Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
121/16.8PFSNT.L1-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
TAXA DE ALCOLEMIA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: – Nos termos do art.º 170º do Código da Estrada, na redacção introduzida pela Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro, o legislador ao aludir a "infração (...) aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares", refere-se, além do mais, a infracções como a condução automóvel na via pública estando o condutor sob o efeito do álcool.

– E, embora se refira, como é natural, apenas, às contra-ordenações (uma vez que o Código da Estrada não prevê crimes), não se identifica qualquer razão válida para não aplicar o disposto na alínea b) aos casos em que a condução de veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue acima de determinado limite constitua um crime.

– Seria incompreensível que, para o preenchimento de um ilícito contra­ordenacional se procedesse à dedução do erro máximo admissível ao valor registado pelo alcoolímetro e que, quando o valor registado fosse igual ou superior a 1,2 g/l, já não se procedesse a essa dedução.

– O novo preceito traduz-se numa verdadeira norma interpretativa, pela qual o legislador veio, por via legislativa, precisar o sentido e alcance de lei anterior.”

– Porque assim é, à TAS constante do talão do alcoolímetro tinha efectivamente de ser descontado o valor do erro máximo admissível, ao contrário do que considerou o tribunal recorrido, pelo que a sentença revidenda padece do vício de erro notório na apreciação da prova que, porém, pode ser corrigido nesta instância de recurso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


1.– Nos presentes autos com o NUIPC 121/16.8PFSNT, da Comarca de Lisboa Oeste Sintra – Instância Local – Secção de Pequena Criminalidade - Juiz 2, em Processo Especial Sumário, foi o arguido T. condenado, por sentença de 28/06/2016, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 75 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de 4 meses e 15 dias.

2.– O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

I.-  Na concreta medida da pena, o Digníssimo Tribunal "à quo" entendeu ser de aplicar uma pena de 75 dias de multa à taxa diária de 5,00€, que perfaz o montante de 375,00€.
II.- Porquanto considerou que:
"A taxa de 1,84 g/l é elevada não é próxima dos seus limites mínimos; a gravidade do comportamento do arguido;
não pode aplicar a multa nos seus limites mínimos por uma questão de igualdade com os outros cidadãos que conduzem nas estradas com taxas bem mais baixas do que a do arguido.
A favor do arguido:
a confissão integral e sem reservas, sem grande valor probatório, mas que revela um juízo de censura por parte do mesmo;
a sua inserção social;
não foi interveniente em acidente de viação; não tem antecedentes criminais.
Pelo que o Tribunal entende adequada a multa de 75 dias à taxa diária de 5,00€, um pouco acima do limite médio que seriam os 60 dias e ainda distantes dos 120 dias que é o máximo que a lei prevê.
Quanto à pena acessória, de proibição de conduzir, atendendo às considerações anteriores, o Tribunal entende adequada uma pena um pouco acima dos seus limites mínimos que fixa em 4 meses e 15 dias."
III.- O arguido não põe em crise a qualificação jurídico-penal adoptada pelo tribunal recorrido, no entanto considera que a pena concreta aplicada bem como a pena acessória de inibição de conduzir são demasiado elevadas.
IV.- A medida da pena face aos parâmetros legais é fixada em função da culpa e das exigências de prevenção.
V.- Entendeu Digníssimo Tribunal "à quo" que, não obstante o arguido não ter, antecedentes criminais, não ter sido interveniente em acidente de viação e a sua confissão integral e sem reservas, só uma pena acima dos seus limites mínimos poderia acautelar as exigências de prevenção geral e especial, do caso concreto.
VI.- Não podemos concordar com tal interpretação, porquanto o arguido explicou ao Tribunal as razões que o levaram a esta situação, que se tratou de uma situação pontual e sem qualquer antecedente do mesmo género, ou outro, quer criminal, quer estradal, e que, seguramente não irá repetir-se.
VII.- Uma pena que ultrapasse a culpa é uma pena ilegal e injusta.
VIII.- A medida concreta da pena é pois, a resultante das exigências de prevenção geral, que constituem o limite mínimo da medida concreta, e da culpa, que limita a moldura punitiva no seu máximo, inscrevendo-se nesse espaço considerações de prevenção especial, de ressocialização do agente.
IX.- É precisamente no tocante a considerações de prevenção especial, que o aqui recorrente considera que a pena aplicada é efectivamente desproporcionada.
X.- A favor do arguido militam também as suas condições sociais, culturais e económicas.
XI.- Assim, a pena a aplicar deverá revestir-se da dureza necessária para atingir os seus fins de prevenção geral e especial.
XII.- No entanto, não deverá ser de tal forma grave que se revele nociva.
XIII.- De facto, tendo em consideração a taxa do arguido, bastante inferior às que diariamente se constatam nesta comarca, aliada ao facto de o arguido ser primário, não ter sido interveniente em acidente de viação e ter, ainda, confessado integralmente e sem reservas os factos, entendemos que uma pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5,00 €, seria suficiente para acautelar as exigências de prevenção geral e especial.
XIV.- De facto este ilícito surge como um episódio ocasional e isolado no contexto de uma vida de resto fiel ao direito, que poderá e deverá atenuar a pena.
XV.- Entende ainda o arguido que uma pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 3 meses, será igualmente suficiente para acautelar as exigências de prevenção geral e especial e para demover o arguido de voltar a cometer o mesmo tipo de ilícito criminal.
Nestes termos deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Sentença recorrida e proferido douto acórdão que aplique ao arguido a pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5,00€ e, bem assim, a pena de 3 meses de inibição de conduzir, fazendo-se assim a BOA E COSTUMADA JUSTIÇA!

