Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
115/17.6JELSB.L1-5
Relator: RICARDO CARDOSO
Descritores: DETENÇÃO DE ESTUPEFACIENTE
CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES
CONSUMO MÉDIO INDIVIDUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: – Da determinação da dose média individual com referência ao princípio activo do estupefaciente pode depender a prática de um ou outro crime de tráfico ou então de consumo de estupefacientes e agora de uma contra-ordenação.

– Se determinada resina de cannabis, com o peso líquido de 5 gramas (por hipótese) tiver a concentração de 10% de tetraidrocanabinol, então corresponderá ao limite quantitativo máximo para consumo médio individual durante 10 dias (à tal razão de meia grama diária); porém, se a concentração for de 5%, a mesma quantidade de resina de cannabis corresponderá ao consumo médio individual durante 5 dias (como, de outro lado, se a concentração for de 20%, corresponderá ao consumo médio individual durante 20 dias, pois que quanto maior for a concentração da substância activa, menor será a necessidade do consumidor do referido produto, para obter o efeito desejado).

– No caso, trata-se de um grau de pureza muito elevado, contendo um grau de pureza de 29,7% e o produto em presença é óleo, resina de canábis, com 6,868 gramas de peso e, tendo natureza oleosa semilíquida não é passível de ser dividido por corte de navalha, como os sabonetes ou placas de haxixe, pelo que para o seu uso basta escorrer umas gotas sobre um cigarro de tabaco.

– A Portaria 94/96, de 26 de Março, norma complementar que veio dar expressão, por força do critério do valor probatório da remissão nela contida, à norma sancionatória (em branco) – norma incompleta – do art.º 71º, nº 1, al. c), do DL 15/93, definidora dos limites quantitativos máximos admitidos nas doses individuais de estupefacientes (em função dos quais se aplicam tipos de ilícitos comuns ou privilegiados), tem natureza meramente técnica, devendo ser interpretada como um critério de prova pericial, permitindo, pois, a impugnação dos dados apresentados, nos termos do art.º 163.º do CPP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.



Relatório:


1.– No Processo Comum (com julgamento por Tribunal Singular) nº 115/17.6JELSB do Juízo Local Criminal de Oeiras (Juiz 1) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no qual sob acusação deduzida pelo Digno Magistrado do MºPº foram julgados os arguidos HD , então em cumprimento de pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Caxias, e NS , por sentença, proferida a 7 de Fevereiro de 2018, foi decidido o seguinte:

Face ao exposto:
– Absolvo os arguidos HD  e NS da prática, como co-autores materiais (art.º 26.º do Código Penal) e na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido nos artºs. 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a) e na Tabela I-C do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;
– Decido proceder, por força da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 8/2008, publicado no DR 146, Série I, de 5 de Agosto de 2008, à convolação para um crime de detenção para o consumo, previsto e punível pelo artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C, que lhe é anexa, condenando, por ele, o arguido, HD , na pena de 9 (nove) meses de prisão;
– Condeno o arguido HD  nas custas do processo fixando-se a taxa de justiça individual em 2 (duas) UCs - cfr. artigos 513º e 514º do CPP e artigos 8º e 16º do RCP e tabela III anexa a este diploma.
– Declaro perdidos a favor do Estado, nos termos dos artigos 109º do Código Penal e do art.º 35º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, a substância estupefaciente e respectivo invólucro.
– Ordena-se a oportuna destruição da amostra-cofre.
O arguido HD fica advertido de que se manterá, até ao cumprimento da pena, sujeito às obrigações decorrentes do TIR prestado.
Tal medida de coacção extingue-se, de imediato, no que tange à arguida NS .
Comunique a sentença, independentemente de trânsito, ao nosso processo nº 255/15.6JELSB.”

2.– Não se conformando com esta decisão o arguido HD dela interpôs recurso apresentando motivação da qual extrai as seguintes conclusões:

“1.- Vem Recorrente condenado em 9 (nove) meses de prisão pela prática de um crime de detenção para o consumo.
2.- O Tribunal a quo deu por provada que o Recorrente detinha uma bolota de resina de canábis, com o peso líquido de 6,868 gramas de resina de canábis, contendo um grau de pureza de 29,7%, que permitia a elaboração de 40 doses individuais para consumo.
3.- Discorda o Recorrente da sua condenação entendendo que o Tribunal a quo não poderia ter dado por provado que a bolota de resina de canábis encontrada permitiria a elaboração de 40 doses individuais para consumo.
4.- A prova produzida em audiência de julgamento impunha decisão diversa uma vez que o Recorrente referiu que aquela quantidade (6,868 gramas) lhe daria apenas para 3 ou 4 dias.
5.- O Tribunal a quo considerou tais declarações, pese embora não as tenha feito constar da matéria provada, tão só da motivação da decisão de facto.
6.- O Recorrente é consumidor de haxixe (resina de canábis) desde os seus 12 anos e tendo ele 30 anos de idade, é evidente que desenvolveu forte resistência àquela substância, inexistindo razões para duvidar das suas maiores necessidades de consumo individual.
7.- Para dar como provado que o produto permitiria a elaboração de 40 doses individuais para consumo, o Tribunal a quo socorreu-se unicamente do exame pericial, verificando-se que este valor foi apurado por aplicação dos parâmetros da Portaria 94/96, de 26/3.
8.- Na apreciação da prova pericial o julgador não deverá colocar de parte o seu espírito crítico, podendo dela discordar desde que o faça de forma fundamentada.
9.- Os limites previstos no art.º 9.º da Portaria 94/96, de 26/3 não são rígidos nem de aplicação automática.
10.- Impunha-se que, considerando as necessidades pessoais do Recorrente, o Tribunal a quo colocasse em crise a determinação do número de doses individuais constante do relatório pericial.
11.- “Os valores decorrentes da tabela a que se refere o artigo 9º da Portaria nº 94/96 não são rígidos e inderrogáveis; podem ser considerados valores de consumo médio individual diferentes, em função das características individuais do consumidor em questão” Acórdão TRP disponível em www.dgsi.pt.
12.- Vai impugnada a matéria de facto dada como provada nos §3 (quanto ao número de doses individuais para consumo) a §6.
13.- De molde a que o §3 espelhe fidedignamente o conteúdo probatório produzido em sede de audiência de discussão e julgamento torna-se imperioso alterá-lo, acrescentando que “a quantidade de estupefacientes apreendida ao Recorrente poderia seria por si consumida em 3 a 4 dias, não excedendo assim a necessária para o seu consumo médio individual durante o período de 10 dias” em substituição da expressão “que permitia a elaboração de 40 doses individuais para consumo”.
14.- O Tribunal a quo ao considerar a conduta do Recorrente como crime violou o disposto nos artºs 40º nº 2 e 71º n.º 1 al. c), do DL 15/93, de 22/01, Portaria nº 94/96, de 26/03 e artºs. 2º e 28º da Lei nº 30/2000, de 29/11, devendo a Sentença ser substituída por outra que se atenha ao Direito aplicável aos factos a considerar provados.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, substituindo-se a decisão recorrida por outra que reconheça que a quantidade de produto detida não excedia a necessária para consumo médio individual durante o período de 10 dias, absolvendo-se assim o Recorrente do crime pelo qual vem condenado.”

3.– Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo o MºPº respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, nos seguintes termos:

“1.- A sentença recorrida não merece qualquer censura quanto à matéria factual que deu como provada e que conduziram à condenação do arguido pela prática de um crime de detenção para consumo, previsto e punível pelo artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. 
2.- Na verdade, muito embora o arguido pugne pela sua absolvição, alegando que a quantidade de canábis de resina encontrada na sua posse lhe daria para um período inferior a 10 dias, certo é que da leitura das alegações, afigura-se que o mesmo se insurge quanto à forma como foi valorada a prova pelo tribunal a quo – ou seja, contra o facto de a sua versão e explicação dos factos não ter sido acolhida.
3.- Com efeito, o tribunal a quo, perante a prova produzida em audiência de julgamento e norteando-se pelo princípio da livre convicção do julgador, inserto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, segundo o qual o julgador é livre de formar a sua convicção perante a prova produzida, desde que tal apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, da experiência e do conhecimento científico, por referência ao homem médio suposto pela ordem jurídica, e perante as declarações pouco verosímeis do arguido, concluiu que o recorrente ia destinar aquele produto estupefaciente (canábis de resina) ao seu consumo pessoal durante um período superior a 10 dias.
4.- Efectivamente, não podemos olvidar que na data dos factos, o arguido encontrava-se, como ainda se encontra, em situação de reclusão num estabelecimento prisional. Dessa forma, uma vez que o arguido se entrava privado de aceder livremente, como faria em situação de liberdade, a fornecedores de estupefacientes, atenta a elevada quantidade de estupefaciente apreendida e referida nos factos provados, podemos certamente concluir que tal quantidade seria por si consumida pelo arguido num período superior a 10 dias.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se dessa forma a sentença recorrida.”

4.– Neste Tribunal da Relação o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

5.– Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência.
        
6.– Suscita-se a apreciação da

7.1.– Assim reza a sentença recorrida:

2.–FUNDAMENTAÇÃO:

2.1- Factos provados:

Discutida a causa, resultou provado que:
1.- No dia 19 de Março de 2017, o arguido HD estava a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Caxias.
2.- Por volta das 11 horas daquele dia, a arguida NS foi visitar o arguido, seu namorado, a este Estabelecimento Prisional
3.- Pelas 11h40m, finda a visita, HD abandonou a sala de visitas e dirigiu-se ao local de realização de revistas e, uma vez aí, transportava, na boca, uma bolota de resina de canábis, com o peso líquido de 6,868 gramas de resina de canábis, contendo um grau de pureza de 29,7%, que permitia a elaboração de 40 doses individuais para consumo.
4.- Os arguidos HD e NS Santos não dispunham de qualquer autorização de natureza legal, administrativa ou outra, que lhes permitisse deter ou comercializar resina de canábis.
5.- Ao agir do modo descrito, HD  sabia e quis deter, para seu consumo, a substância estupefaciente que sabia proibida.
6.- O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, pese embora soubesse que o seu comportamento era proibido por lei.
7.- O arguido HD  consome haxixe desde os seus 12 anos.
8.- No interior do E.P. está frequentar um curso técnico de hotelaria, que tem equivalência ao 9º ano de escolaridade
9.- Recebe € 36,00 pela frequência do curso.
10.- Tem 3 filhos, dois dos quais vivem em França com as respectivas mães.
11.- A terceira filha vive em Portugal, com a respectiva mãe.
12.- A arguida NS  é empregada de balcão, trabalha na Telepizza a tempo parcial e ganha € 260,00.
13.- Vive com a avó.
14.- Ajuda-a a pagar as despesas da casa de casa na medida das suas possibilidades.
15.- Estudou até ao 6º ano de escolaridade.
16.- O arguido HD  foi condenado no processo nº 1156/04.9PJLSB, da 1ª Secção, da 3ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 28/06/2006, transitada em 13/07/2006, na pena de 9 meses de prisão, suspensa por 2 anos, pela prática, em 29/11/2014, de um crime de roubo. Tal suspensão foi revogada em 9/12/2013.
17.- Foi condenado em 3/12/2008, por sentença transitada em 7/01/2009, no processo nº 224/06.7PFOER, do 1º Juízo Criminal de Oeiras, na pena de 4 anos, suspensa por igual período, com imposição de regime de prova, pela prática, em 31/08/2006, por um crime de roubo. Esta pena foi declarada extinta em 10/1/2011.
18.- E foi condenado em 9/12/2009, por acórdão transitado em 26/04/2010, no processo nº 784/06.2GCLRS, da 1ª Vara de Competência Mista de Loures, na pena de 14 meses, suspensa por igual período, com regime de prova, pela prática, em Agosto de 2006, de um crime de ofensa detenção de arma proibida e de um crime de ofensa à integridade física e em 2007, de um crime de abuso de confiança.
19.- O arguido foi condenado em 15/06/2012, por sentença transitada em 4/07/2012, no processo nº 546/12.8PEAMD, do Juízo de Pequena Instância Criminal da Amadora, na pena de 18 meses, suspensa por igual período, pela prática, em 3/06/2012, de um crime de resistência e coacção e por um crime de injúria agravada.
20.- O arguido foi condenado no processo sumário nº 3/14.8SCLSB, do J1, da Secção de Pequena Criminalidade de Lisboa, por sentença de 30/01/2014, transitada em 30/06/2014, na pena de 110 dias de multa, pela prática, em 1/01/2014, de um crime de injúria.
21.- E foi condenado em 18/10/2013, por sentença transitada em 19/06/2015, no processo nº 579/12.4PQLSB, do J24, da 1ª Secção Criminal, da Instância Central de Lisboa, na pena de 2 anos, suspensa por 2 anos, pela prática, em 3/12/2012, de um crime de roubo.
22.- E foi condenado em 14/7/2015, por sentença transitada em 30/08/2015, no processo nº 3515/14.0T3SNT, do J2, da Secção Criminal de Sintra, na pena de 240 dias de multa, pela prática, em 4/06/2014, de um crime de falsidade de consumo.
23.- Foi condenado em 11/06/2015, por sentença transitada em 8/2/2016, no processo nº 298/13.4SGLSB, do J1, da 1ª Secção Criminal de Lisboa, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática, em 29/03/2013, de um crime de roubo e de um crime de furto.
24.- Foi condenado no processo nº 255/15.6JELSB. do J1 do Juízo Criminal de Oeiras, por sentença de 29/11/2016, transitada em 11/1/2017, na pena de 5 meses de prisão, suspensa por um ano, pela prática, em 9/08/2015, de um crime de consumo de estupefacientes.
25.- E foi condenado no processo nº 151/07.0PBLRS, do Juiz 4, do Juízo Local de Loures, por sentença de 10/12/2009, transitada em 2/10/2017, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, pela prática, em 29/03/2007, de um crime de furto qualificado.
26.- A arguida NS  não tem qualquer condenação averbada no seu registo criminal.

2.2.–Factos não provados:
- que em data não concretamente determinada, mas anterior a 19 de Março de 2017, o arguido HD solicitasse a NS, sua namorada,  que, no exterior, obtivesse substâncias estupefacientes, que as ocultasse na sua pessoa ou pertences, que as trouxesse dissimuladas no momento da deslocação àquele estabelecimento para realização de visitas e que as entregasse ao primeiro no decurso dessas visitas.
- que o arguido solicitasse à arguida que assim actuasse por pretender proceder à venda dessas substâncias a outros reclusos do Estabelecimento Prisional de Caxias, arrecadando o correspondente lucro, intenção essa que transmitiu a NS.
- que em hora não concretamente determinada da manhã de 19 de Março de 2017, mas anterior às 11h40m, a arguida NS Santos dissimulasse, na sua pessoa ou pertences, de modo não concretamente determinado, duas “bolotas” de resina de canábis, uma contendo peso não apurado, outra contendo o peso líquido de 6,868 gramas.
- que quando NS Santos se deslocou, no dia 19 ao Estabelecimento Criminal de Caxias, na área do concelho de Oeiras, com vista à realização de visita a HD , tenha conseguido passar pelos pontos de revista sem que fosse detectada a resina de canabis que trazia dissimulada, e tendo acedido à sala de visitas, onde contactou com HD .
- que no decurso da visita, e de forma não concretamente determinada, a arguida NS Santos entregasse a HD as duas “bolotas” de resina de canabis.
- que após a visita, o arguido HD  tenha engolido uma das bolotas, razão pela qual só uma das “bolotas” foi recuperada.
- que o arguido pretendesse destinar tal substância à venda no interior do estabelecimento.
- que ao agir do modo descrito, NS soubesse e quisesse deter, transportar e proporcionar a HD substância estupefaciente proibida, sabendo
- que o mesmo pretendia destiná-la a venda no interior do Estabelecimento Prisional de Caxias.
- que o arguido HD  quisesse vender substância estupefaciente.
- que em todo o circunstancialismo descrito, a arguida NS  actuasse de forma livre, voluntária e consciente, pese embora soubesse que o seu comportamento era censurado por lei como crime.

2.3.–Motivação da decisão de facto:
A convicção do Tribunal assenta no confronto crítico das declarações dos arguidos, com o depoimento de ARS , com os autos de notícia de fls 19 a 22 e 24, com o auto de apreensão de folhas 26 e com o Relatório de exame pericial de folhas 37.
O arguido reconhece a posse do produto estupefaciente, que assevera que destinava ao seu exclusivo consumo.
O arguido afirma que, ao sair da sala de visitas, deu, no bolso, com uma bolota, que levou para aquela área por engano, pelo que a tentou meter na boca, momento em que os guardas deram por isso.
HD  assume-se consumidor desde os seus 12 anos e declara que se consegue comprar estupefaciente com uma certa facilidade dentro de um estabelecimento prisional.
Assim, refere que pagou € 30,00 por aquela bolota e que aquela quantidade estupefacientes poderia ser consumida por si em 3 a 4 dias.
Embora as suas declarações não sejam expressas com uma espontaneidade particularmente convincente e sejam pouco verosímeis, já se apresenta como plausível que tenha sido outra pessoa que, na confusão e no reboliço próprio das visitas aos reclusos, tenha conseguido passar tal bolota ao arguido.
Pelo que não se permite, atenta a posição assumida pelos dois arguidos, afastar a hipótese de ter sido outra pessoa, que não a arguida NS  a ceder-lhe o produto estupefaciente.
De acordo com as regras de experiência e de vida, e vista a quantidade, concentração e apresentação do produto estupefaciente, não é possível, igualmente, afastar, com as certezas exigidas pelo processo penal, a hipótese do arguido reservar tal substância ao seu exclusivo consumo.
Ainda que as declarações da arguida NS  sejam apáticas e quase indolentes, o certo é que não é possível concluir, por si só, que não são verdadeiras quando aquela afirma que nada tinha que ver com aquele produto estupefaciente.
Efectivamente, nada permite, dos autos, inferir a suspeita de que a arguida esteja relacionada as práticas de consumo e tráfico de estupefacientes.
Não se conclui, com as certezas exigidas pelo processo penal, que foi esta quem transportou, com a aquiescência do arguido, o produto estupefaciente para o interior do estabelecimento prisional.
ARS , guarda prisional no EP de Caxias confirma a apreensão do produto estupefaciente ao arguido, no seguimento de uma revista por desnudamento, sendo que aquele escondia a bolota na boca.
O guarda prisional explica que, quando mandou abrir a boca, apercebeu-se que o arguido tinha qualquer coisa escondida.
Ordenado por si que o arguido entregasse o que trazia na boca, este obedeceu-lhe.
Todavia, a testemunha apercebeu-se que o arguido engoliu mais qualquer coisa, presumindo que fosse outra bolota.
Ora, o certo é que o arguido foi conduzido ao hospital para, com ajuda de um laxante pudesse expelir o objecto engolido e nada mais lhe foi apreendido, o que justifica a resposta negativa à alegada existência de uma segunda bolota.
A testemunha confirma que os arguidos, quando vão para a visita, não são revistados.
Quanto à entrada das visitas, esta é feita através de um pórtico e, depois, há uma revista por apalpação.
Depois da revista, as visitas podem ir à casa de banho, o que permite, conclui-se, que quem transporta qualquer coisa no seu corpo, poderá, ali, passá-la para, por exemplo, um bolso.
As visitas duram cerca de uma hora e são feitas numa sala em que 20 a 30 reclusos permanecem com os seus familiares e amigos, sob a vigilância de apenas um guarda, o que permite, no caso, alimentar dúvidas sobre a dinâmica dos factos, nomeadamente dos imputados à arguida.
Pelo exposto, dúvidas inexistem de que os factos ocorreram tal como assente, mas permanecem dúvidas inultrapassáveis quanto aos factos que se consideraram não provados.
Sendo que inexistem dúvidas quanto à natureza, peso e concentração do produto estupefaciente, qualidades demonstradas pelo relatório de exame pericial de toxicologia forense, do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, de folhas 37.

Ora o artigo 71º do Decreto-Lei nº 15/93 dispõe, no seu nº 1, que “Os Ministros da Justiça e da Saúde, ouvido o Conselho Superior de Medicina Legal, determinam, mediante portaria:
a)-Os procedimentos de diagnóstico e exames periciais necessários à caracterização do estado de toxicodependência;
b)- O modo de intervenção dos serviços de saúde especializados no apoio às autoridades policiais e judiciárias;
c)- Os limites quantitativos máximos de princípio activo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV, de consumo mais frequente”.

O nº 2 acrescenta que “A portaria a que se refere o número anterior deve ser actualizada sempre que a evolução dos conhecimentos científicos o justifique”.  
          
De acordo com o nº 3 “O valor probatório dos exames periciais e dos limites referidos no n.º 1 é apreciado nos termos do artigo 163.º do Código de Processo Penal”.

Ora, este diploma remete para a Portaria ainda vigente n.º 94/96, de 26 de Março, definindo ali os limites quantitativos máximos de princípio activo para cada dose diária individual das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV que são anexas àquela lei da droga, com o valor de prova pericial.

O laboratório de Polícia Científica, ancorado no seu saber científico, determina a concentração da substância activa – THC – definindo o número de doses correspondentes a uma média de consumo individual.

Esta determinação tem valor de prova pericial, não foi contrariada por qualquer elemento e o tribunal não dispõe de fundamentos científicos para contrariar tal força probatória.

O arguido alega que consumiria tal produto em 3 a 4 dias, mas o certo é que inexiste qualquer outra prova pericial toxicológica ou médico-legal que permita estabelecer essa como a medida do seu vício.

Pelo que se considera como provado, com base nesta prova pericial, que a substância detida corresponderia a 40 doses individuais.

A prova dos antecedentes criminais dos arguidos resulta dos certificados de registo criminal junto aos autos, 88 a 96.

As condições socioeconómicas dos arguidos resultam das suas declarações.

3.–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

3.1.–Enquadramento Jurídico Penal

Do crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade.
Vieram os arguidos acusados da prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade (previsto nos termos do artigo 25.º, al. a), com referência ao artigo 21.º, n.º 1, e à tabela I-C, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1).
O artigo 25º, concretamente imputado prevê que “Se, nos casos dos artigos 21º e 22º a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV”.

E por seu turno, diz o mencionado artigo 21 º: “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.”

A cannabis (resina e sumidades) é um produto que se encontra abrangido na tabela I-C, anexa ao Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro.

O bem tutelado pela incriminação neste artigo 25º e por referência o artigo 21º é a saúde pública.

Ora, apurou-se que o arguido HD detinha, na sua posse, 6,868 gramas de resina de canábis.

A quantia de estupefaciente em causa é superior à prescrita para o consumo médio individual para um período de 10 dias, de acordo com o disposto no artigo 2º da Lei nº 30/2000 e artigo 9º das Portaria 94/96, de 26/3.

E provou-se que a destinava ao consumo.

O Supremo Tribunal de Justiça fixou, através do Acórdão n.º 8/2008 publicado no DR 146 Série I de 5 de Agosto de 2008 a seguinte jurisprudência:
«Não obstante a derrogação operada pelo art.º 28.º da Lei 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só “quanto ao cultivo” como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias».

Assim, importa entender que o disposto no artigo 40º, nº 2 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, se mantém em vigor, quando o agente destina a substância para o seu consumo e aquela quantidade excede o necessário ao consumo médio individual para dez dias.

Estão, no caso, preenchidos todos os elementos objectivos essenciais deste crime de detenção para consumo, p. e p. pelo artigo 40, nº 2 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro.

Tratando-se de crime doloso, também estão preenchidos os elementos cognoscitivos e volitivos do dolo, na sua forma directa – cfr. artigo 14º do Código Penal.

Deste modo, vai o arguido HD absolvido da prática do crime imputado, convolando-se a matéria assente para o crime p. e p. pelo artigo 40º, nº 2 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, cuja aplicação foi “repristinada” pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.

Quanto à arguida NS, não se comprovou que esta tivesse mantido, em relação ao produto estupefaciente introduzido no Estabelecimento Prisional, qualquer das relações de domínio estabelecidas no artigo 21º da Lei 15/93, de 22 de Janeiro.

Assim, sem necessidade de mais considerandos, torna-se óbvio que, não estando preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime, há que absolver a arguida do crime imputado.

5.–Da escolha e medida da pena a aplicar ao arguido HD .
O crime praticado pelo arguido HD , pelo qual é, agora, condenado, é punível, em abstracto, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
Possibilitando a norma incriminadora a aplicação de uma das duas penas, sempre se optará pela aplicação de pena não privativa de liberdade, em consonância com o critério geral para a escolha da pena, quando ela se mostre suficiente para promover a recuperação social do delinquente e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime (artigo 71º do Código), sendo certo que o Código Penal, de pendor humanitário (artigo 70º), privilegia as penas não privativas de liberdade.
Ora, os factos ocorreram há menos de 1 ano.
O arguido tem extensos antecedentes no seu registo criminal, sendo uma das condenações por um crime de consumo de estupefacientes, igualmente em pena de prisão, ainda que suspensa nos seus efeitos.
Sendo que o arguido pratica os factos num estabelecimento prisional, onde se mantinha, tal como à data da prática dos factos, em cumprimento de pena.
Este tipo de crime privilegia a aplicação de uma pena de multa, atenta a baixa moldura penal, mas atentos os antecedentes criminais, entende-se que as exigências de prevenção especial são elevadas.
O arguido tem demonstrado insensibilidade à aplicação de penas de multa e até de prisão.
Assim, opto pela pena de prisão.
Tendo que graduar a pena, ao abrigo do critério legal previsto no artigo 71º do Código Penal, verifico que o ilícito é de expressão já relevante, atenta a substância detida, os seus antecedentes pessoais e criminais, as quantidades apreendidas e as circunstâncias da detenção (em estabelecimento prisional).
O dolo é médio.
O arguido não está integrado em termos sociais, mostrando-se recluso, em cumprimento de pena.
Tudo ponderado, considero adequada à conduta do arguido a pena de nove meses de prisão, justificando o recrudescimento da reacção penal em relação à última pena aplicada por este Tribunal.
Da suspensão dos efeitos da pena de prisão.
O arguido está preso e tem largos antecedentes criminais, nomeadamente por crimes de elevada anti-sociabidade, como crimes de roubo e de furto.
Cerca de dois meses antes da prática dos factos, vê transitar uma sentença condenatória que lhe suspendeu a execução de uma pena de prisão pela prática de factos semelhantes e por crime da mesma natureza.
Revelou desprezar este juízo favorável de prognose.
Dispõe o art.º 50 º do Código Penal, que o “1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O juízo de prognose que se faz sobre a capacidade do arguido se reeducar para o Direito, neste meio prisional ou fora dele, é, agora, muito negativo.
Nestes termos, considero que não estão verificados os demais requisitos do art.º 50º Código Penal.
Pelos motivos expostos, entendo que será exequível, nem adequada a substituição da pena de prisão ora aplicada por pena substitutiva, nomeadamente pela de permanência na habitação.
Pelo que entendo que o arguido deverá cumprir, efectivamente, esta pena de prisão.”

7.2.–Apreciação.

Funda o recorrente a sua discordância relativa à sentença proferida nos autos, - que o condenou pela prática de um crime de detenção para o consumo, previsto e punível pelo artigo 40º, nº 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C, que lhe é anexa, na pena de 9 (nove) meses de prisão- no entendimento de que o Tribunal a quo não poderia ter dado por provado que a bolota de resina de canábis encontrada permitiria a elaboração de 40 doses individuais para consumo e que a prova produzida em audiência de julgamento impunha decisão diversa uma vez que o recorrente referiu que aquela quantidade (6,868 gramas) lhe daria apenas para 3 ou 4 dias.

O recorrente alega que o tribunal a quo se socorreu do exame pericial, concluindo com base no mesmo que o produto apreendido permitiria a elaboração de 40 (quarenta) doses, por aplicação dos parâmetros da Portaria 94/96, de 26 de Março, e que face às declarações do arguido, de que tal quantidade de produto lhe daria apenas para três ou quatro dias, o tribunal deveria ter divergido da prova pericial porque os valores decorrentes da tabela a que se refere o artigo 9º da Portaria nº 94/96 não são rígidos e inderrogáveis, podendo ser considerados valores de consumo médio individual diferentes, em função das características individuais do consumidor em questão.

Ora, o que o recorrente pretende questionar é a livre convicção do tribunal e substituí-la pela sua versão dos factos.

Importa examinar o conceito de “consumo médio individual” e sua densificação.

Sobre ele, seguiremos de perto o teor do douto acórdão desta Relação e Secção de 6 de Novembro de 2012, no processo nº 5929/09.8TDLSB.L1.5, de que foi relator o Mm.º Desembargador Jorge Gonçalves, citado no acórdão de 22 de Setembro de 2015, desta Relação e Secção, de que foi relator o Mmº Desembargador Luís Gominho:
“O Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que instituiu o ainda vigente regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, estabeleceu, no seu artigo 71.º, n.º 1, al. c):
“Os Ministros da Justiça e da Saúde, ouvido o Conselho Superior de Medicina Legal, determinam, mediante portaria: (…) c) Os limites quantitativos máximo do princípio activo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV, de consumo mais frequente”.

Mais se acrescentou no seu n.º 3: “O valor probatório dos exames periciais e dos limites referidos no n.º 1 é apreciado nos termos do artigo 163.º do Código de Processo Penal”.

Da determinação da dose média individual com referência ao princípio activo do estupefaciente pode depender a prática de um ou outro crime de tráfico ou então de consumo de estupefacientes e agora de uma contra-ordenação.

A Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, que de acordo com o seu preâmbulo, teve o propósito de viabilizar a realização da perícia médico-legal e do exame médico referidos nos artigos 52.º e 43.º do Decreto-Lei n.º 15/93, determinou no seu artigo 9.º que “Os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante”.

Nessa tabela e no que respeita à canabis (resina) é indicado o valor de 0,5 gr, tendo subjacente a “dose média diária com base na variação do conteúdo médio do THC existente nos produtos da Canabis” e como referência “uma concentração média de 10% de A9THC”, conforme encontra-se anotado nessa tabela.

Por sua vez e de acordo com o artigo 10º, nº 1 da mesma Portaria, “Na realização do exame laboratorial referido nos nºs 1 e 2 do artigo 62º do Decreto-Lei n.º 15/93, o perito identifica e quantifica a planta, substância ou preparação examinada, bem como o respectivo princípio activo ou substância de referência”.

E esta tabela passou igualmente a servir para a determinação dos “limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária” no que concerne à delimitação dos tipos legais dos crimes de traficante-consumidor e de consumo (26º, nº 3 e 40º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 15/93).

Sem nos determos com maior detalhe sobre as controvérsias que se suscitaram a propósito da referida portaria e sobre a questão, não isenta de dúvidas, da quantificação das substâncias estupefacientes (veja-se, por exemplo, João Conde Correia, “Droga: exame laboratorial às substâncias apreendidas e diagnóstico da toxicodependência e das suas consequências”, Revista do CEJ, 2004, nº 1, pp.77 e segs.), certo é que parte do S.T.J. se posicionou no sentido de recusar a aplicação daquele artigo 9º da Portaria n.º 94/96, por se entender que o mencionado artigo 71º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 15/93, padecia de ilegalidade e de inconstitucionalidade orgânica (cfr. o Acórdão do S.T.J., de 26 de Março de 1996, Revista do Ministério Público nº 74 páginas 167 e ss.), sem que o Tribunal Constitucional lhe tenha dado razão quando chamado a pronunciar-se sobre a questão. Segundo o Ac. n.º 534/98, de 7 de Agosto de 1998, “os limites fixados na portaria, tendo meramente um valor de meio de prova, a apreciar nos termos da prova pericial, não constituem verdadeiramente, dentro do espírito e letra do art.º 71º do Dec-Lei n.º 15/93, uma delimitação negativa da norma penal que prevê o tipo de crime privilegiado”, mas antes a “remissão para valores indicativos”, susceptíveis de serem fundadamente afastados pelo tribunal.”

Aqui chegados, por via de regra, confrontamo-nos com duas possíveis situações:

Ou existe exame laboratorial a indicar qual é a percentagem desse princípio activo.
Ou não existe e note-se que caso presente, a investigação estava direccionada para o tráfico e não para o consumo.
A relevância de tal apuramento decorre da circunstância do “art.º 9º, da Portaria n.º 94/96, de 26 Março, indicar como quantitativo máximo para cada dose individual diária de cannabis (resina), 0,5 gramas e na nota 3 e) (aplicável à resina de cannabis) esclarecer-se que a quantidade indicada (0,5 gramas) se refere “a uma concentração média de 10% de A9TIIC”.
“Assim, se determinada resina de cannabis, com o peso líquido de 5 gramas (por hipótese) tiver a concentração de 10% de tetraidrocanabinol, então corresponderá ao limite quantitativo máximo para consumo médio individual durante 10 dias (à tal razão de meia grama diária); porém, se a concentração for de 5%, a mesma quantidade de resina de cannabis corresponderá ao consumo médio individual durante 5 dias (como, de outro lado, se a concentração for de 20%, corresponderá ao consumo médio individual durante 20 dias, pois que quanto maior for a concentração da substância activa, menor será a necessidade do consumidor do referido produto, para obter o efeito desejado)” - cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 26 de Fevereiro de 2013, no processo n.º 371/11.3PGALM.L1-5.”
Ora no caso em presença o grau de pureza é muito elevado, diremos mesmo excepcionalmente elevado contendo um grau de pureza de 29,7% e o produto em presença é óleo, resina de canábis, com 6,868 gramas de peso.
É na incompreensão da natureza semilíquida deste produto, óleo, que o recorrente arranca a conclusão de que “uma bolota com cerca de 6,8 gramas – que terá o tamanho de meio polegar – não é fisicamente divisível em 40 doses iguais com 0,17 gramas, arriscando até afirmar que uma tal divisão seria impossível.”
Tendo natureza oleosa semilíquida não é passível de ser dividido por corte de navalha, como os sabonetes ou placas de haxixe, pelo que para o seu uso basta escorrer umas gotas sobre um cigarro de tabaco. Para ser consumido pode ser misturado ao material vegetal da própria planta aumentando assim sua potência ou introduzido em aparelhos vaporizadores ou "vapes" e também pode ser adicionado a alimentos e bebidas.
Uma mera consulta da Wikipedia teria esclarecido o recorrente: “A resina de cannabis é onde se concentra o tetrahidrocanabinol (THC). A partir desta resina pode ser extraído um óleo com efeito psicotrópico mais forte. Apenas dois ou três "puffs" como se diz em gíria, fumando misturas do óleo de haxixe, já se "faz a cabeça". Para os iniciantes, óleo de haxixe não é recomendado, pois seu efeito é cerca de 10 vezes mais forte do que fumar um cigarro comum de canábis. Para aumentar a potência do fumo com o óleo de haxixe, basta colocar gota a gota sobre o cigarro ou outros dispositivos de fumar maconha que geram um líquido viscoso com potencial risco de efeito prejudicial ao organismo.”
Tendo o recorrente tido conhecimento do teor da prova pericial, cumpria ao mesmo impugnar os seus dados nos termos do art.º 163º do Código de Processo Penal, o que não fez, o que não passou desapercebido ao julgador, que afirmou expressamente na fundamentação, “o arguido alega que consumiria tal produto em 3 a 4 dias, mas o certo é que inexiste qualquer outra prova pericial toxicológica ou médico-legal que permita estabelecer essa como a medida do seu vício.”
Na referida tabela e no que respeita à canabis (resina) é indicado o valor de 0,5 gr, tendo subjacente a “dose média diária com base na variação do conteúdo médio do THC existente nos produtos da Canabis” e como referência “uma concentração média de 10% de A9THC”, conforme se encontra anotado nessa tabela. Assim 6,868 grs de óleo de haxixe com um grau de pureza de 29,7%, dividido por 0,5 a 10%, traduz-se num resultado de 40 (quarenta) doses.
Também no acórdão do STJ de 30-04-2008 (sendo relator o Senhor Conselheiro Raul Borges) ali se disse que:
“A Portaria 94/96, de 26 de Março, norma complementar que veio dar expressão, por força do critério do valor probatório da remissão nela contida, à norma sancionatória (em branco) – norma incompleta – do art.º 71º, nº 1, al. c), do DL 15/93, definidora dos limites quantitativos máximos admitidos nas doses individuais de estupefacientes (em função dos quais se aplicam tipos de ilícitos comuns ou privilegiados), tem natureza meramente técnica, devendo ser interpretada como um critério de prova pericial, permitindo, pois, a impugnação dos dados apresentados, nos termos do art.º 163.º do CPP – neste sentido, Ac. do Tribunal Constitucional nº 534/98, de 7 de Julho”.

No caso sub judice, insiste-se, essa “impugnação de dados” não foi feita, termos que ditam a improcedência do recurso e a confirmação da decisão recorrida.

8.–Decisão:

Em conformidade com o exposto acordam os juízes neste tribunal em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido HD e confirmar a douta decisão recorrida.
Custas em três unidades de conta.



Lisboa, 20 de Novembro de 2018


Ricardo Manuel Chrystello e Oliveira de Figueiredo Cardoso – (Texto elaborado de acordo com a raiz latina da língua portuguesa, em suporte informático e integralmente revisto pelos signatários)


Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição