
O referido artº 79º, nº 2, al. e) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, na redacção introduzida pela Lei nº 36/2010, de 2 de Setembro, está previsto para qualquer tipo de crime, bastando que, para recolher dados bancários, tal necessidade decorra do processo penal em curso, como é o caso dos autos.
Na verdade, a diligência promovida pelo Ministério Público vem na sequência do requerimento apresentado pelo Exmo. Senhor Perito, em 27/04/2021, com a referência n.º 29061055, em que o próprio refere necessitar de tais elementos bancários, por forma a dar cumprimento aos quesitos formulados, pelo que, mal se compreende a alusão à violação do sigilo bancário.”
Em conclusão, não podíamos estar mais de acordo com o M.P e tal como ele, também entendemos que inexiste no caso em apreço e pelas razões acima mencionadas, qualquer violação do segredo do sigilo bancário, bem como qualquer violação do artº 340º/1 ou do artº 341º do C.P.P, cfr passagem a seguir transcrita, que fazemos nossa:
“(…) Afirmam, ainda, os Recorrentes que o Tribunal a quo violou o artº 340º e 341º do Código de Processo Penal.
Regressando aos primórdios deste processo, e como bem sabem os Recorrentes, foi o próprio Tribunal da Relação de Lisboa a determinar a necessidade da perícia contabilística e financeira, sendo que os passos subsequentes, foram dados, por forma a concretizar tal determinação.
 Ora, a solicitação dos elementos bancários ao Banco de Portugal, mais não é, do que o passo necessário para permitir a realização da perícia contabilístico-financeira, para que o Tribunal finalmente possa, com esse elemento, decidir, pelo que, é completamente desprovida de sentido a menção à necessidade de fazer apelo ao artº 340º, nº 1 do Código de Processo Penal, para admitir a realização de tal diligência.
Recordem-se os Recorrentes: foi o Tribunal da Relação que determinou o reenvio parcial do processo à primeira instância para realizar, entre outras, a dita perícia, pelo que, está completamente fora de discussão, neste momento, se a prova podia ou devia ter sido arrolada com a acusação, estando o Tribunal a quo a obedecer ao determinado pelo Tribunal ad quem.
Quanto à alegada violação do artº 341º do Código de Processo Penal, cumpre referir que a ordem de produção de prova prevista no artº 341º do CPP, pode ser alterada por decisão do Tribunal a quo oficiosamente ou a requerimento, sendo que, neste caso, o fundamento para essa alteração radica na inexistência da prova pericial, cuja realização anterior ao próprio julgamento, se impõe pela previsibilidade da sua complexidade e morosidade. Também não está vedada a possibilidade de o Tribunal a quo, oficiosamente ou a requerimento, ordenar a produção de determinada prova – in casu, a perícia contabilístico-financeira – diversa da indicada na acusação/pronúncia.
Em qualquer caso e, seguindo a jurisprudência do Ac. do TRP de 11-04-2007, disponível em www.dgsi.pt: «I.A alteração da ordem de produção da prova possibilitada pelo artº 331º, nº 2, do CPPv98 não colide com os direitos de defesa do arguido. II. Decidindo o tribunal, ao abrigo do artº 340º do mesmo Código, ouvir uma testemunha na audiência, nada há de ilegal no facto de ser o juiz a proceder à inquirição”.
2. Vêem os arguidos invocar ainda que o Tribunal a quo por meio do despacho judicial ora recorrido (onde se acatou a promoção do M.P na íntegra) veio permitir a realização de uma perícia de forma irregular ou seja, por pessoas cuja honorobilidade e reconhecida competência não foi alegada ou suscitada, sem prejuízo de não se tratar de pessoa constante da lista de peritos existente na comcarca, não sendo elemento de serviço oficial apropriado.
Melhor dizendo, os arguidos vêm impugnar neste recurso o facto de se solicitar a realização da perícia a pessoas singulares do conhecimento funcional da Senhora Procuradora o qual se desconhece e não foi densificado (por muito que ele possa, eventualmente, existir), bem se sabendo que a perícia é realizada em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não for possível ou conveniente, por perito nomeado de entre pessoas constantes de listas de peritos existentes em cada comarca, e só na sua falta ou impossibilidade de resposta em tempo útil, por pessoa de honorabilidade e de reconhecida competência na matéria em causa - Cfr. artigo 153º, nº 1 do CPP.
Quid Juris?
Não assiste razão aos arguidos neste segmento dos seus recursos sendo manifestamente improcedente a sua pretensão, pois que nem sequer estamos aqui em presença de acto passível de recurso.
Com efeito da promoção do M.P, consta o seguinte na parte agora aqui em relevo (com sublinhandos nossos):
 “(…) Atenta a previsível morosidade da perícia determinada, com vista a possibilitar a realização mais célere da mesma, bem como obter diverso orçamento, e sendo do meu conhecimento funcional que os Exmos. Senhores Peritos Paulo ..., membro nº ..., com domicílio profissional na Rua ..., nº 35, 1º dto, em Lisboa, João ..., membro n.º ..., com domicílio profissional em Urbanziação do ..., Av. ..., Lote 7, Chão de Meninos, em Sintra e Rogério ..., membro nº 23825, com domicílio profissional na Rua ..., nº 19, Algueirão, Mem Martins, todos inscritos na Ordem dos Contabilistas Certificados, apresentaram serviço profícuo noutros processos desta Comarca, promovo que se apure das condições em que se poderá realizar uma perícia colegial junto dos mesmos, solicitando resposta no prazo de 10 dias.(…)”.
Nestes termos, torna-se claro que o despacho judicial de 24.5.2021 ora recorrido, ao dar seguimento a esta diligência promovida pelo M.P, não procedeu à nomeação de qualquer perito nem se determinou ou solicitou a execução de qualquer perícia, por nenhum dos peritos identificados pelo M.P. – além de que o artº 152º do C.P.P permite a realização de perícia colegial por pessoas de reconhecida competência.
Assim sendo, dúvidas não existem que nesta parte, o despacho judicial que deferiu esta concreta promoção do M.P trata-se de um simples despacho de mero expediente.
Os despachos de mero expediente, são aqueles que se destinam a promover ao andamento regular do processo sem interferir no conflito de interesses das partes – artº 152º/4 do C.P.C.
E dúvidas não podemm existir de que este despacho é de mero expediente, na medida em que deferiu a pretensão do M.P, no sentido de se averiguar das condições para a realização de uma perícia colegial por peritos inscritos na Ordem dos Contabilistas Certificados.
Visando com tal medida, essencialmente obter informação sobre a possibilidade da eventual realização de uma perícia mais célere e com um diferente orçamento menos pesado, em termos de poderem ser comparadas com as condições de realização da perícia delineada pelo perito já nomeado pelo Tribunal.
Em conclusão, tratando-se de um despacho de mero expediente o recurso dos arguidos não é admissível nesta parte – artº 400º/1 a) do C.P.P
Pelo exposto, tudo visto, os factos e o direito, improcedem na íntegra os recusos dos três arguidos.
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III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes na 3ª secção deste Tribunal da Relação em:
A) Julgar não providos os recursos interpostos pelos arguidosJM_____ , EM____   , e Mirandela - Artes Gráficas, S.A., mantendo nos seus precisos termos o despacho recorrido proferido em 24.5.2021, por ser o mesmo conforme à lei e à C.R.P, nos termos supra expostos.
B)  Custas a cargo dos arguidos, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.
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Lisboa 6.10.2021     
Ana Paula Grandvaux Barbosa
Maria Gomes Bernardo Perquilhas