Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2073/09.1YXLSB.L2-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
SEGURO OBRIGATÓRIO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. O art. 5.° do DL nº 218/99 estabelece uma inversão do ónus da prova, não obrigando os serviços integrados no SNS a alegar e a provar as circunstâncias do acidente.
2. Face ao prescrito no art. 21º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei n.º 522/85, de 31/12, em caso de morte ou de lesões corporais, o Fundo de Garantia Automóvel garante sempre a indemnização devida, mesmo quando, por ser desconhecido o responsável, não possa inferir-se que o acidente foi causado por veículo sujeito a seguro obrigatório, ou não possa provar-se que se encontra matriculado em Portugal ou em países em que não existe gabinete ou que a ele não tenham aderido.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E., intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra o Fundo de Garantia Automóvel - Instituto de Seguros de Portugal e JB, peticionando a condenação solidária dos réus no pagamento da quantia de €6.284,07, acrescida dos juros de mora vencidos, no montante de €510,00 e vincendos até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que prestou serviços de assistência médico hospitalar a AP, no valor de € 6.284,07, devido a um acidente de viação sofrido por esta; que o acidente ocorreu no dia 12 de Setembro de 2006, cerca das 12 horas, na Rua …, …, Lisboa, quando caminhava no passeio; que subitamente um veículo invadiu o passeio e atropelou a assistida e abandonou o local, não tendo sido possível saber quem era o condutor; que essa viatura foi o veículo de matrícula …, propriedade de JB, não havendo comprovativo da existência de seguro, nem tendo sido possível obtê-lo; que o réu FGA foi interpelado para pagar as despesas e não o fez.
O Réu Fundo de Garantia Automóvel contestou, excepcionando a prescrição e impugnando a factualidade alegada na p.i.
O segundo Réu contestou, tendo impugnado a matéria de facto alegada pelo Autor e alegado que o veículo de que é proprietário não foi interveniente no acidente invocado na p.i. e que à data a responsabilidade civil pelos acidentes causados pelo dito veículo encontrava-se transferida para a SDG – Companhia de Seguros S.A., sendo, por isso, parte ilegítima.
A autora apresentou articulado de resposta a cada uma das contestações.
Após, o Sr. Juiz proferiu despacho saneador-sentença, no qual julgou improcedente, quer a excepção de ilegitimidade passiva, quer a presente acção, tendo os réus sido absolvidos do pedido, fundando-se tal decisão, essencialmente, na circunstância de, à data do acidente, o réu ter transferido para a SDG– Companhia de Seguros S.A. a responsabilidade pelos acidentes causados pelo veículo de matrícula ….
Interposto recurso pela autora, por acórdão desta Relação foi revogada aquela sentença, e ordenado o prosseguimento dos autos.
Nesse acórdão exarou-se, além do mais, que:
“Ora como ressalta do factualismo dado como provado, não resulta desde já apurado que o veículo referenciado tenha sido o interveniente no acidente, provocando os danos que determinaram a prestação dos serviços médicos, tratando-se, na verdade, de um facto controvertido, e como tal não podia constituir fundamento para afastar, desde logo, a possível responsabilidade do recorrido Fundo de Garantia Automóvel.
(…)
Manifesto se torna que o estado dos autos não permitia, sem mais, o conhecimento do mérito da pretensão deduzida pela Recorrente (…)”.
Após o Sr. Juiz absteve-se de fixar a base instrutória.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção improcedente e se absolveram os réus do pedido.
Inconformada, apelou a autora, alegando e formulando as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo, no que tange à matéria de facto, declarou que não se apurou qual o condutor e qual o veículo que provocou o atropelamento da sinistrada AP.
2. Assente está, pois, que é desconhecido o responsável pelo atropelamento, como desconhecido é também se o veículo possuía seguro válido e eficaz.
3. Neste contexto, outro caminho não há que não seja a aplicação ao caso sub judice do comando dos art.º 47° e 49° do DL-291/07, de 21 de Agosto.
4. De sorte que, a decisão recorrida violou as disposições expressas das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 49° do citado diploma legal.
5. Tais normas jurídicas são inequivocamente aplicáveis na decisão do presente pleito, tendo em conta e dando observância ao art. 4° do DL-218/99, de 9 de Junho.
6. Do que resulta impor-se a condenação do R. - Fundo de Garantia Automóvel.
Termina pedindo seja revogada a sentença recorrida, na parte em nela se absolveu o réu FGA, condenando-se este no pedido formulado.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. A questão a decidir resume-se, essencialmente, em apurar se o FGA é responsável pelo pagamento dos cuidados de saúde em causa nos autos.