3.– Respondeu o magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo à motivação de recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

4.– Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto apôs o seu “Visto”.

5.– Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO.

1.– Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Dosimetria da pena de multa aplicada.

Não adequação da medida da pena acessória aplicada.

2.– A Decisão Recorrida.

Ouvida a gravação da audiência, onde consta a sentença oralmente proferida (artigo 389º-A, do CPP), constata-se que o tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos:

No dia 28 de Junho de 2016, pelas 01:00 horas, o arguido T. conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros e matrícula ..., pertença de seu avô, na Rua Elias Garcia, Rio de Mouro.

Ao ser submetido ao exame quantitativo de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, com utilização do alcoolímetro marca “Drager Alcotest”, modelo 7110MKIIIP, nº ARRL-0097, aprovado pelo IPQ pelo despacho 19684/2009 de 06 de Junho de 2009, verificado em 24 de Fevereiro de 2016, foi registada uma taxa de álcool no sangue de 1,84 g/l.

O arguido foi notificado de que poderia requerer contraprova, não a tendo pretendido.

O arguido havia ingerido bebidas alcoólicas em momento anterior à condução e determinou-se à mesma, sabendo que não podia conduzir e que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo agido livre, deliberada e conscientemente.

Confessou os factos de forma livre, integral e sem reservas.

Aufere aproximadamente trezentos e cinquenta euros mensais, entregando à mãe para as despesas cerca de cinquenta euros por mês. Vive com a mãe e um irmão.

Tem como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade.

Não são conhecidos antecedentes criminais.

Quanto aos factos não provados, inexistem.

Fundamentou a formação da sua convicção na confissão integral e sem reservas do arguido quanto aos factos imputados e bem assim no que mais declarou em audiência sobre a sua situação social e económica.

Ponderou ainda toda a documentação junta aos autos, incluindo o talão de teste de fls. 12 e CRC do arguido.

Em relação à taxa de alcoolemia apurada, com reporte ao talão de fls. 12, refere-se:

É com base nesse talão, especificamente, que este tribunal decide.

Eu entendo que não se aplicam aqui a dedução dos erros máximos admissíveis. Entendo dessa forma com base na informação do IPQ documentada na secção de processos, porque os aparelhos dos quais emana o talão que consta dos autos e que é o meio de prova aqui a ponderar deriva de um aparelho devidamente aferido, verificado e homologado e portanto eu entendo que, aliás é a informação que consta essa informação do IPQ, é o teor da informação do IPQ, quando esses aparelhos são verificados, quer em verificações periódicas, quer na periódica, quer nas subsequentes que ocorrem, esses aparelhos são aduzidas as margens de erro e portanto estar aqui a valorar uma margem de erro seria uma duplicação dessa margem e portanto eu não faço. Nada a impõe em termos legais e portanto entendo que o que o que conta nos autos é o valor que consta do talão e é com base nesse que eu decido.

