Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
316/18.0T8PDL.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
CONTRATO DE MÚTUO
PRESTAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Em acção executiva, em que se verifique execução prévia sobre bem penhorado, incumbe ao Agente de Execução sustar a execução sobre esse bem; no entanto, apenas a sustação integral determina a extinção da execução, com extinção, por inutilidade superveniente da lide, dos respectivos apensos, incluindo a oposição à penhora ou os embargos.  
II- Em contrato de mútuo outorgado pelos executados e por estes incumprido, é aplicável o prazo de prescrição constante do artº 310  e) do C.C., por dele constar o pagamento de quotas de amortização do capital pagáveis com juros.
III- A este entendimento, não obsta o vencimento de todas as prestações fraccionadas decorrente do incumprimento do contrato, pois que, neste caso, verifica-se que a partir dessa data passou o exequente a poder exercer o seu direito, demandando os seus devedores (artº 306 nº1 do C.C.) .
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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RELATÓRIO
A, deduziu embargos de executado contra B [ ……STC, S.A.] , invocando que estando os executados em incumprimento desde 2009, ocorreu já a prescrição quer das prestações (capital e juros remuneratórios) respeitantes ao contrato de mútuo referenciado nos autos vencidas há mais de cinco anos com reporte à data da citação, quer dos correspondentes juros de mora.
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Notificada, a Embargada apresentou contestação pela qual, em suma, opôs-se ao fundamento de direito aduzido pela Embargante, alegando que exerceu atempadamente o seu direito, após o incumprimento contratual por parte da Embargante, mediante a reclamação de créditos, no âmbito de ação executiva onde havia sido penhorado o bem imóvel dado como garantia (hipoteca) no negócio jurídico firmado entre as partes, circunstancialismo fáctico este que terá interrompido o prazo prescricional, impondo-se deste modo a improcedência dos embargos.
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Após, dispensada audiência prévia, foi proferida decisão na qual se julgou “procedente por provado o presente incidente de embargos de executado deduzido pela Embargante A contra a Embargada B, e, em consequência, julgo modificado o crédito exequendo, dele sendo excluídos, por efeito da prescrição, a integralidade dos valores de capital e juros remuneratórios e moratórios vencidos até cinco anos antes da citação, ou seja, até 14.05.2013.
Custas pela Embargada B
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Não se conformando com esta decisão, veio a embargada interpor recurso, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
CONCLUSÕES:
a) A presente execução encontra-se sustada por decisão da Sr.ª Agente de Execução nos autos principais.
b) Estando a ora embargada em prazo para reclamar créditos no processo que corre termos no Juízo Local Cível de Ponta Delgada, sob o nº 178/12.0TBPDL.1 (cf. facto provado sob o nº 10 da sentença sub iudice).
c) Pelo que, salvo melhor entendimento, e uma vez que o crédito exequendo será oportunamente reclamado naquele processo, podendo ser objecto de impugnação por parte da ora embargante nos termos previstos no art. 789.º nº2 CPC, cremos, com o devido respeito, que a prolação da sentença ora recorrida se afigurava desnecessária.
d) Veja-se, com as necessárias adaptações, o vertido no douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 07-06-2018 (proc. 5362/15.2T8OER-A.L1-2; relator Arlindo Crua), em www.dgsi.pt,
e) Ainda assim, a Exequente colocou a “questão” perante o douto Tribunal a quo, mediante requerimento de 13-11-2018 (ref. Citius 30682676), com a junção da resposta do Sr. Agente de Execução nomeado na execução à ordem da qual se encontra registada a penhora mais antiga (o aludido proc. nº 178/12.0TBPDL.1),
f) Não tendo o Tribunal pronunciado sobre o seu requerimento.
g) O Tribunal a quo julgou verificada a excepção de prescrição invocada pela Embargante, ao abrigo do disposto no art. 310.º e) do Código Civil,
h) Efectivamente, com a celebração do contrato de mútuo executado nos presentes autos foi convencionado o pagamento fraccionado em prestação de capital e juros.
i) Nesta sede, invoca o Tribunal recorrido os arestos do STJ de 29.09.2016 e 27-03-2014, cujos excertos foram transcritos na sentença em apreço.
j) Porém, a obrigação exequenda foi considerada incumprida desde 27-07-2009 e o contrato resolvido pela mutuante com fundamento em incumprimento (cfr. desde logo a factualidade descrita no requerimento executivo).