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III. Factos considerados provados em 1ª instância:
1. O autor, no exercício da sua actividade prestou assistência hospitalar a AP, no montante total de €.6.284,07, conforme facturas juntas a fls. 6 e 7, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. Os cuidados de saúde prestados a AP, resultaram de um acidente de viação ocorrido em 12/09/2006, devido ao qual esta foi atropelada quando caminhava em cima do passeio.
3. No dia 12 de Setembro de 2006 o Réu JB esteve todo o dia em casa, em repouso, por recuperar de uma intoxicação alimentar de que tinha sido acometido no dia anterior.
4. No dia 12 de Setembro de 2006 a viatura automóvel de que o R. era proprietário esteve sempre estacionada junto à sua residência, sita na Rua Luís …, n° …, … na ....
5. O R. apenas tomou conhecimento da existência do sinistro no final de 2006, após ter sido contactado pela SDG, Cª de Seguros responsável pela apólice do seguro de responsabilidade civil automóvel da viatura S, com a matrícula … de que era proprietário.
6. Em finais de 2006, o R. foi informado pelo SDG - C" de Seguros, S.A., da existência de uma reclamação de sinistro referente a um alegado atropelamento com fuga, no qual teria sido interveniente a viatura automóvel de que era proprietário.
7. Na sequência das diligências efectuadas, a SDG – Cª de Seguros, S.A., concluiu pela inexistência de quaisquer indícios do envolvimento da viatura automóvel do R. no sinistro, ocorrido no dia 12 de Setembro de 2006, e, por conseguinte, declinou qualquer responsabilidade pelo ressarcimento dos danos reclamados pela sinistrada.
8. Das declarações da sinistrada e das informações prestadas pelos populares à Polícia de Segurança Pública infere-se que o atropelamento terá sido causado por uma carrinha e não por um veículo automóvel ligeiro de passageiros, nomeadamente pelo S pertença do Ré JB.
9. No período compreendido entre 16 de Setembro de 2005 e 16 de Setembro de 2006 a viatura automóvel com a matricula ..., S encontrava-se garantida pela apólice n° … da SDG - C" de Seguros S.A.
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IV. Da questão de mérito:

Na sentença recorrida entendeu-se que:
“ (…) Aqui chegados, e no que respeita à responsabilidade imputada ao Réu JB, não se apurou que o veículo de matrícula … e propriedade deste Réu, tivesse sido interveniente no acidente de viação que provocou a assistência hospitalar ora reclamada pelo Autor.
Destarte, não sendo o condutor do veículo acima referido, não pode este ser responsabilizado pelas despesas da assistência e tratamento à sinistrada assistida, pelo que, naufraga a pretensão do autor quanto ao 1° Réu.
Isto posto, cumpre apreciar a responsabilidade do Fundo de Garantia Automóvel. Quanto a este aspecto, refira-se que o autor demandou conjuntamente o Fundo de Garantia Automóvel, porquanto, de acordo com o alegado tinha sido dado como interveniente no acidente o veículo de matrícula ..., mas não se sabia se o mesmo tinha contrato de seguro válido.
No entanto veio a apurar-se que o veículo que o A. indicara não teve qualquer responsabilidade no acidente que originou a prestação da assistência hospitalar aqui reclamada.
Será que mesmo assim a 2ª Ré poderá ser responsabilizada pelo pagamento da indemnização peticionada?
Parece-nos que não, pois de acordo com a matéria provada, não foi o veículo indicado pela Autora o responsável pelo acidente, mas não se sabe qual foi e se teria ou não seguro válido.
Com efeito, não se tendo apurado qual o veículo que tenha intervindo no acidente e por conseguinte se havia apólice válida ou eficaz não se poderá responsabilizar o F.G.A.”
Dissentindo deste entendimento, sustenta a apelante que não se tendo apurado qual o condutor e qual o veículo que provocou o atropelamento da sinistrada AP, o FGA é responsável pelas quantias em causa nos autos, nos termos dos arts.  47° e 49° do DL-291/07, de 21 de Agosto.
Vejamos.

