Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8316/12.7TCLRS-A.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Constando do clausulado geral do formulário de adesão a contrato de crédito, subscrito pelo mutuário em 2005, que a mutuante se reserva-se o direito de conceder ou recusar o crédito após análise das informações prestadas pelo mutuário, e constando de extracto de conta que o capital subscrito foi transferido para o mutuário, tal transferência vale como aceitação tácita da proposta constante do formulário, levando à perfeição negocial, e constituindo, complementada pelo referido extracto de conta, título executivo válido e suficiente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Por apenso ao processo de execução e em representação do executado “A”, ausente, o Ministério Público junto do tribunal recorrido veio deduzir embargos, peticionando a final a sua procedência e em consequência a extinção da execução, alegando em síntese que o documento que consubstanciar um contrato de concessão de crédito pessoal será título executivo, em execução fundamentada no incumprimento do mesmo e na respectiva resolução pelo credor, quando a quantia exequenda coincidir com o valor das prestações não pagas, correspondentes ao capital mutuado em singelo, o que no caso inexiste, pois os documentos juntos como título executivo não podem configurar um contrato de mútuo, que pressuporia a entrega da quantia mutuada, mas uma mera proposta de contrato de abertura de crédito, como resulta do clausulado, sendo que este aparentemente não se mostra assinado pelo executado, tratando-se duma simples proposta. Mesmo que não se entenda que o título é insuficiente e se verifique que se está perante um efectivo contrato de crédito ao consumo, para valer como título executivo é necessário que sejam juntos complementarmente documentos comprovativos da entrega de efectiva realização de alguma prestação, sendo que no caso corrente o extracto de conta corrente não cumpre as exigências do artigo 707º do CPC, por não ter sido exarado ou autenticado por notário. 
Tendo os embargos sido recebidos liminarmente, contestou a exequente B, alinhando que o contrato está devidamente assinado pelo embargante e que o mesmo não invocou que a assinatura não fosse sua, sendo aliás que foi facultada uma cópia do mesmo contrato ao embargante; que o valor peticionado no requerimento executivo mais não é do que a soma do capital em incumprimento com os respectivos juros; que o contrato de crédito e o extracto servem suficientemente o título, à data da propositura da acção, em 2012, não estava em vigor o artigo 707º do CPC, sendo os contratos de crédito documentos particulares com força executiva.
O tribunal recorrido proferiu seguidamente despacho nos termos do artigo 597º do CPC, dispensando a audiência prévia, saneando tabelarmente e concluindo pela presença de todos os elementos necessários à decisão, passando pois a proferir sentença de cujo teor dispositivo final consta:
Pelo exposto, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, julgo improcedentes os presentes embargos de executado e, consequentemente:
A. Determino a prossecução da execução.
Custas pelo embargante, sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Valor: € 10.904,35”.
Inconformado, o Ministério Público interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
“1 - O MP, em representação do Réu ausente, deduziu embargos, sustentando que os documentos juntos pela exequente como título executivo apenas configurariam uma mera proposta de um contrato de abertura de crédito em conta corrente;
2 - Sustentou, também, não resultar dos documentos juntos pela exequente que esta tenha aceite a proposta e inclusivamente tenha entregue ao executado qualquer quantia;
3 – Em suma, o MP colocou em causa o título executivo e o extracto de conta junto;
4 – Não obstante, a douta sentença sob recurso, dá como provado que foi transferido para o executado o montante de €5.000,00 e que o executado deixou de pagar as prestações mensais, pelo que foi o referido contrato de crédito resolvido, alicerçando a sua decisão no contrato (impugnado) e no extracto de conta (igualmente impugnado).
5 - Ora, tendo sido impugnado o título invocado pela exequente, nunca poderiam aqueles factos serem dados como provados, sendo certo que os documentos juntos não têm a virtualidade de fazer prova nem da entrega da quantia nem da falta de pagamento.
6 – E dada a posição sustentada nos embargos, ainda que se considerasse haver título executivo, sempre teriam os autos de seguir para julgamento já que, conforme se anotou os documentos juntos, em si mesmo, nada provam.
7 – Nos embargos, o Ministério Público agiu em representação de executado ausente, litigando, com isenção subjectiva de custas, a coberto disposto no art.º 4.º, n.º 1.º, alínea l), do Regulamento das Custas Processuais.
8 – Ao julgar improcedentes os embargos com fundamento na existência de título executivo válido alicerçando a decisão em factos devidamente impugnados, o tribunal violou o disposto nos art.ºs nos art.ºs 46, al c), 591.º, n.º 1.º, alínea f), 596.º, n.º 1.º, e 595.º, n.º 1.º, alínea b), este último “a contrario”, todos do CPC.
Termos em que se requer (…) julgar procedente o recurso interposto e, por via disso, a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que julgue procedentes os embargos e a extinção da execução por falta de título executivo ou, em alternativa, que determine o prosseguimento dos embargos para julgamento”.
Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, as questões a decidir são:
- saber se os embargos devem proceder ou em alternativa,
- se não poderia ter sido julgado provado que “foi transferido para o executado o montante de €5.000,00 e que o executado deixou de pagar as prestações mensais, pelo que foi o referido contrato de crédito resolvido”, em virtude da impugnação dos documentos apresentados como título executivo, devendo os autos prosseguir para julgamento.
III. Matéria de facto
A decisão do tribunal recorrido em matéria de facto é a seguinte:
“II. Fundamentação de facto e de direito
Factos provados:
A. “B” instaurou, em 22/10/2012, ação executiva para pagamento da quantia de € 10.904,35.
B. A exequente celebrou em 19/02/2010 com “C”, credora originária, contrato de Cessão de Créditos.
C. Em 01/09/2005, “A” subscreveu “contrato de adesão” no qual declarou desejar aderir ao “…crédito” com seguro, no montante de €5.000,00 com mensalidades de € 125,00, a beneficiar na totalidade e de imediato por transferência bancária.
D. Em 07/09/2005 foi transferido para o executado o montante de € 5.000,00.
E. Desde 07/07/2006 que executado deixou de pagar as prestações mensais, pelo que foi o referido contrato de crédito resolvido.
Factos não provados:
Não existem
Fundamentação de facto
Os factos provados mostram-se documentados na execução (vide contrato e extrato juntos com o requerimento executivo)”.
IV. Apreciação
Anotar primeiro que não foi dado cumprimento ao contraditório devido nos termos do artigo 3º do CPC, o que porém não vem invocado no recurso. Tal cumprimento teria evitado que o recorrente ora viesse oferecer a alternativa que põe no seu recurso, ou seja, que eventualmente os autos devem prosseguir para julgamento.
Anotar depois que, ainda que não propriamente de modo muito claro, nos parece existir uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto no que toca às alíneas D) e E), ou seja, da entrega da quantia mutuada e do incumprimento das prestações de pagamento e resolução, consequente, do contrato.
Não está em causa que o embargante tenha subscrito o contrato de adesão “…crédito”, mas está em causa saber se tal subscrição demonstra ou não a existência do contrato, ou se apenas pode ser caracterizado como uma proposta contratual, pois que a aceitação da mesma não foi demonstrada nos documentos que integram o título executivo.
Recordemos que o embargante se defendeu do seguinte modo: - o contrato de adesão não é um verdadeiro contrato mas uma simples proposta, assim resultando da cláusula geral 1º, nº 4, e falta a demonstração da aceitação por parte da “C”. Não resulta nem dos documentos esta aceitação nem mesmo que tenha sido entregue ao executado qualquer quantia. Em segundo lugar, se assim não for entendido, o documento complementar comprovativo da entrega de qualquer prestação desobedece ao artigo 707º do CPC, “por não ter sido exarado ou autenticado por notário”.
No recurso, e como resulta da conclusão 8ª, esta última questão foi deixada cair, seguramente porque, tal como defendeu a embargada, o artigo 707º resulta da versão actual do CPC que não se aplica ao caso dos autos. E, em verdade, nenhuma outra impugnação é aduzida contra o extracto de conta.
Assim, o que está para decidir é saber se os autos – e em concreto, os documentos, pois que outra prova não há – não demonstram a aceitação da proposta.
Como se sabe, também a aceitação pode ser tácita, e exemplo dessa possibilidade encontra-se claramente no artigo 234º do Código Civil – “Quando a proposta, a própria natureza ou circunstâncias do negócio, ou os usos tornem dispensável a declaração de aceitação, tem-se o contrato por concluído logo que a conduta da outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta” – designadamente nesta sua parte final. É verdade que segundo a cláusula 1ª nº 4 do contrato de adesão, a aceitação dependia da análise e confirmação das informações prestadas pelo mutuário, reservando-se por isso a “C” o direito de confirmar ou recusar a concessão de crédito, mas por via da razão mesma desta reserva, pode presumir-se com toda a razoabilidade e probabilidade, que se o crédito foi afinal concedido, se como se demonstra no extracto, o montante foi transferido, então isso significa que a “C” analisou as informações prestadas na proposta de adesão e as considerou boas para conceder crédito e por isso, ao concede-lo, aceitou a proposta, com o que levou à perfeição do contrato.
Ora, analisado o extracto de conta, revela-se tanto a entrega do capital mencionado na proposta como sendo para colocar de imediato à disposição, na sua totalidade, ao mutuário, quanto a realização de prestações e o incumprimento de prestações ao longo do tempo, quanto finalmente a própria resolução, ainda que não resulte a comunicação dessa resolução ao mutuário, o que porém não vem arguido.    Isto é, não se vê que não pudessem ter sido dados como provados, como o foram, os factos constantes das alíneas D e E da matéria de facto provada, nem que haja qualquer razão para os autos prosseguirem para julgamento, nem finalmente que o título e documento complementar não possam valer como título executivo suficiente.
Nestes termos, improcede o recurso.
Sem custas, dada a isenção do Ministério Público - art.º 4.º, n.º 1.º, alínea l), do Regulamento das Custas Processuais.
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam negar provimento ao recurso e em consequência confirmar a sentença recorrida.
Sem custas.
Registe e notifique.

Lisboa, 06 de Junho de 2019

Eduardo Petersen Silva
Cristina Neves
Manuel Rodrigues