k) Facto que a executada/embargante não contestou nos presentes embargos.
l) Neste conspecto, considera a jurisprudência que se cita infra, que se em caso de incumprimento o mutuante considerar vencidas todas as prestações, o contrato fica sujeito à prescrição ordinária (20 anos), voltando os valores em dívida a assumir em pleno a sua natureza de capital e de juros.
m) Neste sentido, veja-se designadamente o decidido nos doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-04-2016, e da Relação de Guimarães de 16-03-2017, ambos disponíveis em dgsi.pt
n) Atente-se no sumário do primeiro dos arestos referenciados
“3. No mútuo bancário, em que o reembolso da dívida foi bjecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita ao prazo prescricional privativo de cinco anos, previsto na al. G), do artigo 310º, do CC.
4. Se, em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.”
o) Ora, desfeito o plano de amortização inicialmente acordado, em virtude de incumprimento, com a consequente perda do benefício do prazo contido em cada uma das prestações, não subsiste razão para sujeitar a dívida de capital e de juros ao mesmo prazo prescricional.
p) Aplicando-se por conseguinte o prazo prescricional ordinário – 20 anos, nos termos do disposto no artigo 309.º do Código Civil.
q) Sendo precisamente o caso dos autos, pelo que deve a douta decisão vertida na sentença recorrida ser revertida por este Venerando Tribunal, com os legais efeitos.
r) Com efeito, perante o incumprimento, os executados deixaram de poder invocar o benefício do prazo, pelo que se impõe reformar a sentença recorrida, considerando que o crédito exequendo está sujeito ao prazo ordinário de prescrição previsto no supra citado art. 309.º CC.
Nestes termos e nos melhores de Direito, com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso obter provimento, revogando a sentença recorrida, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!”
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Pela embargante foram interpostas contra-alegações, delas constando o seguinte:
“III – CONCLUSÕES
1. Nos autos em epígrafe foi proferido douto acórdão, datado de 28/01/2019, no qual se decidiu:
a. Julgar procedente por provado o presente incidente de embargos de executado deduzido pela Embargante A contra a Embargada B. e , em consequência, julgo modificado o crédito exequendo, dele sendo excluídos, por efeito da prescrição, a integralidade dos valores de capital e juros remuneratórios e moratórios vencidos até cinco anos antes da citação, ou seja, até 14.05.2013
b. Inconformado com o douto acórdão, dele vieram o Exequente/Embargado interpor recurso, pedindo que o crédito exequendo esteja sujeito ao prazo ordinário de prescrição previsto no artigo 309º do Código Civil.
c. A factualidade provada, que não foi impugnado e por isso mesmo se tem por assente, preenche integralmente todos os elementos necessários à aplicação do artigo 310º/e) do Código Civil.
d. Visto tratar-se de uma amortização fraccionada do capital em dívida que se realiza, conjuntamente, com o pagamento dos juros vencidos, originado uma prestação unitária e global.
e. Por todo o exposto, entendemos que o acórdão proferido pelo Tribunal a quo não enferma de qualquer vício de natureza formal ou material que inquine a sua validade.
Termos em que,
Deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida, com o que será feita JUSTIÇA”
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QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Tendo este preceito em mente, a questão a decidir consiste em primeiro lugar apurar:
- se ao tribunal recorrido estava vedado pronunciar-se sobre os embargos, por via da sustação da execução a que estes estão apensos;
-se resolvido o contrato de mútuo outorgado entre a exequente e os executados, passam as quantias devidas a estar sujeitas ao prazo ordinário de prescrição previsto no artº 309 do C.C.