A presente acção versa sobre um processo de cobrança de um crédito hospitalar, em resultado de um acidente de viação, por cuidados de saúde prestados por uma instituição integrada no Serviço Nacional de Saúde.
Nesta matéria rege o DL n.º 218/99 de 15/6, na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, pois que os cuidados de saúde foram prestados nos anos de 2006 e 2007 (vide facturas de fls. 6 e 7).
Para obviar a que a instituição hospitalar tenha de provar os factos constitutivos da responsabilidade civil, estabelece-se no art. 5º do citado diploma legal que: “Nas acções para cobrança de dívidas de que trata o presente diploma incumbe ao credor a alegação do facto gerador da responsabilidade pelos encargos, e a prova da prestação de cuidados de saúde, devendo ainda, se for caso disso, indicar o número da apólice do seguro”.
Partindo desta formulação, fixou a jurisprudência pacífico entendimento de que o art. 5.° do DL nº 218/99 estabelece uma inversão do ónus da prova, não obrigando os serviços integrados no SNS a alegar e a provar as circunstâncias do acidente, designadamente que o segurado agiu com culpa, cabendo-lhe apenas alegar e provar a prestação dos cuidados de saúde e o facto gerador da responsabilidade – vide, entre outros, o Ac. STJ de  15-10-2013 (Azevedo Ramos) e os acórdãos da Relação de Lisboa de 25/10/2012 (Vítor Amaral) e de 9/12/2010 (Ilídio Sacarrão), da Relação do Porto de 28/10/2013 (Abílio Costa) e da Relação de Coimbra de 7/6/2005 (Jaime Ferreira).
Deste modo, o legislador instituiu uma presunção legal de responsabilidade do lesado ou de terceiro por despesas decorrentes de serviços prestados por entidades prestadoras de cuidados de saúde.
Por outra via, razões de política legislativa levam a que, obtida a indicação de que as lesões que deram causa à assistência foram infligidas por terceiro, a instituição hospitalar demande directamente o responsável, bastando-lhe assinalar o facto que ganha assim foros de mera legitimação formal para o alargamento da instância a quem não foi parte na relação contratual subjacente à dívida.
Assim, estabelece o art.4º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 218/99:
As entidades a que se referem as alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 23.º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, podem ser directamente demandadas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde pelos encargos resultantes da prestação de cuidados de saúde.
E dispõe o referido art. 23º que:
1 - Além do Estado, respondem pelos encargos resultantes da prestação de cuidados de saúde prestados no quadro do SNS:
a) Os utentes não beneficiários do SNS e os beneficiários na parte que lhes couber, tendo em conta as suas condições económicas e sociais;
b) Os subsistemas de saúde, neles incluídas as instituições particulares de solidariedade social, nos termos dos seus diplomas orgânicos ou estatutários;
c) As entidades que estejam a tal obrigadas por força de lei ou de contrato;
d) As entidades que se responsabilizem pelo pagamento devido pela assistência em quarto particular ou por outra modalidade não prevista para a generalidade dos utentes;
e) Os responsáveis por infracção às regras de funcionamento do sistema ou por uso ilícito dos serviços ou material de saúde.
2 - São isentos de pagamento de encargos os utentes que se encontrem em situações clínicas ou pertençam a grupos sociais de risco ou financeiramente mais desfavorecidos, constantes de relação a estabelecer em decreto-lei.
3 - A demonstração das condições económicas e sociais dos utentes é feita segundo regras a estabelecer em portaria do Ministro da Saúde, podendo ser considerados os elementos definidores da sua situação fiscal.
Deste modo, sempre que, nos termos do art. 4º do Dec. Lei n.º 218/99, a instituição hospitalar demande terceiros (entidades a que se referem as alíneas b), c) e d) do n.º 1, do art.º 23º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde), alegando o facto gerador da responsabilidade pelos encargos, à responsabilidade contratual associa-se a responsabilidade aquiliana, enquanto facto desencadeador daquela responsabilidade.