Apreciemos.

Dosimetria da pena de multa aplicada

O arguido censura a dosimetria da pena de multa aplicada, não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Contudo, mesmo inexistindo essa impugnação, deve o tribunal de recurso apreciar oficiosamente da existência dos vícios elencados no nº 2, do artigo 410º, do CPP que, em qualquer das suas modalidades, têm de resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum,

Um desses vícios é o do erro notório na apreciação da prova - previsto na alínea c), do nº 2, do aludido artigo – que está presente quando um homem médio, colocado perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal deu como provado ou não provado determinado facto, quando a conclusão deveria manifestamente ter sido a contrária, já por força de uma incongruência lógica, já por ofender princípios ou leis formulados cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas, ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, já por se ter violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova; existe erro notório na apreciação da prova quando, «pelo menos, a prova em que se baseou a decisão recorrida não poderia fundamentar a decisão do tribunal sobre essa matéria de facto» (Acórdão de 30/1/2002, Proc. n.º 30/1/2002, da 3ª Secção, Sumários dos Acórdãos das Secções Criminais, edição anual 2002, p. 16/17), sendo que essa prova, não pode ser outra que não a que serviu de base à fundamentação da convicção do tribunal, visto o erro ter de decorrer do texto da decisão recorrida, sem recurso a elementos extrínsecos – cfr. Ac. STJ de 20/04/2006, Proc. nº 06P363, consultável em www.dgsi.pt.

Este erro igualmente ocorre quando se violam as regras sobre prova vinculada, das leges artis ou o princípio in dubio pro reo – cfr. quanto a esta última situação Ac. do STJ de 24/03/1999, CJ, ACSTJ, I, pág. 247 e Ac. R. de Évora de 04/05/2010, Proc. nº 81/09.1JAFAR.E1,disponível no mesmo sítio..

Ora, o tribunal recorrido considerou como provado que o arguido era portador de uma TAS de 1,84 g/l, valor constante do talão emitido pelo alcoolímetro após realização do teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, entendendo que não seria de proceder à dedução do valor do erro máximo admissível.

A questão do desconto dos EMA apresenta-se controvertida e tem sido objecto de decisões judiciais divergentes, perfilando-se duas correntes em presença.

Uma dessas correntes sustenta não ser de efectuar o desconto do valor do “erro máximo admissível” na TAS registada no alcoolímetro que procedeu à medição e tem acolhimento, entre outros, nos Acs. R. de Coimbra de 12/12/2007, Proc. nº 110/07.3GTCTB.C1, de 30/01/2008, Proc. nº 91/07.3PANZN.C1, de 11/11/2008, Proc. nº 62/08.2GBPNH.C1 e de 10/12/2008, Proc. nº 17/07.4PANZR; Acs. R. de Lisboa de 03/10/2007, Proc. nº 4223/07-3, de 20/02/2008, Proc. nº 183/2008-3; Ac. R. Porto de 08/04/2008, Proc. nº 1491/08-5 e Ac. R. Porto de 14/01/2009, Proc. nº 0815205, todos em www.dgsi.pt.

A outra corrente entende que essa dedução se impõe e nas suas fileiras militam, também a título apenas meramente enunciativo, os Acs. R. do Porto de 19/12/2007, Proc. nº 000040884; de 02/04/2008, Proc. nº 479/08; de 07/05/2008, Proc. nº 0810922, de 28/05/2008, Proc. nº 0811347 e ainda de 26/11/2008, Proc. nº 0812537; Acs. R. de Coimbra de 09/01/2008, Proc. nº 15/07.1PAPBL-C1 e Proc. nº 426/04.6TSTR.C1; Ac. R. de Guimarães de 26/02/2007, Proc. nº 2602/06.2; Ac. R. de Lisboa de 07/05/2008, Proc. nº 2199/08-3 e bem assim o voto de vencido do Desembargador João Latas no Ac. R. de Évora de 01/07/2008, Proc. nº 2699/07-1, todos em www.dgsi.pt.

Este último é o entendimento por nós perfilhado e que vertemos, entre vários outros arestos, no Ac. Relação do Porto de 09/12/2009, Proc. nº 531/09.7GAVNF.P1, que passamos agora a seguir de muito perto.

Nos termos do nº 1, do artigo 81º, do Código da Estrada (na versão da Lei nº 72/2013, de 03/09) é proibido conduzir sob influência de álcool, sendo que se considera nesse estado, conforme preceitua o nº 2 da mesma disposição, o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no mesmo Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico, consignando-se ainda que a conversão dos valores do teor do álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) é baseada no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue – nº 4.

Por sua vez, no artigo 292º, do Código Penal, tipifica-se como infracção criminal a condução de veículo, com ou sem motor, pelo menos negligentemente, em via pública ou equiparada, por quem tiver uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.

Para que se preencha este elemento objectivo do mencionado tipo legal de crime (taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l) importa, assim, determinar a concreta taxa de alcoolemia de que o condutor é portador.

Por remissão do nº 1, do artigo 158º, do Código da Estrada, regem quanto aos meios e procedimentos relativos a detecção e comprovação do estado de influenciado pelo álcool, o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17/05, o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10/12 e a Portaria nº 902-B/2007, de 13/08.

No artigo 1º, do Regulamento de Fiscalização, enunciam-se os meios de detecção e medição da taxa de álcool no sangue, designadamente, analisadores qualitativos e quantitativos, estes por teste no ar expirado ou análise de sangue, consignando-se no artigo 14º que nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados aparelhos que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, sendo que prévia a esta aprovação se exige a homologação de modelo, da competência do Instituto Português da Qualidade, de acordo com os termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.

O Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007 de 10/12, define o que se entende por alcoolímetros, consignando que são “instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado” (artigo 2º, nº 1), enuncia como seus requisitos que “deverão cumprir os requisitos metrológicos e técnicos definidos pela Recomendação OIML R 126” (artigo 4º) e que compete ao Instituto Português da Qualidade, I.P. – IPQ o seu controlo metrológico, que compreende as operações de aprovação de modelo, primeira verificação, verificação periódica e verificação extraordinária (artigo 5º).

O artigo 8º, do mesmo diploma legal, reporta-se aos “erros máximos admissíveis – EMA, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado – TAE” consagrando-se que “são o constante do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante”, sendo o quadro referido o seguinte:


TAE – teor de álcool no ar expirado (mg/l)Aprovação de modelo/primeira verificaçãoVerificação periódica/verificação extraordinária
TAE<0,400±0,020mg/l±0,032mg/l
0,400<TAE <2,000± 5%± 8 %
TAE> 2,000± 20 %.± 30 %


Com interesse para a questão em análise temos ainda o nº 2, do artigo 9º, segundo o qual “os registos da medição devem conter, entre outros elementos, a marca, o modelo e o número de série do alcoolímetro assim como a data da última verificação metrológica”.

Na Portaria nº 902-B/2007, de 13/08, especificam-se as características técnicas, gerais e físicas a que devem obedecer os analisadores quantitativos, entre elas, que os referidos instrumentos devem “cumprir os requisitos metrológicos e técnicos definidos no regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros” e “usar a unidade de leitura em gramas de álcool por litro de sangue (TAS) segundo o factor fixado no nº 3 do artigo 81º, do Código da Estrada”.

Em artigo intitulado “A Alcoolemia e o Controlo Metrológico dos Alcoolímetros”, datado de 28/04/2008, disponível em www.ipq.pt, António Cruz, Maria do Céu Ferreira e Andreia Furtado, respectivamente Director do Departamento de Metrologia do IPQ, Responsável pelo Laboratório de Química-Física do IPQ e Técnica Superior do Laboratório de Química-Física do IPQ, manifestaram-se no sentido de que:

“Os Erros Máximos Admissíveis (EMA) são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados, ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição) o valor da indicação se encontra” acrescentando ainda que “a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto da Aprovação de Modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas adequadas, de forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos EMA prescritos no respectivo regulamento”.

Referem ainda os mesmos autores que “a definição, através da Portaria 1556/2007, de determinados EMA, quer para a Aprovação de Modelo e Primeira Verificação, quer para a Verificação Periódica, visa definir barreiras limite dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento são correctas. Ou seja, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais”.