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MATÉRIA DE FACTO
É a seguinte a factualidade relevante para decisão desta questão:
“1. O título dado à execução consiste numa escritura pública lavrada a 27 de junho de 2008, através da qual a sociedade Caixa Geral de Depósitos, S.A., sucedida da Embargada, declarou emprestar à Embargante e ao seu cônjuge, co Executado C, importância de Euros 195.000,00, destinada à aquisição de habitação própria e permanente, a liquidar pelo prazo de 38 anos e nos seguintes moldes:
1.1. período de carência de capital nos primeiros 48 meses, sendo os juros calculados sobre o montante de capital em dívida no início do período de contagem e pagos mensal e postecipadamente, iniciando-se o primeiro período de contagem, liquidação e pagamento de juros, na data do contrato;
1.2. em parte do empréstimo, no valor de € 136.500,00, findo o período de carência, amortizada em prestações mensais constantes, de capital e juros, vencendo-se a primeira no correspondente mês seguinte ao do termo do período de carência e as restantes em igual dia dos meses seguintes;
1.3. outra parte do empréstimo, no valor de € 58.500,00, amortizada em conjunto com a última das prestações de capital e juros referida em 1.2., sendo que os juros de capital são liquidados e pagos em conjunto com cada uma daquelas prestações [artigo 1º do requerimento executivo, artigos 1º a 3º do requerimento inicial e escritura pública e documento complementar a fls. 14-26v. do suporte físico dos autos principais];
2. Para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações para si emergentes do contrato de mútuo, a Embargante e o co Executado constituíram uma hipoteca voluntária a favor da sucedida da Embargada sobre o prédio urbano sito na Estrada Regional da Ribeira Grande, nº …, freguesia de Rosto do Cão (São Roque), concelho de Ponta Delgada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o nº 1391/19991213 da referida freguesia, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo nº 1428º [artigos 2º e 3º do requerimento executivo e escritura pública e documento complementar a fls. 14-26v. do suporte físico dos autos principais];
3. A hipoteca foi registada a favor da sucedida da Embargada mediante a apresentação nº 71 de 2008/06/06 [artigo 3º do requerimento executivo e certidão permanente a fls. 32-34 do suporte físico dos autos principais];
4. Por documento intitulado pelas contraentes como “Contrato de Cessão de Créditos Hipotecários” de 25/10/2016, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. cedeu à Embargada os créditos que detinha sobre a Embargante e o co Executado, bem como todas as garantias acessórias a ele inerentes [ponto I da “questão prévia” do requerimento executivo e documento a fls. 4-13v. do suporte físico dos autos principais];
5. Tal hipoteca mostra-se inscrita a favor da Embargada mediante a apresentação nº 3919 de 2017/03/29 [ponto V da “questão prévia” do requerimento executivo e certidão permanente a fls. 32-34 do suporte físico dos autos principais];
6. A Embargante e o o Executado interromperam o pagamento das prestações em 27/07/2009, nada mais tendo pago por conta dos mesmos [artigo 4º do requerimento executivo e artigo 7º do requerimento inicial];
7. Quando da instauração da execução, à data de 31.01.2018, dívida foi liquidada pela Embargada no requerimento executivo da seguinte forma, com reporte ao dia 21/01/2018: € 195.000,00 a título de capital; € 153.331,52 a título de juros de mora de 27/07/2009 a 21/01/2018; e € 205,80 a título de despesas [artigo 6º do requerimento executivo];
8. A Embargante foi citada nos autos principais em 14.05.2018 [processado dos autos principais];
9. O prédio referido no ponto 2. foi penhorado nos autos principais, em 16.02.2018, mediante a apresentação nº 283, de 16.02.2018 [processado dos autos principais e certidão permanente a fls. 32-34 do suporte físico dos autos principais];
10. A Senhora Agente de Execução declarou a execução sustada quanto ao prédio referido no ponto 2. em razão de penhora anterior [processado dos autos principais];
11. Constam inscritas as seguintes penhoras sobre prédio referido no ponto 2.: penhora de 01.09.2010, com referência à execução nº 1812/09.5TBPDL; penhora de 11.01.2013, com referência à execução nº 1939/11.3TBPDL, penhora de 20.05.2014, com referência à execução nº 178/12.0TBPDL; penhora de 10.04.2017, com referência à execução fiscal nº 2992201001016474; penhora de 18.04.2017, com referência à execução fiscal nº2992201201050800; e a penhora referida no ponto 9 [certidão permanente a fls. 32-34 do suporte físico dos autos principais].
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Não resultaram provados os seguintes factos:
a) A sucedida da Embargada apresentou reclamação de créditos por apenso à execução nº 1812/09.5TBPDL, em 27.10.2010, com referência ao crédito ora exequendo [artigos 13º e 22º da contestação];
b) Nesses autos de reclamação de créditos somente foi proferido despacho em 28.04.2015, pelo qual se ordenou a citação – que havia sido omitida – do executado [artigos 14º e 15º da contestação];
c) Posteriormente, e já a 15.03.2017, a Embargada foi notificada do despacho com a referência 44425356, que determinou a notificação aos credores reclamantes da extinção dos autos de execução [artigo 16º da contestação];
d) Nesse seguimento a Embargada apresentou-se a requerer a renovação dos autos, prosseguindo a execução com o crédito reclamado o que fez por requerimento datado de 22.03.2017 [artigo 17º da contestação];
e) Não obstante, o ali requerido foi indeferido por decisão aposta em termo de conclusão de 21.04.2017, com o seguinte fundamento: “Requerimentos sob a referência n.º 1956083 e 1948155: informe que os créditos reclamados ainda não foram reconhecidos e que o executado não se encontra sequer citado, pelo que não se reconhece aos requerentes, legitimidade processual, para requerem o prosseguimento dos ” [artigo 18º da contestação]; e
f) Por notificação datada de 28.09.2016, a Senhora Agente de Execução dos autos de processo executivo nº 1812/09.5TBPDL notificou as partes da decisão de extinção da instância executiva [artigo 25º da contestação].
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Com relevância para a decisão da causa, não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos.        “
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DO DIREITO
Alega a recorrente como fundamentos do seu recurso, em primeiro lugar e a título de questão prévia, que a sentença ora em recurso, era desnecessária, uma vez que a execução foi sustada por ordem da Agente de Execução e, a título principal que, estando o mútuo resolvido desde 2009, o prazo prescricional é de 20 anos.

Decidindo         
- se ao tribunal recorrido estava vedado pronunciar-se sobre os embargos, por via da sustação da execução a que estes estão apensos;
Efectuada penhora sobre bem apreendido à ordem de um processo anterior, dispõe o artº 794 nº1 do C.P.C. que “o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.”, podendo ainda “o exequente desistir desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.” (nº3).
Dio disposto no nº4 deste preceito legal resulta que, a “sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850.º
Por sua vez, dispõe o artº 850 nº5 do C.P.C. que “O exequente pode ainda requerer a renovação da execução extinta nos termos das alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo anterior, quando indique os concretos bens a penhorar, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no número anterior”, incluindo-se nesta disposição a extinção da execução, por sustação integral da mesma.
Extinta a execução, extinguem-se os seus apensos, por inutilidade superveniente da lide, incluindo a oposição à execução e à penhora.
No entanto, conforme decorre dos autos principais, por comunicação efectuada em 01/03/18 e reiterada a 23/10/18, em virtude do cancelamento de penhoras anteriores, a Srª Agente de Execução veio declarar sustada a execução relativamente à verba nº1, pela existência de penhoras com registo prévio, mas não declarou a sustação integral da execução, pelo que se não pode considerar esta extinta, com a consequente extinção dos embargos.
Improcede pois esta questão.
Passando à questão central do recurso, alega o exequente que, “se em caso de incumprimento o mutuante considerar vencidas todas as prestações, o contrato fica sujeito à prescrição ordinária (20 anos), voltando os valores em dívida a assumir em pleno a sua natureza de capital e de juros.”, citando em abono da sua posição dois acórdãos proferidos no TRGuimarães e no TRCoimbra.
-se, resolvido o contrato de mútuo outorgado entre a exequente e os executados, passam as quantias devidas a estar sujeitas ao prazo ordinário de prescrição previsto no artº 309 do C.C.

Considerou a sentença recorrida que ao caso em apreço era aplicável o prazo prescricional previsto no artº 310 e) do C.C., o qual dispõe que “prescrevem no prazo de cinco anos:
(…)
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;”
Discorda o apelante alegando que ao caso em apreço, tendo em conta que o contrato se encontra resolvido desde 2009, se aplica o prazo geral de 20 anos, citando em defesa da sua posição, dois acórdãos proferidos, um pelo Tribunal da Relação de Coimbra (26/04/16) e o outro pelo Tribunal da Relação de Guimarães, decorrendo do primeiro, de que foi relatora Maria João Areias (proc. nº 525/14.0TBMGR-A.C1) que “O vencimento imediato das prestações restantes, significa que o plano de pagamento escalonado anteriormente acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações: desfeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado, os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros. Desfeita a ligação anteriormente contida em cada uma das prestações entre uma parcela de capital e outra a título de juros, nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e a dívida de juros ao mesmo prazo prescricional: os juros que se forem vencendo prescreverão no prazo de cinco anos, e o capital, no valor de 10.329,75 €, encontrar-se-á sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos.
Idêntico entendimento se mostra acolhido no citado Acórdão do TRG de 16/03/17, de que foi relator Jorge Teixeira, (589/15.0T8VNF-A.G1), referindo este que, “em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos”, pois que, efectivamente, não teria qualquer justificação que, em situações como a presente, uma vez desfeito o plano de amortização da dívida, por incumprimento do devedor, os valores em dívida não voltassem a assumir a sua natureza original de capital e de juros – pois até se convencionou que Hipoteca poderia ser executada “ se o imóvel ora hipotecado vier a ser alienado, onerado, arrendado, objecto de arresto, execução ou de qualquer outro procedimento cautelar ou acção judicial e se consideram igualmente vencidas e exigíveis as obrigações que assegura -, e, por decorrência, que a dívida de capital e a dívida de juros ficassem sujeitas ao mesmo prazo prescricional.
Mais recentemente, também em Ac. proferido no TRC em 12/06/18, em que foi relator Jorge Arcanjo, Proc. nº 17012/17.8YIPRT.C1, defendeu-se igualmente que “a resolução dá origem a uma “relação de liquidação”, por força do princípio da retroactividade, que intervém em termos relativos (art.434, nº2 CC). A propósito da “relação de liquidação”, elucida Brandão Proença “ O exercício fundado do direito de resolução, origina, à luz de certos dados normativos gerais (arts.433, 289 e 344 nº1 (1ª parte) do CC ), uma eficácia retroactiva entre as partes contratantes (e atingindo eventualmente terceiros), consubstanciada (sobretudo quando a resolução assume uma finalidade recuperatória) numa “relação de liquidação” (…). A resolução, apesar da sua carga etimológica, não é um instrumento puramente negativo, concretizado numa retroactividade mais ou menos arbitrária, mas visa (máxime quando houve um princípio de execução contratual) uma “liquidação” adequada à própria finalidade normal (ou funcionalidade) do direito: o “regresso”(não necessariamente retroactivo) ao estado económico-jurídico anterior à frustração ou à alteração contratual e numa base, quanto possível, igualitária entre ambas as partes” (A Resolução do Contrato No Direito Civil, 1982, pág.173, 178). Portanto, o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como a dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”, correspondente ao valor do capital em dívida, à data do incumprimento”, pelo que, neste caso, seria aplicável o prazo de prescrição ordinária.
Trata-se, no entanto de posição minoritária, não acolhida pela generalidade da doutrina e jurisprudência, em especial a do nosso Supremo Tribunal de Justiça.
Conforme se refere em Ac. do TRC de 19/12/17, relator Fonte Ramos, proc. nº 561/16.2T8VIS-A.C1” A razão essencial das prescrições de curto prazo sem natureza presuntiva, como é o caso das prestações periódicas renováveis (art.º 310º do CC), prende-se com a protecção do devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe ao cabo de um número demasiado de anos; a lei funda-se no intuito de evitar que o credor deixe acumular os seus créditos (retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis) a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar.”
Foi com este intuito em mente que o legislador incluiu no prazo quinquenal de prescrição, não só os juros destas prestações, mas igualmente as quotas de amortização do capital pagáveis com estes juros, visando evitar precisamente que, por via da inércia do credor, o devedor visse agravada a sua posição.
Ora, decorre do teor do contrato estipulado entre as partes e que foi dado como assente nos factos provados, equacionaram as partes a liquidação do empréstimo contraído, da seguinte forma:
-parte do empréstimo, no valor de € 136.500,00, findo o período de carência, seria  amortizada em prestações mensais constantes, de capital e juros, vencendo-se a primeira no correspondente mês seguinte ao do termo do período de carência e as restantes em igual dia dos meses seguintes;
-a outra parte do empréstimo, no valor de € 58.500,00, amortizada em conjunto com a última das prestações de capital e juros referida em 1.2., sendo que os juros de capital são liquidados e pagos em conjunto com cada uma daquelas prestações.
Daqui decorre a obrigação de pagamento deste capital e dos juros, diferido em prestações mensais por acordo das partes, “equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a dita alínea e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.” (citado Ac. do TRC de 19/12/17)[1], uma vez que a prescrição assim prevista decorre da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, que conduz a que, decorrido o prazo previsto, possa o devedor vir recusar o seu cumprimento.
A isto, não obsta o vencimento de todas as prestações fraccionadas decorrente do incumprimento do contrato, pois que, neste caso, conforme refere Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral, tomo IV, 175, “o facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida” sendo que na aplicação do prazo de prescrição a que se alude na al. e) do art.º 310.º do C. Cível, não obsta a que o não pagamento de uma das prestações provoque o vencimento das restantes, não sendo de aplicar o prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no art.º 309º do C. Civil”.
Igual entendimento defende Ana Filipa Morais Antunes[2], no sentido de que “na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida. (…) constituindo “indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”
Resultando dos factos provados que os executados deixaram de pagar as prestações acordadas de amortização de capital e juros em 27/07/2009, considerando o exequente vencidas todas estas prestações, verifica-se que a partir desta data passou o exequente a poder exercer o seu direito, demandando os seus devedores (artº 306 nº1 do C.C.).
Não está impugnada em via de recurso a decisão quanto à não consideração de qualquer interrupção da prescrição, nem constam dos autos quaisquer factos dos quais decorra a interrupção deste prazo de prescrição.
Assim, enquadrando-se estas prestações na previsão do artº 310º als. d) e e) do C. Civil, iniciando-se o prazo de prescrição nesta data, a prescrição teria ocorrido em Julho de 2014, encontrando-se a presente acção proposta em 31/01/18 e citada a executada em  Maio de 2018.
O facto de tal crédito se encontrar vencido conforme alega o recorrente, em nada altera o seu enquadramento legal em termos de prescrição, cfr. decorre de recente Ac. do STJ de 18/10/18, de que foi relator Olindo Geraldes, proferido no Proc. nº 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, reportando-se este acórdão a um mútuo, com obrigação de “restituição da quantia emprestada, em prestações mensais, que incluíam capital e juros remuneratórios, a pagar no prazo de 40 anos, prestações pré determinadas e sujeitas a revisão periódica (semestral) em função da taxa Euribor.”, defendendo –se que, neste caso, ainda que incumprido o contrato e exigida a totalidade do capital e juros, “Esta materialidade enquadra-se, pois, no âmbito do disposto da alínea e) do art. 310.º do CC, sendo aplicável o prazo da prescrição de cinco anos ao direito de crédito exigido coercivamente pelo Embargado”, na sua totalidade.
Igualmente nesta secção e colectivo, decidiu-se em Acórdão prolatado pela 2º adjunta, datado de 15/02/18, no Proc. nº 828/16.0T8SXL.L1-6, a aplicação de um prazo de cinco anos, ao caso em que, devido a incumprimento do mútuo, existiu perda do benefício do prazo.
No caso em apreço, considerou a decisão recorrida prescritas “a integralidade dos valores de capital e juros remuneratórios e moratórios vencidos até cinco anos antes da citação, ou seja, até 14.05.2013.”
Não tendo existido recurso por parte dos embargantes, pese embora se defenda que a prescrição abrange a totalidade das prestações de capital em dívida e respectivos juros, extinguindo-se assim a execução, na senda do defendido no citado Ac. do STJ de 15/02/18, cumpre-nos apenas, considerando o prazo aplicável de cinco anos, julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida. 
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DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da relação, em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo apelante
Lisboa 23 de Maio de 2019

Cristina Neves
Manuel Rodrigues
Ana Paula A.A. Carvalho

[1] No mesmo sentido vidé Ac. do TRC.de 08/03/18, relatora Maria dos Anjos Melo, Proc. nº 1168/16.0T8GMR-A.G1; Ac. do T.R.P. de 24/3/2014, relator Correia Pinto, Proc. n.º 4273/11.5TBMTS- A.P1; Ac. do TRE de 21/1/2016, relatora Conceição Ferreira, Proc. n.º 1583/14.3TBSTB-A.E1; Ac. TRL de 27/10/2016, António Santos, Proc. nº  2411/14.5T8OER-B.L1-6; Ac. do TRL de 30/10/18, relator Carlos Oliveira, Proc. nº 12712/16.2T8SNT-A.L1-7; Ac. do STJ de 27/3/2014, relator Silva Gonçalves, Proc. nº 189/12.6TBHRT-A.L1.S1; Ac. do STJ de 29/09/16, relator Lopes do Rego, Proc. nº 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 in www.dgsi.pt
[2] “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia; volume III; página 47”