Da situação ocorrida nos autos:
O acidente de que derivaram danos corporais para a assistida ocorreu dia 12/09/2006.
À data estabelecia o art. 21º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei n.º 522/85, de 31/12 (vide art. 95º do DL 291/2007, de 21/08), que:
1 - Compete ao Fundo de Garantia Automóvel satisfazer, nos termos do presente capítulo, as indemnizações decorrentes de acidentes originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório e que sejam matriculados em Portugal ou em países terceiros em relação à Comunidade Económica Europeia que não tenham gabinete nacional de seguros, ou cujo gabinete não tenha aderido à Convenção Complementar entre Gabinetes Nacionais.
2 - O Fundo de Garantia Automóvel garante, por acidente originado pelos veículos referidos no número anterior, a satisfação das indemnizações por:
a) Morte ou lesões corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz, ou for declarada a falência da seguradora;
b)  Lesões materiais, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido ou eficaz”.
Neste normativo prevêem-se assim vários tipos de situações: desconhecimento do responsável pelo evento lesivo; conhecimento do responsável mas não beneficiar este de seguro válido ou eficaz; existência de seguro mas ter sido declarada a falência da seguradora.

O FGA foi demandado conjuntamente com o réu JB, este na qualidade de proprietário do veículo de matrícula ..., alegadamente, não beneficiário de seguro válido e interveniente no acidente.
Não obstante, na p.i. a autora alegou ainda que o veículo interveniente no acidente, após ter atropelado a assistida, “fugiu” e que não foi possível saber quem era o condutor.
E na contestação o réu JB negou a intervenção do veículo de matrícula ... no acidente, apontando para a intervenção de um outro veículo (“uma carrinha” - vide arts. 16º e 17º da contestação), não identificado, no acidente.
Por essa razão, no acórdão proferido nos autos por esta Relação, após se considerar que o FGA pode ser responsabilizado, tanto nos casos em que o responsável do acidente é conhecido, mas não beneficia de seguro válido e eficaz, como no caso em que é desconhecido, exarou-se, além do mais, que:
“Ora como ressalta do factualismo dado como provado, não resulta desde já apurado que o veículo referenciado tenha sido o interveniente no acidente, provocando os danos que determinaram a prestação dos serviços médicos, tratando-se, na verdade, de um facto controvertido, e como tal não podia constituir fundamento para afastar, desde logo, a possível responsabilidade do recorrido Fundo de Garantia Automóvel.
(…)
Manifesto se torna que o estado dos autos não permitia, sem mais, o conhecimento do mérito da pretensão deduzida pela Recorrente (…)”.
Assim, no aludido acórdão entendeu-se que os factos alegados eram susceptíveis de conduzir à responsabilização do FGA pelos cuidados de saúde prestado à assistida, no âmbito do acidente estradal invocado na p.i caso não se apurasse a identidade do veículo interveniente no acidente, sendo então o responsável desconhecido.
Em consonância, decidiu-se que os autos deveriam prosseguir os seus termos para julgamento, por não estar assente nos autos que o veículo interveniente no acidente foi o de matrícula ....