Mais acrescentam que “a operação de adição ou subtracção dos EMA aos valores das indicações dos alcoolímetros sujeitos a controlo metrológico é totalmente desprovida de justificação metrológica, sendo o valor da indicação do aparelho em cada operação de medição, o mais correcto. O eventual erro da indicação, nessa operação, nesse momento, com o operador que a tiver efectuado, nas circunstâncias de ambiente locais, quaisquer que tenham sido outros factores de influência externos ou contaminantes do ar expirado, seja ele positivo ou negativo, está com toda a probabilidade contido nos limites do EMA”.

Contudo, do teor deste artigo e mormente dos excertos que respingamos, não resulta, em nosso entender, necessariamente, que esteja defeso considerar a necessidade de o Tribunal fazer uso das margens de erro dos aparelhos de medição para reduzir ao máximo o erro entre ao resultado do exame e a realidade.

Como se salienta no Ac. R. do Porto de 04/11/2009, Proc. nº 643/07-1PBMAI.P1 “ainda que se possa aceitar que o erro existente é um erro legalmente previsto, a leitura final, embora legal, não é garantida como a real. E se a margem de erro legalmente admissível é levada em conta no momento da calibração do aparelho, tal facto apenas garante que o aparelho em concreto está apto a efectuar medições e que os resultados obtidos sempre se situarão dentro dos limites daquelas margens de erro, ainda que se admita mesmo que a incerteza se aproxime do grau zero, sendo certo que, perante a medição, o julgador terá de admitir sempre como provável a hipótese daquele resultado estar próximo do limite mínimo ou do limite máximo, da dita margem de erro”.

Na verdade, “tecnicamente, não está explicado e temos dúvidas que o possa ser, em que termos o acto da calibração elimina ou reduz praticamente a zero, a dita margem de erro, no acto da medição ou realização do teste” e desde logo porque o alcoolímetro “ao efectuar cada uma das medições, dará uma resposta em função do álcool contido no ar expirado, o que pode significar que a cada medição corresponda um resultado diferente”.

Do artigo supra mencionado parece resultar que ao ser calibrado o aparelho, este fica apto a, perante a quantidade de álcool do ar expirado, efectuar logo a “correcção” ou “dedução”, tendo em conta a margem de erro admissível.

Surge então, no desenvolvimento deste raciocínio, pertinente a questão: como é possível o aparelho efectuar uma “correcção” de 30% ao ser realizado um teste a um condutor, para logo de seguida proceder a uma “correcção” de apenas 8% em teste ao condutor seguinte?

Consideramos que não se mostra demonstrado que efectivamente seja possível calibrar o alcoolímetro de molde a efectuar essas correcções e, nessa medida, aqui se ancora a dúvida inamovível quanto à existência e concreta expressão do desvio entre o valor indicado no instrumento de medida e o valor real, o que conduz a que necessariamente se tenha de proceder ao desconto do valor do erro máximo admissível indicado no quadro anexo à Portaria nº 1556/2007 no valor de TAS registado no talão emitido pelo alcoolímetro, desde logo por imposição do princípio in dubio pro reo.

Na verdade, encontrando-se a aprovação do modelo e a certificação de cada aparelho na primeira verificação e nas verificações seguintes sujeitas à não ultrapassagem das margens de erro admissível fixadas no quadro anexo mencionado, o tribunal não pode estar seguro de que o condutor submetido ao teste, em cada caso concreto, tenha tripulado o veículo com a exacta taxa de álcool indicada pelo aparelho.

Porém, como se destaca no Ac. R. de Lisboa de 07/05/2008, Proc. nº 2199/08-3, se o aparelho se encontra aprovado, se foi sujeito à verificação periódica e está a funcionar regularmente, o tribunal tem todas as razões para ter por seguro, “para além de qualquer dúvida razoável”, que o examinado tinha a taxa de álcool que resulta da subtracção da margem de erro máximo admissível ao valor indicado pelo aparelho.

Este entendimento da dedução do erro máximo admissível veio a ser consagrado na alteração introduzida ao artigo 170º, do Código da Estrada, pela Lei nº 72/2013, de 03/09, concretamente na sua actual alínea b), do nº 1 que, pese embora se reporte ao auto de notícia em contra-ordenação rodoviária, não pode deixar de se aplicar ao processo crime.

A propósito, refere-se no Ac. desta Relação e Secção de 21/01/2014, Proc. nº 270/13.4PAAMD.L1-5, disponível em www.dgsi.pt, que:

“(…) no dia 1 de Janeiro de 2014, entraram em vigor as alterações ao Código da Estrada aprovadas pela Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro.

Uma dessas alterações diz respeito às menções que devem constar do auto de notícia por contra-ordenação, dispondo agora o artigo 170.º nos seguintes termos:
«1 Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, o qual deve mencionar:
a)- Os factos que constituem a infração, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infração e, quando possível, de, pelo menos, uma testemunha que possa depor sobre os factos;
b)- O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares.
(…)
Ao aludir a "infração (...) aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares", afigura-se-nos indiscutível que o preceito se refere, além do mais, a infracções como a condução automóvel na via pública estando o condutor sob o efeito do álcool.

Por outro lado, embora se refira, como é natural, apenas, às contra-ordenações (uma vez que o Código da Estrada não prevê crimes), não se identifica qualquer razão válida para não aplicar o disposto na alínea b) aos casos em que a condução de veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue acima de determinado limite constitua um crime.
Seria incompreensível que para o preenchimento de um ilícito contra­ordenacional se procedesse à dedução do erro máximo admissível ao valor registado pelo alcoolímetro e que, quando o valor registado fosse igual ou superior a 1,2 g/l, já não se procedesse a essa dedução.

A nosso ver, o novo preceito traduz-se numa verdadeira norma interpretativa, pela qual o legislador veio, por via legislativa, precisar o sentido e alcance de lei anterior.”

Porque assim é, à TAS constante do talão do alcoolímetro de 1,84 g/l tinha efectivamente de ser descontado o valor do erro máximo admissível, ao contrário do que considerou o tribunal recorrido, pelo que a sentença revidenda padece do vício de erro notório na apreciação da prova.

Este vício determina o reenvio do processo para novo julgamento, se não for possível decidir da causa - artigo 426º, nº 1 do CPP.

Ora, constam dos autos todos os elementos que o permitem sanar pois, desde logo, basta aplicar ao valor constante do talão do alcoolímetro de fls. 12 o do erro máximo admissível que lhe é aplicável, in casu de 8% - tendo em atenção, como já se explicitou, de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado (TAE) é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue (TAS) - ou seja, a taxa de álcool no sangue a considerar como sendo portador o arguido é a de 1,69 g/l.

Deste modo, sendo possível evitar o reenvio do processo para novo julgamento, cumpre alterar a factualidade dada como provada nos seguintes termos:

Ao ser submetido ao exame quantitativo de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, com utilização do alcoolímetro marca “Drager Alcotest”, modelo 7110MKIIIP, nº ARRL-0097, aprovado pelo IPQ pelo despacho 19684/2009 de 06 de Junho de 2009, verificado em 24 de Fevereiro de 2016, foi registada uma taxa de álcool no sangue de 1,69 g/l, deduzido o erro máximo admissível.

Considerando a alteração da factualidade provada, importa retirar as devidas consequências, mormente no que concerne à medida das penas principal e acessória aplicadas.

Nos termos do artigo 292º, nº 1, do Código Penal “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.

O recorrente foi condenado na pena de 75 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros.

Conforme resulta do estabelecido no artigo 40º, do Código Penal, toda a pena tem como finalidades “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” – nº 1, sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” – nº 2.

Nos termos do artigo 71º, do CP, para a determinação da medida da pena tem de se atender à culpa do agente, às exigências de prevenção e bem assim às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele.

De acordo com estes princípios, o limite superior da pena é o da culpa do agente. O limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.

A pena tem de corresponder às expectativas da comunidade.

Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras de prevenção especial de socialização. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade – cfr. Ac. do STJ de 23/10/1996, in BMJ, 460, 407 e Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 227 e segs.

Ou, dito de outra forma, opera através da “neutralização-afastamento” do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, como intimidação do autor do crime para que não reincida e, sobretudo, para que sejam fornecidos ao arguido os meios de modificação de uma personalidade revelada desviada, assim este queira colaborar em tal tarefa - Claus Roxin, Derecho Penal-Parte Especial, I, Madrid, Civitas, 1997, pág. 86.

Da conjugação das duas mencionadas normas resulta que a pena concreta, numa primeira fase, é encontrada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.

Assim, daquela primeira aproximação decorrem duas regras basilares: a primeira, explícita, consiste em que a culpa é o fundamento para a concretização da pena, devendo esta proteger eficazmente os bens jurídicos violados; a segunda, que está implícita, é que se impõe ter em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido no seio da comunidade e da necessidade desta dele se defender, mantendo a confiança na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.

Cumpre atender a que é elevado o grau de ilicitude, ponderando a taxa de alcoolemia apresentada, bem acima do valor que confere significado criminal à conduta e que actuou com dolo.

O desempenho de actividade profissional, ausência de antecedentes criminais e inserção familiar, bem como a confissão integral e sem reservas dos factos, militam a favor do recorrente, sendo certo, porém, que é patente que esta assunção escassa ou nenhuma relevância revestiu para a descoberta da verdade, pois ocorreu a intercepção em acto de condução pelas autoridades policiais, sendo a verificação da taxa de alcoolémia efectuada pelos meios legais.

Ao nível da prevenção geral, dita positiva ou de integração, cumpre afirmar que se verifica uma exigência acrescida de tutela dos bens jurídicos e de preservação das expectativas comunitárias decorrente das prementes necessidades de travar a acentuada sinistralidade que se verifica nas nossas estradas e para a qual a condução em estado de embriaguez contribui em larga medida.

No que tange à prevenção especial de socialização, vista a sua conduta anterior aos factos, sem averbamento de condenação anterior, reclama incidência mediana.

Sopesando todos os factores acima apontados, considera-se como justa e adequada a pena de 70 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros.

Quanto à pena acessória, estabelece-se no artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime previsto no artigo 292º.

Seguindo a lição de Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 90, as penas acessórias desempenham uma função preventiva adjuvante da pena principal, com sentido e conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas também de defesa contra a perigosidade individual.

Porque se trata de uma pena, ainda que acessória, deve o julgador, na sua graduação atender, também, ao estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, tendo presente que a sua finalidade (ao contrário da pena principal que visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente) assenta na censura da perigosidade.

Há que considerar, pois, a culpa do agente (que estabelece o limite máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar) e as exigências de prevenção nos termos referidos.

Cumpre ainda ponderar todas as circunstâncias que depõem a favor ou contra o agente.

Já vimos o que releva no que tange ao grau de ilicitude e dolo, sendo que, pese embora o perigo inerente à sua conduta não tenha ultrapassado o abstracto, já valorado no tipo legal, manifesto se torna que esta pena tem de se afastar do limite mínimo.

No que tange à confissão e condições sociais e económicas, bem como exigências de prevenção geral, vale o já afirmado.

Face ao exposto, considerando a moldura abstracta aplicável de 3 meses a 3 anos, mostra-se adequada a graduação da pena acessória em 4 meses e 5 dias de proibição de condução de veículos com motor de qualquer categoria.

III–DISPOSITIVO.

Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação de Lisboa em:
           
A)– Julgar verificado o vício do erro notório na apreciação da prova, mas sendo possível evitar o reenvio para julgamento da matéria de facto, alterar a factualidade dada como provada, que passa a ter o seguinte teor:

Ao ser submetido ao exame quantitativo de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, com utilização do alcoolímetro marca “Drager Alcotest”, modelo 7110MKIIIP, nº ARRL-0097, aprovado pelo IPQ pelo despacho 19684/2009 de 06 de Junho de 2009, verificado em 24 de Fevereiro de 2016, foi registada uma taxa de álcool no sangue de 1,69 g/l, deduzido o erro máximo admissível.

B)– Pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, condenar T. em setenta dias de multa, à razão diária de cinco euros, no montante global de trezentos e cinquenta euros e, ao abrigo do estabelecido no artigo 69º, nº 1, alínea a), do mesmo diploma legal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de quatro meses e cinco dias.

C)– No mais, confirma-se a decisão recorrida.


Sem tributação.


Lisboa, 5 de Junho de 2018



                                           
(Artur Vargues) (Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP)
                                           
(Jorge Gonçalves)