Realizado o julgamento apurou-se que os cuidados de saúde prestados a AP, resultaram de um acidente de viação ocorrido em 12/09/2006, devido ao qual esta foi atropelada quando caminhava em cima do passeio.
E que nesse acidente não interveio o veículo automóvel de matrícula ..., mas sim uma carrinha.
Ora, uma das situações em que o FGA “garante” a indemnização devida aos lesados em acidentes de viação por danos corporais é precisamente quando há responsável desconhecido. (art. 21º nº1-a) e 29º nº8 do DL nº 522/85 de 31/12)
Quando a lei refere responsável “desconhecido” não significa, sem mais, “veículo desconhecido” ou “veiculo não identificado”.
A responsabilidade extracontratual é pessoal, que não de veículos ou de outras coisas e é sobre a pessoa responsável que recai o dever de indemnizar.
Ora, dos factos provados infere-se que o veículo atropelante se pôs em fuga após o embate e que nesse acidente interveio uma carrinha e não o veículo automóvel de matrícula ....
Significa isto que se desconhece a identidade do responsável pelo acidente, nomeadamente a matrícula do veículo interveniente e o seu condutor.

Diz-se, porém, na sentença que não se sabe se o veículo interveniente no acidente teria ou não seguro válido.
Porém, como se decidiu no Ac. STJ de 18 de Dezembro de 2012 (relatado pelo Cons. Moreira Alves, in www.dgsi.pt), sendo o responsável desconhecido, não se pode provar que se trata de um veículo sujeito a seguro obrigatório e que se encontra matriculado em Portugal ou em países terceiros em relação à CEE, que não tenham gabinete nacional de seguro ou cujo gabinete não aderiu à Convenção Complementar. Tal prova é simplesmente impossível.
“A interpretação da lei não há-de ser exclusivamente literal, antes deve reconstituir o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema e as circunstâncias em que a lei foi elaborada.
No caso, há que considerar o contexto internacional de adesão de Portugal à Comunidade Europeia e as Directivas do Conselho, aliás vinculativas para os estados membros e as Decisões da Comissão, todas dirigidas no sentido de garantir ao lesado indemnização pelos danos causados por veículos não identificados, através de organismos para esse efeito criados, e que, entre nós e, sem dúvida, o F.G.A.”
Haverá, por isso, que interpretar a lei, segundo a qual, em caso de morte ou de lesões corporais, o “Fundo” garante sempre a indemnização devida, mesmo quando, por ser desconhecido o responsável, não possa inferir-se que o acidente foi causado por veículo sujeito a seguro obrigatório, ou não possa provar-se que se encontra matriculado em Portugal ou em países em que não existe gabinete ou que a ele não tenham aderido.


Por outro lado, da factualidade provada deriva, sem qualquer margem para dúvidas, a responsabilidade do condutor do veículo atropelante pela eclosão no dia 12/09/2006 do acidente estradal em apreço, pois que o embate no peão ocorreu no passeio, em clara violação do estatuído nos arts. 13º, n.º 1, e 17º do CE, na redacção à data vigente, sendo indubitável a culpa daquele.
Deste modo, compete ao réu FGA o pagamento das despesas de saúde despendidas pela autora com a vítima daquele acidente, no montante de €6.284,07.
Face ao alegado na p.i., e ao teor do doc. n.º 3, junto àquele articulado, a ré foi interpelada para pagar a factura n.º …, no valor de €6.273,87, no dia 21/03/2007.
Assim, desde o dia 22/03/2007 o réu FGA entrou em situação de mora, relativamente àquela quantia, constituindo-se na obrigação de reparar os danos causados – art. 804º e 805º, n.º 1, do CC. E relativamente à quantia de €10,20, entrou em mora com a citação (17/11/2009) – art. 805º, n.º 1, do CC.
A indemnização moratória devida corresponde aos juros a contar dos dias da constituição em mora, à taxa legal – art. 806º do C.C.

Procede, por isso, a apelação.

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V. Decisão:
Pelo acima exposto, decide-se:
1. Julgar a apelação procedente, revogando-se a sentença recorrida, condenando-se o réu FGA a pagar à autora a quantia de €6.84,07, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, incidente sobre a quantia de €6.273,87, desde o dia 22/03/2007, e sobre a quantia de €10,20 desde o dia 17/11/2009, até integral pagamento;
2. Custas pelo FGA;
3. Notifique.


Lisboa, 9 de Julho de 2014

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(Manuel Ribeiro Marques - Relator)

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(Pedro Brighton - 1º Adjunto)

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(Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta)